Opinião: O estupro e a cultura da impunidade


31/05/2016 19:00 | Márcia Lia*

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O estupro coletivo de uma mulher no Rio de Janeiro reflete muito a decadência social e a perda de capacidade de convivência civilizada na qual vivemos. Mais que isso, reflete como construímos, até aqui, a cultura da impunidade, que é mola mestra, gatilho da cultura da violência contra a mulher. Chocante e inadmissível, esse caso, emblematicamente somado ao ocorrido no Piauí, há um ano, quando a vítima não resistiu e morreu, ilustra a fragilidade da mulher na sociedade, não por ser frágil, mas por ser convenientemente qualificada como acessório no processo de desenvolvimento social por uma parcela significativa da população, inclusive de parte de quem recebe para proteger e apurar. Para essa banda social, mulher é objeto cujo papel é servir, em todos os sentidos.

A entrevista da garota carioca, veiculada neste domingo por duas redes nacionais de televisão, confirma o enredo, a desestrutura no atendimento à mulher e o senso comum de que a culpada foi a vítima. O delegado, no início do depoimento, dizer à vítima, "Me conta aí", e, em seguida, perguntar à menor se ela já havia feito sexo grupal, dão uma pista de como esse tipo de assunto é tratado em muitas delegacias, impondo à mulher mais constrangimento e humilhação. O primeiro suspeito só foi preso nesta segunda, onze dias depois do ocorrido. Só a vítima foi removida de casa, com a família, pelo Programa de Proteção à Testemunha.

Recentemente, debatemos a estrutura de atendimento à mulher, vítima de violência, em audiência pública, na cidade de Campinas. Como neste caso, ocorrido no Rio de Janeiro, os relatos do mal atendimento nas delegacias, inclusive nas da Delegacias da Mulher, do constrangimento e da sensação de impunidade ao agressor são absolutamente os mesmos.

O que vem ajudando às vítimas é justamente a reação da outra parte da sociedade, que já não aceita a criminalização da vítima como solução a tais crimes. Não será em vão cada palavra e cada ação pacífica, na cobrança de quem pouco foi cobrado até aqui. A estrutura de segurança pública, que atende nos municípios, nos Estados, enfim, na nação, tem a obrigação de dar respostas efetivas na apuração dos crimes, inclusive nos quais as mulheres são as vítimas.

Entendemos que somente a luta diária e a resistência ao desrespeito aos direitos das mulheres conseguirão transformar a cultura da impunidade na cultura de que todos, homens e mulheres, são iguais perante a lei e que assim devem ser, também, perante a sociedade em todas as suas instâncias.

*Márcia Lia é deputada estadual pelo PT.

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