Entrevista com a deputada Clélia Gomes


17/05/2017 17:37 | Beatriz Correia - Foto: Raphael Montanaro
Clélia Gomes


"Negra, pobre e da periferia", é como a deputada Clélia Gomes (PSH), uma dentre apenas dez mulheres que ocupam as cadeiras do Legislativo Paulista, se declara. De catadora de latinhas a deputada estadual, Clélia Gomes conta, nesta edição do Mandato em Pauta, os desafios e dificuldades de abordar temas polêmicos dentro da Assembleia. "Eu sou o que o poder público não gostaria de ter", revela.

Clélia Gomes se identifica como uma política que "representa o povo e fala sua língua". A deputada ressalta que é direta e defende o que acredita de forma clara, "sem entrelinhas" e diz estar agora "do lado inverso da sua comunidade". Clélia explica que decidiu entrar na política porque cansou de ver os governantes prometendo melhorias de políticas públicas para ajudar o bairro onde nasceu e cresceu, o Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo.

A deputada começou no meio político como secretária de Laércio Benko, atual presidente estadual do PHS e Secretário Estadual de Turismo, por 12 anos. Quando Benko foi eleito vereador da capital paulista em 2012, Clélia virou chefe de gabinete e aprendeu sobre política, para em 2014 eleger-se deputada estadual com 25.306 votos.

Problemas da Periferia

Com origem na periferia da zona norte de São Paulo, Clélia Gomes contou com os votos da sua região, e fez campanhas para as pessoas que já estavam acostumadas com ela. A deputada ressalta o que considera uma diferença entre ela e os demais parlamentares. "Quando chove, eu sei quais são os bairros que inundam, porque o meu bairro inunda, sei a dificuldade com o tráfico de drogas, com os postos de saúde, as escolas, porque eu também já usei os postos e estudei nas escolas públicas, meu filho estudou. Eu conheço de perto uma realidade que eu acho que muitos desconhecem", relata.

Segundo a deputada, "fazer política com consciência" é a diferença trazida pela vivência na periferia. "Você não faz para uma minoria, eles não são minoria. São Paulo não é feita de grandes muros, é feita de grandes comunidades", defende a deputada. Clélia conta que justifica os projetos propostos ou refuta-os a partir desta realidade de "uma população injustiçada".

Defesa da Mulher

Como presidente nacional do PHS Mulher, uma das bandeiras defendidas por Clélia Gomes é a defesa dos direitos da mulher na sociedade e o incentivo de uma maior participação feminina na política. "Foi feito um levantamento no país e hoje mais de 40% das mulheres são os arrimos, elas que sustentam suas casas com suas próprias rendas, muitas sem marido", relata.

Com um histórico de violência sofrida pelo pai e o ex-marido, a deputada defende que esta é sua luta. "Desde pequena eu sofri violência, meu pai era um alcoólatra, minha mãe uma senhora dona de casa que precisava nos dar o que comer para não faltar nada. Durante vinte e poucos anos sofri violência moral em um casamento, porque eu achava que o casamento aos 17 anos era uma salvação pra mim, mas eu escolhi um marido igual ao meu pai", relembra.

Clélia menciona que hoje tem a oportunidade de mostrar para as mulheres vítimas de violência doméstica que há alguém no parlamento para fazer leis efetivas para elas.

De acordo com a deputada, após pedidos e propostas dela, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, criou a primeira delegacia da mulher que funciona 24h, 7 dias por semana. Clélia comenta a necessidade da medida: "As mulheres apanham, a maioria, das 18h em diante, porque é o horário que os maridos chegam do trabalho. Se eu passei por tudo isso, me sinto na obrigação de defendê-las".

A deputada comenta ainda sobre a falta de legislação para punir a violência contra a mulher: "Há quarenta anos, quando minha mãe sofria esse tipo de agressão, nós não tínhamos ninguém para nos defender, porque naquela época, apanhar de marido era normal e protegido por lei".

Em 2015, Clélia Gomes foi indicada pelo então presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB), a procuradora especial da mulher, e na atual gestão foi convidada pelo deputado Cauê Macris a continuar no cargo. A procuradoria especial da mulher da Alesp busca ampliar a participação feminina no Poder Público, receber e encaminhar denúncias de discriminação e violência contra mulheres.

A procuradoria interage com os processos e atividades do Legislativo Paulista relacionados às questões femininas, como um órgão independente. Outra atribuição é fiscalizar e acompanhar a execução de programas do governo de São Paulo que visem à promoção da igualdade de gênero. Além disso, o órgão promove campanhas educativas e antidiscriminatórias no âmbito estadual. 

Política e Religião

"Clélia Gomes da Silva, a civil, é mãe de santo". Com esta declaração, a parlamentar explica que, como representante do Legislativo Paulista, ela não tem religião porque o estado é laico, "ou pelo menos deveria ser", ressalta.

A deputada propôs o projeto que culminou na lei atual que institui o Dia das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações da Umbanda e do Candomblé, no dia 30 de setembro, a fim de valorizar e estimular as religiões e culturas afrodescendentes.

O Dia Estadual dos Wiccanianos, Cultuadores do Sagrado Feminino, Pagãos e Praticantes das Artes Mágicas, comemorado em 31 de outubro, também é uma lei oriunda de projeto apresentado pela deputada Clélia Gomes, que defende a liberdade religiosa e o cumprimento da legislação para garantir a laicidade do estado.

Clélia afirma defender o respeito ao ser humano e a diversidade acima de tudo. "Eu como civil e mãe de santo sei do sofrimento com a intolerância religiosa desde quando eu resolvi abraçar as matrizes africanas". A deputada diz não entender "como uma pessoa que desconhece a crença afirma que é do mal".

Além das duas leis aprovadas, Clélia apresentou o PL 1553/15, que autoriza o acesso, a entrada e permanência de autoridades religiosas de qualquer crença em hospitais da rede pública ou particular, ou qualquer estabelecimento em que se encontrem pessoas doentes ou com restrição de liberdade, para receberem auxílio e amparo religiosos. A entrada seria permitida desde que o paciente tenha solicitado ou que os seus familiares tenham autorizado.

Projetos

O Projeto de Lei 130 de 2016, de autoria das deputadas Clélia Gomes, Analice Fernandes, Maria Lúcia Amary, Leci Brandão, Beth Sahão, Ana do Carmo e Vanessa Damo, dispõe sobre diretrizes que promovem a igualdade de direitos entre homens e mulheres no Estado. A proposta é pautada nos seguintes princípios: igualdade de oportunidades, não discriminação, equidade e respeito à dignidade da pessoa humana.

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