CPI ouve relatos de violências no campus Botucatu da Unesp e na Esalq

Apesar de esforços das faculdades, veteranos defendem trote como legítimo e ignoram tratar-se de crime
04/03/2015 20:49 | Da Redação: Monica Ferrero e Keiko Bailone Fotos: Maurício Garcia

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Adriano Diogo <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167974.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião da CPI das Universidades desta quarta-feira, 4/3 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167975.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> João Henrique Silva Rizetto, aluno do terceiro ano de medicina<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167976.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Estudantes acompanham os trabalhos <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167977.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Professor Antonio Almeida  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167978.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> CPI das Universidades ouve relatos de violências no campus Botucatu da Unesp e na Esalq<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg167979.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as violações aos direitos humanos nas universidades paulistas ouviu, nesta quarta-feira, 4/3, testemunhos de estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) do campus de Botucatu. Os estudantes ouvidos relataram aos deputados Adriano Diogo (PT - presidente da CPI), Marco Aurélio de Souza (PT) e Dr. Ulysses (PV) as violências sofridas ou presenciadas nos trotes e citaram casos de estupro.

Segundo o aluno do terceiro ano de medicina João Henrique Silva Rizetto, os primeiranistas são obrigados a participar de festas, como Festa da Grande Família. A participação nos trotes é mostrada como uma forma de integração, e como experiência imprescindível para a vida universitária, com o que discorda.

Na Festa da Grande Família, sempre realizada em chácaras alugadas, geralmente em locais isolados, ele foi agredido por veteranos e obrigado a beber e a buscar bebidas. Soube de casos de agressões mais pesadas, como de um jovem que foi trancado no freezer de cerveja até quase desmaiar.

"Isso tudo é traumatizante principalmente para os alunos mais jovens", que pela primeira vez saem de casa e que têm de se submeter a "uma hierarquia burra, que não permite questionamentos", disse Rizetto. Ele ainda contou ter sofrido trote em chácara que servia de hospedagem aos estudantes durante a Intermed, e ter sido agredido e passado pelo "pascu" ao tentar impedir outros calouros a passarem por trote.

Segundo a estudante Natália Silva Braz, terceiranista de medicina e representante da Comissão de Recepção de 2015, nas Intermeds é cultivado ódio e desprezo profundo por outras faculdades, expressos nas letras das músicas tocadas pela bateria. O clima nessas competições é de medo, pois ocorrem casos de agressões entre estudantes de faculdades diferentes.

Biologia

Alunas do curso de biologia da Unesp de Botucatu também relataram as mesmas violências sofridas durante o trote. Dayane Pressato contou que só aguentou uma semana na primeira república em que ficou por ter sido obrigada a beber e a participar de festas, onde deveria estar fantasiada. Nessas festas os calouros eram obrigados a ficar ajoelhados, só levantando para ir buscar bebidas para veteranos. Viu colegas desacordados e sofrendo, como ela, assédio sexual.

Mayara Romão, do segundo ano de biologia, disse ter presenciado colegas chegarem bêbados nas aulas, depois do "almoço" nas repúblicas, onde são servidos pinga e ""reforço" - uma bebida batida com alho, cebola, pimenta, lixo e o que quer que a imaginação dos veteranos mandasse". Também estudante do segundo ano de biologia, Mayara Martins comentou que quatro alunos de sua sala desistiram do curso por conta dos trotes.

Em razão de o campus da faculdade ser mal servido de transporte público, é prática comum os estudantes pedirem carona, disse Dayane Pressato. Isso leva veteranos a sequestrarem primeiranistas, que são levados para as repúblicas para sofrerem trotes, chegando a ficar mais de um dia desaparecidos.

Força do trote

Tanto Natália Silva Braz como a aluna de biologia Diane Cassiano falaram da dificuldade de acabar com a cultura trotista na Unesp. As repúblicas tradicionais de Botucatu compõe um coletivo chamado União das Repúblicas Universitárias de Botucatu (Urubu), que recebem estudantes do diversos cursos e são as que mais defendem o trote. Natália disse que mesmo em reunião contra o trote, com presença de professores e diretores da Unesp, alunos se manifestaram a favor da prática sem que sofressem punição.

Em 2014 decidiu-se fazer uma recepção unificada, com uma semana apresentação e discussões sobre o trote, narrou Marina Barbosa, do quarto ano de medicina. A Urubu tentou invadir as reuniões, defendendo o trote, o que mostra que ele "é tão naturalizado que não há entendimento que é crime". Em 2015, houve poucas mudanças, mas a Urubu tirou de seu Manual do Bixo a parte em que defendia o trote, o que mostra que "passou a ser um pouco mais vergonhoso defendê-lo", disse.

Ainda segundo Marina Barbosa, que é uma das fundadoras, em 2013, do Coletivo Feminista Genis, a mobilização antitrote fez com que as festas passassem a ser mais fechadas, acessíveis apenas com nome na lista. "É difícil fazer denúncias, pois elas não têm canal adequado para recebimento", lamentou Marina. Em 2014 foi criado um novo número para o Disque Trote, mas que recebeu poucas denúncias.

Antonio Ribeiro Almeida Júnior, professor da Esalq, lembrou que os apelidos dados ficam para o resto da vida profissional dos estudantes. E que podem ser embaraçosos, por terem conotação sexual e serem baseados em características físicas, de origem, etnia e orientação sexual.

Ele deu conhecimento do Manual do Bixo de 2015 daquela faculdade, onde no final há um hinário, com letras ofensivas. Apesar da repercussão da CPI, esse manual, vendido por R$ 20 como parte do kit calouro, reproduz os anteriores, com ameaças veladas aos ingressantes que não participarem do trote, mostrando que "há uma cultura de violência que impera no campus".

Almeida Júnior ressaltou ainda que há no manual, que será adicionado ao relatório final da CPI, anúncios de diversas empresas de Piracicaba (cidade onde se situa a Esalq) e também do Banco Santander.

Estupros

Marina Barbosa contou à CPI sobre os "almoços" nas repúblicas, onde, além do uso do álcool, as estudantes do sexo feminino são constrangidas por brincadeiras vexatórias, de cunho sexual. Num desses almoços, em 2014, uma estudante foi estuprada. A vítima não denunciou o caso por medo de retaliação. Ainda naquele ano ocorreu a primeira expulsão por trote violento.

Em abril de 2014, outra estudante foi estuprada numa festa numa chácara, após ser obrigada a ingerir bebida alcoólica até ficar inconsciente, caso que chegou a sair na imprensa de Botucatu. "A garota, aliás, foi assediada seguidamente pela imprensa", continuou Marina. Em setembro, época em que já tinha passado o trote, o Coletivo Geni foi procurado por uma primeiranista que fora violentada numa república por um veterano.

"Depois do ocorrido, gerou-se uma proteção a esse estuprador. Por isso a aluna procurou a reitora. Foi aberta sindicância. O caso foi enviado ao Ministério Público Estadual". Segundo Marina Barbosa, a sindicância não avançou porque a Unesp não pode ter ingerência em fatos que ocorrem fora do campus. Na opinião do Genis, isso deve ser repensado porque repúblicas existem em função de alunos estarem frequentando determinada faculdade.

Agressor era o mesmo

Um terceiro caso de agressão cometido por um veterano contra uma primeiranista chegou ao conhecimento ao coletivo. Não houve estupro, mas serviu para descobrir que o agressor da vítima caída no bar e desta última era a mesma pessoa, ou seja, um veterano que tem por hábito apoderar-se da lista das meninas que entram no curso, escolher as vítimas, embebedar as garotas e as violentar.

O Coletivo Geni entregou à CPI farto material sobre trotes violentos, documentados em fotos e vídeos: meninas que são levadas para a "escola do sexo", onde são obrigadas a simular sexo oral; mensagens agressivas aos antitrotistas, postadas em redes sociais; garotos obrigados a cavar buracos onde são parcialmente enterrados e incitados a beber; alunos novos recebendo baldadas de água e garotas em coma alcoólico.

Ao final dos trabalhos, o deputado Marco Aurélio disse ter claro que o ciclo do trote só se encerrará daqui a quatro ou seis anos, quando as vítimas dos primeiros anos desistirem de aplicar trotes nos que entrarem.

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