6/6/1966: a queda do governador Adhemar de Barros, 45 anos depois


09/06/2011 21:00

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Última reunião de Adhemar com seu secretariado <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/AdemarUltimareuniaodeAdhemar.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Adhemar de Barros no exílio, na Suiça <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/AdemardeBarrosnoautoexilionasuica.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Último adeus: multidão acompanha cortejo de Adhemar de Barros <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/AdemarUltimoadeus.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Posse de Laudo Natel como governador na Assembleia Legislativa <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/AdemarPossedeLaudoNatelnaAlespDepFranciscoFranco.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Na edição de 7/6, o texto informava sobre a decisão de Castello Branco de cassar o então governador de São Paulo Adhemar de Barros, e de empossar em seu lugar o vice Laudo Natel.

A notícia da queda de Adhemar começou a se espalhar pela cidade e pelo Estado. À noite, o disputado 2º Festival Nacional de Música Popular Brasileira, que estava sendo transmitido pela emissora de TV Excelsior, canal 9, no qual sairia vencedora a música Porta-estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, defendida por Tuca e Airto Moreira, foi interrompido, e em edição extraordinária foi noticiada a cassação do mandato e da suspensão dos direitos políticos do governador Adhemar de Barros.

Ele continuava no apartamento de Ana Capriglione. Há três dias estava gripado e febril, com problemas de hérnia. Deixou o local, que estava cercado de jornalistas, e seguiu em direção ao Palácio dos Campos Elísios, residência oficial do governador do Estado, onde chegou às 21h30, em uma camionete. Reunindo todo o secretariado e seus auxiliares diretos no salão de principal, disse:

"A vocês, estas palavras de despedida. Isto que está acontecendo não é novidade para mim. É a terceira vez que não me deixam terminar um mandato que o povo me confere. Não me custa nada fazer uma nova escalada. Fiz o que era possível. A vocês, fica a minha palavra de despedida, de adeus. Eu não poderia repetir o que disse uma criatura muito conhecida, ao deixar uma ilha do Pacífico, encurralada pela guerra: eu voltarei."

Coube ao professor Ataliba Nogueira, secretário da Educação, a leitura de uma curta proclamação redigida pelo próprio Adhemar:

"Surpreendido com o decreto de suspensão de meus direitos políticos, sinto-me no dever indeclinável de me dirigir, neste momento grave de nossa vida, ao povo brasileiro. Jamais poderia imaginar que a mesma revolução, para cuja vitória tão decisivamente contribuí, arriscando naquela altura a minha vida e este próprio mandato, viesse um dia a arrebatar os meus direitos políticos. Compelido a deixar o mandato que pela terceira vez o povo me confiou, protesto perante a história pela violência que assim compromete todos os princípios da democracia, por cuja sobrevivência lutamos em 31 de março. Grato ao meu povo, fiel a minha nação, consigno aqui o meu até sempre e confirmo a minha confiança no futuro de um Brasil democrático. Rogo a Deus proteger a minha pátria."

Em meio a balbúrdia generalizada, foram batidas diversas fotos para a posteridade a pedido dos inúmeros fotógrafos presentes.

As 23he30, Adhemar deixou pela última vez a antiga sede do governo paulista, em um verdadeiro tumulto entre jornalistas e as pessoas presentes. Em várias malas foram colocadas suas roupas e seus bens, que estavam na ala residencial do palácio. Adhemar de Barros vivia sua última meia hora na condição de governador do Estado de São Paulo. Logo depois, em um Aero-Willys, cinza grafite, acompanhado de Adelávio Sete de Azevedo, ex-chefe da Casa Civil e do médico Jairo Cavalheiro Dias, secretário da Saúde, os três no banco de trás do veiculo, e na frente o motorista e o coronel Delfim Cerqueira Neves, chefe da Casa Militar, deixaram apressadamente o local.

O presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, deputado Francisco Franco, da Arena, mas oriundo do antigo Partido Republicano, ao tomar conhecimento dos fatos, apesar de ser um domingo, convocou uma sessão extraordinária para dar posse ao novo governador, marcando para as duas horas da manhã, da segunda-feira, 6 de junho, no Palácio 9 de Julho, então situado na Parque D. Pedro 2º, no centro da cidade de São Paulo. Apesar do adiantado da hora, quando foi aberta a sessão, 94 dos 115 deputados estavam presentes.

Chegando à capital tarde da noite, Laudo Natel alegou cansaço da viagem de retorno do Rio de Janeiro e solicitou ao presidente da Assembleia que marcasse um horário mais aprazível, então sendo convocada nova sessão para as 11h da manhã.

Transportado por um automóvel Cadillac limusine 1951, do governo do Estado, Natel chegou no horário ao Palácio 9 de Julho, mas devido ao tumulto, a comissão de deputados designada pelo presidente para acompanhar o novo governador até a Mesa Diretora para prestar o juramento constitucional, demorou 20 minutos para trazê-lo ao plenário da Assembleia.

O 1º secretário, deputado Roberto Cardoso Alves, teve a incumbência de ler os dois atos baixados pelo governo federal:

"O presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e usando da atribuição que lhe confere o artigo 15 do ato institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, resolve suspender por dez anos os direitos políticos de Adhemar Pereira de Barros. Brasília, 4 de junho de 1966, 145º da Independência e 78º da República, assinado H. Castello Branco, Mem de Sá". O outro documento dizia assim: "Ato Complementar nº 10, o presidente da República, no uso das atribuições que lhe são conferidos pelo Artigo 30 do Ato Institucional nº 2, resolve baixar o seguinte Ato Complementar, art. 1º - a suspensão de direitos políticos, decretada com fundamento no art. 15 do Ato Institucional nº 2, de 17 de outubro de 1965, acarreta, simultaneamente, a suspensão do exercício do mandato eletivo federal, estadual ou municipal. Art. 2 - este ato complementar, que se aplica às suspensões de direitos políticos já decretadas, entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 4 de junho de 1966, 145º da independência e 78 da República, assinado H. Castello Branco, Mem de Sá."

Após a leitura dos decretos discricionários, Laudo Natel prestou o juramento nos termos da Constituição estadual, e foi empossado pelo deputado Francisco Franco, no cargo de governador de São Paulo, com o curto mandato até 31 de janeiro de 1967. O chefe de gabinete do ministério da Justiça, o jurista e futuro ministro João Leitão de Abreu, veio especialmente a São Paulo para acompanhar a posse.

Na saída, Natel deveria, como de praxe, passar em revista as tropas da Polícia que estavam perfiladas na área externa da Assembleia, mas devido à verdadeira balbúrdia que se formou, foi impossível realizar esse ato, que foi transferido para as dependências do Palácio dos Bandeirantes. Deixando o Palácio 9 de Julho, o novo governador, antes de se dirigir à sede do Executivo estadual, no bairro do Morumbi, passou na casa de sua mãe na rua Pamplona, onde emocionado pediu-lhe uma benção. Ao ver o filho, ambos choraram.

Coube ao governo federal à indicação dos nomes dos secretários da Segurança Pública e da Fazenda, assumindo respectivamente o general da reserva Fragoso e o economista Antônio Delfim Neto, além da indicação do comandante da Força Pública, que ficou com o coronel do Exército João Baptista de Oliveira Figueiredo, futuro presidente da República, filho do general Euclides Figueiredo, um dos líderes da Revolução Constitucionalista de 1932. Além de nomear o novo secretariado, um dos primeiros atos de Laudo Natel foi baixar um decreto suspendendo todas as milhares de nomeações que haviam sido publicadas anteriormente.

Na noite da própria segunda-feira, Adhemar resolveu ir para o Rio de Janeiro, viajando a bordo de um Dart-Herald da Sadia (depois Transbrasil), que fazia a linha da Ponte Aérea. Esperado no aeroporto Santos-Dumont por inúmeros jornalistas, não perdeu a oportunidade de falar, e acabou falando demais, para a irritação do governo federal.

Ao desembarcar, a princípio negou-se a falar de política, alegando sua condição de cassado, e afirmou: "Só daqui a dois dias decidirei se fico ou não no Brasil. Se ficar viajarei pelo país, se não, embarcarei para a Europa ou Estados Unidos, onde já se encontra minha família." Provocado pelos representantes da imprensa falou: "Não espero nenhuma revisão. É o povo que vai fazê-la". Acrescentando que "o tempo em que essa revisão vai se processar é que vai determinar se fico ou não no Brasil. Vivemos uma situação anormal e temos que esperar. Nossa luta é ideológica e, se assim não fosse, eu poderia resistir com 100 mil homens da Força Pública, que me são fiéis. Minha saída de São Paulo foi decorrente de uma luta renhida dos senhores Carvalho Pinto, Jânio Quadros e esse homem da UDN, que querem fazer candidato único da Arena". Sobre o general Amaury Kruel disse: "Kruel é um grande democrata, o mais politizado dos militares e o que está mais perto de nós. Nossa luta é pela redemocratização. Deixamos São Paulo para evitar uma luta fraticida que seria um grande negócio para alguns. Meu mandato foi confiscado, já que não me foi dado de presente, como o do atual presidente".

Ameaçado de prisão, foi obrigado a seguir, no dia seguinte, para a Europa, em avião DC-8 da Varig, com destino a Madrid, na Espanha, em um voo acidentado. Na escala na capital da Libéria, Monróvia, o aparelho apresentou defeito técnico e ficou retido por algumas horas. A bordo estava também o ministro do Trabalho Peracchi Barcelos, que seguia para Genebra, na Suíça, para uma reunião da Organização Internacional do Trabalho, lá sediada. Quando deixava o apartamento em que estava hospedado, localizado na avenida Rui Barbosa, um repórter aproximou-se de Adhemar e perguntou-lhe se ia viajar, respondendo afirmativamente, quando indagado para onde, afirmou em tom de blague: "Para a Cochinchina".

Em Madrid, falou de maneira eloquente e vingativa para os correspondentes que foram esperá-lo no aeroporto. Dizendo que "talvez voltasse a São Paulo antes do final do mês de junho". Afirmou que "o que há no Brasil é uma luta puramente ideológica, e que deixou seu país normalmente e regressaria normalmente também". Disse que "deixo São Paulo não tanto por mim, como por meus amigos, e, sobretudo pelo povo do Brasil, que me conhece muito bem. Eu parti para evitar contradições". Perguntado sobre a suspensão de seus direitos políticos por dez anos, disse que "quando voltar a São Paulo continuará lutando pela democracia". Sobre Laudo Natel disse: "É um amigo meu. Trata-se de um jovem com grande futuro". Pediu ainda para que os jornalistas espanhóis transmitissem "um grande abraço ao generalíssimo Franco, ao qual afirmou ser um dos seus maiores admiradores. Conversamos duas vezes, em 1952 e em 1958".

Disse conhecer bem Portugal e o senhor Salazar, que inclui na sua lista de homens que mais admira. Depois de informar que vai repousar um pouco, primeiro em Roma, e pelo menos uns 15 dias na Alemanha, na Floresta Negra, disse aos jornalistas que não acreditassem no que dizem a meu respeito no Brasil. É uma enxurrada de mentiras".

Posteriormente seguiu viagem para Zurique, na Suíça, e afirmou que também iria visitar a cidade de Montreux. Como cassado, e autoexilado, com o cabelo tingido de caju, viajou pelos países europeus e também para os Estados Unidos, retornando algumas vezes ao Brasil, para cuidar de seus negócios particulares, como a fábrica de Chocolates Lacta, de sua propriedade.

Em 7 de fevereiro de 1969, Adhemar estava no Santuário de Lourdes, na França, quando sofreu um forte enfarte. O governo do general De Gaulle colocou um helicóptero-ambulância à disposição para transportá-lo a Paris, sendo internado no Hospital Broussais, onde permaneceu na UTI. Mas em 12 de março de 1969, seu coração não resistiu e ele veio a falecer um pouco antes de completar 68 anos de idade.

Seu corpo foi transportado em um voo da Air France para o Brasil. No aeroporto de Viracopos, na noite de 15 de março, centenas de pessoas esperavam. O cortejo formado na rodovia Anhanguera - que ele construiu ", segundo testemunhas, perdia-se de vista. Velado na residência de seu irmão Antônio Emygdio de Barros Filho, na rua Baronesa de Itu, 311, recebeu as últimas homenagens de familiares, autoridades, amigos e correligionários.

No dia seguinte, em uma viatura do Corpo de Bombeiros, pela primeira vez na história de São Paulo, seu caixão coberto com as bandeiras do Estado de São Paulo e do Brasil, e sobre elas seu velho capacete usado durante a Revolução Constitucionalista, foi levado ao cemitério da Consolação, para ser sepultado no jazigo da família, acompanhado por milhares de pessoas a pé, em uma das maiores demonstrações públicas havidas na capital paulista até então. Em nome da família, discursou o deputado federal José de Carvalho Sobrinho e, em seguida, o ex-deputado Salomão Jorge, que lembrou a personalidade de Adhemar. Quando era baixado seu ataúde no túmulo, foi executado o toque de silêncio por um veterano de 1932.

No livro de sepultamentos do cemitério, o escrevente não teve dúvidas ao preencher a profissão de Adhemar Pereira de Barros: governador.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Alesp.

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