Trabalhadores e empresários testemunham sobre repressão na Cobrasma e na Volkswagen

Líderes sindicais constavam de lista negra enviada ao DOPS
02/03/2015 20:49 | Da Redação: Keiko Bailone Fotos: Márcia Yamamoto

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Amanda Menencomi  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167852.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Expedito Soares<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167853.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Repressão na Cobrasma e na Volkswagen é tema de audiência da comissão da verdade <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167854.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Trabalhadores e sindicalistas acompanham o debate <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167855.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Audiência da sexta-feira, 27/2<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167856.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Rogério Vargas  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167857.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sebastião Neto  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167858.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Trabalhadores da Cobrasma e da Volkswagen participaram na sexta-feira, 27/2, de reunião da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, para apurar a colaboração do empresariado paulista na repressão aos trabalhadores durante o período civil-militar. Eles relataram demissões, tortura e incomunicabilidade de funcionários que reivindicavam melhores condições de trabalho, em pleno horário de expediente. Sob a presidência de Adriano Diogo (PT), a mediação coube a Sebastião Neto, do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica.

Cobrasma e a greve em Osasco

Os primeiros depoimentos foram os dos ex-funcionários da Cobrasma S.A., João Batista Cândido e Antonio Espinosa. Cândido contou que trabalhou durante oito anos na empresa " primeira fábrica de equipamentos ferroviários em São Paulo, localizada em Osasco. Eram 4 mil trabalhadores, sem restaurante ou refeitório. Dois terços da fábrica trabalhavam em condições de insegurança e insalubridade. "Eu mesmo assisti à morte, por acidente, de três trabalhadores", relatou.

Cândido e alguns companheiros formaram comissões de fábrica, com a assistência do advogado trabalhista Mário Carvalho de Jesus. Ele transferiu para os trabalhadores da Cobrasma a experiência acumulada no Sindicato de Cimento de Perus, que, à época, já era bastante representativo no Estado paulista, pela greve de 90 dias em represália à demissão de trabalhadores.

A greve da Cobrasma eclodiu em 16 de julho de 1968, e inspirou a paralisação em outras fábricas da região do ABC paulista, sendo referência para as greves dos metalúrgicos que se sucederam na década de 70. Dois mil trabalhadores da Cobrasma, ou seja, metade do efetivo da empresa, cruzou os braços em represália às mortes e más condições de trabalho.

A antiga Força Pública - atual Polícia Militar-, além da Polícia Federal e representantes do Ministério Público, ocuparam a fábrica e detiveram os líderes.

Antonio Roberto Espinosa, filósofo formado pela USP e ativista de esquerda, relatou que no primeiro dia foram presas 400 pessoas; no segundo, 250; e no terceiro, mais 250. Essas últimas prisões ocorreram em igrejas, onde padres haviam acolhido os grevistas, já que o Sindicato também estava ocupado.

Os que não participaram do movimento grevista foram liberados. Para Espinosa, ficou clara a relação de intimidade entre empresários e órgãos da repressão. "Tudo foi acertado por telefone".

Ex-funcionário da Cobrasma lembrou que a empresa era emblemática para movimentos da esquerda e da direita. Tinha uma longa tradição de greve e ocupava um espaço estratégico em Osasco, dentre 11 quartéis militares. Trabalhava com fundição prensada para vagões de trem, mas poderia se transformar numa fábrica de armas.

Após ser demitido, Cândido não conseguiu emprego na região "por um bom tempo", apesar da oferta de trabalho na época. Seu nome e de outros 17 líderes grevistas constavam de documento enviado pela Cobrasma ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Atestado de antecedentes de líderes sindicais foram solicitados aos que já eram funcionários da empresa.

Foi exibido vídeo produzido pelo Sindimetal (Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região), com entrevistas do então presidente da Cobrasma, Luis Bueno Vidigal Filho, e de Roberto Pinto, ex-chefe do departamento pessoal da empresa. Ambos disseram desconhecer as solicitações de atestado de antecedentes, apesar de a assinatura de Roberto Pinto constar em papel timbrado da Cobrasma. Sobre a greve, Vidigal Filho contestou o fato de sua empresa ter enviado o documento para o Serviço Nacional de Investigação (SNI).

A historiadora Joana Monteleone lembrou que a atuação da família Vidigal estendia-se à Cianorte, empresa localizada no nordeste do Paraná, e ao Banco Mercantil. "Havia o consentimento de várias formas de repressão nas empresas, mas Vidigal Filho se tornou líder do empresariado paulista no regime democrático", afirmou Joana.

Militares na Volks

Expedito Soares, ex-deputado estadual, denunciou a existência de uma lista negra do DOPS que circulava pelos departamentos de RH de todas as empresas do ABC paulista. Segundo ele, constavam da lista os nomes de trabalhadores que estavam à frente de movimentos por melhores condições de trabalho e por garantia de emprego. "Quem constava da lista estava condenado a não arranjar emprego em nenhuma fábrica da região, como eu", assinalou.

Com base nessa lista, a Comissão Municipal da Verdade de São Bernardo do Campo, presidida por José Ferreira, localizou trabalhadores e produziu um vídeo com seus testemunhos, também exibido nesta audiência. Além do vídeo, a pesquisadora Amanda Menconi Hornhard apresentou documentos sobre o monitoramento de trabalhadores feito pela Volks de Taubaté, no Vale do Paraíba. O dossiê foi entregue à Comissão da Verdade.

A pesquisadora esclareceu que as próprias empresas monitoravam seus trabalhadores, mesmo sem serem coagidas pelos militares. "Havia uma afinidade de interesses entre os militares e as empresas". Segundo ela, documentos comprovaram que o principal objeto desse monitoramento eram os sindicatos de São Bernardo do Campo e de Diadema, os integrantes do PCdoB, do MR-8, da Convergência Socialista e do PT. A lista detalhava a finalidade, a estrutura e o investimento dessas organizações dentro da fábrica.

Exibindo documento do Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba, Amanda declarou que a Volks estava na vanguarda desse monitoramento, "um exemplo para mais de 20 empresas da região", ironizou. A lista da Volks encaminhada ao DOPS continha 470 nomes, com endereço residencial.

Lúcio Antonio Bellintani, funcionário da Volks de 1964 a 1972, ano em que foi preso, citou o coronel Adhemar Rudge, então chefe de Segurança da Volks como um marco da presença de militares na empresa. "Fui preso e levado ao departamento pessoal. Lá mesmo fui estapeado. Depois me mandaram ao DOPS, onde fui torturado pela equipe do delegado Fleury e fiquei 45 dias incomunicável". Sua esposa ia todos os dias à Volks e saia sem notícias.

Bellintani relatou que o delegado Fleury, envolvido em casos de tortura e morte de militantes, frequentava a Volks, na companhia do cel. Rudge, em ronda sistemática, para flagrar reuniões em banheiros ou panfletos de greve.

A resposta da VW

Rogério Luiz Vargas, gerente jurídico da Volkswagen do Brasil, participou da audiência e, em nome da empresa, frisou que "a Volks tem uma extensa lista de contribuições sociais e se orgulha de fazer parte da história do Brasil há mais de 60 anos". Lembrou que a região do ABC, onde se situa a fábrica, é o berço do sindicalismo brasileiro e a Volks foi precursora na formação de comissões de fábrica.

Disse que o papel da empresa não é contrapor ou julgar os depoimentos e documentos. Sobre a lista com os nomes dos líderes sindicais, respondeu que a Volks estaria disposta a colaborar nos esclarecimentos, mas não reconhece a importância desse documento. "Em nenhum momento a Volks contribuiu para a violação dos direitos humanos; ao contrário, vê com muito respeito os movimentos de reparação".

Vargas confirmou que o coronel Adhemar Rudge trabalhou como chefe da Segurança da Volks até 1991, mas refutou a informação de que o sistema de segurança da empresa havia sido criado pelo criminoso nazista Franz Stangl, ex-dirigente do campo de concentração Treblinka. Stangl foi funcionário da empresa até 1967, ano em que foi preso e extraditado para a Alemanha.

Verdade e reparação

Ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade, a advogada Rosa Cardoso afirmou que a CNV centrou foco no confronto com os militares e omitiu a justiça e reparação aos trabalhadores e também o papel dos empresários como organizadores do golpe civil-militar de 1964. Fez menção à carta aberta assinada pelo Fórum dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação e, a pedido de Adriano Diogo, fez uma comparação entre o ano de 1964 e os dias de hoje.

"A história nunca se repete. O confronto ocorreu em momento diferente da agenda política de hoje, quando há questões ambientais, tecnológicas e globalização". Entretanto, a tentativa de desnacionalizar empresas, fragmentar o movimento sindical é algo parecido com o que se viu em 1964. "A indignação da população está sendo manipulada para mudar interesses que não são os dela".

alesp