Alunos da Unicamp falam dos trotes recebidos quando calouros

Alguns estudantes da Famerp também narraram agressões sofridas
05/02/2015 20:44 | Da Redação: Monica Ferrero Fotos: Roberto Navarro
Reunião da CPI instaurada que investiga denúncias de violações aos direitos humanos nas universidades

Deputado Adriano Diogo preside os trabalhos da CPI

Estudantes da Unicamp falam dos trotes recebidos quando calouros


Nesta quinta-feira, 5/2, a CPI instaurada para investigar as denúncias de violações aos direitos humanos nas universidades, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), recebeu um grupo de 12 alunos de anos diversos e ex-alunos do curso de medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mais alguns depoimentos e filmagens de trotes foram exibidos em vídeo.

A estudante do 6º ano de Medicina da Unicamp, Natália Albertini dos Reis, falou em nome do grupo, e disse esperar que a CPI atue para que esses trotes violentos deixem de ser aplicados, ajudando a formar médicos mais humanos. Após a experiência dos trotes, o grupo de Natália tentou organizar eventos de recepção culturais, através do centro acadêmico e da Comissão de Apoio ao Estudante, para proteger fisicamente os calouros, apesar das ameaças e agressões feitas por parte dos veteranos.

Natália Reis afirmou que muitos estudantes queriam vir, mas não o fizeram com medo de represálias, "pois o preço que os denunciantes pagam é alto". Ela contou que a perseguição pode se estender para além das redes sociais, chegando a ambientes de ensino e de trabalho.

Segundo Natália, "não é certo falar que um calouro escolheu participar do trote, pois ele é levado a acreditar ser essa a única opção, por estar em um local desconhecido, com regras inquestionáveis". Ingressos para festas como a Choppada e o Churrasco eram vendidos como comemoração pela entrada na faculdade, como parte do kit calouro. "Nas festas são servidas bebidas "batizadas", provavelmente com anfetaminas.

Ela narrou trotes feitos na recepção e nas festas, como Calomed e Intermed de 2010, onde houve violência, ingestão forçada de álcool e assédio sexual. É uma "tradição" na Unicamp a cusparada de cerveja, quando os calouros ficam encharcados. Natália foi avisada por uma veterana a evitar proximidade com os estudantes que usavam kilts (saias tradicionais escocesas), os mais violentos. Tudo isso a levou à depressão e ao desinteresse pelo curso. Só não desistiu de estudar porque passou a integrar o Centro Acadêmico e a luta anti-trote.

Reprodução da violência

Brunely da Silva Galvão, aluna do 6º ano da Unicamp, também narrou os embates com os veteranos no cotidiano das faculdades, principalmente o grupo dos kilts. Respondendo a questionamento do presidente Diogo, ela disse que essa violência, além de ser um reflexo da sociedade, reproduz a hierarquia da carreira, que se não é seguida resulta em prejuízos à carreira.

Natália Reis disse que a função dessa ideologia na medicina é manter um certo distanciamento afetivo do paciente, desumanizando o médico, para manter a produtividade, por conta da alta carga de trabalho, e que esse processo começa entre as turmas da faculdade. Também relatou episódios recorrentes de humilhação de internos (estagiários do 5º e do 6º ano da graduação) por professores e residentes, muitas vezes na frente de pacientes. Formado em 2013, Vitor Dourado endossou estas manifestações, ressaltando o assédio moral durante a residência médica.

Os estudantes da Unicamp Matheus Andrade Becere. Amanda Mendes Cruzere e Rafael Nishida, todos da Comissão de Apoio ao Estudante, falaram da hierarquização e reprodução das relações sociais no curso e após a formatura, e da impunidade dos trotistas. Luis Felipe Marques, já formado, falou da necessidade de se coibir a violência na faculdade, para mudar tipo de médico formado.

Famerp

Até o ano de 2014, os vestibulares de Medicina da Unicamp e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) eram unificados. A lista desta segunda faculdade é divulgada em primeiro lugar, portanto alguns dos depoentes da CPI primeiro se matricularam na Famerp. Foi o caso do depoimento, feito em vídeo, da médica Thaís Machado Dias, que atualmente reside fora do Estado de São Paulo. Ela relatou trote sofrido em 2007, dentro da "casinha", sede do Centro Acadêmico e da Atlética, onde foi vítima de agressões físicas, verbais e assédio moral.

Posteriormente, Thaís foi para a Unicamp e, na Intermed, presenciou uso de drogas, álcool em excesso, contratação de prostitutas para festas e agressões entre torcidas. Nessa ocasião, em jogo contra a PUC de Campinas, uma aluna da Unicamp foi ferida por um tijolo arremessado. "Assédio moral, violência física, abuso sexual são crimes, mas dentro da Medicina, o máximo que acontece é uma investigaçãozinha institucional que talvez resulte em punição institucional", finalizou.

Outra ingressante da Famerp que atualmente está na Unicamp, Natália Marcon, disse que os dias na Famerp foram "os piores de sua vida". No ato da matrícula foi afastada dos pais e levada à "casinha", onde foi agredida verbalmente e suja de tinta. "E o trote se estendia por dias de tortura psicológica", que levaram a jovem a ter medo de ir para a faculdade. "Foi um alívio quando fui chamada para a Unicamp", disse Natália Marcon.

"Entrar na faculdade de Medicina é um sonho difícil de realizar, mas quando se consegue, acontece a desconstrução desse sonho: você perde nome, recebe apelido jocoso, vira bixo, e sua função é cumprir ordens e seguir a hierarquia", disse o aluno do 5º ano de Medicina da Unicamp, André Citroni Palma. A universidade reproduz a violência, sem a combater, e algumas regras viram convenções sociais. "A Comissão de Apoio ao Estudante é um avanço, mas hoje a violência é mais velada".

Ele primeiramente matriculou-se na Famerp, onde também passou pela "casinha", com assédio de veteranos, residentes, formados e professores. Decidiu então que mesmo que não passasse na Unicamp, não continuaria em Rio Preto. André disse que o grupo do kilt na Unicamp é considerado o que "mais honrava a faculdade" mas na verdade são os mais violentos.

O presidente Diogo cobrou a presença na CPI do diretor e vice-diretor da Famerp, Dulcimar Donizeti de Souza e Francisco de Assis Cury.

Ricardo Kobayashi, assessor da CPI, comentou sobre boato que circula na Unicamp de que estudantes ligados à Atlética receberiam com antecedência as questões da prova para a residência. Diogo afirmou que essa questão poderia ser levantada numa audiência exclusiva, realizada em Campinas.

Estavam presentes ainda alguns dos 17 estudantes da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara, para falar de invasão da diretoria da faculdade na luta por moradia estudantil.

Participaram da reunião ainda os deputados Carlos Gianazzi (PSOL) e Dr. Ulysses (PV).

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