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24  DE ABRIL  DE 2000

7ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DO DIA DA SOLIDARIEDADE COM  O POVO ARMÊNIO

 

Presidência: WADIH HELÚ

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 24/04/2000 - Sessão 7ª S. Solene  Publ. DOE:

Presidente: WADIH HELÚ

 

COMEMORAÇÃO DO DIA DE SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO

001 - WADIH HELÚ

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades. Anuncia que a sessão foi convocada pela Presidência efetiva da Casa a pedido do Deputado ora na Presidência. Convida todos a ouvir o Hino Nacional Brasileiro.

 

002 - HIRANT SANAZAR

Saúda o Presidente  Wadih Helú, como integrante da comunidade armênia. Ao se referir ao genocídio dos armênios, em 1915, pede justiça e julgamento pelos tribunais internacionais.

 

003 - DATEV KARIBIAN

Saúda os presentes. Lamenta que ao se encerrar a história do século XX, as reivindicações dos Direitos dos armênios e a questão armênia continuam insolúveis desde 1915.

 

004 - VARUJAN BURMAIAN

Cumprimenta os presentes. Agradece à Casa que acolhe os descendentes de imigrantes armênios que aqui vieram em solidariedade ao povo armênio, em sua data de luto nacional.

 

005 - ACHOT YEGHIAZARIAN

Cumprimenta a Casa e manifesta sua gratidão. Parabeniza o povo brasileiro pelos 500 anos do descobrimento do Brasil. Historia o genocídio armênio pelos turcos e manifesta seu desejo de que estes o reconheçam como tal, como vários países já o fizeram.

 

006 - JORGE MENEZES GOMES

Cumprimenta o Presidente Wadih Helú e outras autoridades presentes. Discorre sobre a saga vivida pelo povo armênio no princípio deste século.

 

007 - Presidente WADIH HELÚ

Historia a lei 6468, de iniciativa do Deputado Abdo Hadade, que instituiu nesta Casa o "Dia da Solidariedade para com o Povo Armênio". Fala do genocídio dos armênios, em 1915 e homenageia a memória daqueles heróis. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

                                              

 - É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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            O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Minhas senhoras, meus senhores, presentes a esta solenidade o Sr. Dr. Desembargador George Menezes Gomes, Sr. Dr. Achot Yeghiazarian, do Consulado Geral da República da Armênia, S. Exa. Revma. Dom Datev Karibian, Prelado Titular da Diocese,  Sr. Dr. Varujan Burmaian, do Conselho Representativo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil, Exmo. e Revmo. Dom Claudio Hummes, representado neste ato pelo Monsenhor Dario Bevilacqua, Exmo. Sr. João Carlos de Souza Meirelles, Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento, representado pelo Sr. José Ronaldo Curi, Exmo. José Anibal Peres de Pontes, Secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, neste ato representado pelo Sr. Paulo Mendonza Negrão, Exmo. Sr. Nguten Van Tich, Cônsul Geral do Vietnã, Sr. András Baseh, Cônsul Geral da Hungria,  Revmo. Sr. Padre Boghos Baronian, Revmo. Sr. Dimitrios Constantinidis, representado pelo Sr. Hampartsun Noumdjan, Exmo. Sr. Hirant Sanazar, Secretário Municipal do Meio Ambiente de Osasco, Sr. Varejhi Sanazar, Diretor do jornal “O Diário de Osasco”, Revmo. Sr. Padre José Eduardo Balikian, da Igreja São Gregório Iluminador, Sr. Gabriel Nalbandian, da Associação Cultural Tekeyan, Sr. Benjhamin Distchekenian, Secretário do Conselho Representativo da Igreja Apostólica Armênia do Brasil,  Sr. Chake Avedisian, do Comitê Brasileiro para Reconstrução da Armênia,  Revmo. Sr. Padre Yeznig Guzelian, Sr. Pedro Tchakerian, da Igreja São Gregório Iluminador, Sr. Nubar Nercessian, da Sociedade Cultural Ararat, Sr. Edson Arantes, Presidente da Associação Paulista de Defesa da Cidadania, Sra. Regina Bazarian, da União Geral Armênia de Beneficência - UGAB, Sr. Antranig Muradian, Vice-Presidente do Conselho Administrativo da Igreja Apostólica Armênia do Brasil, Sra. Nelly Nalbandian, da Escola Paren e Regina Bazarian, Sr. Kevork Kumruian, do Clube Armênio, Sr. Dr. Simão Kerinian, da Associação Cultural Armênia - Acasp, Sr. Hovsep Seraidarian, da Sociedade Beneficiente e Cultural Marachá, Sra. Ena Boghossian Kouyomojian, da Sociedade Beneficiente de Damas Brasil Armênia, Sr. Abel Samarian, Sr. Hagop Chamlian, representando o Sr. Alberto Dualibi, Presidente do Esporte Clube  Corinthians Paulista. Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, nobre Deputado Vanderlei Macris, atendendo à solicitação deste Deputado, com a finalidade de prestar homenagem ao povo armênio.

            Convido a todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banca da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

 

                                                +   +   +

 

-         É executado o Hino Nacional.

 

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            O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta Presidência agradece à Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo que  executou o Hino Nacional Brasileiro, que  é uma forma de nossa grandiosa corporação, de tantas tradições, prestar uma homenagem à Armênia, à colônia armênia e aos Srs. presentes. Muito obrigado.

            Tem a palavra o Sr. Eng. Antranik Manissadjian, Vice-Presidente do Conselho Administrativo Central da Comunidade da Igreja Apostólica  Armênia do Brasil. (Pausa.) Tem a palavra o Revmo. Dimitrios Constatinidis, Pastor da Igreja Evangélica Armênia de São Paulo. Tem a palavra o Sr Hirant Sanazar, que falará pela comunidade armênia  de Osasco,  já que foi o primeiro Prefeito desse município vizinho de São Paulo.

           

O SR. HIRANT SANAZAR - Exmo. Sr. Dr. Wadih Helú, digno Deputado estadual, ora na Presidência do Legislativo paulista, figura das mais alcandoradas na vida pública de São Paulo, que tem dado praticamente toda a sua longa vida numa luta incessante em favor do progresso, da dignidade e do desenvolvimento da nossa terra. Wadih Helú forma uma verdadeira simbiose com a coletividade armênia do Estado de São Paulo, porque ainda que ambas as coletividades, a síria-libanesa e a armênia, não pudessem comunicar-se filologicamente, certamente se entenderiam através do sangue, dos olhares e dos ideais que norteiam a sua vida dedicada ao trabalho.

            Wadih Helú se integra à comunidade armênia como um lastro no fundo do navio e sempre esteve à disposição de tantos quantos precisaram de seus préstimos de homem público, de advogado e de idealista.

            Permita-me, Sr. Presidente, apenas saudar S. Exa., o Dr. Jorge Menezes Gomes,  muito digno, operoso e homem dedicado ao culto do Direito, de ilibada reputação e notável saber jurídico, que tem assento, há muitos anos, na seara mais alta do poder judicante do nosso Estado, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em nome de quem estaremos prestando as nossas homenagens a tantos quantos exornam a tribuna oficial nesta noite.

            Digníssimas senhoras, distintos senhores, amigos de sempre, fui colhido de surpresa, de inopino sou chamado a falar a respeito de um episódio histórico que marca a tristeza, que marca a revolta íntima, que marca a esperança da prestação da Justiça nas cortes internacionais cedo ou tarde, a exemplo da bandeira levantada por Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, onde mandou inscrever “libertas quae sera tamen”, liberdade ainda que tardia, e é o que os armênios pensam na sua interioridade a respeito deste vergonhoso genocídio de 1915, que se perpetrou contra uma nação indefesa, que era militarmente ocupada há centenas de anos, portanto, não tinha exército e sucumbiu diante do tacão da morte: um milhão e meio de criaturas. Desta tribuna falou-se durante os anos que a Armênia passa pela história em cerca de três mil e 500 anos e se aprofunda nas instituições artísticas, humanas e políticas. Falou-se também desta tribuna que nenhum armênio até hoje foi chamado de parasita, de sanguessuga de seu semelhante e que na Antigüidade muitos outros países se extinguiram, ao contrário da Armênia, que resiste à ação do tempo e persiste em renovar suas esperanças para ter assento definitivo nas mesas diplomáticas internacionais.

Caríssimos, estou perplexo. Como filho de armênio, nascido em Osasco - cuja representação, que tem como seu Presidente Ary Gurgenian, se faz presente na noite de hoje - acompanho a história teológica das denominações religiosas e sei bem o que representa o catolicismo no mundo e já li as encíclicas papais de Leão XIII, da Rerum Novarum, depois o Quadragésimo Ano, de Pio XI. Mais tarde, Mater et Magistra e Pacem in Terris, de João XXIII. Li também algumas deste valoroso, deste destemido, deste extraordinário Papa chamado João Paulo II, que já correu o mundo e se não chegou à Armênia, em Erevan, é porque estava nos estertores da morte o nosso Patriarca Supremo Karekin I.

Caríssimos, este pontífice romano, quando se preparava para visitar a Terra Santa de Jerusalém, fazia uma proclamação solene para todo o mundo pedindo perdão, em nome da Igreja, pelas injustiças e até atrocidades cometidas no passado pela Igreja Católica Apostólica Romana nos tempos das Cruzadas, nos tempos até da construção da Igreja de São Pedro, da concessão das bulas, da concessão dos perdões.

Na reforma religiosa de Martinho Lutero pedia-se perdão sobre a Santa “Inquisição” - entre aspas que matou milhões de pessoas. Cabisbaixo, genuflexo diante da cruz de Cristo, pedia perdão pelo genocídio praticado por Hitler na II Guerra Mundial contra os judeus, que ceifou a vida de seis milhões de criaturas. Mas caríssimos, no começo do Século XX, em 1915, em pleno fragor da Primeira Guerra Mundial, tivemos o primeiro genocídio, vergonhoso, inexplicável, dos turcos otomanos contra os armênios, do sultão Ramid II e seus asseclas e depois pelo exército dos jovens turcos de Kemautaxa até 1921 ceifando vidas armênias.  Porém, o nosso querido Pontífice, a quem tanto admiramos e que levantou o povo do Brasil nas duas vezes em que aqui veio, não se lembrou desse genocídio dos armênios. É como se ele não tivesse existido, como também não se lembrou do genocídio dos norte-americanos contra os índios peles vermelhas que foram dizimados por ordem do governo. Qual a explicação para isto? Será que é o petróleo? Porque na Armênia não tem petróleo? Porque na Armênia não tem mar? Não tem a garganta do Bósforo, o Mar de Mármara que dá entrada para a Rússia, para a Grécia? Será porque os turcos cedem suas bases militares para que os americanos tenham ali sua base militar e possam se defender de eventuais ataques da Ásia? Caríssimos, é porque a Armênia é pobre, é porque a Armênia não tem defensores, é porque no passado apenas Estônia e Inglaterra levantaram as vozes contra o genocídio. Rui Barbosa, no Brasil, fez um único discurso em 1907, em Haia, na Holanda, na Conferência da Paz e Émile Zola, na França disse alguma coisa nos papéis. Mas nenhuma potência aguerrida se levantou para defender um povo honesto, trabalhador e digno, que muito faz pela humanidade. Até quando? Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Catilina era um general de Cartago na África, que queria incendiar Roma. Por mais quanto tempo ainda este drama irá nos iludir? Ou vamos para os tribunais internacionais e defendemos a causa armênia ou somos um povo sem vontade, sem destino, sem esperança, sem horizonte.

            Por que teriam nascidos os quatro partidos políticos armênios: o Rangavar, o Armenagan, o Hantakian, o Tastaxagan? Por que a causa armênia veio à tona? Por que o Patriarca Rirnaiaigh quando voltou da Conferência de Berlim  falou que a sua colher  era de papel, enquanto que a colher de outras potências era de metal e era preciso armar o povo.

            Meus caríssimos, deixo aqui, solenemente, uma pergunta: nós vamos voltar, ano que vem,  à Assembléia Legislativa, para quê? Para rezar ou para tomarmos uma decisão diplomática,  chamar o mundo e dizer-lhe: nós queremos justiça a respeito da matança de um milhão e meio de armênios, nos dêem esta justiça. (Palmas.)

 

O SR. WADIH HELÚ - PPB -  Tem a palavra o Reverendíssimo Dom Datev Karibian, Prelado Titular da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.

 

DOM DATEV KARIBIAN -  

(ENTRA LEITURA - 02 fls. - “Estimados Amigos...”).

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB -  Esta Presidência anuncia a presença do Sr. Mário Manubian, Sr. David Tavitian, Sr. Setrak Kachbian, da Comunidade Armênia de Osasco, companheiros de nosso sempre querido amigo ex-prefeito e Vereador Hirant Sanazar.

Tem a palavra o Dr. Varujan Burmaian, Presidente do Conselho Representativo da Comunidade e da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.

 

O SR. VARUJAN BURMAIAN -

(Entra leitura do Sr. Varujan Burmaian - 2 páginas - “Exmo. Sr. Presidente...”)

 

            O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Tem a palavra o Dr. Achot Yeghiazarian, Cônsul-Geral da República da Armênia.

 

            O SR. ACHOT YEGHIAZARIAN -

 

            (Entra leitura do Sr. Achot Yeghiazarian - 4 páginas - “Nestes dias, o ...”)

 

            O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta Presidência anuncia a presença do Dr. Nichan Bertezlian, representante da sociedade Beneficente Cultural Marachá. Tem a palavra o nobre Desembargador Dr. Jorge Menezes Gomes, uma das figuras luminárias do Poder Judiciário do nosso Estado de São Paulo.

 

  O SR. JORGE MENEZES GOMES  - Exmo. Deputado Wadih Helú, Digníssimo Presidente desta sessão, ilustre parlamentar amigo da magistratura paulista, advogado de grande e qualificada militância, figura de proa nas diversas entidades associativas cujos quadros integra, Sr. Achot Yeghiazarian, Cônsul da Armênia em São Paulo, reverendíssimo Arcebispo Datev Karibian, representante da comunidade da Igreja Apostólica Armênia  do Brasil, em cujos nomes peço permissão para saudar as autoridades e os assistentes presentes. Para todos “barigdian”. Dr. Varujam Burmaian, cabe-me agradecer o convite que V. Sa. me dirigiu  para falar a esta assembléia representativa do povo armênio. Evidentemente que a tarefa é muito difícil, quanto mais não fosse, porque me precederam o senhor Cônsul e o senhor Arcebispo e em especial o Dr. Hirant Sanazar, que é um orador por todos conhecido e que proferiu uma belíssima oração que muito admirei. Figura representativa do seu povo e da sua gente,  cumprimento-o pelas palavras. Espero não decepcioná-los com  o  que tenho a dizer. Permitam-me de inicio falar de duas pessoas que se acham presentes, Abraão Samelian e Hachop Chamelian, que são meus colegas de ginásio e que no Coração de Jesus serviam de tradutores para um outro grande amigo nosso que lamentavelmente não pode vir, Mário Tertelian, que aliás era o único armênio importado. Depois desses dois amigos que tenho até hoje, ocorreu-me quando militar na escola de cadetes de prestar uma guarda de honra para uma figura representativa da parte do povo armênio, da parte religiosa do povo armênio, o Cardeal Acageanian que, por pouco, como sabem todos, não se tornou Papa.

A colônia armênia, é por todos sabido, tem grande representatividade no mundo político, econômico e financeiro dos países em que se encontram: Estado Unidos, Canadá, França, nos países da América do Sul e no Brasil, especialmente, em São Paulo. É um orgulho portar o nome Ian.

Permito-me lembrar de uma outra passagem relativa ao povo armênio que muito me tocou na visita que fiz, em Belém, à Igreja da Natividade. Dos diversos altares que tive oportunidade de ver, um deles, num lugar de muito destaque, foi o da Igreja Apostólica Armênia. Durante as 24 horas, como é hábito, os religiosos fazem suas orações e procissões. Hoje em dia, no Brasil, a Armênia tem sido lembrada por um fato até incomum, mas que toca a todos nós: a necessidade da graça divina para os problemas do cotidiano. Parece-me que os solicitantes têm sido atendidos por um santo, o Santo Expedito, cuja capela eu ajudei a construir.

Cabe lembrar que o povo armênio foi o que primeiro a adotar o cristianismo como religião oficial do país e por esses séculos todos tem mantido essa tradição. Enquanto outros países se preocupam em divorciar o Estado da Igreja, talvez para esconder problemas, distribuir mazelas, o povo armênio se irmana a sua Igreja. Mas é difícil para nós, brasileiros, mantermos um contato mais direto e fraterno com o povo armênio.

Vou me permitir ler um trecho de um artigo do jornalista e editorialista Carlos Heitor Cony, da “Folha de S. Paulo”, no dia 10 de abril do corrente. Ele fala das ignorâncias que tem mantido ao longo da vida.

Carlos Heitor Cony, como todos sabem, foi escolhido para a Academia Brasileira de Letras. Então são palavras dele: “Dou um exemplo da semana que passou. Lingüista americano morre aos 91 anos de idade. Nunca tinha ouvido falar de Hans Gustav Gueterbock, professor aposentado da Universidade de Chicago. Era especialista em hititas, povo da Antigüidade que habitava a planície central da Anatólia, na atual Turquia. Ignorava compactamente a existência dessa planície central da Anatólia. E da própria Turquia tenho uma noção sumária que depõe contra a minha cultura histórica e geográfica. Dos hititas sabia pouco e achava que era muito. Foi um povo que fundou um império dois mil anos antes da era cristã. Nos problemas de palavras cruzadas mais difíceis, volta e meia comparece como resposta à pergunta ‘povo antigo da Ásia Menor’.”

Então peço desculpas não só por mim, mas pelo povo brasileiro em geral que tem sido tão pouco fraterno, no meu entender, para com o povo armênio, poderia ser um pouco mais amigo, poderia ser um pouco mais, através dos seus governantes, patrocinador da causa Armênia ao longo da história. Não é importante agora que eu me detenha sobre a história da Armênia, já que todos aqui sabem muito mais do que eu a respeito. Mas ao ensejo da comemoração do ano passado, ao que tive notícia, um ilustre professor e historiólogo de Minas Gerais fez uma excelente conferência a respeito. De qualquer maneira, o fato é que fui incumbido pela comunidade da Igreja Apostólica do Brasil de proferir uma oração rememorando o Dia de Solidariedade para com o Povo Armênio, o que me levou à leitura de dois livros, que me foram cedidos pelo meu amigo Varujan. Eles não tratam de outra coisa senão a saga vivida pelo armênio no princípio deste século.

O primeiro desses livros é um romance, do escritor alemão Franz Werfel, denominado os 40 Dias de Musa Dagh. Constitui um libelo contra a  violência e a perseguição religiosa.  O Capítulo V, do Livro I, deste romance, foi de leitura pública obrigatória na Alemanha no final do ano de 1932. E narrando os termos em que se deu o encontro em Istambul entre o pastor evangélico Dr. Johannes Leptius e Embert Paxá, ministro da Guerra do governo turco, faz certo que a finalidade da deportação dos armênios executada a partir de 1915 era simplesmente o aniquilamento do povo armênio. Para mim foi estarrecedor ver essas palavras em torno desse aniquilamento num livro. Era uma realidade que eu não conhecia e que os brasileiros não conhecem.

            O segundo livro, sobre o qual, por motivos profissionais, dediquei leitura mais atenta, versa sobre o processo relativo ao julgamento do jovem Salomão Telherian, como responsável pela morte de Talad Paxad.

            Talad Paxad foi Ministro do Interior do governo dos jovens nacionalistas turcos de 1915 em diante. Comandou pessoalmente a deportação de armênios. Depois da deposição do governo dos jovens nacionalistas turcos, Talad Paxad foi condenado à morte na própria Turquia e escafedeu-se, indo parar em Berlim, onde em 15 de março de 1921 foi morto com um tiro, um tiro disparado por Salomão Telherian, estudante armênio de 24 anos de idade.

            O livro nada mais é do que a reprodução dos depoimentos e dos documentos que se encontram neste processo relativo a Telherian. O livro é ‘O Genocídio em Julgamento’, Processo Talad Paxad, na República de Weimar, que, como todos sabem, antecedeu o regime nazista na Alemanha.

            Como juiz permito-me ressaltar um ponto importante do livro destacado por um dos advogados de Telherian. Ele diz que o Tribunal do Júri, perante o qual Telherian respondeu pelo crime que teria cometido, é o tribunal mais importante do mundo. O júri é imemorial. Ele atravessa os séculos. Ele é o julgamento mais justo, ele é o julgamento dos concidadãos. Agora, a lei alemã, então vigente, que se sucedia ao Código Imperial e ao Código da Prússia, previa para a hipótese de morte três penas. Uma era o assassinato, que era a morte com premeditação. A outra era o homicídio, que era a morte sem premeditação. A primeira dava lugar a uma pena de morte. A segunda a uma pena mínima de seis anos de reclusão. E, o homicídio privilegiado, o que daria lugar a uma prisão não inferior a seis meses. Havia a possibilidade da exclusão de punibilidade pela falta de livre arbítrio do réu, do acusado, na hora do crime.

 Os advogados de defesa destacaram um ponto, para mim muito importante, e para os colegas que militam na trincheira do direito também.

Na época não existia a figura do semi-imputável, que seria adequada à Telerian. Porque ele praticara o crime não em condições normais, não dispunha do livre arbítrio integral. Mas, também, sem dúvida que não era um incapaz, sem dúvida que não estava ao abrigo da exclusão de punibilidade pela falta de livre arbítrio.

O advogado lamentou a falta desta figura no Código Alemão, figura esta que hoje temos incorporada no Código Brasileiro, a partir do Código Alemão. De forma que, punha-se a dúvida: como defender Telerian? Ou era a pena pelo assassinato, ou era a absolvição, que em princípio não caberia, porque o fato morte, o fato de que ele havia determinado a morte de Talad Paxad em Berlim, no dia 23 de abril de 1921 era certo, era absolutamente certo. Houve testemunhas presenciais, o réu foi preso em flagrante. E os advogados insistiram na tese da absolvição. Tese esta que algumas vezes, sob outros nomes, é lembrada no Tribunal de Júri. É aquela violenta emoção que acomete o marido depois de surpreender, por exemplo, a mulher em flagrante delito de adultério. É a violenta emoção da pessoa que vê alguém que mata um seu ente querido, e então acaba por aplicar, a ela, a pena de Talião. Era uma temeridade a invocação deste pleito de absolvição. Mas era a medida que se impunha, e que acabou prevalecendo. E por que era a medida que se impunha e acabou prevalecendo? Porque a verdade que emergiu dos autos, a verdade que emergiu dos depoimentos, a verdade que emergiu dos esclarecimentos dos peritos, foi o sentido de que, como diz na apresentação do livro o Varujan Barujan, o réu agiu em legítima defesa, ainda que tardia. Ou, então, aplicou a justiça compensatória. Estes dois princípios não estão inscritos em código algum, de país algum do mundo, mas eles estão no coração das pessoas, estão no coração do ser humano, daqueles que não podem admitir a morte do seu semelhante. A morte injustificada  do seu semelhante, em especial,  o genocídio.  Daí por que, a positividade , a realidade deste assassinato, deste crime, Salomão Terinian foi absolvido. Lamentável que o promotor não tenha recorrido desta sentença para um Tribunal Superior, que este tribunal teria então oportunidade de confirmar uma sentença justa, uma sentença digna, uma sentença que fazia justiça aos fatos que lhes estavam presentes. Esta é a história do Processo de Talad Paxad, que tive a oportunidade de ver e tive a oportunidade de sentir. Lembro ainda das palavras  do Terinian, quando ele fala, quando ele foi expulso da cidade dele, na segunda leva de extraditados: ele saiu com o pai, a mãe e com a irmã. O pai sumiu. A mãe caiu, provavelmente atingida por um tiro. A irmã foi violentada. E o irmão dele teve a cabeça aberta com um golpe de machado, na frente dele, na frente de Salomão Terinian.

            Foram esses fatos dessa natureza que, descritos ao longo do processo, impressionaram-me, e me fizeram  convencer da justiça daquela decisão dos jurados de Berlim. Este foi um aspecto do depoimento das testemunhas, do depoimento do réu, mas existe mais. Existem coisas no processo que o tempo não apaga. As palavras voam, as palavras vão embora, as palavras não são lembradas com a mesma precisão, mas lá há os despachos telegráficos dirigidos pelo Talad Paxad aos seus subordinados, determinando o procedimento em relação ao povo armênio. Não aos velhos, não aos moços, às crianças, aos bebês ainda no berço.           Esta é uma saga, a saga do povo armênio. Mas o povo armênio é maior do que todas essas vicissitudes. O povo armênio já tem quase quatro mil anos, e resistiu não só a este como a todos os outros massacres e vicissitudes pelas quais tem passado. Basta ler a história para ver quantas vezes foi ocupado, quantas vezes foi vilipendiado,  quantas vezes foi humilhado em seu próprio solo. Este povo, no entanto, é representativo pela diáspora, no mundo inteiro. A diáspora que teve força suficiente para influir na libertação da Armênia desta última década, em setembro de 1991, quando se desligou da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E o povo armênio é muito maior do que todos esses problemas, porque permanece unido até hoje, em busca da justiça, clamando pelos que morreram, mas olhando para os que ainda vivem.

Ainda durante os feriados, tomamos conhecimento de que a Armênia promoveu um acordo com o regime da Bielo Rússia e da própria Rússia. Um acordo de convivência, um acordo de nação  para nação, sem qualquer eiva ou intuito de parcialidade. O povo armênio, pelo que tenho aprendido, que acho pouco, tendo em vista a grandeza da sua história, tem um poder maior do que imagina.

Agradeço pela atenção de todos. Estou realmente comovido com esta oportunidade que me foi concedida e posso afirmar de público que tenho em cada armênio um amigo. Obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Excelentíssimo Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Deputado Vanderlei Macris, nobres Srs. Deputados, autoridades civis, militares e eclesiásticas já anunciadas, senhores e senhoras, esta Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Casa de Leis que representa toda a população do nosso Estado, hoje, mais uma vez, tem a alegria de receber em seu plenário, em suas galerias e nesta tribuna não apenas as autoridades, não apenas os senhores e  as senhoras, mas acima de tudo uma sessão solene em homenagem ao povo armênio, em homenagem à Armênia, num reconhecimento de fraternidade, de solidariedade e de irmandade. Esta sessão se realiza por força da lei 6468, de iniciativa do nobre Deputado Abdo Antonio Hadade, que instituiu nesta Casa o “DIA DA SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO”.

            Vejam, senhores, senhoras, autoridades presentes, a importância de um Estado líder da  nação brasileira, em que a sociedade se reúne com seus irmãos armênios para juntos sentirmos aquela força maior, aquela força divina que nos une para que o mundo fique sabendo, para que o mundo tenha a certeza de que em todos os quadrantes dele as comunidades são solidárias na alegria e na dor. Nesse dia 24 de abril, mais uma vez relembramos o Genocídio Armênio de 1915. Esse é, sem dúvida alguma, um dos maiores escândalos do século XX, quando mais de um milhão e 500 mil armênios foram massacrados pelo Império Otomano. As cidades da Armênia Ocidental foram todas saqueadas e os lares destruídos pela espada impiedosa dos usurpadores.

            O aniquilamento da população foi iniciado através de deportações  e sucessivas chacinas a partir de 1895. O Grande Massacre e a selvagem carnificina de Adana, comandada pelos jovens turcos traidores em 1909, culminou com o Genocídio Sistemático de 1915, atitude que provocou a indignação do mundo inteiro, sendo considerado um dos maiores genocídios ocorridos neste século, ou talvez em toda a eternidade.

 

(ENTRA LEITURA - duas páginas -“Afirmam os historiadores...)

 

As palmas dos senhores e de todos nós a todos os presentes é o retrato  dessa Armênia que poucos de nós, paulistas brasileiros, conhecemos, a não ser através da História. Mas essa História é tão imorredoura, como dissemos, e se propaga dentro do coração de todos nós.

Senhoras, senhores, autoridades, esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la esta Presidência agradece às autoridades e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a sessão. (Palmas.)

 

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 - Encerra-se a sessão às 22 horas e 10 minutos.

 

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