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23 DE ABRIL DE 2001

7ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM AO “DIA DA SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO”

 

Presidência: WALTER FELDMAN e WADIH HELÚ

Secretário: WADIH HELÚ

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 23/04/2001 - Sessão 7ª S. SOLENE Publ. DOE:

Presidente: WALTER FELDMAN/WADIH HELÚ

 

HOMENAGEM AO "DIA DA SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO"

001 - Presidente WALTER FELDMAN

Abre a sessão. Nomeia as autoridades presentes. Informa que esta sessão foi convocada a pedido do Deputado Wadih Helú para prestar homenagem ao "Dia da Solidariedade para com o Povo Armênio". Convida a todos para, de pé, ouvirem a execução dos hinos nacionais da Armênia e do Brasil pela Banda da Polícia Militar. Solidariza-se com o povo armênio.

 

002 - WADIH HELÚ

Assume a Presidência.

 

003 - HIRANT SANAZAR

Agradece a realização deste solenidade. Manifesta esperança de que uma corte internacional julgue o genocídio dos armênios.

 

004 - Presidente WADIH HELÚ

Lê carta enviada ao Presidente Walter Feldman pelo Deputado Federal Antônio Kandir sobre esta solenidade.

 

005 - CONTE LOPES

Solidariza-se com o povo armênio.

 

006 - VARUJAN BURMAIAN

Como presidente do Conselho Representativo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil, agradece a realização desta sessão solene. Pede o reconhecimento do genocídio do povo armênio em 1915.

 

007 - DATEV KARIBIAN

Arcebispo da Igreja Católica Apostólica Armênia do Brasil, lembra a conversão à fé cristã dos armênios há 1.700 anos, o que manteve a unidade do povo.

 

008 - ASHOT YEGHIAZARIAN

Cônsul-Geral da República Armênia, agradece a iniciativa desta homenagem. Pede que a comunidade internacional reconheça oficialmente o genocídio de 1915.

 

009 - JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, afirma ser de importância histórica o reconhecimento e o esclarecimento do massacre dos armênios pelos turcos.

 

010 - Presidente WADIH HELÚ

Lembra que o Dia de Solidariedade para com o povo armênio foi criado pelo Deputado Abdo Haddad. Lê poema de Paulo Bonfim em homenagem à Armênia. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - WALTER FELDMAN - PSDB - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido o Sr. Deputado Wadih Helú para, como 2º Secretário “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.

 

O SR. 2º SECRETÁRIO - WADIH HELÚ - PPB - Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - WALTER FELDMAN - PSDB - A Presidência passa a nomear as autoridades presentes: Sr. Dr. Ashot Yeghiazarian, Cônsul-Geral da República Armênia: Sr. Arcebispo Datev Karibian, prelado titular da Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; Sr. Dr. Varujan Burmaian, Presidente do Conselho Representativo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; Sr. Prof. Dr. Antranik Manissadjian, Presidente do Conselho Executivo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.

Queremos também nomear o Sr. Igor Fedochenko, Cônsul-Geral da Federação da Rússia; Sr. Rafael Soares Tabares, Cônsul-Geral de Cuba; Padre José Eduardo Balikian, Pároco dos armênios católicos; Jornalista José Nêumanne Pinto - quero dizer da grande admiração que o Governador Mário Covas tinha por V. Sa - Sr. Hirant Sanazar, 1º Prefeito de Osasco.

Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada por este Presidente, atendendo solicitação do nobre Deputado Wadih Helú, com a finalidade de prestar homenagem ao Dia da Solidariedade para com o Povo Armênio.

Convido todos os presentes para, de pé, ouvirem os Hinos Nacionais da Armênia e do Brasil, executados pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

 

* * *

 

-                                                                São executados os Hinos Nacionais.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - WALTER FELDMAN - PSDB - Em meu nome e em nome do Coronel Bucheroni, quero agradecer ao 1º Sargento da PM Fonseca, Maestro da Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Muito agradecido pela contribuição que a banda, em todas as oportunidades, dá a esta Casa.

Antes de passar a Presidência ao nobre Deputado Wadih Helú, quero apenas registrar um fato que me parece necessário neste momento. Há alguns anos participamos de cerimônia semelhante e numa delas eu fiz uma afirmação que gostaria de repetir neste momento. Sou de origem judaica. Portanto, nessa condição sei o que significa a perseguição, a luta, o holocausto e o sucesso traduzido no esforço do povo armênio e do povo judeu. Portanto, sinto-me irmanado aos senhores que neste momento realizam esta importante sessão solene.

Passo, agora, a Presidência desta sessão ao nobre Deputado Wadih Helú, que teve a hombridade e o papel histórico de convocá-la.

Muito obrigado e um bom trabalho a todos. (Palmas.)

 

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-                                                                Assume a Presidência o Sr. Wadih Helú.

 

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O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Dando continuidade às nossas homenagens ao povo da Armênia nesta sessão solene que tivemos a ventura de convocar, deferida pelo Sr. Presidente Walter Feldman, esta Presidência concede a palavra ao Dr. Hirant Sanazar, Prefeito de Osasco, que não apenas representa a colônia, mas o Legislativo Paulistano. Vereador que foi em São Paulo, tivemos a aventura de ser seu companheiro na vereança. Foi primeiro prefeito de Osasco e enaltece a Comunidade Armênia.

 

O SR. HIRANT SANAZAR - Excelentíssimo e mui diligente presidente desta solenidade, Dr. Wadih Helú, que nesta oportunidade representa o Presidente efetivo da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Deputado Walter Feldman.

O Deputado Wadih Helú nos prenda com suas considerações laudatórias porque vínculos de amizade nos unem por dezenas de anos, durante os quais e observadores que somos, ficamos convictos de que o sentimento do Deputado Wadih Helú pela comunidade armênia, sediada em São Paulo, tem uma conotação fraterna, afeiçoada e de mútua respeitabilidade, que tanto tem feito por esta colônia armênia no longo período do exercício de sua alevantada função pública. Tenho pelo Deputado Wadih Helú o mais sincero respeito, na certeza de que nesta Casa de Leis representa condigna e galhardamente os anseios e aspirações não só da população brasileira, aditando esse estado, mas muito especialmente a nossa querida comunidade armênia de São Paulo.

Excelência Reverendíssima Arcebispo Titular da Igreja Apostólica Armênia do Brasil, nosso querido Datev Karibian, estendemos nossos respeitos às demais autoridades eclesiásticas, quais sejam, os padres Yezig Genzelian, Bogus Baronian, José Eduardo Balikian, Pastor Dimitri Prodromos Constantinidis, amigo Jorge Bazukian, Cônsul-Geral da Armênia acreditado junto ao governo brasileiro Ashot Yeghiazarian, ilustre amigo e emérito cientista; Dr. Antranik Manissadjian, Presidente Executivo da Igreja Apostólica Armênia em São Paulo; Dr. Varujan Burmaian, Presidente dedicadíssimo da mesma comunidade religiosa do Conselho; ilustre inspirado e jornalista dos mais agraciados na história da imprensa, Dr. José Nêumanne Pinto, que nesta noite irá nos brindar com suas considerações em torno da temática desta noite, o genocídio perpetrado pelos turcos em 1915; o nosso queridíssimo Kevork reeleito presidente do Clube Armênio, Sociedade Artística, Melodias Armênias, Exma. Sra. Regina Bazarin, presidente e benemérita da União Geral de Beneficência Ugab, Ilustre Sr. Cônsul da Rússia Dr. Igor Fedochenko e a luzida representação de Osasco, a comunidade local aqui capitaneada pelo Dr. Setrak Kachikian, queridíssimos amigos de sempre, distintíssimas senhoras, amados alunos do Externato José Bonifácio e da Ugab, meu querido irmão Vrej Sanazar, jornalista em Osasco, diretor presidente do Jornal O Diário, a Região e Primeira Hora.

Desta consagradora tribuna, o mais alto patamar legislativo do nosso Estado, vozes categorizadas, exprimiram durante longos anos o luto e o repúdio para com o genocídio perpetrado contra os armênios pelo Império Otomano no período de 1915 a 1921. Figuras luminares aqui alcandoraram a tribuna, emitindo seus pareceres, revolvendo os fatos históricos e fazendo como que cinzelar nas paredes da Assembléia Legislativa o clamor do povo armênio que busca encontrar, um dia, a feitura da justiça em corte internacional convocada para julgar o primeiro e mais vergonhoso genocídio do século XX.

Durante as falas que aqui se ouviram, percebemos que o tema é sempre o mesmo, que a Turquia não reconhece a barbárie cometida, que os armênios têm, ainda levantada a questão armênia, a causa dos armênios, visando a devolução das terras usurpadas pelos turcos na ala ocidental do país não só na Assembléia Legislativa, mas no Congresso Nacional. Em Brasília, algumas vozes se levantaram para deixar claro que um povo cristão foi bárbara e injustificadamente massacrado, num total de um milhão e meio de vítimas sem defesa.

Caríssimos, durante a prática odienta desse massacre, os países potentados da época silenciaram, até mesmo a Rússia. Com o devido respeito a S. Exa. o Cônsul desse país aqui presente, fez ouvido de mercador e fechou os olhos diante da brutalidade do império otomano do Sultão Ramistis II, de Talak Bein, Djelau Djenver Pachá e depois do exército dos jovens turcos liderados por Mustafá. Depois, com o passar do tempo, não ouvimos queixumes de países libertários como, por exemplo, a Inglaterra, a Itália e agora, mais recentemente, os Estados Unidos da América do Norte.

Quer dizer que os discursos proferidos, aqui e acolá, nas tribunas erguidas nos grandes congressos, ficaram apenas no caminho da História como verdadeiras jóias literárias e oratórias, mas que não tiveram a devida repercussão nas cortes internacionais de Justiça, nos gabinetes governamentais de outros países. Nem mesmo o Brasil até hoje decidiu fazer um trabalho diplomático, no sentido de repudiar aquele genocídio de 1915, e de fazer valer a Declaração dos Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário.

Nós, armênios, estamos esquecidos. Por que será que a Armênia, quando louva que há 1700 anos adotou o cristianismo como o primeiro estado no mundo inteiro no ano 301, no governo de Durtar III, fica conformada diante dessa frieza intelectual e sentimental para com esse povo cristão ? É porque a Armênia é pobre e o que prevalece no mundo hipocritamente civilizado de hoje é a matéria, o dinheiro e, preferencialmente, o dólar.

Vejam que, há poucos dias, Bill Clinton, Presidente do mais rico país do mundo, manda uma mensagem ao Congresso do seu país, ao Senado, solicitando que arquive um projeto de resolução de autoria de um Senador que reconhecia a existência do genocídio e buscava-se fazer justiça mas porque não consultava os interesses econômicos e militares dos Estados Unidos, já que a Turquia lhe oferece o Estreito de Bósforo e o Chifre de Ouro, para lá instalar as bases militares americanas. A Turquia é a sua aliada e podia não gostar que os Estados Unidos reconhecessem o genocídio.

Só a França, que é o grande exemplo do direito humano, que busca na Revolução Francesa o exemplo maior de Robespierre, de Danton, de Marat e de Voltaire, reconheceu esse genocídio. Mas os Estados Unidos que teve no seu Presidente Franklin Delano Roosevelt, o grande luminar da Declaração Universal dos Direitos Humanos e daquelas quatro liberdades de 1941, silenciaram-se diante dessa manifestação congressual. Então, existem dois massacres na vida dos armênios: o primeiro massacre é de cor vermelha porque se trata de derramamento de sangue por parte de povos barbáricos, como a Turquia e como outros povos do passado que invadiram o nosso território e barbarizaram as nossas famílias. Essa guerra vermelha não conseguiu acabar com a armenidade, mas existe um outro tipo de massacre vigente, que é o massacre branco, que em armênio chama-se “tjermag tchart” em que pode até ter a missão de fazer aquilo que os turcos não conseguiram fazer : acabar com os armênios.

Através do massacre branco, vamos aos pouco neutralizando e enfraquecendo o sentimento armênio no mundo, haja vista que os que se assentam aqui hoje são sempre as mesmas pessoas que aparecem aqui durante solenidades como esta, para reverenciar a memória de um milhão e meio de compatrícios. São sempre os mesmos como que carregando o andor da Armênia. Então, para terminar, lembro-me que esperamos que a Rússia, que é vizinha da ala oriental dos armênios, faça alguma coisa em favor da Justiça, em favor do direito e da liberdade do povo armênio, que chame a sua vizinha Turquia e mantenha com ela uma relação diplomática para estudarmos o reconhecimento do genocídio e a devolução das terras usurpadas. Ou será que os armênios, durante 70 anos da União Soviética, não deram à Rússia homens do porte de Anástas Miygoyan, primeiro vice-ministro da União Soviética? Não deu um Aran Katchaturian, o musicista de maior renome? Não deu, por acaso, Victor Spenderian, presidente da Academia de Astrofísica? Não deu Bagramian, o general em Berlim, na Alemanha, com as tropas soviéticas, filho de armênio, e outros tantos soldados da União Soviética levados das famílias armênias para combaterem no teatro da guerra e darem as suas vidas pela Rússia? Por que a Rússia não acode ao desejo de liberdade e de justiça dos armênios ?

Não podemos mistificar a História, precisamos ser concretos, falar a verdade. Sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade. Rui Barbosa, quando defendeu o Brasil em Haia, na Holanda, em 1906, levantou a tese de que era preciso pela força do direito e não pelo direito da força. Como ele fez na Argentina na conferência, ainda representando o Brasil, de que diante do direito e do crime não pode haver neutralidade : ou se é a favor do crime da Turquia ou se é a favor dos direitos dos armênios, meio termo não vale no direito internacional.

Tenho medo do “tjermag tchant”, a batalha, o massacre do armênio branco, que tira o armênio da sua ligação com a pátria dos nossos pais e as novas gerações vão perdendo o gosto e o respeito pela história da Armênia.

Lembro-me que um patriota nacionalista armênio costumava vestir uma camiseta esportiva e no seu peito sempre havia uma inscrição de civismo e de amor à Armênia.

Receio e tenho pavor de que esse mesmo compatrício hoje, atraído pela matéria, pelo dinheiro e pelo dólar, carregue uma camiseta esportiva, mas esta inscrição no peito: “ I love Mitsubishi”, “ I love Mercedes Benz”, “ I love o raio que o parta”. ( Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta Presidência anuncia também a presença do Sr. Gabriel Naubadian, Presidente da Associação Cultural Tekeian, da Sra. Regina Basarian, Presidente da União Geral Armênia de Beneficência, do Sr. Pedro Tchakerian, Presidente da Igreja Católica do Brasil, do Sr. Kvork Kumurian, Presidente do Clube Armênio, a Sra. Chak Abedezian, representando a Sociedade Beneficente das Damas Brasil-Armênia, o Sr. Amparjun Munijian, representante da AMA dos Estados Unidos, o Sr. Garabedi Pilagian, Presidente em exercício do Comitê Brasileiro para Construção da Armênia, do Sr. Dimitri Produmus Constantin Nidis, pastor da Igreja Central Evangélica Armênia de São Paulo, do Sr. David Kelakian, vice-presidente da Comunidade Armênia de Osasco.

O Sr. Presidente da Assembléia, Deputado Walter Feldman, recebeu uma carta dirigida a S. Exa. do nobre Deputado Federal Antônio Kandir e pediu-nos que procedesse à leitura da mesma, o que faremos:

“São Paulo, 23 de abril de 2001. Exmo. Sr. Walter Feldman, digníssimo presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Prezado Deputado Walter Feldman, envio meus cumprimentos a você e a todos aqueles que nesta noite se reúnem para prestar sua solidariedade ao povo armênio, o momento em que se relembra o genocídio ocorrido há 86 anos. Infelizmente, compromissos agendados anteriormente impedem-me de comparecer à cerimônia. Não posso, porém, deixar de refletir, como filho de um sobrevivente que sou, o quanto é importante esta data para a comunidade armênia. Ela significa tristeza e glória. Tristeza pela perda das inúmeras vidas das vítimas do brutal massacre e glória pela luta dos sobreviventes que não só guardaram a memória do que é ser armênio, seja aonde for, como transmitir esse saber, essa cultura de geração à geração até os nossos dias. Somos todos, portanto, vitoriosos. Temos em nossa história o conhecimento da dor e da reconstrução e é isso que nos torna fortes para prosseguirmos, lutando por um mundo melhor, sempre com muito orgulho de ter o privilégio de sermos, ao mesmo tempo, armênios e brasileiros. Um grande abraço a todos.” Antônio Kandir.

Esta Presidência concede a palavra ao Líder do Partido Progressista Brasileiro, o nobre Deputado Roberval Conte Lopes.

 

O SR. CONTE LOPES - PPB - Sr. Presidente, nobre Deputado Wadih Helú, companheiro de partido, que anualmente apresenta esse requerimento convocando uma sessão solene em homenagem ao povo armênio, quero cumprimentar também os senhores que aqui estão, os jovens que aqui estão, a luta dos senhores em homenagem a um milhão e 500 mil pessoas - foi isso o que ouvi? Foram vítimas dos turcos em 1915 e que até hoje ninguém reconheceu. Ouvi atentamente as palavras de Iran Sanazar, primeiro prefeito de Osasco, que fala da história do povo armênio. Realmente, demonstra o vigor, a fibra, a luta de um povo.

Nós, que estávamos ali sentados, que também fomos cumprimentados por algumas pessoas pela nossa luta contra a criminalidade que infelizmente o Brasil enfrenta por falta de pulso das nossas autoridades, ficamos pensando nas próprias vítimas brasileiras que não têm nada a ver com o problema do povo armênio. Mas também a gente acompanha e a nossa luta é essa também, de uma forma ou outra dar condições de segurança, de sobrevivência ao povo de São Paulo e do Brasil. Vemos até pela televisão a briga a respeito de um bandido brasileiro preso na Colômbia, Fernandinho Beira-Mar, que até torço que fique lá porque vindo para o Brasil é capaz de pagar algum dinheiro para alguma autoridade nossa e voltar às ruas e comandar o crime organizado.

Hoje, na cidade de Osasco, onde também trabalhamos, participamos de um programa de rádio, tivemos a oportunidade de falar com um policial militar, um tenente que salvou uma menina de 15 anos que estava num cativeiro há cinco dias sem se alimentar. Só estou colocando os quadros que vivemos. O engraçado foi a reação da família dessa menina que mora em Itapecerica da Serra, pois  quando essa menina estava chegando da escola, foi atacada por 10 seqüestradores que pediram para a família não falar com a polícia e a família não falou com a polícia. E o resgate de 300 mil reais seria pago hoje por 100 mil reais. E quando o tenente ligou para a família dizendo que estava com a filha deles aqui, o pai da menina achou que era um trote e desligou o telefone. São as inversões de valores que a gente vive na sociedade paulista e brasileira e que os senhores também viveram e vivem.

Mas, quero cumprimentá-los por esta luta, pela batalha, por vocês continuarem batalhando pela história, pelas vítimas dos turcos em 1915 e cumprimentar mais uma vez o meu companheiro de partido, nobre Deputado Wadih Helú, que anualmente está aqui na Assembléia apresentando o seu requerimento e lutando pelos senhores como os senhores estão lutando para que se faça justiça ao povo armênio.

Obrigado a todos e boa sorte. Felicidades. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta Presidência concede a apalavra ao Dr. Varujan Burmaian, Presidente do Conselho Representativo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.

 

O SR. VARUJAN BURMAIAN - Sr. Presidente, estimado Deputado Wadih Helú, Exmo. Sr. Cônsul Geral da República da Armênia, Exmo. Sr. Arcebispo Datev Karibian, Exmas. Autoridades Civis, Militares e Religiosas, senhoras e senhores, mais uma vez esta Casa abre as portas para a comunidade armênia de São Paulo, irmanando-se para relembrar o lutuoso dia 24 de abril de 1915. Nesta data, em todos os países civilizados, ocorrem manifestações públicas de respeito e ao mesmo tempo de protesto pelo passado e mais um aniversário do genocídio em que perderam as suas vidas mais de um milhão e meio de almas inocentes, determinado pelos dirigentes do então decadente governo turco.

Alguns dos presentes, especialmente os jovens, poderão indagar: por que fatos ocorridos no milênio passado são a cada ano relembrados em todo o mundo e recebem o repúdio de quase todas as nacionalidades? A resposta é simples: ao ser humano cabe tomar a história como exemplo e no século novo, onde tremula a bandeira dos direitos humanos, devemos tê-la sempre em mente, a fim de que fatos que ofendem a consciência da civilização não mais ocorram, para que todos possam viver com a dignidade que Deus lhes deu. Entretanto, a memória do homem, lamentavelmente, é frágil e cede o seu destino a celerados que, detendo o poder, escrevem-na com o sangue de inocentes e, tardiamente, a posteridade não só condena seus autores, mas também àqueles que podendo evitá-los se omitiram.

O nosso convidado desta noite é o consagrado escritor, poeta e jornalista José Nêumanne, que é por demais de todos conhecido pela sua participação quotidiana na imprensa escrita e falada, desnecessária ,portanto, uma apresentação alongada.

Solicito a cortesia do nosso palestrante, para nos permitir um curto parênteses em que possamos definir o que já se nos parece ser o consenso de grande maioria da comunidade. O fato histórico é inegável, documentado e testemunhado. Cada família ou indivíduo descendente de armênios certamente terá um antepassado muito próximo, vítima direta do genocídio armênio, todos nós somos descendentes daqueles que por sorte ou piedade conseguiram escapar com vida do furor das armas ou do inferno do deserto.

Quando a nação armênia clama pelo reconhecimento do seu genocídio, sistematicamente negado pelos sucessivos governos turcos, não clama por vingança, não clama por reparações materiais, nem reivindica territórios perdidos, mas exige que em respeito às milhares de almas insepultas, pais, mães, filhos e irmãos, que a Turquia abandone esta postura de arrogância intolerável, reconhecendo e desculpando-se pelos atos de seus antepassados. Esta atitude a resgataria da execração e do desprezo, honrando-a com o retorno à humanidade civilizada.

Sr. Presidente, agradecemos, em nosso nome e no do Conselho Administrativo da Igreja Apostólica Armênia, a Vossa Excelência por ter cedido esta sessão para rememorarmos o lutuoso dia 24 de Abril de 1915.

Agradecemos, também, ao nobre Deputado Wadih Helú, que todos os anos requer a realização desta sessão, tornando-se o seu patrono vitalício.

A todos o nosso muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta Presidência concede a palavra ao Reverendíssimo Arcebispo Datev Karibian, prelado titular da Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.

 

O SR. DATEV KARIBIAN - Excelentíssimo Sr. Presidente, nobres Deputados, respeitáveis autoridades e queridos amigos , todo o povo armênio, hoje, com o entusiasmo dos 1700 anos da proclamação do Cristianismo como religião oficial de Estado, apresenta-se a todas as Igrejas co-irmãs, às nações amigas e aos governos dos países onde existem coletividades armênias, para dizer-lhes que, no ano de 301, toda uma nação, com sua estrutura estatal, foi batizada com a fé cristã. E essa nação foi a primeira a declarar o cristianismo como religião oficial de Estado. Somos os filhos dessa nação e, conseqüentemente, os herdeiros da sua fé.

O povo armênio, hoje, nesta etapa de aniversário, é o Peregrino dos locais históricos sagrados que se encontram na Mãe Pátria, na Armênia histórica e em outros países, indo renovar a sua fidelidade à sua Promessa nacional e religiosa, que há 1700 anos o Grande Rei Dertad III dos armênios realizou, perante o Verdadeiro Deus, ao ajoelhar-se diante do Grande Iluminador da Armênia, São Gregório, depois de se curar com as orações deste.

O povo armênio sente alegria e felicidade, pois neste glorioso aniversário histórico unem-se a ele todas as Igrejas, com suas orações e com a participação pessoal dos seus chefes, como também realizam-se, por parte de alguns governos e organizações internacionais, atos oficiais comemorativos.

Hoje, com pleno conforto espiritual, o povo armênio dá Graças a Deus, pois consegue reunir, depois de 1700 anos, seus filhos da Diáspora espalhados pelo mundo, na sua Pátria reduzida, porém independente, sob a tutela do seu Centro Espiritual, a Santa Sede de Etchmiadzin, para mais uma vez se batizarem, com toda a nação, pela fé pregada pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Hoje, o povo armênio, ao fazer uma retrospectiva na sua história de três milênios, vê ali, com um orgulho justo, a bravura e criatividade dos seus antepassados, assim como o seu martírio voluntário a caminho da proteção da sua fé.

O povo armênio é consciente, hoje, pois foi graças à sua Santa Igreja Mãe Apostólica Armênia, graças às lutas dos seus heróis, e aos ilimitados sacrifícios e incansáveis atividades dos seus Santos e magníficos Patriarcas, das comovedoras orações e a cultura criadas por eles, que ele tem resistido, por séculos, e vive até hoje com a mesma fé, para cuja proteção, quantas vezes ele teve de lutar e ser martirizado.

Quero, hoje, em primeiro lugar, em nome da Coletividade Armênia do Brasil, expressar meus agradecimentos a essa nobre Assembléia, à sua Presidência e aos dignos Deputados, que, como em todos os anos, vem manifestar sua homenagem à Nação Armênia, por ocasião daquele aniversário histórico, cuja história ainda não se encerrou.

Hoje, o povo armênio está, também, diante da lembrança da data triste de 1915. Aproveitando dos ruídos da Primeira Guerra Mundial e das oscilações políticas daquele período, o Império Otomano realizou o seu projeto desumano e criminal sobre o povo armênio, na Armênia Histórica, perpetrando o Primeiro Genocídio do Século Vinte, quando um milhão e meio de pessoas inocentes foram vitimadas.

Os detalhes desse período histórico estão registrados nos arquivos de alguns governos, arquivos esses que são testemunhos vivos da grande tragédia de toda a nação armênia no século passado. Por décadas, o povo armênio ficou enlutado pelas suas vítimas inocentes, reivindicou os seus direitos, esperou justiça do mundo; porém, todas as grandes Potências ficaram mudas e surdas e, imbuídos de interesses políticos, conscientemente pisotearam suas consciências, ignoraram as justas reivindicações de uma Nação vitimada, e ainda encorajaram e mimaram o verdadeiro criminoso, que permanece, até hoje, impune, tentando negar o seu crime e cobrir seu rosto sanguinário.

Mas hoje parece que os raios da justiça começam a radiar. O povo armênio sempre confiou em seu Senhor e Salvador. Todas as suas palavras no Evangelho foram para o povo armênio um conforto, amparo e mensagem. As seguintes palavras do Senhor ecoaram sempre na alma do armênio, durante séculos, mais propriamente depois do genocídio de 1915: “Não temais os que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados; bem-aventurados os famintos e sedentos da Justiça, porque serão saciados.”

Hoje, no ano de 2001, no milésimo centenário aniversário do seu cristianismo, o povo armênio vê as boas intenções das potências amigas e amantes da justiça, as quais, em nome da justiça e da paz duradoura entre as nações, levantam as suas vozes reconhecendo o genocídio perpetrado pela Turquia contra o povo armênio, no início do Século XX.

Nós, armênios residentes no Brasil, temos o direito de ter esperança de que também a nossa pátria brasileira, em nome da justiça, no momento oportuno, sem dúvida, trará a sua palavra decisiva sobre este assunto.

Todos os armênios da Armênia e da diáspora, que expressam um grande amor, estima e simpatia para com o Brasil, também têm essa expectativa e confiança.

Que Deus abençoe o povo armênio, a Igreja e a Pátria armênia. Que Deus abençoe também esta maravilhosa pátria brasileira, o seu governo, sua liderança com o seu povo gentil e hospitaleiro.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Esta presidência concede a palavra ao Dr. Ashot Yeghiazarian, Cônsul-Geral da República Armênia.

 

O SR. ASHOT YEGHIAZARIAN - Sr. Presidente, nobre Deputado Wadih Helú, Exmos. Srs. Deputados, Srs. Cônsules Gerais da Federação Russa e Cuba, distintos convidados, senhores e senhoras, a Assembléia Legislativa de São Paulo, que representa toda a população deste Estado Líder da Nação Brasileira, recebe hoje no seu plenário os representantes da coletividade armênia para homenagear, pela 13ª vez, uma data sagrada para todos os armênios. É uma data que jamais será apagada da memória do nosso povo, que jamais será borrada da História Contemporânea como o Primeiro Holocausto do Século XX.

É exatamente isso que engrandece o significado desse ato solene, uma bela e digna expressão de respeito e fraternidade, um testemunho da solidariedade que une todas as coletividades deste Estado.

Nossos agradecimentos especiais ao nobre Deputado Wadih Helú, reconhecido homem público, notável político e amigo dos armênios, sob cuja iniciativa realiza-se hoje esta sessão solene.

Conforme os oradores que me antecederam já falaram sobre o assunto, não entrarei em detalhes nessa questão, no entanto gostaria de salientar alguns pontos importantes.

Um crime tão bárbaro contra uma população tão indefesa, um crime que fora planejado com o objetivo de exterminar uma nação inteira e expulsá-la dos seus territórios histórico não pode ser perdoado nem pelos armênios nem pela Comunidade Internacional.

O fato de que os assim chamados jovens turcos aproveitaram a caótica situação da Primeira Guerra Mundial para executar os seus planos desumanos, que devido às grandes divergências existentes entre as potências ocidentais e orientais puderam se esquivar de um tribunal internacional, não significa que esta página sangrenta da História esteja fechada. O fato de que os armênios organizaram uma heróica autodefesa e o fato de terem executado logo um a um os planejadores líderes da carnificina do genocídio não significa que a justiça foi feita. Os senhores devem lembrar que na época da União Soviética toda a vida política, econômica e pública fora centralizada, incluindo a política externa.

A Armênia, sendo uma das repúblicas federadas da União Soviética, não tinha a possibilidade de promover a questão do genocídio junto aos organismos internacionais. Tal tarefa será atribuída à Diáspora Armênia.

Atualmente a situação política é diferente. A República da Armênia, que comemora neste ano o 10º aniversário da sua independência, tem incluída na pauta da sua agenda de política externa, entre outras questões primordiais, a questão do reconhecimento pelo governo turco do fato do genocídio.

Gostaria que os senhores entendessem que não se fala aqui, em hipótese alguma, de sentimento de vingança ou de qualquer espécie de alguma satisfação primitiva; estamos falando, sim, sobre o nefasto acontecimento histórico que deve ser definido e avaliado pela Comunidade Internacional. A Armênia não está culpando o atual Governo da Turquia pelas barbáries ocorridos há 86 anos; isso seria um absurdo. Porém, existe um absurdo: o governo turco rejeita reconhecer o mencionado crime cometido pelos seus antecessores no início do Século XX. De onde surge a indagação: mas por quê? Hoje, o governo desse país não só rejeita reconhecer o fato do genocídio como também, empreende enormes esforços políticos, despendendo quantias enormes, com o intuito de falsificar os fatos e a própria realidade histórica. Pergunta-se novamente: por quê?

O Governo turco tenta convencer o mundo de que foram os armênios que massacraram os turcos Isso é um absurdo que nos induz a pensar que de fato existem coisas erradas na política desse país.

Seria oportuno lembrar que, segundo a classificação da Comissão dos Direitos Humanos da ONU, a Turquia ocupa hoje um dos derradeiros lugares entre os países de sistema democrático. Seria oportuno notar que o Parlamento Europeu, na sua Resolução de 1987, ao reconhecer oficialmente o fato do genocídio armênio, condicionou a entrada da Turquia na União Européia ao seu reconhecimento desse fato.

O Governo da Armênia e os armênios da Diáspora vêem essa questão sob os seguintes aspectos: o reconhecimento do genocídio pelo Governo da Turquia restabeleceria, ao menos sob o aspecto moral, a justiça histórica para com os armênios; permitiria normalizar as relações entre a Armênia e a Turquia e a estabelecer relações diplomáticas entre ambos os países; estimularia e incrementaria a confiança mútua e a segurança no Leste da Europa, criando condições para uma mais relação de exitosa integração e cooperação.

Ao levantarem a questão do genocídio, as autoridades da Armênia a consideram não apenas como uma tragédia ligada a um povo, mas como o maior crime que se cometeu contra a humanidade no Séc. XX e que, permanecendo impune, transformou-se num precedente para semelhantes atrocidades contra outros povos. Achamos que, por esse motivo, a civilização humana que adentra o Séc. XXI deve se sentir na obrigação de reconsiderar esse fato, o que teria também um significado para impedir que se repitam semelhantes crimes de lesa-humanidade no futuro.

Convém-se observar que a Armênia está empreendendo esforços junto às organizações internacionais e estruturas correspondentes da Organização das Nações Unidas, no sentido de atualização da “Convenção para Impedimento e Punição do Crime de Genocídio”, conseguindo, nesse sentido, manter exitosa cooperação com muitos países, entre os quais o Brasil.

Devemos falar sobre a ampla atividade dos últimos anos que está sendo mantida em muitos países do mundo, no sentido do reconhecimento do Genocídio Armênio, com o estudo e a análise desse fato.

Em relação às palavras e às expressões do nosso prezado Sr. Sanazar, quero mencionar que o parlamento russo toma estatal, um dos primeiros, em 1995, aprovando o reconhecimento do genocídio oficialmente. (Palmas.)

Quero também salientar que temos relações estratégicas com a federação russa; temos um tratado estratégico sobre a cooperação e sobre a ajuda mútua - e os senhores entendem o que isso significa.

Temos duas bases militares: na Armênia e são os soldados russos que defendem as fronteiras da Armênia. Foi o Governo da Armênia que, por motivos de segurança, pediu para ser assinado esse convênio. Se a Armênia hoje tem luz ou eletricidade e o povo pode trabalhar, devemos dar graças à usina atômica, onde foram os russos que a inventaram com os 60 milhões de dólares.

Vários países estão no caminho do reconhecimento do genocídio e, entre eles: França, Itália, Canadá, Rússia, Estados Unidos, Grécia, Bélgica, Argentina, Uruguai, Suíça e muitos outros. Então, não estamos sozinhos, senhores.

Os parlamentos e governos da maioria desses países já adotaram decisões oficiais favoráveis a esse assunto.

Inspira-nos a esperança de que a comunidade internacional conseguirá não só restabelecer a justiça histórica, mas criará um verdadeiro muro contra o crime de genocídio, o que, lamentavelmente, continua a se repetir até hoje em diversas partes do mundo.

Ao encerrar nossas palavras, gostaríamos de manifestar nossa gratidão ao povo hospitaleiro deste País, e salientar que ficaríamos profundamente gratos vermos também no Brasil, neste País-continente da América Latina, onde atua hoje uma próspera comunidade armeno-brasileira a assumir uma posição decisiva a favor dessa Questão do Genocídio.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Prosseguindo nossos trabalhos, esta Presidência concede a palavra ao jornalista José Nêumanne Pinto.

Tem a palavra o Sr. José Nêumanne Pinto.

 

O SR. JOSÉ NÊUMANNE PINTO - Exmo. Sr. Presidente desta Sessão Solene, meu caro amigo Deputado Wadih Helú, Exmos. Srs. Deputados aqui presentes, Exmos. Srs. Cônsules da República da Armênia, das Federações Russa e de Cuba, autoridades eclesiásticas e comunitárias, minhas senhoras e meus senhores:

 

Um genocídio não se esquece

 

Costumava-se dizer que o século 20 foi o século das luzes. Pelo menos, era assim que era definida a nossa era em meus tempos de escola, exatamente na metade dele. De fato, o século que se findou há pouco mais de três meses deu à luz a teoria da relatividade do físico alemão Albert Einstein, e a psicanálise, do psiquiatra austríaco Sigmund Freud, na primeira metade dele. E na segunda se tornou mais luminoso, graças à descoberta do astronauta russo Iuri Gagarin de que a terra era azul. E seu colega americano Neil Armstrong ficou mais perto da luz das estrelas, ao viajar até a lua - viagem, aliás, que começou com os pequenos vôos que o mineiro Santos Dumont deu com seu 14 Bis nos céus de Paris. Pequenos vôos que mais pareciam saltos. Saltos. Pois é, o substantivo comum usado na frase famosa com que o homem descreveu seu passeio em solo lunar: "Um pequeno passo, um salto para a humanidade".

No século 20, a penicilina salvou muitas vidas e também por isso a vida média do ser humano subiu muito. As distâncias encurtaram e as penosas jornadas de trabalho se reduziram, passando o lazer a constituir uma das mais rentáveis atividades produtivas da sociedade. Mas também muitas vidas se perderam e ainda se perdem na violência dos grandes conglomerados urbanos, na busca desesperada da felicidade química pelas drogas e na voragem louca do mal banalizado.

            Quando me perguntam quais os livros fundamentais que poderiam resumir esta fascinante e perigosa aventura de ter vivido o século 20 e - engatinhar em cima de duas pernas bambas, "cambaias" (como preferem Chico Buarque, Edu Lobo, Adriana e João Falcão no musical que está em cartaz no Sesc da Vila Mariana) no século 21, eu costumo resumir a três. O primeiro deles é O Estrangeiro, do franco-argelino Albert Camus: a saga absurda de um homem que mata um árabe por causa do sol, um texto que se tornou o clássico do que se convencionaria depois chamar de "a literatura do absurdo". Outro é O Apanhador no Campo de Centeio, do norte‑americano J. D. Salinger, que narra as peripécias de um adolescente revoltado no seio da próspera sociedade de consumo norte‑americana. O terceiro é o relato de um crime, a cobertura nua e crua feita pela filósofa judia alemã Hannah Arendt do julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado pelo Mossad israelense em Buenos Aires e condenado à morte em Israel - Eichmann em Jerusalém ‑ Relato sobre a Banalidade do Mal.

Aparentemente, nenhum desses três livros tem a ver um com o outro e os três muito menos ainda em relação ao massacre de 1 milhão e 500 mil armênios pelo governo dos Jovens Nacionalistas Turcos, cujo aniversário é lembrado nesta solenidade, de véspera. Mas se vocês tiverem um pouquinho de paciência e de condescendência com este orador que escolheram e honraram para conversar com vocês neste momento, talvez seja possível encontrarmos algum nexo lógico entre a leitura que faço desses três clássicos da literatura e da sociologia e o fato que desencadeou a diáspora armênia, mercê da qual todos vocês estão no Brasil, ouvindo e entendendo perfeitamente em português - pelo menos esta é minha pretensão - o que me proponho a lhes explicar.

Mersault, o protagonista do romance do Prêmio Nobel da Literatura, é o protótipo do homem comum, capaz de cometer o gesto mais extremo ao qual pode um ser humano chegar, ou seja, tirar a vida de alguém, sem sequer encontrar um motivo minimamente razoável para tanto. O que o ameaçava no árabe que matou não era a eventualidade de algum ataque dele, mas, sim, sua simples presença, sua existência naquela praia quente e ensolarada, na qual os dois haviam se encontrado. Se vocês não considerarem que estarei desperdiçando muito de seu tempo precioso, pediria vênia para lhes ler o momento fatal da morte do árabe, tal como o descreve magistralmente Camus: "Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver. O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, no barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Então atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça".

Vocês hão de concordar comigo - e disso não tenho dúvidas que essas frases costuradas pelo extraordinário talento do escritor de gênio transmitem ao leitor uma sensação de fria tristeza, de insensibilidade cruel e também de um egoísmo abjeto. Isso resume tudo o que se passa na mente de um assassino no momento de seu gesto supremo. O homem é o único animal que tem a trágica consciência da própria morte inexorável. Talvez por isso seja também o único animal que mata gratuitamente - não somente para se alimentar, como abutres e leões, nem apenas para se defender.

A consciência contemporânea de que, nesse particular, em muito pouco nos diferenciamos de nossos ancestrais que habitavam as cavernas, apesar da penicilina e dos passeios espaciais, do E = mc2 e do divã do psicanalista, foi muito enriquecida pelo texto de Camus. Também o foi pelo seminal romance de J. D. Salinger, que está aí para completar 50 anos de existência. O Estrangeiro descreve o desfecho. O Apanhador no Campo de Centeio penetra nas razões profundas da violência, ao narrar a insatisfação de Holden Caulfield, seu protagonista, um adolescente enojado pela hipocrisia dos adultos. Também selecionei para vocês um trechinho desse texto pelo qual tenho veneração. Salinger escreveu, assumindo a voz de Caulfield: "De repente, enquanto subia a escada, pensei outra vez que ia vomitar. Só que não vomitei. Sentei um minuto e me senti melhor. Mas, enquanto estava sentado, vi uma coisa que me deixou maluco de raiva. Alguém tinha escrito: ‘Foda-se’ na parede. Fiquei furioso de ódio".

Como as balas de Mersault, o vômito de Caulfield é a metáfora quase perfeita do momento crucial em que o homem urra e pode até matar para afastar por um instante, nada mais do que um átimo fugaz, a perspectiva fatal - e inescapável - da própria extinção. Esse egoísmo supremo, essa absoluta ausência de solidariedade está no cerne do raciocínio que Hannah Arendt descreveu em sua célebre série de reportagens para a revista norte‑americana The New Yorker, reportando o julgamento de Adolf Eichmann. Reunidas no livro Eichmann em Jerusalém ‑ Relato sobre a Banalidade do Mal, as reportagens da filósofa deram a seus leitores a contribuição fundamental de explicar um fenômeno original do século 20, como o foram o petróleo e a eletricidade, herdados do século anterior, e a cibernética e a globalização, transmitidos para o posterior. Falo, até que enfim, e espero que vocês ainda não tenham caído no sono, do genocídio. E mais ainda do genocídio, não como pena da Lei de Talião, do olho por olho dente por dente bíblico ou como retaliação de guerra, mas do genocídio como arma política e, pior ainda, como elemento de propaganda política.

Pois, meus amigos armênios do Brasil, Hannah Arendt tratou exatamente do que nos interessa aqui: do impulso político que leva o homem a dizimar milhões de semelhantes numa potencialização diabólica da satisfação individual do instinto da própria preservação pela eliminação do próximo. Em seu livro clássico, a filósofa deu o sinal definitivo para a compreensão desse fenômeno. Toda simplificação é grosseira. E eu só espero não estar sendo grosseiro demais ao simplificar um pensamento tão lúcido e claro como o dela. Mas, vamos lá. É preciso enfrentar. Então, vamos enfrentar.

Depois de tanto ouvir as perguntas dos promotores e juízes e as respostas do réu em Jerusalém, a professora Arendt chegou à conclusão de que o carrasco nazista julgado não participou do extermínio de milhões de judeus por ser uma pessoa de maus instintos e de baixa moral. Nada disso. Ele era um cidadão comum, nem mais perverso nem mais cruel do que o servidor que o atende num guichê, nada mais do que um simples e plano burocrata procurando apenas ser um funcionário exemplar. Portanto, os cadáveres que empilhava eram apenas frias estatísticas, capazes de medir sua eficiência e a eficácia do sistema a que servia, em nome de alguns ideais absurdos, mas claros e partilhados por muitos de seus compatriotas de então: a superioridade de uma raça sobre outra, a necessidade de ocupação de espaço vital, o sonho da reconstrução de um império mundial, a retaliação pelas armas da humilhação provocada pela derrota na Primeira Grande Guerra Mundial, a ambição da hegemonia, etc. etc. etc.

Vocês hão de me perguntar se não teria sido a célebre filósofa condescendente demais com o canalha julgado em Jerusalém. Até hoje as conclusões a que ela chegou são submetidas a críticas. Criticas muitas vezes duras. Principalmente por parte dos próprios judeus, que não aceitaram as denúncias que ela fez da participação de suas lideranças comunitárias na ajuda ao genocídio. Mas eu lhes direi que não. E insisto em chamar a atenção para o fato de que é muito grave a denúncia que ela faz quando mostra que os piores assassinos, os que produzem mais malefícios ao corpo social que tentamos constituir a partir de nossas famílias e de nossas nações, não são os Dráculas ou Frankensteins, os monstros do mal, mas os calmos e frios burocratas que manipulam as estatísticas da morte como se estivessem contando arruelas numa linha de produção.

E é por isso que considero o massacre dos armênios pelos turcos nos anos de 1915 a 1918 um evento de capital importância para a compreensão do lado escuro e triste de um século em que de fato muitas luzes brilharam. Até porque o brilho dessas luzes será mais intenso à medida que compreendermos melhor as trevas que elas invadem. Todos sabemos que a Segunda Guerra Mundial representou para a história contemporânea uma encruzilhada semelhante a momentos capitais da história antiga ou moderna, tais como as guerras do Peloponeso, as guerras púnicas, a tomada de Constantinopla ou as campanhas de Napoleão Bonaparte. Dizem os historiadores que a Guerra Civil Espanhola foi uma espécie de ensaio para o que viria depois, tendo sido o bombardeio de Guernica, imortalizado no quadro de Pablo Picasso, uma espécie de modelo profético do que viriam a ser, depois, a batalha de Londres ou o despejo da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki.

Desse ponto de vista, meus amigos, o massacre dos armênios pelos turcos foi o ensaio do Holocausto. Como escreveu meu amigo Paulo Sérgio Pinheiro, militante anti-violência, no prefácio do livro Um Genocídio em Julgamento - O processo Talaat Paxá na República de Weimar, que me foi gentilmente enviado pelo editor Fernando Gasparian, "a trama do julgamento e a absolvição do jovem estudante armênio nos permitem incorporar ao largo elenco dos horrores que devem compor os alvos de nossa indignação, os massacres do povo armênio. Horrores que precedem o extermínio nazista, o gulag stalinista, o apartheid sul-africano, os desaparecimentos nas ditaduras da Argentina, Uruguai e Brasil. Na Turquia, contra os armênios, ocorreu um dos mais brutais etnicídios que compõem o nosso século".

Tanto no citado livro da Paz e Terra quanto em outro presente valioso, Massacres de Armênios, de Nubar Kerimian, a mim bondosamente encaminhado pelo irmão do autor, Simão, encontrei várias vezes a referência de que Adolf Hitler em pessoa teria tranqüilizado os assessores próximos que temiam ser punidos pelo massacre dos judeus com a lembrança de que os turcos haviam massacrado os armênios e ninguém mais se lembrava disso.

Hoje, a Armênia está esfacelada e a parte do território que não pertence à Turquia ou ao Iraque constitui uma república independente, não mais submetida, como o foi durante meio século, ao jugo soviético. Hoje não apenas Hitler e aqueles assessores temerosos estão sepultados. Sepultado também está o Terceiro Reich, que o Führer queria eterno. E está provado aqui seu engano terrível. Um engano semelhante ao de imaginar que submeteria a União Soviética aos tacões de seus exércitos, repetindo o erro fatídico que levara Napoleão Bonaparte ao malogro militar. Um erro talvez maior do que o erro militar. Pois, na verdade, mais do que a retirada iniciada com a derrota de Stalingrado o que marcou a derrocada do Reich nazista foi a lembrança implacável dos horrores cometidos em seus campos de concentração. Da mesma forma como o Gulag tornou-se a maior mancha de Stalin, mesmo tendo sido ele responsável pela morte de milhões de camponeses de fome na época do Grande Terror e fuzilado seus próprios camaradas do Partido Comunista na época dos grandes expurgos.

Infelizmente, porém, meus amigos armênios do Brasil, não está sepultada - nem sequer morta está - a mentalidade que inspira o totalitarismo, como não se extinguiu, e talvez nunca se extinga, o instinto de violência que leva Caulfield a vomitar e Mersault a puxar o gatilho de seu revólver. Na esperança de que ainda não esgotei as reservas da paciência com que vocês me ouvem, eu peço licença para citar Hannah Arendt, como já o fiz antes com Camus e Salinger. Só que, desta vez, prefiro buscar inspiração, não no livro que escolhi como seminal, mas em outro ensaio dela, também de importância capital para o entendimento do século 20 e também deste século 21, que ainda estamos a embalar no berço, Origens do Totalitarismo. Selecionei para vocês um parágrafo da introdução que ela escreveu para esse tratado.

Ei-lo: "A tentativa totalitária da conquista global e do domínio total constituiu a resposta destrutiva encontrada para todos os impasses. Mas a vitória totalitária pode coincidir com a destruição da humanidade, pois, onde quer que tenha imperado, minou a essência do homem. Assim, de nada serve ignorar as forças destrutivas de nosso século".

Brilhante, não é mesmo, meus amigos? Pois é. E quando eu penso na insistente recusa dos turcos em reconhecerem o massacre dos armênios como um genocídio e, mais grave ainda, na insensibilidade com que os países ricos, que se consideram guardiães de nossa esperança e garantes de nossa felicidade, é nisso que estou pensando: ou seja, na forma como eles - os turcos e os americanos, os árabes e os judeus, os cristãos e os muçulmanos ignoram perigosamente a possibilidade concreta da explosão das forças destrutivas de nosso século.

Pois, para mim, esse reconhecimento não é apenas um gesto justo ou um digno momento de humildade, semelhante, por exemplo, às iniciativas que o Papa João Paulo II tomou ao reconhecer os erros cometidos pela Igreja Católica contra o físico Galileu Galilei ou ao estreitar as mãos dos discípulos contemporâneos do monge Martinho Lutero, 500 anos depois. Mas, sim, um ato político, de repercussão clara e insofismável na direção, não do passado e, sim, do futuro.

Meu querido colega e amigo Freitas Nobre, de quem sinto muita saudade, lembrou uma frase do socialista francês Léon Blum no prefácio escrito por ele para o livro de Nubar Kerimian. Disse Blum que "nenhuma nação se sentirá realmente livre, enquanto existir no mundo um povo subjugado". Isso é verdade e estamos longe de termos alcançado uma era em que todos os povos sejam livres. A notícia do navio carregado de crianças escravas no miserável Benim é da semana passada.

E essa é uma lição que deveria ecoar nos corações dos poderosos do mundo: enquanto não houver um reconhecimento pleno e humilde, claro e satisfatório de que os Jovens Nacionalistas Turcos patrocinaram um genocídio na Armênia do Monte Ararat, onde a Arca de Noé pousou depois do dilúvio, massacres semelhantes, e em números mais assustadores, poderão nos revelar a evidência de que o homem prepara‑se para voar para Marte, mas de lá ainda voltará para cavernas pré‑históricas, iluminadas a luz elétrica, mas cheias de subterrâneos e desvãos onde os gemidos são abafados e os urros de dor morrem nas mordaças. Afinal, não foi por não suportar o legítimo desejo de autonomia que os turcos trucidaram os armênios? Não é pelo mesmo motivo que os sérvios perseguiram famílias de muçulmanos na Bósnia e que até hoje a Ku Klux Khan aterroriza os negros no Sul do país mais rico e mais poderoso do mundo, os Estados Unidos?

Na apresentação do livro que narra o processo da República de Weimar no qual o jovem estudante que assassinou Talaat Paxá, Salomon Teilirian, fora inocentado, Varujan Burmaian escreveu, sensatamente, que "a vida humana não pode ser mensurada por valores materiais, e a morte de tantos seres inocentes ofendeu não só as vítimas como toda a humanidade civilizada". Ele está certo e ninguém aqui duvida disso.

Espero que os turcos e as grandes potências não precisem de mais meio milênio para aprenderem essa lição tão comezinha. E lhes peço, uma vez mais, para lhes impor uma preferência política e literária minha como mensagem final, de esperança e de luta, para iluminar a marcha de vocês, que também é minha, ou seja, que também é nossa, na busca desse reconhecimento e na possibilidade de exercitarmos todos nós a capacidade de perdoar que o cidadão romano de Tarso, Saulo, ensinou com palavras que continuam válidas até hoje.

            Não me chamo Neumanian, como brinquei, certa vez, com Gasparian e Varujan. Ou seja, não sou armênio. Mas na condição combatente da luz, peço licença a vocês, mais uma vez, para me juntar à sua luta, trazendo o ânimo de sobrevivente para dar‑lhe mais força e mais brilho. Não sou armênio, repito. E, até por isso, muito me perguntei sobre o que estaria fazendo aqui nesta tribuna de honra, nesta noite. Ocorreram‑me duas respostas. A primeira delas é que o massacre dos armênios pelos turcos fez o povo armênio se espalhar pelo mundo, participando dos grandes fluxos migratórios que marcaram o século 20 como uma força civilizatória, como a vacina, a psicanálise, o avião e o computador. Como vocês sou migrante, embora não tivesse de aprender outra língua ou ter de conviver com outros hábitos, costumes e cultura. Eis uma explicação.

A outra pode ser mais convincente. Sou um combatente da liberdade. Não acredito em nenhuma das ambições e em nenhum dos sonhos que alimentaram as tiranias do século 20, a de Hitler ou a de Stalin, a de Mussolini ou a de Tito, a de Pinochet ou a de Fidel. Acredito na capacidade que o ser humano tem de escolher seu próprio destino e superar suas dificuldades sem precisar, para isso, das máquinas de triturar ossos e beber sangue dos grandes sistemas tirânicos.

            Na esperança de que vocês tenham me chamado aqui por esse motivo é que lhes peço para ouvir mais um texto alheio, as palavras com que Victor Serge, um dos pioneiros da dissidência contra a tirania stalinista, encerrou seu magnífico livro Memórias de um Revolucionário. Eis o que gostaria de deixar como uma semente em sua alma de combatentes: "O futuro me aparece, quaisquer que sejam as nuvens no horizonte, cheio de possibilidades mais amplas do que entrevimos no passado. A paixão, a experiência amarga, os erros da geração combatente à qual pertenço podem esclarecer um pouco os caminhos. Sob essa condição única, convertida em imperativo categórico: jamais renunciar a defender o homem contra os sistemas que planejam a aniquilação do indivíduo".

Com esse maravilhoso lema, espero, enfim, ter encontrado não apenas um caminho a ser trilhado, mas também o elo que faltava para unir Mersault, Caulfield e Eichmann na mesma corrente da maldade que precisamos romper para que nós e nossos semelhantes, armênios, turcos, curdos, persas ou babilônios, gregos e troianos, possamos viver juntos e em paz, como nos cabe.

Discordo do Cônsul quando ele diz que não pode perdoar um genocídio. Perdoado o genocídio pode até ser, o que não pode é ser esquecido, pois as suas lições são fundamentais para a sobrevivência não da Armênia, não do Brasil, mas do próprio gênero humano.

 

O SR. PRESIDENTE - WADIH HELÚ - PPB - Exmo. Deputado Conte Lopes, na pessoa de quem saúdo todos os Deputados deste Legislativo Paulista; Sr. Arcebispo Datev Karibian, prelado titular da Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; Sr. Doutor Ashot Yeghiazarian, Digníssimo Cônsul Geral da República Armênia, Sr. Doutor Varujan Burmaian, Presidente do Conselho Representativo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; Sr. Professor Doutor Antranik Manissadjian, Presidente do Conselho Executivo da Comunidade da Igreja Apostólica Armênia do Brasil; Sr. Igor Fedochenko, Cônsul Geral da Federação da Rússia; Sr. Rafael Soarez Tabares, Cônsul Geral de Cuba; ilustre Jornalista José Nêumanne Pinto; demais autoridades; meus senhores; minhas senhoras e jovens estudantes que engalanam a nossa galeria dando um ar do amanhã quando comemoramos o ontem da Armênia.

Como todos os anos nesta ocasião, comparecemos ao Plenário deste Legislativo para homenagear o povo Armênio e seus descendentes radicados no nosso País, para que jamais seja esquecido o hediondo massacre ocorrido em 1915.

O " DIA DA SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO", foi instituído pela Lei n° 6468, de autoria do nobre Deputado Abdo Antonio Hadade, para relembrar o Genocídio do Povo Armênio, quando cerca de um milhão e meio de inocentes foram assassinados pelo Império Otomano.

Religiosos, intelectuais, mulheres e crianças, ninguém foi poupado da sanha criminosa dos invasores. Cidades foram saqueadas ou dizimadas. Igrejas foram destruídas, danificadas e utilizadas pelo invasor para outros fins que não a fé cristã. Mais de 30.000 manuscritos de grande valor cultural e histórico foram queimados, porém as perdas humanas foram irreparáveis.

O Grande Massacre teve início em 1909, culminando com o Genocídio Sistemático de 1915, constituindo-se no primeiro e maior da história.

O Império Otomano, hoje representado pela Turquia, livrou-se da condenação internacional negando o genocídio, certamente envergonhado e temeroso da ação que mereceu o repúdio da humanidade.

Atendendo aos apelos da comunidade armênia, grandes potências continuam analisando os fatos e gostaríamos de ressaltar que, através de decisão tomada em janeiro de 2001, bem no início deste milênio, a Assembléia Nacional Francesa reconheceu oficialmente o massacre de 1915 como genocídio, aprovando por unanimidade medida que o Senado já havia aprovado, convertendo-se, assim, na primeira grande potência ocidental a reconhecer publicamente as matanças de armênios.

A covardia cometida contra um povo pacífico, com uma história de 2.500 anos, não pode ficar impune.

Essa Pátria abençoada foi a primeira a adotar oficialmente o cristianismo, no ano 301 da nossa Era, ou seja, vinte e quatro anos antes do Império Romano.

A Armênia já sofreu demais com invasões de seus vizinhos conquistadores. A última foi sua anexação às repúblicas soviéticas. Entretanto, logo após a derrocada do comunismo, o Parlamento declarou a Armênia uma Nação Independente da URSS e marcou sua primeira eleição presidencial livre para 16 de outubro de 1991, tornando-se, assim, a única das antigas repúblicas soviéticas a ser governada por um líder eleito democraticamente sem vínculos com o Partido Comunista, no passado.

Só nos resta agradecer à Comunidade Armênia por ter buscado refúgio em nosso País, oferecendo em troca seu trabalho e sua enorme colaboração para a grandeza e o progresso desta Nação.

Armênios e brasileiros irmanados participam desta homenagem para relembrar com tristeza o Genocídio de 1915 na data em que se comemora o DIA DA SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO ARMÊNIO.

São Paulo, que é representada por esta Casa, com seus 35 milhões de habitantes, aonde estão incluídos os nossos irmãos armênios descendentes de brasileiros e filhos de armênios, têm neste parlamento a sua representação legítima e, para homenagear a Armênia, ninguém melhor do que o lídimo representante de São Paulo, o nosso poeta Paulo Bonfim, que compôs, em homenagem à Armênia pelo seu sofrimento, pela valentia dos armênios ante o genocídio perpetrado, mas acima de tudo para mostrar a grandeza da Armênia, um poema que retrata o amor, a fé, a altivez, a luta, a vontade e a esperança do seu povo, que através dos séculos, acreditando em Deus, ressurge altivamente, glorificando e venerando seus ancestrais, e que, na alma e nas palavras de seu poeta Paulo Bonfim, São Paulo é solidária com a Armênia e seu povo.

 

 “Das águas do Dilúvio

Das grandes dores do mundo,

Dos crepúsculos sombrios,

Dos genocídios sangrentos

-                                                                A Armênia revive.

 Sob a benção dos milênios,

 Da voz dos mortos que clamam

 Por Justiça e pela paz,

 Sob o canto que se encanta

 No cantar de seus poetas

-                                                                A Armênia ressurge.

 Do alfabeto da esperança,

 Das geografias do amor,

 Do cerco de estranhas vozes,

 Dos abraços que apunhalam,

 Dos grilhões que se transformam

 Em asas da liberdade,

 - A Armênia renasce em Cristo !

 

Paulo Bonfim - S. Paulo, Abril de 2001.”

 

Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la, esta Presidência agradece às autoridades e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e sete minutos.

 

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