Diretor da FMUSP generaliza casos de violência ocorridos com alunos

Auler Júnior cita casos de violência sexual em 86 instituições nos EUA, mas promete punições
16/01/2015 19:39 | Keiko bailone e Joel Melo - Fotos: José Antonio Teixeira

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Ana Luiza Pires da Cunha, Phamela Feitosa, Marco Aurélio de Souza, Adriano Diogo e Sarah Munhoz <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166919.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Ana Luiza Pires da Cunha, representante do Coletivo Geni da FMUSP<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166920.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  José Otávio Costa Auler Júnior, diretor da FMUSP<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166921.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião da  CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166982.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presentes no evento e José Otávio Costa Auler Júnior, diretor da FMUSP (dir) <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166983.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Ana Luiza Pires da Cunha, representante do Coletivo Geni da FMUSP lembrou que esse movimento surgiu após um caso de abuso sexual.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166984.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao citar dados sobre o número de casos de violência sexual envolvendo estudantes de renomadas instituições do mundo, o professor José Otávio Costa Auler Júnior, diretor da FMUSP, acabou generalizando os relatos feitos pelos alunos nas audiências da Comissão de Direitos Humanos e agora na CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas.

Em um discurso pronto, que leu para o presidente da CPI, deputado Adriano Diogo (PT), e os deputados Sarah Munhoz (PCdoB) e Marco Aurélio (PT), presentes à reunião desta quinta-feira, 15/1, Auler Júnior citou os 120 milhões de mulheres que sofreram abuso sexual em 2014, segundo registro da ONU. Referiu-se também a cinco artigos sobre violência sexual publicados na revista britânica The Lancet para resumir que se trata de um "problema de proporções endêmicas", cuja raiz estaria na desigualdade entre os sexos. E, ao enumerar casos de violência sexual em 86 instituições norte-americanas, apresentou dados de uma pesquisa feita com 18 mil estudantes dos EUA, os quais revelaram que mais do que 50% dos estudantes consomem álcool e, um número pouco menor, faz uso múltiplo de drogas. "O consumo de álcool é maior entre os universitários do que entre a população em geral", observou.

"Estarrecidos e envergonhados".

Quanto aos casos de violência relatados por alunos da FMUSP, Auler Júnior disse que os encaminhamentos feitos oficialmente "têm sido objeto de apuração". Citou especificamente o caso de Phamela Feitosa, vítima de tentativa de estupro em 2011. Sobre esse caso, havia duas sindicâncias abertas por iniciativa da aluna: uma no ano do atentado e outra em 21 de junho do ano passado. Sobre esta última, informou que "aguarda o procurador da USP voltar de férias para estipular as punições".

O diretor da FMUSP reconheceu que é preciso ampliar e aprimorar os canais de denúncias e programas de assistência ao aluno. Alguns surgiram em 2013, o aperfeiçoamento do Núcleo de Acolhimento e Escuta, voltado aos residentes e do Núcleo de Ações e Direitos, sob coordenação da procuradora Vânia Maria Rufino Penteado, cujo objetivo é promover mudanças culturais nas instituições e em atividades de recepção aos calouros.

Com as palavras "estarrecidos e envergonhados", Auler Júnior revelou o sentimento da direção da FMUSP, acrescentando que, após os relatos dos estudantes nas audiências públicas da USP, o álcool foi proibido no campus da faculdade e que todos os casos apurados serão remetidos ao Ministério Público.

"Certeza da impunidade"

O deputado Marco Aurélio estranhou que os casos de violência tenham de enfrentar tanta burocracia para serem investigados. Disse, ainda, que os abusos se repetem porque os alunos têm certeza da impunidade. Lembrando a época em que era prefeito, o agora deputado disse que não esperava que a vítima preenchesse um documento oficial para que ele, prefeito, desencadeasse uma sucessão de ações a fim de investigar o fato. Disse também que as comissões de investigação criadas no âmbito da faculdade não investigam nada, mas que espera, daqui para a frente, que o diretor mude essa conduta.

O deputado Adriano Diogo continuou na mesma linha de cobrança ao diretor quanto às apurações das denúncias, mas declarou um voto de confiança nas futuras ações de Auler Júnior para acabar com o trote, lembrando que estamos num momento mágico em que o povo se une para pedir o fim do trote e de impunidade para pessoas como "esse moço que está colando grau e que teve todos os casos de estupro abafados". Adriano Diogo disse ainda que desses trotistas é que saem os Abdelmassih, referindo-se ao médico condenado por 56 estupros.

O deputado perguntou ainda se a Atlética, "esse monstro criado pela ditadura", vai continuar com o poder que tem ou se o diretor vai dizer: "acabou a moleza, isso aqui não tem CNPJ de boate". Adriano Diogo sugeriu ao diretor da FMUSP que promova uma cerimônia de desagravo ao Edson, estudante que morreu afogado numa das sessões de trote da Pinheiros, e disse que as meninas que foram estupradas ficam estigmatizadas pela sociedade, que sempre acha que a relação foi consensual.

O diretor disse que tem preocupação com as mulheres e que pretende aprimorar o processo e a rapidez das punições, que serão exemplares. "Isso será feito dentro dos princípios do direito, do contraditório e da ampla defesa. Este ano eu irei pessoalmente à recepção dos calouros para dialogar com eles e apresentar os canais que terão para apresentar denúncias". Sobre o Show Medicina, outra atividade combatida pelos deputados pelo seu histórico de violência e de abusos de toda a natureza, o diretor disse que não sabe se o evento vai voltar a acontecer. "Mas se voltar, não será da maneira que é".

O diretor disse ainda que não vai ser fácil mudar uma cultura que dura cem anos, mas que se empenhará profundamente para que ela seja modificada. "Não vou dizer que não acontecerão novos casos, mas posso dizer que tomarei providências para que não fiquem impunes".

O diretor lembrou ainda que vai se aposentar em breve e que não quer ser lembrado por ter sido omisso quanto ao respeito que um profissional da saúde deve ter . "O médico precisa gostar de gente, a começar pelo seu colega de faculdade".

Decisão colegiada

A deputada Sarah Munhoz disse que parece haver duas faculdades: uma que está no relato das vítimas, e outra que está nos relatos do diretor, quase perfeita. A deputada fez uma cobrança ao diretor por meio de uma pergunta: se o colegiado que decide sobre as punições aos estudantes vai ou não referendar as punições. "O fato de a aplicação de penas passar por esse colegiado, composto por professores coniventes com o que acontece, indica que a votação será de acordo com os costumes da fraternidade", alertou.

Auler Júnior disse que essa conivência não vai prevalecer, porque existe uma indignação na USP com esses casos de violência e estupro. Ele lembrou ainda que quanto à proibição do uso do álcool dentro do campus houve unanimidade na votação do colegiado. "Posso garantir que não haverá conivência", finalizou.

Representante do Coletivo Geni diz que violência é reflexo de cultura machista

Ana Luiza relata omissão da Segurança Universitária e de professor em apuração de tentativa de estupro

Mais três estudantes que já haviam prestado depoimento nas audiências públicas da Comissão de Direitos Humanos, reiteraram denúncias à CPI. Ana Luiza Pires da Cunha, representante do Coletivo Geni da FMUSP, lembrou que esse movimento surgiu após um caso de abuso sexual.

Segundo ela, os casos de estupro não são isolados, pois o Geni recebe denúncias com frequência. Esses casos teriam ocorrido nas festas do Careca do Bosque ou Fantasias do Bosque, ambas promovidas pela Associação Atlética Oswaldo Cruz.

A ocorrência de um estupro numa dessas festas não impede que elas continuem a ocorrer nos mesmos moldes, com os cafofos (espécies de tendas) e música muito alta que abafam qualquer pedido de socorro. No relato de Luiza Cunha, numa primeira reunião com os diretores da Atlética, havia acertos para que fossem colocados cartazes prevenindo as calouras sobre tais riscos. "Nunca pedimos que as festas fossem proibidas; a proibição aconteceu depois que um homossexual levou um soco porque não podia entrar no bosque. Mas sofremos retaliação por parte dos alunos, que nos culparam pela proibição".

Ela defende a tese de que as violências contra a mulher não partem de "alguns indivíduos maldosos", mas são sim o reflexo de uma cultura machista e violenta da FMUSP. Segundo Luiza, na semana de recepção aos calouros, as meninas passam por um ritual de apavoramento. Separam as meninas e as fazem sentar em círculo, sendo que os veteranos ficam em pé, em sinal de superioridade. "E elas ficam repetindo a palavra cu, a mando deles", frisou. Outro exemplo citado foi a banheira do Gugu, em que as meninas lutam por um objeto dentro da piscina.

A estudante, assim como outros que depuseram à CPI, opinou que ao entrar na FMUSP, é vendida a ideia de que o aluno está na melhor faculdade de Medicina do Brasil. "Nós fazemos três, quatro anos de cursinho para entrar na FMUSP e depois vemos que não é bem isso. Então, ficamos pensando que o problema somos nós". Luiza relatou ter passado por experiências diferentes em duas faculdades anteriores, nas quais tinha participado da semana de recepção: "ninguém fica dizendo que se você não treinar, vai ser excluída".

Vídeos e hinos fazem apelo à violência sexual

Luiza Cunha e o estudante Augusto Ribeiro da Silva falaram também sobre a violência que se apodera das torcidas das faculdades que participam das Intermed. Para ilustrar sua fala, exibiram imagem que rodou na faculdade antes de uma competição: o de uma mulher de costas com uma camiseta da EPM-Escola Paulista de Medicina e sem calcinha, com o dedo de um rapaz em sua vagina. Isso prenunciava a vitória da FMUSP contra a EPM. A violência sexual visualizada em imagens como essa é explicitada nas letras dos hinos, estampadas no Carramão, que os alunos recebem assim que chegam à FMUSP. Músicas de fácil memorização são parodiadas com palavras "de forte apelo sexual, conteúdo machista e misógino", observou Luiza Cunha. Ela leu alguns trechos e explicou que alguns como Cuzeiras 91, fazem alusão a uma estudante que teria feito sexo anal com veteranos. "Ela teve sua vida sexual exposta, todos sabem quem é ela", destacou.

Ribeiro da Silva contou que os hinos são sempre em tom de ameaça à torcida adversária e que as competições transformam-se em uma verdadeira batalha campal. E que a recomendação é para que ninguém saia sozinho e muito menos com um vestuário que denote sua faculdade, sob o risco de apanhar.

No relato de Ribeiro da Silva, o "passa cu", relatado por tantos outros estudantes, na Atlética serve como ritual de passagem e medida punitiva. Veteranos simulam um procedimento cirúrgico, vestindo roupas e luvas do hospital. A vítima deita-se de bruços e tem as calças arriadas. Ribeiro disse ter assistido à punição imposta a um diretor da Atlética que havia criticado esse trote, só que no lugar da pasta de dente, usaram uma pizza.

O caso Phamela

O fato ocorreu durante uma festa em 2013. Dois alunos convidaram Phamela Feitosa a entrar no carro para beber. Ela se negou a princípio, mas após meia hora de insistência, foi até o carro de um deles. Não entrou, mas foi agarrada, beijada e seviciada. Gritou, fez escândalo e se safou porque uma garota a ouviu e saiu em seu socorro.

Phamela procurou a Segurança Universitária, que alegou ter outro caso, razão pela qual não lhe deu assistência. Procurou então o professor Edmund Chada Baracat, presidente da Comissão de Graduação da FMUSP. Ele sugeriu que ela fizesse um boletim de ocorrência, mas alertou para que não prejudicasse o bom nome da faculdade. Phamela procurou também o Centro Acadêmico, mas disse que só encontrou apoio nos coletivos.

Foi aberta sindicância e aí começou sua desmoralização. Ouvia ofensas como "aquela menina é vagabunda, não tem o direito de denunciar" ou postagens do tipo "phodida pela phaculdade toda", em alusão ao seu nome com ph.

Na primeira sindicância, apurou-se que o fato havia sido consensual. Phamela disse que não havia tido acesso aos documentos dessa primeira sindicância. Isso só ocorreu após seu depoimento na audiência pública da CDH.

"Tentaram abafar o caso", concluiu. Já na segunda sindicância, devido à exposição de seu caso na mídia, conseguiu falar com a bancada de professores e tem a promessa de que haverá punição aos acusados, já identificados por ela.

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