1

02  DE  JUNHO DE 2000

15ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM A D. ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO

 

Presidência: PAULO TEIXEIRA

 

Secretário: ROBERTO GOUVEIA

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 02/06/2000 - Sessão 15ª S. Solene  Publ. DOE:

Presidente: PAULO TEIXEIRA

 

HOMENAGEM A DOM ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINI

001 - PAULO TEIXEIRA

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia as autoridades presentes e informa que esta sessão foi convocada pela Presidência efetiva, a seu pedido, para prestar homenagem a D. Angélico Sândalo Bernardini. Convida todos para ouvir a execução do hino nacional brasileiro pela banda da Polícia Militar.

 

002 - ROBERTO GOUVEIA

Como representante do Presidente Nacional do PT, Deputado Federal José Dirceu, lembra o trabalho incansável de D. Angélico em prol dos necessitados, principalmente na Zona Leste da Capital e no bairro de Brasilândia.

 

003 - JAMIL MURAD

Elogia o papel de D. Angélico na proteção dos perseguidos pela ditadura na década de 60.

 

004 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Nomeado condutor desta solenidade, anuncia a apresentação de número musical. Traça o perfil biográfico do homenageado.

 

005 - FÁTIMA GEORLANDO

Homenageia D. Angélico.

 

006 - SONIA MARIA BERNARDINO

Sobrinha do homenageado, conta passagem de sua infância.

 

007 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Anuncia um número musical.

 

008 - MARIA EUNICE WOLFF

Representante do "Diário de Notícias", da arquidiocese de Ribeirão Preto, lembra o trabalho de D. Angélico no jornal.

 

009 - FERNANDO PENTEADO

Bispo episcopal da região da Lapa, testemunha sua convivência com D. Angélico no colégio episcopal.

 

010 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Anuncia a execução de um número musical.

 

011 - ANA DIAS

Viúva do sindicalista Santo Dias da Silva, morto pela repressão política em 1980, agradece o trabalho de D. Angélico na Pastoral Operária.

 

012 - PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO

Assessor da CNBB, considera D. Angélico uma referência na luta pela democracia.

 

013 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Anuncia a execução de número musical.

 

014 - MARLI NASCIMENTO FERREIRA

Representante da região da zona leste, elogia seu trabalho em prol da população daquela região. Pede às irmãs da Ordem das Marcelinas que homenageiem D. Angélico com um estátua de São Francisco de Assis.

 

015 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Anuncia número musical. Convida o Sr. Wagner Gimenez para entregar ao homenageado cópia de sua dissertação de mestrado, intitulada "O significado da libertação dos pobres".

 

016 - PADRE AÉCIO

Responsável pelas comunidades da base da região da Vila Brasilândia, faz homenagem a D. Angélico.

 

017 - MARIA DE FÁTIMA GOUVEIA MARTINS

Representante de Vila Brasilândia, saúda o trabalho de D. Angélico.

 

018 - PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA

Anuncia número musical.

 

019 - PADRE ALBERTO HABIB ANDERI

Representante da Pastoral Operária do Jardim Peri, testemunha sobre o papel de líder e de companheiro de D. Angélico.

 

020 - BRÍGIDA MAC DONALD

Missionária médica, fala sobre a preocupação de D. Angélico com a inclusão da mulher na sociedade. Entrega a D. Angélico um círio pascal nas cores da Pastoral da Mulher.

 

021 - PADRE ANTÔNIO APARECIDO PEREIRA

Editor-Chefe de "O São Paulo", fala sobre o papel de jornalista de D. Angélico.

 

022 - VALDOMIRO PIRES OLIVEIRA

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, desta o ecumenismo do trabalho de D. Angélico.

 

023 - D. FERNANDO LEGAL

Bispo da Diocese de São Miguel Paulista, homenageia as obras de D. Angélico.

 

024 - EDUARDO SUPLICY

Sublinha o espírito discernidor de D. Angélico que sempre soube encontrar um caminho diante das dificuldades.

 

025 - JOSÉ CARLOS STANGARLINI

Na qualidade de representante do Governador Mário Covas lembra traços biográficos do homenageado.

 

026 - Presidente PAULO TEIXEIRA

Homenageia D. Angélico e fala da união de todos com seu novo trabalho em Blumenau.

 

027 - D. ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO

Saúda a todos. Fala de sua emoção em receber a homenagem. Refere-se ao  Prof. José da Aparecida Teixeira por quem foi iniciado no jornalismo. Relembra as figuras dos que lutaram pelos direitos humanos. Pede que leve adiante o plebiscito da dívida externa. Pede que continuem a apoiar os movimentos populares.

 

028 - Presidente PAULO TEIXEIRA

Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA  – PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido o Sr. Deputado Roberto Gouveia para, como  2º Secretário “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior. 

                                              

O  SR. 2º SECRETÁRIO – ROBERTO GOUVEIA – PT – Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada.

 

*    *    *

 

            O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – PT – Neste momento, quero nomear as seguintes autoridades presentes: Exmo. Sr. Eduardo Suplicy, Senador da República, pelo PT de São Paulo; Exmo. Sr. Deputado José Carlos Stangarlini, representando o Exmo. Sr. Mário Covas Jr., Governador do Estado de São Paulo; Exmo. Sr. Plínio de Arruda Sampaio, que foi Deputado Federal e muito orgulhou o nosso País; Exma. Sra. Deputada Federal Marta Suplicy, que também exerceu o mandato de Deputada Federal; Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Vanderlei Macris, atendendo à solicitação deste deputado, com a finalidade de prestar homenagem a Dom Angélico Sândalo Bernardini.

            Convido todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, que será executado pela Banda da Polícia Militar.

 

*              *      *

- É executado o Hino Nacional.

 

*              *      *

 

            O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – PT – Tem a palavra o nobre Deputado Roberto Gouveia.

 

O SR. ROBERTO GOUVEIA – PT –  Sr. Presidente desta sessão solene, nobre Deputado Paulo Teixeira, que cumprimento pela iniciativa; nosso querido Pastor Dom Angélico, que nos dá a honra e a possibilidade de realizar nesta noite este encontro nesta Casa de Leis; Senador Eduardo Suplicy, senador dos trabalhadores do nosso Estado; Plínio de Arruda Sampaio, figura que nos serve de exemplo e que muito admiro; meu colega Deputado José Carlos Stangarlini, que nesta ocasião representa o Chefe do Executivo; minha querida Deputada e, espero, futura Prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (palmas); cumprimento a todos. O Presidente Nacional do PT pediu-me que o representasse nesta solenidade, o que sem dúvida é motivo de satisfação.  Refiro-me ao Deputado Federal José Dirceu, que se encontra fora do Estado, na Jornada Nacional em Defesa da Vida e das Liberdades Democráticas, promovida pelo nosso Fórum Nacional de Lutas, no sul do País. Também falo em nome da Bancada do Partido dos Trabalhadores, e quero justificar a ausência do nosso Líder, José Zico Prado, que não comparece por um problema inesperado de família.

            Queria dizer que Dom Angélico iniciou minha vida. Aliás, estudava medicina na Universidade de São Paulo e, inconformados com o currículo e com o fato de o Hospital das Clínicas e a Faculdade de Medicina só nos ensinarem as raridades e as síndromes raríssimas, trancamos a matrícula junto com um grupo de colegas, porque queríamos conhecer as reais necessidades de saúde da população.  Depois voltamos e concluímos o curso.  Mas quem nos acolheu nesse período — um período difícil, de triste lembrança — era nos idos de 1975 – ditadura neste País?  Foi a Igreja Católica, e lá estava Dom Angélico.  Tivemos na vida, portanto, a sorte de conhecer esse grande pastor e, junto com ele, o povo, que hoje presta essa justa homenagem, e comparece aqui, lotando nosso Plenário Juscelino Kubitschek. 

    Conseguimos realizar um trabalho que não parou apenas na Zona Leste.  Ampliou-se para a cidade, para o País, e nos levou a conquistar o Sistema Único de Saúde, que incluiu mais de 40 milhões de brasileiros que antes não tinham direito à saúde – eram considerados indigentes.  Viviam da caridade e dependiam apenas da boa vontade. E quem inspirou esse processo foi um movimento que surgiu na periferia de São Paulo. Naquela época, estava lá  Dom Angélico, como pude testemunhar, em várias oportunidades, como na luta pelas porteiras, na passagem de nível. 

Fui eleito pela primeira vez, vim para cá em 1987, um ano depois do Plano Cruzado, quando os aluguéis e os salários ficaram congelados um ano. Quando descongelaram, descongelaram apenas os aluguéis. Os salários continuaram congelados.  E as ações de despejo nos fóruns da Zona Leste caíam das mesas, amontoavam-se.  E o povo desesperado: 25 mil famílias ocuparam terras na Zona Leste da cidade de São Paulo em 1987.  (Palmas.)  Dom Angélico Sândalo Bernardino, com a sua serenidade, com seu equilíbrio, com a sua capacidade de diálogo, mas ao mesmo tempo com sua firmeza, veio cobrando justiça, defendendo o povo.  E nos servindo de exemplo.

Portanto, senhoras e senhores, esta comemoração é motivo de grande alegria.  Aliás, Dom Angélico, estamos num momento difícil neste Estado.  Nós, que defendemos o diálogo, que queremos negociação, estamos enfrentando uma greve na área da educação e da saúde, onde já se vão várias semanas.  Infelizmente, o Chefe do Executivo deste Estado não admite sequer montar uma mesa de negociação.  Não dialoga.  Com isso não há possibilidade de se aproximarem as posições.  Trata em primeiro lugar com repressão.  E, em segundo lugar, diz que, se der aumento, os professores e o setor da saúde vão ficar ricos.  Trata com escárnio, de uma forma até desrespeitosa, pouco equilibrada. Estamos sentindo que há uma escalada de intransigência.  As posições não se aproximam. 

Nesse ponto, Dom Angélico serve de reflexão e de exemplo.  O momento é de aproximar posições, de sair da intolerância, de abrir o processo de diálogo, porque nunca vimos nada ser construído com um sentimento ruim, principalmente com ódio.  É por isso, Dom Angélico, que quero me despedir de todos dizendo – e, como 1º Secretário desta Casa, também representando a Instituição – que sua vida serve de exemplo para todos nós. Quando o senhor saiu de São Miguel Paulista e foi para Brasilândia, nós, que participamos de todo esse processo, de certa forma ficamos tristes . Mas aí veio Dom Fernando, que continuou o trabalho. Brasilândia ganhou um grande pastor, que agora estamos cedendo para Blumenau.

            Dom Angélico Bernardino não é apenas o pastor da Zona Leste, São Miguel e Brasilândia, mas da humanidade. (Palmas.)  Onde quer que esteja continuaremos juntos, irmanados, defendendo a paz, a não-violência, e ao mesmo tempo seguindo o caminho que aprendemos com este grande pastor, Dom Angélico Bernardino.

A dimensão deste ato e a presença das pessoas que lotam o coração da Assembléia Legislativa, o Plenário Juscelino Kubitscheck, demonstram o carinho que todos têm pelo senhor. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - PAULO TEIXEIRA - PT - Tem a palavra o nobre Deputado Jamil Murad.

O SR. JAMIL MURAD - PC DO B – Inicialmente queremos saudar o nobre Deputado Paulo Teixeira pela extraordinária iniciativa de homenagear Dom Angélico, a quem cumprimentamos. Conhecemos Dom Angélico quando padre da Cúria de Ribeirão Preto, na década de 60. O regime militar se instalando, ele abriu as portas da Cúria para os estudantes que estavam sendo perseguidos pela polícia da ditadura. 

Cumprimentamos o Senador Eduardo Suplicy, o Deputado José Carlos Stangarlini, representando o Sr. Governador de São Paulo, o Deputado Plínio de Arruda Sampaio, a Deputada Marta Suplicy, Dom Fernando, de São Miguel Paulista, e Dom Fernando, da Lapa, os Vereadores Adaílza Sposati, Ítalo Cardoso, José Mentor, os deputados presentes.

Como se diz: “Nos pequenos frascos estão os grandes perfumes”. Queremos transmitir o carinho, a emoção que temos de participar desta homenagem tão importante não para Dom Angélico, homem simples, acostumado a ficar longe das honrarias, mas para o povo que o senhor defendeu a vida toda. (Palmas.) Eu o sinto diante da pastoral operária, lutando contra a política maldita do Sr. Delfim Neto (de esperar o bolo crescer para depois distribuir, enquanto a fome batia à porta do trabalhador). Eu fico imaginando a dor no coração de Dom Angélico vendo um milhão e setecentos mil desempregados em São Paulo, vendo o enorme contingente de pessoas desesperadas, famílias se desintegrando, pessoas indo morar na rua, alguns se suicidando, outros ficando loucos. Eu fico imaginando a dor que ele sente nessa virada do século, quando imaginávamos que, terminada a ditadura, teríamos um período de progresso.

Mas em vez disso, eis que vem uma nova onda de perseguição aos trabalhadores. Vejam a greve dos metroviários: retira-se a cesta básica, o vale refeição, um terço de adicional de férias, que é constitucional, não sei como o Governo pôde mandar retirar isso se é direito constitucionalmente garantido. Retira-se 6% de aumento abaixo da inflação, entendendo que os trabalhadores estão ganhando muito. Estes são os argumentos veiculados pela televisão.

Lembro-me que um dia conversávamos na Praça da Sé, em frente à Catedral. Dom Angélico tinha feito uma viagem à Europa e me contava das dificuldades que os trabalhadores estavam enfrentando. Viu arbitrariedades cometidas contra os povos, que desejam o desenvolvimento, que desejam o progresso social, que desejam o atendimento de suas aspirações enquanto cidadãos.  Aqui Dom Angélico foi um exemplo. As pessoas não aprendem sozinhas, têm qualidades que se desenvolvem no convívio com seus pares. Ele teve grandes mestres como D. Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara.  E, depois, ele próprio tornou-se um mestre. Não  foi à toa que o setor São José Operário escreveu numa das faixas “Dom Angélico é o profeta dos pobres, o semeador da esperança e da paz”.

Para onde quer que vá, Dom Angélico continuará sendo o profeta dos pobres, o semeador da esperança e da paz. O período difícil que ora vivemos no Brasil, a crise que também atinge o povo argentino (onde estão reduzindo o salários), são decorrentes de uma fórmula do FMI, que nos é imposta com a complacência de nossos governantes.  Querem, cada vez mais, subtrair direitos, excluir trabalhadores e famílias do direito de viver com dignidade. Onde Dom Angélico estiver ele estará conosco. Não será a distância territorial que o fará se afastar de nós. Somos unidos pela idéia de liberdade, da qual ele foi um exemplo nessa corrente que lutava pela democracia no Brasil, mesmo nos períodos mais tenebrosos da ditadura. Ele vai continuar sendo um exemplo da luta contra a exclusão social, contra a fome, contra o desemprego, como ele foi no período em que dirigia a Pastoral Operária. Só teremos progresso à medida em que o povo for reconhecido como portador de direitos: direito de viver bem, direito de trabalhar, de morar e de criar sua família com dignidade. Trabalhamos por mudanças, no assim conhecido “Movimento em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho”. Não sei se Dom Angélico assinou esse documento. O Dom Mauro Morelli assinou e outros assinaram. Portanto, é um movimento onde há personalidades da Igreja católica comprometidas com nosso povo; onde há companheiros de partidos políticos, intelectuais progressistas. Sei que a Deputada Marta Suplicy, o Senador Suplicy e o Deputado Plínio de Arruda também assinaram. Somos unidos nessa grande corrente. Haveremos de fazer do Brasil um país de verdadeira democracia, onde o povo possa participar das decisões, do destino do País, de um Brasil civilizado, de progresso social; onde haja alegria de viver.

            Dom Angélico, o senhor vai morar em Santa Catarina, mas vai continuar morando em nossos corações. Muitas felicidades. (Palmas.)

 

            O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – PT – Quero anunciar com muita alegria a presença entre nós de S. Exa. Reverendíssimo Dom Fernando Legal, Bispo Diocesano de São Miguel Paulista. (Palmas.) Obrigado pela sua presença. Também anunciamos a presença de S. Exa. Reverendíssimo Dom Fernando Penteado, Bispo Auxiliar da Diocese de São Paulo, da Região Episcopal da Lapa. Muito obrigado, Dom Fernando. (Palmas.) Anunciamos e agradecemos também a presença dos Vereadores José Mentor, Aldair Espossati, Ítalo Cardoso, Reverendo Valdomiro Pires de Oliveira. (Palmas.)

            Quero passar a palavra ao Padre José Renato Ferreira, que conduzirá as homenagens.

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Irmãos e irmãs, boa noite a todos. Autoridades civis e religiosas presentes, nosso querido Bispo Dom Angélico, diante da importância do momento e pela igreja que acreditamos, tomei a liberdade dos filhos e filhas de Deus de convidar a Fátima Georlando, assistente social, em Brasilândia,  para partilhar comigo do roteiro que preparamos.

            Queremos começar nossa homenagem de amigos, de admiradores, de discípulos, ouvindo uma música que vai nortear nosso roteiro, “Canção do Novo Mundo” de Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Quem vai cantar para nós é um grupo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, de Cruz das Almas.

 

*              *      *

 

-         É apresentado o número. (Palmas.)

 

*              *      *

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  Cantou o poeta. Quem sonhou só vale se já sonhou demais. Vertente de muitas gerações gravado em nosso coração um nome se escreve fundo.

 

O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Assim como o próprio Deus, Pai e Mãe, chamamos-te pelo nome, Angélico Sândalo Bernardino. Filho de Duílio Bernardino, operário do campo e da cidade, e de Catarina Sândalo, dona de casa. Nascido a 19 de janeiro de 1933, na cidade de Saltinho, interior do Estado. Nessa família de oito irmãos, aprendeu desde muito cedo a importância e a força da vida comunitária, causa que consagraria sua vida. Afinal, no dia 19 de março do ano de seu nascimento, na Capela de Sagrado Coração de Jesus, de sua terra natal, era  batizado. A partir desse momento, o senhor foi chamado para ser Angélico Nascimento, uma verdade simples e decisiva, Deus é amor. Sua vocação, missão e responsabilidade: tomar conta da Casa do Senhor.

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  Angélico sonhador do faz escuro, mas eu canto, porque o amanhã vai chegar. Seu nome se tornou para nós, que estamos aqui e o amamos, sinônimo de pastor, pai, profeta  cidadão. Seu nome se escreveu fundo em nossos corações. Seu trabalho justifica as homenagens desta noite. Por isso queremos, a partir deste momento, resgatar um pouco de sua história, porque ela se tornou também a nossa história.

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Antes, porém, queremos registrar a presença da sua família entre nós: Cecília Bernardino Saldanha, sua irmã; Júlio César Saldanha, sobrinho; Liliam Aparecida Bernardino Benato, irmã; Maurício Benato, sobrinho; Roberta Teresa Iso Benato; Sonia Maria Bernardino Benato, sobrinha; José Nivaldo Benato, o Zéquinha; Mateus Bernardino Benato; Glaucia Cristina Romano Jaruci e Denise Benato, sobrinha. (Palmas.)

            Na sua infância, em Piracicaba, houve alguns acontecimentos interessantes. Um deles, inclusive já registrado em livro, bem a gosto do nosso grande Monteiro Lobato, a história do seu encontro com o Saci Pererê. Sua sobrinha, Sonia Maria Bernardino, de Piracicaba, relembra-nos essa passagem de sua vida.

 

            A SRA. SONIA MARIA BERNARDINO – Falar da história de vida do Tio Angélico é falar de muitas histórias. A sua história é feita de muitas histórias. Uma delas me pediram para contar neste momento.  Contaram-me que  quando ele era pequeno, por volta de dois anos, ele brincava de baixo de uma mangueira com suas duas irmãs e mais uma prima. As meninas resolveram subir na mangueira e, quando deram conta, Angélico tinha sumido.      A Vila de Saltinho ficou em polvorosa, porque a D. Catarina e o Seu Duílio ficaram muito aflitos. Então, saíram todos em busca de Angélico. Passaram-se horas e horas, até que foram encontrá-lo num emaranhado de espinhos, dentro de um espinheiro. Conta-se que quem levou Angélico até esse espinheiro foi o saci. Essa estória percorre a vida dele. Mas conversando com ele, ele nos dizia que achava que não foi o saci, ele achava que  um anjo o levara até esse espinheiro. Então, essa é uma das muitas estórias que compõe a história de Dom Angélico. (Palmas.)

            O Padre José Renato me lembra de contar aqui, não é uma estória, mas ele nos diz que a vocação dele  aparece na sua vida com uma imagem muito forte. Lá na Vila de Saltinho – isso contaram-me os meus pais – havia  o açougue do Valentinho. Ele disse que se vê sendo pego pelo tendão por Deus e pendurado naqueles varais que haviam antigamente nos açougues. Pendurado por Deus pelos tendões por aqueles ganchos que seguravam as carnes nos açougues. Desse gancho, ele nunca mais conseguiu se soltar. Então, ele disse que Deus o pegou dessa maneira, de uma maneira bastante singular.

 

O SR.JOSÉ RENATO FERREIRA – Qualquer semelhança com o Gênesis e Jacó é mera coincidência. De toda maneira, D. Angélico não ficou manco na coxa, mas por amar demais, conseguiu alguns problemas cardíacos.

Vamos agora prestar a nossa singela homenagem à sua bela cidade de Piracicaba, onde cresceu e torceu pelo seu time, o XV; ouçamos uma música cantada pelo grupo da Paróquia de Nossa Senhora do Carmo – Cruz das Almas.

 

*     *     *

-         É apresentada a canção “ Rio Piracicaba.”

 

*     *      *

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA - Mas Dom Angélico voou mais longe: de Piracicaba para Ribeirão Preto; de lá para Viamão, Rio Grande do Sul, onde estudou teologia; depois Ribeirão novamente e enfim São Paulo e daqui para Blumenau, Santa Catarina. Estás descendo novamente, Dom Angélico, mas como migrante sua presença e atuação marcantes nessas cidades ampliaram seu registro de nascimento.

            O senhor recebeu o título honorífico em 75 de “ Piracicabanus Praeclarus”; em 91 de Cidadão Paulistano e no mesmo ano de Cidadão Ribeirão-Pretano. Sua fé e seu trabalho nos têm proporcionado uma grande lição de fé e de cidadania. Fostes ordenado sacerdote em 12 de julho de 59, e o que se percebe na sua trajetória ministerial é uma coerência na causa: a fidelidade aos pobres. Desde que, por opção, deixastes a Catedral de Ribeirão Preto, onde eras o cura e fostes para a periferia da cidade, a partir daquele momento os pobres da Vila Carvalho, os de São Paulo, enfim, todos os pobres ganharam um aliado e um defensor.

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Jornalista por profissão, foi diretor do jornal “Diário de Notícias de Ribeirão Preto”, onde Padre Angélico aliou o ministério sacerdotal e jornalismo na defesa da democracia, da justiça e da liberdade de expressão. É até previsível o que lhe proporcionaria isso em tempos de ditadura militar. O que lhe custou responder o primeiro processo criminal.

            Ouçamos o depoimento dado pela Irmã Maria Eunice Wolff, salesiana, que trabalhou com Dom Angélico no mesmo jornal.

 

            A SRA. MARIA EUNICE WOLFF – Represento aqui o diretor e a secretária e os companheiros do “Diário de Notícias”, jornal da Arquidiocese de Ribeirão Preto, onde D. Angélico era o redator-chefe e o responsável, como padre da Arquidiocese, pelo jornal.  Hoje, o jornal já é extinto, mas trago um telegrama daquele que foi o presidente e o diretor do jornal por muitos anos junto com Dom Angélico, Manoel Carlos da Rocha. Era tratado por Nelinho e ele diz: “Na igreja particular de Ribeirão Preto, o Padre Angélico foi sempre um sacerdote e irmão. Na redação do “Diário de Notícias” foi o baluarte em defesa do slogan do jornal: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.  Em seu longo trabalho na Arquidiocese de São Paulo, foi a forte palavra, capaz de dar voz a quem não tem vez. Em Blumenau, o povo católico pode regozijar e louvar a Deus, entoando cânticos. Foi-lhes dado um grande pastor. Cumprimento do ex-Diretor do “Diário de Notícias”, Manuel Carlos da Rocha, que não pôde comparecer, nem telefonar, porque se encontra doente.  Djanira Funaro, que foi secretária e muito amiga pessoal de Dom Angélico, diz o seguinte: “Meu querido Padre Angélico, é uma alegria muito grande poder hoje estar presente nesta homenagem. Relembro os grandes momentos em que você esteve à frente do nosso “Diário de Notícias”, e nessa cidade de Ribeirão Preto que tanto lhe deve”. Você foi a voz dos que não tinha vez, nem voz. Ajudou muitas famílias, dando moradia e condições para viverem com um pouquinho mais de dignidade e serem respeitadas como gente. E num momento difícil da vida e do País, que foi a ditadura militar, você enfrentou a repressão com coragem e audácia. É com saudades que recordo de você entrando no jornal, sempre com um sorriso acolhedor dizendo boa-tarde ou bom-dia, com aquele vozeirão que Deus lhe deu. O jornal que, graças à sua visão projetada para o futuro, colocou-se ao lado dos mais pobres, foi um grande serviço às pastorais da Arquidiocese e a toda igreja de nossa cidade.

            Aproveito este momento para dizer, em nome dos ex-companheiros: “Obrigada Padre Angélico, pelo amigo, pelo sacerdote, pelo colega, pelo companheiro, por tudo aquilo que você foi e representa para nós, ex-funcionários do “Diário de Notícias”.  Agora me dirijo a Dom Angélico, Bispo de Blumenau: “Sei que o senhor vai enfrentar uma realidade totalmente diferente das vividas até aqui. Os problemas serão diferentes, mas tanto aqui como lá existem pessoas carentes por um pastor que as guie e as faças ver que Deus é amor.” Também trabalhei um pouquinho no jornal e me sinto também companheira, embora mais na Arquidiocese do que no jornal, mas gostaria de abraçá-lo e desejar a ele sete milhões de estrelas para iluminar o seu caminho em Blumenau.

 

            O SR. PADRE JOSÉ RENATO – Sob os bons ventos do Concilio Vaticano II, Padre Angélico se destacou também como coordenador da Pastoral de Arquidiocese de Ribeirão Preto.

            A concepção da igreja como povo de Deus em seus vários ministérios, mas também todos eles com igual dignidade e vocação, a mesma fé e o mesmo batismo, provocou a consciência da participação adulta de todos os cristãos na vida da igreja. Provocou ainda a consciência do poder vivido como serviço e de forma descentralizada. Isso é vivido colegialmente. Junto com os padres de vanguarda de sua época, entre eles hoje Dom Celso Queirós, Bispo de Catanduva, Dom Angélico ajudou a produzir o primeiro documento sobre o Ministério da Coordenação Pastoral produzido pela CNBB que, entre outros, oficializava no Estado este novo modo de ser e de pensar da igreja.

 

  A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Ainda sob as barbas do regime de ditadura militar, Padre Angélico se notabilizou por promover junto com Dom Mieli, ex-Bispo de Ribeirão Preto, a excomunhão pública do Delegado Renato Ribeiro, responsável pela tortura da Madre Maurina Borges. Até então não se estava convencido dessas práticas abomináveis na região.

            A excomunhão pública contribuiu para as mudanças dos rumos pastorais e compromissos da igreja local. Era arcebispo da época Dom Frei Felício da Cunha Vasconcelos.

 

O SR. PADRE JOSÉ RENATO – Padre Angélico foi também diretor espiritual do Seminário Arquidiocesano de Brodosqui, assistente eclesiástico do Movimento Familiar Cristão e das equipes de Nossa Senhora e dos Concílios de Cristandade. Pelos seus méritos, amor à igreja, aos pequenos e injustiçados Padre Angélico se tornou bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, para a Zona Leste da cidade, eleito a 12 de dezembro de 1974, para a Igreja titular de També. Recebeu ordenação episcopal em 25 de janeiro de 1975, por Dom Paulo Evaristo Arns. De Patric José Clark alimentou seu ministério episcopal com os seguintes versos: “Colocar o amor antes do poder, para depois juntar o amor com o poder, a fim de  destruir o poder sem amor.”  Inicia-se um novo período da sua vida e ministério, tempo marcado pela inspiração de Dom Paulo, de esperança em esperança. Uma nova experiência de governo episcopal da igreja para a metrópole, governo colegiado, conforme sugeria o Vaticano II. Para falar dessa experiência única, convidamos o bispo episcopal de nossa arquidiocese, Dom Fernando Penteado, da região da Lapa, para dar o seu testemunho. Não nos esqueçamos porém que estávamos no auge da ditadura militar.

 

            O SR DOM FERNANDO PENTEADO – Caro Dom Angélico, passamos 20 anos juntos e me pediram que contasse sobre nossas vidas naquilo que chamamos de colégio episcopal. Em primeiro lugar, colégio dá uma idéia de disciplina. Realmente tínhamos disciplina, porque chegávamos na hora certa e todos presentes, não faltávamos nunca. Lá aprendíamos a olhar a cidade. Primeiramente tivemos um aprendizado de descobrir a verdade em todas as coisas. Tínhamos como mestre Dom Paulo, que não se fazia apenas mestre, mas aluno como nós, olhando a cidade e os apelos que a sociedade nos fazia.

            Outra coisa bonita, se falarmos desse aluno aplicado que é Dom Angélico, aprendíamos com ele o amor aos padres. Ele sempre defendeu os padres, como na compreensão e se colocando também no lugar daquele padre que era comentado. Isso guardo muito. Sabemos do zelo impetuoso de Dom Angélico por todas as injustiças que, na análise da política, fazíamos no colégio episcopal. Aprendíamos com Dom Angélico por sua fé amorosa, que o levava até Jesus Cristo, mas junto a Jesus Cristo ele nos encontrava a cada um de nós. Então, seu afeto e sua amizade não é apenas humana, mas tem muito do olhar e do amor do próprio Jesus. 

  Outra coisa que poderíamos ainda continuar a falar de Dom Angélico é o respeito ao diferente. Isso me edificou muito, porque o diferente às vezes nos faz rechaçar ou nos faz criticar. Dom Angélico é aquele que, dentro do diferente, sabia se aproximar. Dom Angélico, fez muito amigos. Sabemos que a distância não vai nos separar. Vamos estar longe de São Paulo, mas o nosso coração estará aqui, junto com cada um e com Dom Paulo.

Dom Angélico, muito obrigado.

 

O SR. PADRE  JOSÉ RENATO – A respeito da experiência de colegiado episcopal que o nosso profeta dos Direitos Humanos, Cardeal Paulo Evaristo Arns empreendeu à frente da Arquidiocese, Dom Angélico nos dizia: trata-se de uma experiência singular, onde nós bispos fomos muito felizes. E nós dizemos: nossa esperança e fé é que a história da igreja no Brasil e no mundo ainda faça justiça a esta experiência de unidade e responsabilidades partilhadas na grande metrópole vivida aqui pela igreja de São Paulo, e particularmente pelos senhores.

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Para nos introduzir aos próximos depoimentos vamos ouvir a música Santo Dias, que vai ser executada pelo grupo vocal Ururaí, de São Miguel Paulista.

 

*              *      *

-                                 É executado o número musical.

 

*              *      *

 

O SR. PADRE JOSÉ RENATO  - Designado responsável em acompanhar a Pastoral Operária no Estado, e aqui entre nós, Dom Angélico, como pastor dos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo hoje não exercendo mais de perto essa função, tem sido fiel a eles. Merece destaque também a atuação de Dom Angélico nas circunstâncias em que envolveu a morte no DOI-CODI da cidade, do operário Metalúrgico Manuel Fiel Filho, da Zona Leste  de São Paulo. Segundo a versão do 2º Exército, suicídio, em carta à  pastoral, a sua região episcopal, o nosso homenageado declarava:

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO - “A autoridade que deteve o cidadão, arrancando-o do seu lar, é responsável por sua integridade, por sua vida. E como falar-se em suicídio quando, pelo vivo testemunho de tantos, sabemos que o cidadão é colocado fora dos seus sentidos por torturas morais e físicas que lhes são impostas. Nem se repita mais o erro de se justificar tantos horrores com a afirmação de que se combate o comunismo”.

 

O SR. PADRE  JOSÉ RENATO – Convidamos, mas não pôde estar presente, a Sra. Teresa Fiel, esposa do Sr. Manuel Fiel Filho, assassinado em 76. Mas com certeza está aqui presente conosco. Não menos triste foi o assassinato do operário, sindicalista, metalúrgico Santo Dias da Silva, no ano de 1980, diante das portas da fábrica Sylvania, em Santo Amaro.  Dom Paulo e Dom Angélico desde o IML se fizeram presentes nesse importante momento da família do Santo, da história dos trabalhadores e da Igreja de São Paulo.  Ana Dias, esposa do Santo, está aqui e nos falará desse tempo.  (Palmas.)

 

 A SRA. ANA DIAS – Mais uma vez não é difícil, mas é com muita alegria que falo de Dom Angélico, Dom Paulo, da Igreja, da Pastoral Operária, e desse povo que ainda acredita, como Dom Angélico, no pequeno, no pobre, na Pastoral Operária, tão sofrida, mas persistente com a Igreja, nesse momento tão difícil, de tanto desemprego, tanta violência, tão pouca esperança para o povo brasileiro.  E Dom Angélico é a luz, e será essa luz no sul.  Dom Angélico foi o meu amigo, meu irmão, meu companheiro, chorou e viveu junto com minha família.  Não tenho palavras para dizer a esse pastor que tanto acreditou nos operários, na época mais difícil da ditadura, sempre muito presente, sem jamais ter medo, com muita coragem, muita fé, muita confiança, principalmente na Pastoral Operária. Dom Angélico, não tenho palavras para agradecer-lhe, mas aonde o senhor for, tenho certeza de que o seu trabalho vai deixar uma semente.  E esta semente que foi plantada em São Paulo vamos cultivá-la com muito carinho, com muito amor. 

Muito obrigada, Dom Angélico.  Que Deus o abençoe.  (Palmas.)

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Queremos registrar também a presença do operário e cidadão paulistano João Breno Pinto, sindicalista e integrante do Movimento dos Queixadas, que está na platéia.  (Palmas.)  Atualmente, ele participa do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Carlos Alberto Tazzili, de Perus.

 

O SR. PADRE  JOSÉ RENATO FERREIRA – Para concluir essa etapa ligada ao período da ditadura militar e à ação de Dom Angélico, chamamos o nosso querido Plínio de Arruda Sampaio, cristão militante, assessor da CNBB, e ex-Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores.  (Palmas.)

 

O SR. PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO – Sr. Presidente Paulo Teixeira, meus amigos todos aqui da Mesa, Dom Angélico, à medida em que os oradores vão desfilando aqui e que as pessoas vão fazendo as suas apresentações, a gente vai vendo surgirem duas coisas: por um lado, os traços da sua personalidade, por outro, a razão pela qual estamos todos aqui.  É que Dom Angélico é uma referência, assim como certas épocas a gente marca por fatos ou por pessoas.  Dom Paulo.  É um homem, ninguém tem dúvida.  Santo Dias, ninguém tem dúvida.  O Colégio Episcopal, de que Dom Fernando falou agora, ninguém tem dúvida.  Nessa súmula daqueles que representam um tempo para todos nós, todos que estamos aqui, de uma maneira ou de outra, vivemos esses tempos.  Eles são de certo modo a biografia dos nossos cabelos brancos, dos que os temos. Eles são as nossas memórias mais queridas. São a referência de um tempo em que a nossa Igreja levou a sério o Concílio Vaticano II, em que levou a sério Medellín, em que levou a sério Puebla, e em que levou a sério a idéia de uma Igreja colegiada, comunitária, de uma Igreja presente no meio do povo.  (Palmas.)  Essa é a história de Dom Angélico. Não se pode escrever essa história sem fazer menção a Dom Angélico, sem episódios de ternura, de compreensão, de acolhida, que fizeram com que Dom Fernando caracterizasse a sua personalidade por esse traço importante, que é o respeito pelo diferente. E tivemos testemunhos de pessoas que pensam diferentemente e que aqui vieram dar o testemunho do amor, da coragem, do carinho, da acolhida que Dom Angélico lhes deu. Mas ele tem também os momentos daquilo que Dom Fernando chamou de “zelo impetuoso”. E lembro-me de uma história de Dom Angélico fechando uma passagem de trem, o que hoje seria chamado de muito violento, com toda a turma – hoje metade deve estar aí na platéia – para dizer que era inaceitável que não houvesse uma porteira para impedir que os trens atropelassem as pessoas aqui na Zona Leste.  (Palmas.) É isso que trouxe todas essas manifestações de carinho das pessoas que querem, com jograis, apresentar alguma coisa que seja um agrado ao seu coração. É isso. Dom Angélico é a referência de um tempo da nossa Igreja, de um tempo em que a nossa Igreja tenha sido mais Igreja do que nunca na história de São Paulo. (Palmas.) Mas ele é também o testemunho de um tempo do nosso povo, um povo que resolveu tomar os seus destinos na mão. Para esse tempo foi necessário ter muita coragem, dando o sacrifício até da própria vida, como Santo Dias recordado nesta noite, como Breno, que está lá, ferido e machucado, como os companheiros que ficaram. Esse tempo também tem uma referência e dessa referência não pode estar fora Dom Angélico, porque ele estava presente com a coragem da denúncia e da palavra. Agora, Dom Angélico, o senhor nos deixa, vai para o Sul, mas esses traços todos ficam. Eles não foram apenas necessários no passado. Eles são necessários hoje. E a esses traços todos é preciso acrescentar um outro que foi lembrado pelo Deputado Roberto Gouveia: o traço da sua lucidez, da sua ponderação, da sua reflexão. Talvez agora não só o zelo impetuoso, não só o respeito à diferença, não só a coragem, não só o compromisso, mas necessitamos também dessa lucidez, porque os tempos são outros, mais complexos e mais difíceis

Queria, Dom Angélico, terminar minhas palavras dizendo que é por causa disso tudo que estamos aqui, por causa de uma vida que é sua e de todos nós. (Palmas.)

           

O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – PT – Esta Presidência quer anunciar a presença, entre nós, de Estela Graziani, do MTC, da PUC; de Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares; da Lucila, do Cedep, de Campo Limpo, e de Marco Antônio Manfredini, representando o Vereador Carlos Néder.

Gostaria de passar para Dom Angélico uma mensagem de Hélio Bicudo e sua esposa, que está hoje em Washington, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Como é longa, passo-a diretamente a Dom Angélico, bem como uma mensagem carinhosa de Chico Whitaker e de Estela.

 

O SR. PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA – A respeito desse período triste da vida do nosso país e da audácia do nosso bispo, canta a música de Beto Guedes.

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Quem souber dizer a exata explicação, diga-me como pode acontecer um simples canalha matar um rei em menos de um segundo?  Ah, minha estrela amiga, por que você não fez a bala parar?

 

O SR. PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA – Ouviremos agora a apresentação da música ‘Arrumação’, pelo Coral de São Miguel Paulista.

                                       

 

***

- É feita a apresentação da música.

 

***

 

As Cebes, o seu modelo de igreja. Da teologia da libertação, aqui também nascida, à sua teologia do compromisso social, o seu testemunho de ministério episcopal. Desde então, fé e vida, fé e política, sempre juntos. Até porque, diz a Igreja, a política é a forma mais excelente de caridade, naturalmente se vivida dentro do seu nobre objetivo, a concretização real do bem de  todos.

 

            A SRA. FÁTIMA  GEORLANDO – Dentro desse contexto, a igreja de São Paulo, com a famosa Operação Periferia, contou com a assessoria  especial do querido mestre Paulo Freire. foi organizando o povo nas comunidades e o estimulou à participação no movimento social. Na Zona Leste, grande periferia da cidade, o nosso Dom Angélico ajudou a garantir o canteiro florido das comunidades e suas lutas. Regou e protegeu com carinho os movimentos populares que lutavam por moradias e teto junto com o padre Ticão  a quem chamava carinhosamente de “Trator de Deus.” Marly do Nascimento Ferreira, assistente social no conjunto irmã Josefina, vai nos falar um pouco desse tempo.

 

            A SRA. MARLY DO NASCIMENTO FERREIRA – É muito difícil estar aqui hoje representando a Zona Leste, representando São Miguel. E como já foi dito, espero que a emoção não tome conta e que eu consiga ser fiel e transmitir um pouco da história desse homem nas nossas vidas. Dom Angélico, peregrino nas estradas de um mundo desigual, espoliado pelo lucro e ambição do capital, do poder do latifúndio, enxotado e sem lugar, esse povo já não sabia por onde andar. Naquele ano de 1975, chegastes em nossa região e trazias um sorriso jamais visto. O povo foi chegando e ele ofereceu uma flor a todos que o procuravam. E na certeza da estrada e o amor no coração se indignou com um acidente de um ônibus, na estação dos trilhos de Artur Alvim. Sentou-se nos trilhos do trem,  rezou e as autoridades vieram e colocaram a porteira. E com o coração ele cantou: seu nome é Jesus Cristo e nós não o conhecemos. Com a sua coragem fincou  raiz  esse homem de nome Dom Angélico. Neste momento ofertamos ao senhor toda a sua história da região, que é pouco aqui representada. Peregrino nas estradas de um mundo desigual espoliado pelo lucro e ambição do capital, do poder do latifúndio, enxotado e sem lugar, Bispo dos pobres, ele gritou: terra, terra no céu nós já temos, nós queremos terra na terra e casa. E naquela tarde de domingo padres, freiras leigos e nós juntos com o Prefeito   começou uma nova era da história,  brotava o Movimento dos Sem Terra, aqui  representado hoje pelo Neto, por dona Eusa e pelo Edvaldo. A partir desse  momento  abençoou todas aquelas famílias que hoje sorriem e, representando todas as famílias cristãs que se uniram na luta pela justiça, faz-se presente na oração e na certeza do amor de Deus pelo seu povo se traz o livro da vida, pela família de João Araújo Neto, e traz presente a terra. (Palmas.) Pastor da justiça. Peço a todos que repitam comigo. (O público repete.) Mais uma vez. (O público repete.) Com a certeza na mão, Dom Angélico, receba esse cajado e o leve para bater no chão contra todos aqueles que traem nosso povo, ferindo o projeto de Deus. (Palmas.)

            Dom Angélico, pastor dos pobres. Peço a todos que repitam comigo. (O público repete.) Os profetas não se calam, denunciando a opressão, pois a terra é dos irmãos e na mesa igual partilha deve haver. E por isso te condecoramos com o título Profeta da Vida. (Palmas.) E esse título vai ser dado por todos nós em pé e falando bem forte: Profeta da Vida. (Palmas.)      A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava sendo seu o que possuía, mas tudo era comum entre eles. E com o sacerdote da partilha surgiu a esperança dos filhos que nasceram dessa igreja, representando hoje os jovens, leigos, os religiosos e, com o espírito de Deus, desta igreja nova e transformadora, (Palmas.) O senhor nos ensinou e mostrou o verdadeiro projeto de Deus. E é com grande alegria que te clamamos Sacerdote da Partilha. (O público repete).

            Como irmão dos padres, religiosos e nós, leigos, construiu em São Miguel uma catedral nova e, juntos, ensinou-nos um mundo fraterno. Chamou-nos a todos de irmãos e plantou em nossos corações, em nossas vidas; e aqui representando sua família te ofertamos a Bíblia. (Palmas.)

            Dom Angélico, grande senhor da história do nosso povo, tratou-nos de igual para igual. Nunca usou seu poder de bispo, mas colocou-se entre nós como amigo dos excluídos e sofredores. Representando São Francisco de Assis.

 

*              *      *

-         As irmãs da Ordem das Marcelinas homenageiam o bispo com a estátua de São Francisco de Assis. (Palmas.)

*              *      *

           

Bispo dos excluídos e sofredores. Peço a todos que repitam, porque senão não somos o povo dele. (O público repete.) 

Tudo o que foi representado aqui, que sirva de exemplo para nossa igreja e para a sociedade civil; que não pare esta história, que não pare esta luta, que não morra nossa fé.

 Encerramos a nossa homenagem da Zona Leste, tão simples, frente a tudo que fizeste para nós. É impossível representar aqui tudo o que o senhor é e representa. Como leigos, esperamos que a luz da sua vida continue na nossa Igreja, chamando todos os padres, freiras, leigos, até o Vaticano, a continuar a sua luta, com dignidade, cidadania, respeito, transparência, amor, resistência, coragem e firmeza.

O senhor fez o caminho de Jesus e, nesta caminhada, o senhor teve o apoio de todos nós e  de  Paulo Evaristo Arns. Que o senhor seja abençoado em Blumenau. É duro sentir sua falta. Mas continuaremos essa resistência de uma igreja nova, de uma igreja que defende o projeto de Jesus Cristo. O senhor nos ensinou isso. Com muita honra, como mãe, como cidadã, como leiga, eu agradeço em nome de Deus Todo-Poderoso. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Essa é a Zona Leste. Queremos concluir essa etapa do ministério de Dom Angélico através do Wagner Ximenes, que fez uma tese sobre os movimentos populares na Zona Leste, onde fé, política, grupos de rua e CEBs estão sendo sempre mencionados; decisivamente, há participação de Dom Angélico nesse processo. Enquanto Wagner Ximenes entrega a tese de sua autoria, o Coral de São Miguel faz a apresentação da música ”Ururaí”.

 

O SR. WAGNER XIMENES – “Ururaí” é o primeiro nome de São Miguel Paulista.

 

*     *   *

 

-         É apresentado o número musical. (Palmas.)

 

*              *      *

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Nossa história  é de outros 500 anos. São Miguel está aí também testemunhando. Agora. Wagner Gimenez irá presentear D. Angélico com essa tese que D. Angélico também inspirou.

 

            O SR. WAGNER GIMENEZ – Quero oferecer a D. Angélico um exemplar da dissertação de mestrado: “O significado da libertação dos pobres”, que D. Angélico tanto nos ensinou e viveu essa prática. Obrigado, D. Angélico. (Palmas.)

 

            O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – Quero anunciar a presença de José Rezende, presidente do Centro Popular de Defesa dos Direitos Humanos Frei Tito de Alencar.

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – O ministério de Dom Angélico na Zona Leste e aqui se compreende também a passagem por um ano pela Região Episcopal Belém além da Região Episcopal São Miguel Paulista se situa entre os anos de 75 a 89. Com a divisão da Arquidiocese de São Paulo nós, da Zona Norte da cidade, tivemos a alegria de tê-lo junto a D. Paulo, arcebispo, como nosso bispo auxiliar. No momento de sua chegada, uma de nossas grandes lideranças, o Frei José Alamiro declarou :

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -   “A Região tem uma história de lutas e o gás está aberto, esperamos que D. Angélico risque o fósforo. Esperamos que o novo pastor venha a aglutinar as forças que estão dispersas. O que falta nesta área é rearticular o ético, o político e o religioso.”

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – E foi o que aconteceu : uma grande assembléia popular com mais de duas mil pessoas em junho de 1989, escolheu o nome da região:  nascia a Brasilândia, o que poderia ter sido decreto fruto de uma canetada do novo bispo, foi expresso na vontade soberana da Assembléia. No nome a opção da igreja, aliás, como dizia Natanael, a respeito de Jesus Cristo Nazareno : “Pode vir alguma coisa que presta daquelas bandas?” Afinal, pobreza, carência, drogas eram o perfil da nova Casa do Dom.  Sem medo de enfrentar novamente a periferia da cidade e também de amar os pobres, o mensageiro Angélico reuniu e legitimou a igreja num grande mutirão. Com ele os nossos Conselhos Pastorais entenderam e definiram o nosso  compromisso cristão.

            Vamos repetir o slogan da nossa região, que é de todos nós, igreja: “Católico na  Comunidade, é Compromisso na Sociedade”.

 

*    *    *

 

- O slogan é repetido pelo público.

*     *      *

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Uma  igreja dos pobres, para os pobres, sem exclusão, uma igreja das CEBs e de caminhada, uma igreja rueira, com a Bíblia nas mãos e os pés no chão e na rua.

            A respeito desse nosso tempo, Padre Aécio, responsável pelas comunidades de Jardim Peri, na Serra da Cantareira, e pela equipe de Direitos Humanos da região dará o seu depoimento.

 

            O SR. AÉCIO – Atenção, povo da região de Brasilândia, de pé ! (Palmas.)  D. Angélico, as suas palavras, suas mensagens e seu testemunho é semelhante á de Tiago, que diz no capítulo 5: “E, agora, vós, ricos, chorais em prantos, por causa da desgraça que virá sobre vocês. A vossa riqueza está apodrecendo e as vossas vestes são corroídas de traças. O vosso ouro e a vossa prata estão enferrujando, dará testemunho contra vós e devorará as carnes como fogo. Entesouraste para os últimos dias, eis que o salário que roubastes e retivestes aos trabalhadores que ceifaram a vossos campos clama  e os clamores do ceifadores e dos trabalhadores têm chegado aos ouvidos do Senhor dos Exércitos”.  Foi por causa das suas palavras e de tantas palavras que nos ensinastes que caminhamos a Aparecida do Norte duas vezes e já estamos organizando a terceira para Aparecida. Foram 200 quilômetros. Foram as suas palavras, os seus incentivos, o seu testemunho e, mais ainda, a presença dele : quando menos esperávamos, lá estava ele caminhando entre o povo com pé no chão. Além disso, já estamos indo também para a segunda Caminhada pela Paz. A vossa região, Brasilândia, a qual o senhor terá a alegria de participar mais uma vez. São os seus testemunhos que nos fazem caminhar cada vez mais, porque não agüentamos e não suportamos sofrimento de tantos trabalhadores. Sabemos que a violência tem nome: foi o Pablo, foi o Osmar, e tantos outros de nosso meio, além de outros que foram ditos aqui na frente. Mas você vai para Blumenau? Tudo bem, não tem problema. Tua voz é forte. De lá, vamos escutar: “ Vamos ou não vamos, minha gente?” Pode ter certeza, aqui continuaremos a caminhar e a lutar porque as suas sementes criaram raízes profundas e ainda vão dar muitos frutos. Por isso é que vou te dar essa camiseta aqui. Você vai levar com o suor do nosso povo e muitas esperanças. (Palmas.)

 

*     *      *

-         É entoada uma canção.

 

*      *      *

 

O SR JOSÉ RENATO FERREIRA – Tornamo-nos a romaria dos excluídos – como disse o Aécio - e fomos para a casa da mãe. Fizemos do sonho caminhada e profecia, solidariedade e compromisso. E o Dom Angélico caminhou conosco. Até gritamos muito :

QUEM TEM FÉ, VAI A PÉ!

QUEM TEM FÉ NA VIDA VAI DE SÃO PAULO A APARECIDA !

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  Uma Igreja no meio popular não pode ficar no discurso e no louvor, tem de ser testemunho. Por isso, o pastor fiel estimulou e pediu testemunho, foi o momento dos trabalhos alternativos, das associações, da economia solidária, floresceram as padaria comunitárias, oficinas de artesanato, costura, fábrica de velas e ícones, sapatos, a Ecoluli.

Maria de Fátima Gouveia Martins da Artecom, Jardim Recanto, nos ajudará neste momento a entender a ação do nosso bispo.  Após a fala dela, serão distribuídos os pãezinhos que foram feitos pela padaria comunitária de Perus.

 

A SRA. MARIA DE FÁTIMA GOUVEIA MARTINS  -  Dom Angélico, é com muita honra que venho em nome de todos os grupos da região de Brasilândia.  Diante do sofrimento proporcionado pelo desemprego, D. Angélico sempre foi e continua sendo um profeta. Dom Angélico denuncia os sistemas econômicos e políticos que oprimem e exploram os trabalhadores. Dom Angélico é também profeta pois anuncia o novo, e o novo está na solidariedade. Dom Angélico convocou a região Brasilândia a dar pequenos sinais e demonstrar que é possível criar uma nova economia pela solidariedade. Hoje, os pequenos sinais se transformaram em uma rede de grupos de geração de trabalho e renda que testemunham que é possível construir uma economia solidária.

            Dom Angélico, hoje, em nome de todos os grupos de geração de trabalho e renda, da região de Brasilândia, queremos agradecer publicamente pela sua missão profética em nosso meio. Obrigada por nos apoiar. Mesmo quando um projeto não era bem sucedido, Dom Angélico afirmava que valeu a pena enquanto o projeto durou.

            Dom Angélico, não sei se o senhor se lembra que em uma celebração da festa da unidade, ao receber um calhambeque feito em madeira pelo projeto Atecon, o senhor levantou e mostrou a todos dizendo que iríamos longe. Esta visão profética tem-se confirmado, pois hoje os nossos grupos têm buscado dar esperança aos que nele trabalham com suas famílias. São mulheres, homens, jovens, adultos e deficientes que encontram apoio nos pequenos sinais de geração de trabalho e renda, e o senhor os incentivou.

Dom Angélico, obrigado por nos ensinar. Se o desemprego é sinal de morte, a solidariedade é sinal de vida.

Dom Angélico, com muito carinho desejo que Deus o abençoe e o acompanhe em todos os dias da sua vida.

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Vamos ouvir a música “Cio da terra”, que mostra a fecundidade dos movimentos, das comunidades e das associações.

 

*        *         *

-         É feita a apresentação do número musical.

 

*        *         *

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Não esqueçamos o canto do poeta: “Quem perdeu o trem da história por querer saiu do juízo sem saber, foi mais um covarde ao se esconder diante do novo mundo.” Não basta a capacidade de ser um grande pastor num ramo organizado, com muitas pastorais, publicações e quadros definidos – e olha que isso o Dom Angélico sabe fazer muito bem. Foi responsável pelo Pastoral da Arquidiocese de São Paulo, Presidente do Regional da CNBB, que corresponde ao Estado de São Paulo, Diretor do Jornal “O São Paulo” e do folheto litúrgico do povo de Deus. Como Cristão é preciso ser humano, como mestre mais do que a burocracia das nossas fúrias e o senhor tem dado testemunho desta verdade. O senhor foi e tem sido pai para muitos de seus padres, religiosos e famílias leigas mais fragilizadas. Dom Angélico, mensageiro do Deus amoroso, tem pregado esta verdade pelo Brasil afora aos presbitérios da nossa igreja. Talvez nenhum dos bispos do Brasil conheça melhor os padres brasileiros, seus sonhos, suas dificuldades, seus valores, como ele, o fator responsável por ter sido eleito já pelo segundo mandato do setor de vocações e ministérios da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB. Foi o único bispo eleito desde o primeiro mandato, para uma função específica definida na Comissão Episcopal de Pastoral, cargo que vem exercendo com dedicação até hoje e com carinho especial pelos  bispos eméritos. O Padre Alberto Habib Anderi, da Pastoral Operária das Comunidades de Base do Peri, membros do Conselho de Presbíteros da Região, fala da relação do dom com os padres.

 

            O SR. PADRE ALBERTO HABIB ANDERI – Excelentíssimas autoridades presentes, querido Sr. Bispo Dom Angélico, em respeito a todo esse público maravilhoso, como o senhor gosta de dizer, não vou ler esse calhamaço de informações, mas gostaria de destacar, em nome dos padres da região, pelos quais tenho essa honra de lhes falar nesse momento, de duas grandes características de sua personalidade, que aliás já foram citadas em  Ribeirão Preto, na região de São Miguel, e que se confirmaram realmente nesses onze anos de sua presença no meio de nosso povo e no meio dos padres pelos quais estou neste momento lhe dirigindo a palavra.

            Dom Angélico, gostaria de destacar a sua qualidade de liderança, de autoridade e a sua capacidade de companheirismo. Como líder, Dom Angélico, quero destacar a firmeza no timão com que governou a nau igreja local, em íntima e coerente união com o capitão principal, que foi Dom Paulo Evaristo Arns, então na chefia da arquidiocese de São Paulo, da qual a região de Brasilândia obviamente sempre foi  parte integrante. Esse espírito de colegiado vivido, do qual Dom Fernando deu mais uma vez um emocionante testemunho, para nós é uma lição. Padre nenhum,  leigo nenhum, civil nenhum todos não são nada se não se unem, se coordenam ou se delegam. Nesses onze anos no Governo da região sua autoridade, Dom Angélico, não só não sofreu nenhum retrocesso ou arranhões, mas foi se firmando cada vez mais, graças a seu pulso firme, sem arbitrariedade e sem esmorecimento. À medida em que os anos passavam sua índole misericordiosa e compassiva foi se impondo sempre mais, dando à sua autoridade liderança, aquilo que o evangelho proclama como característico de Jesus Cristo: “meu peso é leve, meu jugo é suave.” Para isso contribuiu muito sua capacidade de companheirismo, que  impregnou o exercício de sua autoridade. Nós, padres, leigos e leigas da região, que convivemos no dia a dia com Dom Angélico, vamos guardar dele a imagem de um irmão, em tudo semelhante a nós; exceto na complacência com o pecado, do mesmo modo como o apóstolo Paulo descreve o Senhor Jesus. Todos nós da região  Brasilândia, Dom Angélico, especialmente os padres, nunca nos esqueceremos dessa pessoa cujo coração é tão grande, que por vezes esbarra nos limites da racionalidade, quando se trata de acolher o irmão caído,  de se preocupar com o excluído, de defender o ser humano. Para ater-me a um só grupo, o do sacerdote, pelos quais falo neste momento, posso  afirmar que muitos reencontram a alegria do ministério graças a acolhida misericordiosa que Dom Angélico lhes deu na região.  Por tudo isso, Dom Angélico, e por tantas coisas mais que se poderiam falar neste momento, em nome do clero da região Brasilândia, dos ministros leigos e leigas, de todo este povo de Deus, que o Senhor nos ensinou a chamar também de sacerdotes e sacerdotisa, profetas, pastores e pastoras, todos aqui representando cada um a sua comunidade, receba o nosso muito obrigado e o nosso abraço, D. Angélico. (Palmas.)

 

            O SR. PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA – Parafraseando o testamento espiritual de um dos nossos bispos, D. Amaral Mouzinho, D. Angélico tem repetido sempre aos padres: “Minha grande alegria na vida não foi ter sido bispo, mas sim padre.” Mas recentemente também tem-se utilizado de outro grande bispo, Santo Agostinho, doutor da Igreja, quando diz que a grande graça de sua vida foi ter sido cristão e batizado; ser bispo é serviço e conseqüência. Com certeza, postura que revela um carinho e respeito para todos os leigos e leigas militantes na igreja. Neste sentido, uma grande contribuição do seu setor na CNBB é o recente documento Missão e Ministério do Cristão Leigo e Leiga.

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  D. Angélico é também um bispo muito próximo das religiosas. Seu ministério episcopal e sacerdotal sempre foi marcado pela presença delas, algumas já no céu. A irmã Ângela Marcelina, a Madre Zilda Álvares de Souza Camargo, missionária de Jesus Crucificado, e tantas outras que o acompanham. É um homem que sabe reconhecer o valor e o direito das mulheres. E, para falar um pouco desses direitos, a irmã Brígida, missionária médica de Maria, lá do Jardim Damasceno vai dar um testemunho. (Palmas.)

 

            A SRA. IRMÃ BRÍGIDA MC DONAGH – Eu estava penando esta semana que o tecido da vida humana e  o tecer de um país, de uma cidade, da própria política e também da própria igreja, tudo é tecido pelos fios das nossas vidas. Quem faz  as diferenças são as pessoas. As pessoas é que dão a cor, o tom, a qualidade, é que dão  vida para tudo o que fazemos e que fazem a diferença. Dom Angélico faz a diferença nesta cidade. Ele faz diferença não só nas regiões em que ele trabalhou, fazendo igreja no meio dos excluídos e também na sociedade. Sendo uma pessoa inteira, uma liderança; uma pessoa de referência  – como já foi falado – procurado, muitas vezes pelos meios de comunicação e também pelo pessoal de comunidade de base e pelo povo.

            Falando neste noite pela Pastoral da Mulher, nestes dez anos, reconhecemos a partilha do espaço. Passamos a conhecer D. Angélico como irmão, como companheiro e como pastor. Um pastor que voltou sua preocupação para a inclusão da mulher. Ele passou a usar linguagem inclusiva. Não parecia uma coisa muito importante, mas no fundo é, porque é uma conscientização, uma abertura para uma mudança. Durante esses anos também pode-se dizer que está sendo tecida essa relação, que não pára aqui. É o começo da inclusão dos excluídos. Esse também é um caminho de mil passos, mas um caminho que já começou e que vai continuar. Esta semana, fomos encomendar uma vela, um círio pascal da mulher. É muito bonita, feita com as cores da Pastoral da Mulher: lilás e amarelo. (Palmas.) Essa chama que foi acesa pela Adriana Iornela, da Pastoral Mulher, simboliza nosso amor e nossas orações.  Vamos entregá-la agora para Dom Angélico, para que ele a leve consigo.

 

***

-É feita a entrega do círio pascal.

***

 

Dom Angélico, você vai levar parte dos tecidos das nossas vidas.  Parte do tecido da sua vida está conosco.  Mais uma vez, muito obrigado, Dom Angélico.  (Palmas.)

           

O SR. PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA – Dom Angélico, que é um homem não só dos padres, não só das religiosas, mas também dos leigos, recebe agora a homenagem das crianças da Ocupação do Futuro Melhor, do Jardim Peri. Essas crianças trazem a camiseta do nosso grande time, afinal, nenhum time expressou melhor os fracassos, resistências, esperanças e conquistas do povo.  Por isso, Dom Angélico também é corintiano. 

 

***

-É feita a homenagem.

***

 

Das poesias de que ele tanto gosta, seu grifo em uma do Thiago de Melo, de que nos apropriamos para lhe oferecer.

 

A SRA. FÁTIMA GEORLANDO – Dom Angélico, no meio do abraço, vai a poesia do Thiago de Melo:

                 “Contigo aprendi que o amor se reparte,

                   mas sobretudo acrescenta.

                   E a cada instante mais aprendo

                   com teu jeito de andar pela cidade.”

 

O SR. PADRE JOSÉ RENATO FERREIRA – A Igreja de Dom Angélico é aberta para o mundo das comunicações.  Nossa querida “Brasilândia”, como ele gosta de chamar, com toda sua pobreza, foi a primeira região episcopal da arquidiocese a se informatizar, além de editar o jornal “Voz da Esperança”. Para apontar o investimento do nosso bispo jornalista, convidamos o Padre Antônio Aparecido Pereira, editor-chefe do jornal “O São Paulo” para nos falar dessa dimensão de sua pessoa e ministério.

 

O SR. PADRE ANTÔNIO APARECIDO PEREIRA – Pediram que eu destacasse, na multiplicidade dos dons do nosso querido homenageado, o jornalista. Isso mesmo. Dom Angélico é jornalista e dos bons.  Já se falou aqui do seu trabalho no “Diário de Notícias”, não é isso?  Quando nomeado bispo para São Paulo, ele trouxe sua experiência acumulada em anos e anos de trabalho naquele jornal de Ribeirão Preto. 

O jornalista Dom Angélico sempre fez ouvir sua voz vibrante, clara e profética, exigindo em nome do Evangelho dignidade e respeito aos pobres, aos lascados pelo sofrimento, àqueles que são deixados à margem da sociedade, aos excluídos do banquete da vida. Em defesa dos pequenos e pobres, dos preferidos de Deus, Dom Angélico não contente em celebrar missa onde havia feridos e mortos, em misturar-se aos que iam às ruas protestar e exigir providências, ele procurou também abrir espaço para que o povo mostrasse suas carências, exigindo silêncio para que a voz do povo fosse ouvida, registrando por escrito ou pelo rádio essa mesma voz.

O sugestivo nome do pequeno grande jornal que circulava na região episcopal de São Miguel nos tempos de Dom Angélico era muito revelador. Era preciso silêncio para que o povo se fizesse ouvir. E como esse silêncio ora era desrespeitado, outras vezes era negado, então Dom Angélico comandava por meio daquele jornal “Grita, povo”. 

Dom Angélico também foi – e ainda é, porque a gente não é bobo e quer aproveitar até o final – diretor responsável do jornal “O São Paulo”, da Arquidiocese de São Paulo. E aqui a gente registra, com grande orgulho, que tudo isso que foi mostrado até aqui e que será mostrado ainda foi registrado pelo jornal “O São Paulo”. Se as coisas mudarem, a gente poderá retornar aos arquivos de “O São Paulo”, que teremos toda a história escrita.  Para nós, da redação, seu nome no expediente do jornal era uma referência para que não nos desviássemos da missão de fazer um jornalismo sob a ótica do Evangelho, que privilegiasse a luta e os clamores do povo por vida em plenitude, que registrasse a ação da Igreja para implantar no mundo os valores do Reino de Deus.

Felizmente, amigos, essa transferência de Dom Angélico para a nova diocese de Blumenau não significa a redução a um silêncio obsequioso, nem a Igreja jamais cogitou isso, aliás, Dom Angélico não aceitaria. Lá onde a verdade e a justiça se impuseram, ele fará ouvir sua voz. E nós, de perto ou de longe, leremos ou escutaremos sua palavra e nos edificaremos com ela para as lutas de sempre e para as novas lutas que se fizerem necessárias.

Então, vá, Dom Angélico, com Deus. Receba o abraço amigo e fraterno de todos os jornalistas e funcionários do jornal “O São Paulo”.  (Palmas.)

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  A igreja que Dom Angélico defende é uma igreja aberta ao ecumenismo. Em nossa região episcopal, passos importantes foram dados nesse sentido.

            Tem a palavra  o Reverendo Valdomiro Pires de Oliveira, pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil da região do Ipiranga para dar  seu testemunho.

 

  O SR. VALDOMIRO PIRES DE OLIVEIRA – Conheci Dom Angélico nas semanas ecumênicas do menor e nos tornamos amigos.

 Dom Angélico, a primeira coisa que gostaria de dizer é que ninguém é perfeito. Depois do time que V. Revma. escolheu temos certeza disso. Não é difícil falar a  respeito de V. Revma. como evangélico, especialmente representando as igrejas históricas, porque seu nome rima com evangélico. Dom Angélico é evangélico. Evangélico significa ter um compromisso com o Evangelho de Jesus Cristo e, no momento em que vivemos, ter compromisso com a voz profética. V. Revma tem feito isso com muita competência e sabedoria.

            Gostaria de terminar tentando definir um pouco mais o que é o profeta e para isso vamos lembrar do Rio Piracicaba e  Água da Caçadeira no interior do Paraná. Nesses lugares existe uma avezinha que se chama corruíra, símbolo do profeta na nossa cultura, porque ela é pequenininha, mas quando é ameaçada pela cobra, pelo cachorro ou pessoa ela faz um chiado muito característico. Ela protesta, avisa todas as outras aves que há perigo naquele local. O papel do profeta é anunciar o perigo e denunciar  a injustiça. Essa mesma avezinha, quando o dia amanhece, quando chove, quando pára de chover e o sol aparece novamente ela canta com muita alegria.

            Gostaríamos de dizer  a Dom Angélico que ele não é só um profeta que condena as injustiças, mas aquele que traz para o coração do povo a alegria, a esperança,  a vontade e o gosto pela vida. Estamos precisando muito de pessoas que recuperem o gosto pela vida em nosso País neste momento.

            Entrego ao dom Angélico o CD ecumênico Canto da Paz, pela Gravadora Paulinas, católica, do  cantor presbiteriano Emanuel, irmão do falecido Jessé.  Que seu canto seja de paz sempre. (Palmas.)

 

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA – Tem a palavra o Sr. Dom Fernando Legau, bispo da Diocese de São Miguel Paulista.

 

            O SR DOM FERNANDO LEGAL – Depois de tudo, não sei o que sobrou para  falar. Nesta noite, esta Casa das Leis  transformou-se num grande jardim onde foram colhidas tantas flores e com essas flores formamos uma bela corbeille que queremos com Dom Angélico oferecer a Deus, lembrando uma palavra do evangelho: “Que vejam as vossas boas obras para glorificar o vosso Pai que está nos céus”.

            Vejo em Dom Angélico, em tudo que fez, uma manifestação da glória de Deus e por meio dele queremos glorificar o Pai que está nos céus. Tive a alegria, a honra e a responsabilidade de substituí-lo como bispo na região leste, na diocese recém-criada em 89, Diocese de São Miguel Paulista. Eu estava como bispo diocesano de Limeira numa realidade muito diferente e me transferiram para cá substituindo Dom Angélico. Eu me lembro dos primeiros contatos telefônicos que tivemos e de tantos contatos telefônicos entre São Miguel e a sua região de Brasilândia, de dia e de noite, procurando me inteirar de uma realidade que eu não conhecia, embora seja paulistano e tenha  nascido e sido criado aqui, nesta terra. Aquela região toda de  São Miguel não existia no meu tempo de criança.  Alguns pequenos núcleos como  Itaquera, Guaianases, Itaim e tudo aquilo surgiu de modo explosivo nesses últimos cinqüenta anos. E encontrei em Dom Angélico um irmão que me acolheu e que me iniciou no conhecimento daquela realidade. E uma  coisa  que ele me disse  e repetia:  “Bendito o que vem em nome do senhor.” Quero dizer também a ele, agora, bendito o que vai em nome do senhor. (Palmas.)

 

             A SRA.  FÁTIMA GEORLANDO – Quero dizer a todos  que os banespianos estão aqui presentes, apresentando seu apoio. Dom Angélico tem apoiado muito contra a privação do Banespa, nas manifestações etc. (Palmas)

 

*              *      *

            - É feita a entrega de uma camiseta e de um broche a Dom Fernando Legal.

*               *     *

 

             O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA  – Se Dom Angélico conquistou o povo, também conquistou aliados na luta e na defesa pelo povo. Tem a palavra um desses seus aliados, Senador  Eduardo Suplicy, que fará uma homenagem a Dom Angélico neste momento.

 

             O SR. EDUARDO SUPLICY – Prezado Presidente Paulo Teixeira, D. Angélico representa para nós uma lição a cada momento , a cada instante e sobretudo ele sabe mostrar um caminho para enfrentar dificuldades. Sabe, prezado Plínio Sampaio, ainda hoje pela manhã, juntamente com o Deputado José Dirceu, Presidente do PT, líder do PT  no Senado, da Luíza Helena, do senador Roberto Requião e tantos outros, fomos muito cedo  lá para a entrada de Curitiba, em Barigüi, por quase dez quilômetros, centenas de pessoas caminharam em direção à catedral de Curitiba. Havia uma grande apreensão porque justamente hoje faz um mês que, em 2 de maio passado, trabalhadores sem terra, vindo do centro do Paraná, queriam ir à capital daquele Estado para dizer às autoridades que se fazia necessário ampliar os créditos aos assentados, acelerar os assentamentos, as desapropriações das áreas improdutivas. E, de repente, a Tropa de Choque resolveu fazer os trabalhadores descerem dos ônibus e alguns policiais resolveram atirar com balas de fogo e levaram a vida de um trabalhador exemplar na solidariedade para com sua família, cinco filhos e para com seus companheiros. Nestes últimos dias houve um empenho no sentido de que não mais houvesse tal tipo de tragédia. Eu próprio conversei com o Governador Jaime Lerner há pouco mais de duas semanas e lhe disse que era preciso um diálogo direto do Governo com a coordenação do MST. Felizmente começou a acontecer esse diálogo e hoje a manifestação foi um exemplo de tranqüilidade, de dignidade; o povo caminhando, a população dos edifícios, das casas, das ruas acenando, dando as boas-vindas.

            O Senador Roberto Requião dizia, inclusive à imprensa, que poucas vezes via um ato tão bonito ali, no centro de Curitiba. Falo isso, prezado Deputado José Carlos Stangarlini, porque V. Exa. aqui representa o Governador Mário Covas  e quem sabe D. Angélico, hoje, possa colaborar para que haja um caminho de entendimento. V. Exa, representando o Governador, quem sabe possa trazer uma luz. Neste instante está ocorrendo na Praça da República uma situação de grave impasse. A Tropa de Choque está ali conversando com os professores que estão em assembléia. A cada minuto, desde o início da  noite, vem uma pessoa e diz que está para ocorrer, que a Tropa de Choque está para desalojar o acampamento e de repente pode ocorrer outra tragédia. Será que não dá para abrir um caminho de diálogo?  Estava lendo as notas hoje. O Governador – até mostrei para D. Angélico – disse que não se recusa a dialogar com os grevistas. Este é um fato positivo. É claro que está bravo. Agrediram-no e eu, do PT, e tenho certeza de que falo por todos os parlamentares do PT, pelo presidente de honra, Lula, pelo presidente José Dirceu – e estive ao lado dele hoje – jamais vamos concordar com atos de agressão à pessoa do Governador ou ao Ministro José Serra, que ainda hoje levou outro ovo nas costas lá em Belo Horizonte.

            Quero  explicar que a Marta iniciou tão cedinho hoje e amanhã começa tão cedo que pediu licença para repousar  e eu  tenho dialogado com a Marta no sentido de que é preciso tomar cuidado com isso. De maneira alguma queremos estimular qualquer ato desse tipo. Se porventura o fizermos, a qualquer momento poderemos ser nós os atingidos, por maior tranqüilidade que tenha de andar em qualquer lugar do Brasil, porque as pessoas me tratam com carinho, respeito, nunca tive uma ameaça dessa natureza.(Palmas.) Mas se há um tipo de lição que a gente aprende com pessoas como D. Angélico é o que fazer em situações como estas. Sempre relembro quando estava vivendo nos Estados Unidos, quando estudante. Havia, na campanha pelos direitos civis, ocasiões em que ocorriam distúrbios, apedrejamento de lojas nas grandes cidades, incêndios e uma pessoa dialogava com os movimentos, Martin Luther King Júnior. Naquele “eu tenho um sonho” dizia coisas que  neste momento são importantes e eu até as repeti em Curitiba:  Vamos não aceitar estar simplesmente  tomando o chá do gradualismo para dizer que as coisas não podem ser feitas agora, que têm que ser adiadas, porque não vai dar, porque não existem recursos. É preciso ver bem o que é possível, o que não é possível e assim vão-se adiando todos os programas que poderiam transformar a vida da população tão próxima de D. Angélico. Mas ele também dizia: não vamos estar tomando também do cálice do ódio, da violência, da vingança. Vamos procurar ver como conseguir transformar as coisas. Um menino de 8 anos lá fez uma manifestação poética, que emocionou a todos. Ele falou do dia em que Antônio Tavares Pereira foi morto. E lembrei-me das palavras de João Pedro Stédile dizendo, no dia do velório de Antônio Tavares Pereira, que não deveríamos fazer da sua morte um motivo de vingança, mas de vontade de transformar as coisas.

            Prezado Deputado Stangarlini, sei que é tardíssimo, mas quem sabe possamos nós, o Presidente Paulo Teixeira e V. Exa., com a bênção de Dom Angélico, dar um pulo lá, após esta sessão, por mais tarde que seja e por mais   exaustos que possamos estar. Acordei às 5h15 da manhã, mas quem sabe poderemos ir lá e, V. Exa, representando o Governador, nos acompanhar para, pelo menos, dialogar, tentar um caminho para que nunca mais qualquer grupo de pessoas se veja com vontade de repetir o tipo de agressão que ocorreu ontem, com a qual não concordamos, mas que possamos ter um caminho de respeito mútuo, de diálogo, até mesmo se for  para dizer que não dá por isto e aquilo aos professores, aos médicos, aos servidores das universidades. Todos vão poder compreender exatamente qual o senso de prioridades.

            D. Angélico, o senhor vai para outro lugar e onde chega acende luzes. Vai para Blumenau, onde o Prefeito do PT  Décio Neri de Lima, inclusive, instituiu um programa de garantia de renda mínima. Tão entusiasta ele é que lá realizou, no ano passado, um simpósio convidando todos os prefeitos e secretários de Santa Catarina e da região dos estados do Sul para dialogar e ver quem quer, como fazer e como aperfeiçoar.

            O representante do Governador Mário Covas – e estaria falando com ele se aqui estivesse – domingo passado ele me escreveu uma carta muito dura. Eu já respondi, mandei para adiante. Eu respondi e deve sair na “Folha” nos últimos dias. O diálogo vai intensificar-se e aprofundar-se. Ah!, mas como seria bom se o Governador Mário Covas ouvisse o que D. Angélico Sândalo disse lá, na Catedral da Sé: “É preciso que o governo aprove mais depressa  para valer o direito a uma renda mínima para todos.”  Pode ser o melhor desenho, aquele desenho que mais esteja conforme o projeto de Magalhães Teixeira, em Campinas; aliás, o projeto do Deputado Paulo Teixeira é o que mais se aproxima do desenho.

            O Governador Mário Covas na sua carta publicada a mim, no jornal “ Folha de S. Paulo”, disse que tem um programa complementando a renda, que é o da renda mínima  para todas as famílias carentes do Estado de São Paulo. Posso fazer um teste de quantas pessoas aqui conhecem o projeto, que conhecem realmente como funciona e quais as famílias que têm direito. Pais e mães que aqui estão e que conhecem esse projeto, por favor, levantem as mãos. Duas pessoas conhecem.

            Sabe, Deputado Stangarlini, esta semana o governador estava bravo comigo e eu liguei para o Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Vanderlei Macris, pedindo-lhe que me mandasse os dados e se S. Exa. sabia bem sobre eles. Ele respondeu-me que por aqui não havia passado como lei e que não poderia mandar os dados se não sabia exatamente como são. Perguntei ao Deputado Milton Flávio, líder do governo, se poderia explicar-me exatamente como é. Sua Excelência respondeu-me que encaminharia os dados completos, dada à minha responsabilidade de senador, mas que também não sabia me explicar. É preciso dizer ao governador que ele também precisa dizer como é que funciona o projeto, porque, se quisermos efetivamente assegurar uma renda mínima a todos, é preciso que todas as pessoas neste Estado venham a saber como funciona.

            Dom Angélico, há dois meses estive na Igreja de Brasilândia com a Marta. Assistimos a uma missa tão bonita, onde o povo lhe homenageou e queria lhe dizer que as coisas mais bonitas e mais tocantes, inclusive, do ponto de vista da espiritualidade e religiosa, fizeram muito bem  a mim. Vá para Blumenau fazer o bem ás pessoas como o fez naquele dia para mim e para Marta. Um grande abraço. (Palmas.)

 

            A SRA. FÁTIMA GEORLANDO -  Agora, está chegando a hora de ouvir Dom Angélico. Antes dele, o Deputado José Carlos Stangarlini, representando o Governador do Estado, irá falar.

 

            O SR. JOSÉ CARLOS STANGARLINI  - Sr. Presidente, Deputado Paulo Teixeira, Sr. Deputados, autoridades, Dom Angélico :

 

(ENTRA LEITURA do deputado José Carlos Stangarlini – três pág. – Honrou-me duplamente ... )

           

            O SR. JOSÉ RENATO FERREIRA e SRA. FÁTIMA GEORLANDO  -  Nossa homenagem já está quase no fim, não poderíamos finalizá-la  sem dizer os últimos versos do Beto Guedes: “D. Angélico: as canções / em nossa memória vão ficar / profundas raízes vão crescer / a luz das pessoas me faz crer / eu sinto que vamos juntos / Ó, nem o tempo amigo nem a força bruta pode um sonho apagar.”

            Receba, D. Angélico, esta homenagem do Povo e da Igreja de São Paulo e de suas autoridades.

            Obrigado como diz o livro do Apocalipse: “Anjo da Igreja de São Paulo pelo seu testemunho, sua fé e seu amor”. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE  PAULO TEIXEIRA –PT- Antes de passar a palavra para D. Angélico, quero agradecer a todos que ajudaram a organizar esta homenagem: Padre José Renato, Padre José Eduardo Assis, pela ajuda pastoral que  me deu, ao conjunto e a todos os que estiveram aqui,  às comunidades, às  freiras, aos padres e às autoridades. Fiz um discurso longo, mas quero ler o final.

 Quero saudar a todos: saúdo o Deputado José Carlos Stangarlini, esse casal maravilhoso que é Marta e o senador Eduardo Suplicy, saúdo a todas as autoridades, minha esposa, Alice, Pedro e os que estão aqui que são filhos de D. Angélico no sentido espiritual, e saúdo D. Angélico.

Dom Angélico, eu nutria pelo senhor um carinho especial desde a tenra idade. Meus avós, José Aparecido Teixeira, que trabalhava no “ Diário de Notícias”, e minha avó Iaiá falavam do senhor com muita graça e amor que construí dentro de mim um ídolo. Como o Deputado Roberto Gouveia falou, também fui a São Miguel Paulista e quando o encontrei numa casa toda florida, decidi ali morar. Casei-me e acho que segui os seus conselhos de planejamento familiar  e hoje temos seis filhos.

Tudo o que foi dito do senhor aqui, quero sintetizar numa frase, numa passagem bíblica de Isaías,  que diz :“Vigia, que horas são essa noite?” O senhor fez o papel nessa cidade de vigia, de vigilância, de acompanhamento, de presença e de amor. Além disso, o senhor é um homem alegre e um homem feliz, um homem que recebe a todos como irmãos. Como dizia o poeta: há  dentro do senhor um menino, há dentro do senhor um moleque, que reside no seu coração.

            D. Angélico quero prestar as minhas homenagens ao senhor, a D. Paulo Evaristo Arns, a D. Mauro Moreli, a D. Luciano Mendes de Almeida, a D. Celso Queirós, a D. Joel Ivo Catapan, a D. Antônio Gaspar, a D. Fernando Penteado e a D. Décio Pereira, que formaram uma equipe que, a meu ver, construiu a maior obra de humanidade que esse País jamais viu. (Palmas.) D. Joel faleceu, bem lembrado pelo meu colega José Carlos.

            D. Angélico, nesse momento em que vamos comemorar 500 anos, as cenas mais presentes na nossa cabeça são a de um índio ajoelhado em frente a uma Tropa de Choque, a violência da morte de um sem-terra no Paraná, as bombas de gás lacrimogêneo na Av. Paulista e a violência de ontem na Praça da República. Como disse o Senador Suplicy: “o caminho não é o da violência, o caminho que aprendemos com o senhor é o caminho da tolerância, o caminho  do diálogo, o caminho da mesa de negociação”. Quero clamar, na sua homenagem, para que se estabeleça a negociação e a tolerância, que é a maior lição que aprendemos do senhor.

            Quero dizer, Dom Angélico, que senti muita tristeza quando soube da sua transferência, profunda tristeza! Lá em casa as opiniões eram das mais diversas, eu não acompanhei nenhuma delas, mas hoje sinto uma enorme alegria, pois mediante os depoimentos que colhi esta noite, muitos de nós aprendemos com o senhor a continuar a luta pela justiça, por uma sociedade de irmãos, a luta pela igualdade e pela democracia neste País. Sinto-me um privilegiado em ter convivido com o senhor, D. Angélico. Sinto-me privilegiado em ter vivido neste século em que fomos contemporâneos de Martin Luter King, de Mahatma Gandhi, de Nelson Mandela, de D. Hélder Câmara, de D. Paulo e D. Angélico Sândalo Bernardino.(Palmas.) Sei que o que o senhor nos pede e os padres da região da Brasilândia sabem que continuamos lendo e perseguindo a idéia de “Romanos 12,12:” Na esperança sedes alegres; na atribulação, pacientes; na oração, perseverantes”. Procuraremos seguir os seus caminhos, mesmo que teimem, faremos florir os caminhos, plantaremos ternura num solo marcado pelo ódio e espalharemos semente de justiça. Muito obrigado, Dom Angélico.(Palmas.)    

   Passo a palavra, agora, a D. Angélio Sândalo Bernardino, e vamos recebê-lo de pé para fazer aquela alegre saudação a esse irmão, a esse querido Profeta, Bispo. (Palmas.)

   D. Angélico, eu quero dizer para o senhor que a felicidade que tivemos com a sua presença nos faz seguir unidos. Eu tive um problema esta semana, um problema de família, que interrompeu a preparação deste ato, mas conversei com D. Cláudio que alegremente me disse o seguinte: “estarei na sua missa em Blumenau.”  D. Paulo também ria e disse: “fala para o D. Angélico que também estarei em Blumenau”. E os bispos da capital que continuarão esta grande obra, D. Fernando Legal, meu amigo de São Miguel Paulista, D. Fernando Penteado, D. Fernando Figueiredo  D. Antônio Gaspar, todos que continuarão conosco esta obra para fazer uma igreja alegre e animada e dentro das lutas do povo. Muito obrigado.

           

  O SR. ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO – Meus irmãos e irmãs, gostaria de saudar nominalmente cada um da Mesa, dizendo o nome de cada um e de cada uma, mas pela brevidade do tempo quero poupá-los. Vocês percebem que para mim esse momento é prenhe de emoção. Há poucos dias fiz um cateterismo, mas quero lhes dizer com toda alegria que a emoção e o conteúdo de emoção que sinto nesta noite é muito maior do que todas as sondas físicas que chegaram perto do coração.

Quero agradecer de coração ao meu querido irmão, amigo e filho, Paulo Teixeira. Neste agradecimento gostaria de enlaçar toda uma história que vem de longe. Ele foi rápido em dizer que o Professor José da Aparecida Teixeira era jornalista e professor e que trabalhamos juntos no “Diário de Notícias”, ele já de cabelos brancos e eu jovem ainda. Foi ele quem me iniciou no jornalismo. A mãe dele, tão amiga e tão do coração, quero lhe dizer, meu querido amigo, que políticos da sua envergadura honram Legislativos, políticos da sua envergadura precisam continuar na vocação, muitas vezes saneadora destas Casas (Palmas.). Sinto-me honrado pela presença de outros políticos. Quero realmente agradecer a todos quantos e quantas desfilaram aqui, convocados tão belamente pelo Zé Renato, meu irmão amado e pela Fátima.

 Gostaria de lhes dizer com muita simplicidade que esta homenagem, na minha avaliação, foi das mais justas, das mais urgentes. Alguém poderia se espantar, mas a razão é muito simples: em nenhum momento antes, durante e, lhes asseguro, depois, senti-me o homenageado, porque esta homenagem é feita à população amada da periferia desta bem-amada cidade de São Paulo.(Palmas.) E a esta população eu dedico esta noite, é no coração desta população que coloco esta noite. É interessante, durante cada passo desta jornada nesta noite luminosa, fui acompanhado muito violentamente, lá no coração, pela presença de algumas pessoas que desfilaram. Estive tocando no peito nu de Santo Dias, no Instituto Médico Legal. Estive muito presente e ele esteve muito presente nesta noite, o operário Manoel Fiel Filho.

  Rememorei nesta noite, muito vivamente, o culto ecumênico inter-religioso que fizemos na Catedral da Sé por Wladimir  Herzog. Antes de anunciarem a presença do Breno ele já tinha passado por aqui. Quantas vezes Valdemar Rossi passou pela minha mente. Ainda anteontem, comovido, encontrei-me com ele em Brasília, no Hospital Sara Kubitscheck, onde está se convalescendo já há muitos dias de uma operação e aguardando uma outra. Estas presenças estiveram desfilando no meu coração nesta noite e devo-lhes confidenciar que há muitos anos, diariamente, sou centralizado, vivamente, por Jesus sofredor, servo sofredor, crucificado e morto, de um lado, e por Jesus ressuscitado de outro. E a cada dia me pergunto em que circunstância me encontrei hoje com Cristo crucificado, com Cristo morto, no corpo de crianças profanadas, de crianças que deveriam estar brincando, estudando  e estão  esmolando nas esquinas das grandes cidades; de jovens que se prostituem, de trabalhadores muitas vezes humilhados porque não têm trabalho. Ao mesmo tempo me pergunto em que consegui, de alguma forma, ser a presença da ressurreição. E sinto que em todo gesto de bondade, de solidariedade, de esperança acontece a ressurreição de Cristo.             Ela não é um acontecimento do passado, assim como a morte do Senhor não é um acontecimento do passado. Ela é presença em cada homem e mulher que sofre; em cada homem e mulher que consegue levantar a cabeça num gesto de mais vida e esperança e sou profundamente grato pela presença de todos nesta noite. E se for lícito fazer pedidos, eu os quero agora apresentar. O primeiro, ilustre Senador da República, coincide com o seu. Quero pegar este papel para lhe dizer e lhe afirmar que a coincidência realmente é um brado de necessidade e urgência. Meu querido amigo Deputado Carlos Stangarlini, eu o faço portador deste pedido, o Estado de São Paulo e o Brasil necessitam que as partes envolvidas dialoguem. Este é um momento de grandeza d’alma. Ninguém, como foi dito – e é bom que se afirme – está de acordo com qualquer ato de violência, venha de onde vier. Senti-me atingido na cabeça e no rosto, como tenho de resto me sentido atingido pela ignomínia de R$ 151,00, pela  aposentadoria aviltante de milhões de brasileiros, pela falta de trabalho, de moradia, de casa, de terra, de assistência à saúde. 

            O Estado de São Paulo, tendo à frente meu amigo pessoal Mário Covas, tem urgência de que governo e grevistas se sentem à mesa de negociação. Se for preciso um terreno, onde será servido um bom café, um bom chá e bolachas, seja a minha casa o local desse encontro.  (Palmas.)

            Em segundo lugar, quero pedir a vocês, meus irmãos de movimentos e comunidades, que levemos avante o plebiscito que vai realmente ser a mobilização para que nos pronunciemos a respeito da dívida externa, que é uma sangria. É o pão, é a saúde, é a educação do nosso povo que estão sendo drenados para países do Primeiro Mundo. Estou de acordo com Galbraith: essa dívida contraída muitas vezes de maneira espúria por nossos governos com banqueiros e governos do Primeiro Mundo – também desonestos – tem a marca da desonestidade e da iniqüidade. Foi por isso que nosso irmão maior, João Paulo II, no coração do jubileu comemorativo dos 2.000 anos da vinda de Cristo e da sua obra redentora, nos convoca a fazer algo contra essa ignomínia colonialista que é a dívida externa.

            Em terceiro lugar, quero lhes pedir que continuemos a apoiar os movimentos populares. É preciso. Eles são realmente o coração palpitante da Democracia. Democracia é uma casa como esta: aberta, funcionando em plenitude. Democracia são os movimentos populares com todos os canais livres para que possam se firmar cada vez mais. Eu não fujo ao compromisso histórico de afirmar nesta noite, no coração desta metrópole, da minha simpatia e apoio ao Movimento dos Sem-Terra.  (Palmas.)  E peço que os espíritos sejam desanuviados pela abertura da prisão daqueles que foram detidos.

            São Paulo verte sangue de vergonha no seu município, na corrupção. É o escândalo na Câmara dos Vereadores. Não quero generalizar, há exceções e honrosas, mas é preciso que tenhamos uma pátria com políticos decentes, honestos, competentes  voltados para as classes populares.

            Termino repetindo as palavras que o senhor  disse que é a bandeira na minha vida. É preciso que caminhemos, meus irmãos e irmãs, como disse o Apóstolo Paulo: “Alegres na esperança, firmes na tribulação, perseverantes na oração”. Este é o momento de conclamarmos a esperança tantas vezes evocada neste plenário,  a presença de Paulo Evaristo, pois ele é um homem que vai dizendo nos caminhos da história: “É preciso termos esperança. Caminharmos de esperança e à  esperança  não me furto”. Uma vez mais,  com os senhores,  proclamo o salmo 125 de luta e esperança, que coloco em oração no coração de Deus nosso Pai em agradecimento, em homenagem a toda população de São Paulo, marcadamente dos pobres e da população da periferia. “Aquela vez que Deus mudou os nossos caminhos parecíamos sonhar, nosso rosto brilhou de alegria, nossos lábios se encheram de canções. Entre os pagãos se dizia: grandes coisas fez o Senhor com eles; na verdade, o Senhor fez maravilhas conosco. Ah!. muda agora, Senhor, os nossos caminhos, à semelhança dos rios do sertão despertados pela chuva repentina. Quem vai, vai chorando a lançar suas sementes. Ao voltar, voltará cantando a colher os seus feixes”.

Meus irmãos, que a paz do Senhor esteja com os senhores, suas famílias e a cidade de São Paulo. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE – PAULO TEIXEIRA – PT – Agradeço a todos que ajudaram a organizar este evento, ao Padre José Renato, da Fátima, aos grupos de música, às autoridades  e a todos que colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a presente sessão.

 

*              *      *

-         Encerra-se a sessão às 23 horas e 43 minutos.

*     *   *