O Imperador D. Pedro II e as eleições: a atualidade de um pensamento político

Em "Conselhos à Regente" e no seu Diário pessoal o verdadeiro auto-retrato de um Monarca que considerava a liberdade de eleição como a nossa principal necessidade política
30/09/2004 16:30

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O Imperador D. Pedro II<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/don pedro II.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/D Pedro B.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Emanuel von Lauenstein Massarani

Os estadistas do Império sabiam ser necessária, embora difícil, a abolição da escravatura, e como conseqüência, dar aos ex-escravos direitos de cidadão, pois tanto na França quanto na Inglaterra - países dos mais avançados na época - estavam em vigência os mesmos critérios.

À medida que se desenrolavam as etapas abolicionistas, desenrolavam-se ao mesmo tempo reformas eleitorais alargando sua base: assim foi com a proibição do Tráfico de Escravos em 1850, a Lei do Ventre Livre em 1867, a Lei dos Sexagenários em 1885 e, finalmente, a Lei Áurea em 1888.

A primeira reforma eleitoral, de 1846, criou as eleições por distritos - chamados então de círculos - com o restabelecimento das incompatibilidades, a restituição ao Senado do direito de verificação de poderes de seus membros, os recursos de qualificação aos Tribunais de Relação - primórdios da Justiça Eleitoral - e a qualificação dos elegíveis.

A segunda reforma data de 1855 e previa um Deputado por Distrito, com a eleição de seus suplentes. A propósito, o embaixador e historiador João Camillo de Oliveira Torres escreveu em seu livro "A Democracia Coroada" que: "...pela 1ª vez os presidentes de províncias, os seus secretários, os comandantes de armas, os generais em chefe, os inspetores gerais da fazenda pública, as autoridades policiais, os juizes de paz, municipais e de direito eram inelegíveis dentro do âmbito de suas atividades".

Finalmente, a última reforma eleitoral sob o Império e realizada em 1881, "... além de eleição direta para Deputados - antes escolhidos por Colégio Eleitoral Censitário - regulamenta as imunidades, impõe penalidades rigorosas contra as fraudes - eleitorais, alarga o voto aos naturalizados, a católicos e libertos (leia-se: escravos livres)".



Conselhos à Regente

Estamos às vésperas das eleições de 3 de outubro de 2004 e acreditamos ser oportuno divulgar um documento pouco conhecido da história brasileira e escrito, em 1871, por D. Pedro II, no qual revela de forma franca, clara e praticamente completa, o pensamento político do monarca que dirigiu os destinos do país de 1840 a 1889.

Modelo de correção, isenção, justiça, moralidade e filantropia, além de reservado e silencioso por temperamento e educação, Dom Pedro II, próximo de sua 1ª viagem ao exterior, resolveu escrever, entre fins de abril e 3 de maio de 1871, à sua filha Isabel, uma série de recomendações a serem observadas durante o período em que assumiria a regência do Império.

Conservadas pacientemente pelo Príncipe D. Pedro Gastão de Orleans e Bragança, decano da Família Imperial, essas recomendações foram reunidas em 1958 sob o título "Conselhos à Regente" e publicadas pela Livraria São José, com introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres. Dentro desses conselhos, achamos oportuno reproduzir na íntegra a carta introdutória e o capítulo referente às eleições, retirados da edição fac-similar do documento que nos foi oferecida pelo próprio neto da Princesa Isabel e bisneto de D. Pedro II.

Eis o texto, às vezes rabiscado e emendado pelo próprio imperador:

"Minha Filha,

O sentimento inteligente do dever é nosso melhor guia; porem os conselhos de seu Pae poderão aproveitar-lhe.

O systema político do Brazil funda-se na opinião nacional, que, muitas vezes, não é manifestada pela opinião que se apregoa como publica. Cumpre ao imperador estudar constantemente aquella para obedecer-lhe. Dificilimo estudo, com effeito, por causa do modo porque se fazem as eleições; mas, enquanto estas não lhe indicão seu procedimento político, já conseguirá muito, se puder attender com firmeza ao que exponho; sobre as principais questões, mormente no ponto de vista prático.

Para ajuizar bem d´ellas, segundo os casos ocorrentes, é indispensável que o imperador, mantendo-se livre de prevenções partidárias, e portanto não considerando também como excessos as aspirações naturaes e justas dos partidos, procure ouvir, mas com discreta reserva das opiniões próprias, às pessoas honestas e mais intelligentes de todos os partidos; e informar-se cabalmente de tudo o que se disser na imprensa de todo o Brazil, e na Camaras legislativas d´Assemblea - geral e provinciaes. Não é prudente provocar qualquer outro meio de informação, e cumpre aceita-lo cautelosamente.

Eleições

Instão alguns pelas directas, com maior ou menor franqueza; porem nada há mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá fazer essa mudança do systema das eleições, embora conservem os eleitores indirectos a par dos directos. Nada há comtudo immutavel entre os homens, e a constituição previu sabiamente a possilidade da reforma de algumas de suas disposições.

Alem d´isto sem bastante educação popular não haverá eleições como todos, e sobretudo o imperador, primeiro interessado em que ella seja legitimamente representada, devemos querer, e não convem arriscar uma reforma, para assim dizer definitiva, como a das eleições directas, à influencia tão deleteria da falta de sufficiente educação popular.

Por ora, não será mais preciso do que reformar as leis, de que tanto se tem abusado, por causa das eleições: a judiciaria, no sentido de distinguir a acção dos juizes da das autoridades policiaes, de abolir a prisão preventiva, isto é, antes da sentença do juiz, ou, ao menos diminuir o mais possível, sem prejuízo da punição dos crimes, os casos d´essa prisão, e duração d´ella, assegurando o castigo de quem tiver abusado; a da Guarda-nacional, estatuindo que esta só possa ser chamado a serviço em casos extraordinarios marcados na lei e por acto do poder legislativo, quando estejão abertas as Camaras, e na ausencia d´estas, por decreto do governo, que deverá ser sujeito à approvação daquellas, logo que estiverem abertas; a do recrutamento, conforme o systema do projecto, que se discute nas Camaras, e a eleitoral, não admitindo alteração da qualificação senão por sentença do juiz; estabelecendo garantias contra os falsos votantes emeios de sua efficaz punição, e regulando a votação de modo a que o partido em minoria nunca deixe de ter representantes na Camara dos Deputados.

Collocarei assim as reforma na ordem da conveniente precedencia de discussão: 1º Judiciaria, que já está no Senado, onde se melhorará; da Guarda-nacional; eleitoral visto que as proximas eleições só se farão em Novembro de 1872, e do recrutamento, que pode por uma lei ser suspenso, por maior prazo, antes e depois das proximas eleições.

A escolha de presidentes, que não sejão representantes da Nação, e não vão administrar as Provincias por pouco tempo, e para fins eleitoraes, assim como, pelo menos, a prompta demissão e privação, por algum tempo, de graças e favores para qualquer autoridade, que influir, valendo-se unicamente do prestigio de seu cargo, em favor de candidatos eleitoraes, também tem sido recomendação minha".

Obs.:Afim de facilitar a leitura, introduzimos no texto de Dom Pedro divisões em parágrafos parágrafos inexistentes no original.



No Diário, o auto-retrato do Imperador

O melhor retrato político de Dom Pedro II nos é fornecido por ele próprio, tanto pelo seu Diário quanto nos conselhos à Princesa Isabel, quando Regente, na ausência do Imperador em viagens ao exterior - viagens essas sempre pagas de seu próprio bolso.

Considerado um incansável mestre-escola imperial que nos ensinou uma lição de amor ao país, Dom Pedro II, de personalidade introvertida, escrevia diariamente sábias observações em seu Diário. Exatamente em 31 de dezembro de 1861, data que coincidia com a passagem de seus primeiros vinte e um anos de reinado, encontramos escrito o seu verdadeiro auto-retrato. Desse documento revelador e dotado de conceitos de inesperada atualidade, transcrevemos alguns trechos que consideramos importantes:

"Não posso admitir favor diferente de justiça; pois que a não ser injustiça é ignorância de justiça; a balança da justiça não se pode conservar tão ouro-fio que não penda mais para uma lado. Também entendo que despesa inútil é furto à Nação, e só o poder legislativo é competente para decidir dessa utilidade. A nossa principal necessidade política é a liberdade de eleição; sem esta e a de imprensa não há sistema constitucional na realidade, e o ministério que transgride ou consente na transgressão deste princípio é o maior inimigo do Estado e da monarquia. Minhas idéias a respeito das eleições e da imprensa do governo acham-se num papel que tem o presidente do Conselho.

Leio constantemente todos os periódicos da corte e das províncias e os que, pelos extratos que deles se fazem, me parecem interessantes. A tribuna e a imprensa são os melhores informantes do monarca.

Acho muito prejudicial ao serviço da Nação a mudança repetida de ministros; o que sempre procuro evitar, e menos se daria se as eleições fossem feitas como desejo; a opinião se firmaria, e o procedimento dos ministros seria mais conforme seus deveres, reputando eu um dos nossos grandes males a falta geral de responsabilidade efetiva.

Sobre grande número das leis promulgadas, e de se que tem falado como necessárias, existe a minha opinião escrita em papéis, que tem o presidente do Conselho; mas sempre direi aqui que fui sempre partidário da eleição por círculos, e me opus fortemente aos círculos de mais de um.

Confesso que em 21 anos muito mais poderia ter feito; mas sempre tive o prazer de ver os efeitos benéficos de 11 anos de paz interna devidos à boa índole dos brasileiros, e viveria inteiramente tranqüilo em minha consciência se meu coração já fosse um pouco mais velho do que eu; contudo, respeito e estimo sinceramente minha mulher, cujas qualidades constitutivas de caráter individual são excelentes."



Dom Pedro II

(1825-1891)

Batizado como Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bebiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, Dom Pedro II nasceu no palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, no ano de 1825.

Sétimo filho de dom Pedro I e da imperatriz Leopoldina, herda o direito ao trono com a morte de seus irmãos mais velhos Miguel e João Carlos. Tem 5 anos quando o pai abdica. Fica no Brasil sob tutela de José Bonifácio de Andrada e Silva e, depois, do marquês de Itanhaém. É sagrado imperador aos 15 anos, em 18 de julho de 1841, um ano depois de ser declarado maior e começar a reinar.

Em 30 de maio de 1843 casa-se com a princesa napolitana Teresa Cristina Maria de Bourbon, filha de Francisco I, do Reino das Duas Sicílias. Teve quatro filhos, mas só dois sobreviveram: as princesas Isabel e Leopoldina.

No início de seu governo fez viagens diplomáticas às províncias mais conflituadas. Culto, protegeu artistas e escritores e manteve correspondência com cientistas de várias partes do mundo. Entre 1871 e 1887 fez três viagens ao exterior - sempre pagando suas próprias despesas - e procurou trazer para o Brasil várias inovações tecnológicas.

Com a proclamação da República, deixou o país e foi com a família para Portugal, em 17 de novembro de 1889. Dois anos depois, em 5 de dezembro, morreu de pneumonia em Paris, aos 66 anos de idade.



A foto abaixo apresenta os seguintes objetos:

Ampulheta de vidro e madeira, com areia em seu interior, utilizada pelo monarca nos exames e concursos por ele presididos no Imperial Colégio de Pedro II;

sinete da Monarquia da Casa Imperial, em aço, com cabo de marfim Doação. Conde d'Eu;

modelo da mão de d.Pedro II, quando jovem, em bronze dourado, vendo-se um anel brasonado em seu dedo anular. Doação: Ladislau de Sousa melo Neto;

óculos dobráveis, em tartaruga e ouro, dentro de estojo de couro, que pertenceram ao Imperador. Doação: Sergio Bizarro Andrade Pinto;

medalha comemorativa da sessão de 15.12.1849, a primeira realizada no Paço Imperial e Diploma assinado: Imperador.

alesp