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02 DE MAIO DE 2005
017ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM À “MEMÓRIA DE PAULO FREIRE”
Presidência: ROBERTO FELÍCIO
Secretária: MARIA LÚCIA PRANDI
DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA
Data: 02/05/2005 - Sessão
17ª S.
SOLENE Publ. DOE:
Presidente: ROBERTO FELÍCIO
HOMENAGEM À MEMÓRIA DE PAULO
FREIRE
001 - ROBERTO FELÍCIO
Assume a Presidência e abre
a sessão. Anuncia as autoridades presentes. Informa que esta sessão solene foi
convocada pela Presidência efetiva, a pedido do Deputado ora na condução dos
trabalhos, e também dos Deputados Renato Simões, Líder da Bancada do Partido
dos Trabalhadores, Carlinhos Almeida, Maria Lúcia Prandi, com a finalidade de
"Homenagear a Memória de Paulo Freire". Expressa sua emoção por
conduzir esta homenagem a um grande educador. Convida a todos para, de pé,
ouvirem a execução do Hino Nacional.
002 - RENATO SIMÕES
Deputado Estadual, Líder da
Bancada do Partido dos Trabalhadores, expressa satisfação com a realização
desta sessão solene, que tem como objetivo manter viva, no Parlamento de São
Paulo, a memória de Paulo Freire e sua imensa contribuição como educador ao
Brasil e ao mundo. Relembra seu primeiro encontro com o Paulo Freire, início
dos anos 80, quando este acabara de retornar do exílio.
003 - MARIA LÚCIA PRANDI
Deputada Estadual pelo PT, e
presidente da Comissão de Educação, afirma que Paulo Freire foi um grande
educador, e que seu método pedagógico e sua prática libertadora o levaram ao
exílio. Fala de sua experiência enquanto Secretária da Educação de Santos, ao
mesmo tempo em que Paulo Freire exercia o mesmo cargo na Capital, destacando
fatos do convívio pessoal.
004 - Presidente ROBERTO FELÍCIO
Anuncia a execução de número
musical.
005 - LADISLAU DOWBOR
Economista, orador indicado
pelo Instituto Paulo Freire, discorre sobre a visão social de Paulo Freire
aplicada aos dias de hoje, afirmando que a educação é um poderoso meio de
inclusão social. Comenta o Brasil consegue digerir as tecnologias, mas não
consegue digerir a civilização, a modernidade e a decência nas relações
humanas.
006 - ÂNGELA ANTUNES
Membro do Instituto Paulo
Freire, ONG fundada pelo homenageado com a intenção de manter vivo seu legado
de luta por uma Educação que contribua para a humanização e para a emancipação
dos seres humanos. Faz apresentação de projetos realizados nas comunidades pelo
Instituto.
007 - LUTGARDES COSTA FREIRE
Filho do homenageado, fala
da atuação de sua mãe, Elza Freire, que também foi educadora e grande
companheira, tornando-se indissociável da figura de Paulo Freire.
008 - NITA FREIRE
Segunda esposa e viúva de
Paulo Freire, relembra sua longa convivência com o educador, que culminou com o
casamento, em 1988.
009 - Presidente ROBERTO FELÍCIO
Agradece
o trabalho de todas as entidades que procuram manter viva a memória de Paulo
Freire e espera que a partir desta sessão solene a Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo tenha mais participação nas coisas vivas da sociedade.
Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.
* * *
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido a Sra. Deputada Maria Lúcia Prandi para, como 2ª Secretária “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.
A SRA. 2ª SECRETÁRIA - MARIA LÚCIA PRANDI - PT - Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada..
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Contamos com a presença na mesa da nobre Deputada Maria Lúcia Prandi, Sra. Nita Freire, Sr. Lutgardes Costa Freire, Sra. Ângela Antunes, Sr. Ladislau Dowbor, Professor Doutor Jorge Megid Neto, Diretor da Faculdade de Educação, representando o Professor Doutor José Tadeu Jorge, Magnífico Reitor da Unicamp.
Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta Sessão Solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Rodrigo Garcia, atendendo solicitação deste Deputado e dos Deputados Renato Simões, Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores, Carlinhos Almeida, Maria Lúcia Prandi, com a finalidade de homenagear a memória de Paulo Freire.
Quero agradecer ao Deputado Rodrigo Garcia, Presidente da Assembléia Legislativa, por ter me concedido a honra de, com muita emoção, presidir esta sessão em homenagem ao grande educador, um dos maiores deste País, reconhecido pelos seus pares como um dos maiores do mundo, Paulo Freire. A experiência de educação de Paulo Freire é amplamente difundida, sobretudo porque, no período em que foi obrigado a deixar nosso País após o golpe militar de 1964, teve oportunidade de trabalhar em diversos países e organizações. Por esse motivo, seu trabalho hoje é conhecido e reconhecido no mundo todo.
Convido todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob a regência do Maestro PM Músico, 2o Tenente David da Cruz.
* * *
- É executado o Hino Nacional Brasileiro pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
* * *
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Esta Presidência agradece à Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na pessoa do Maestro PM Músico, 2o Tenente David da Cruz.
Esta Presidência concede a palavra ao nobre Deputado Renato Simões, Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores.
O SR. RENATO SIMÕES - PT - Sr. Presidente, nobre Deputado Roberto Felício, Sr. Secretária, nobre Deputada Maria Lúcia Prandi, senhoras e senhores, companheiros desta Sessão Solene que esta Casa realiza para manter viva, no Parlamento de São Paulo, a memória de Paulo Freire e sua imensa contribuição ao Brasil e ao mundo, que fizeram do Estado de São Paulo um espaço melhor para que pudéssemos viver, trabalhar e lutar por uma sociedade justa, igualitária e fraterna.
Dessa forma, nada mais justo do que o Parlamento de São Paulo realizar esta Sessão Solene na noite de hoje. Sinto-me extremamente honrado, como Líder da Bancada do PT, em me associar aos nobres Deputados Roberto Felício, Carlinhos Almeida e Maria Lúcia Prandi, que fazem parte da coordenação da nossa bancada na área da educação, na realização desta Sessão Solene.
Muitas vezes, a Assembléia de São Paulo é vista pela sociedade como um espaço pouco válido como referência de suas ações, lutas e organização. Isso tem uma explicação muito válida, porque, durante muitos anos, este espaço se mutilou e se subordinou à sombra de um poder que acabou por matar a vida e a dinâmica própria que se espera de um Parlamento. Por essa razão, em todas as oportunidades em que a vida passa por aqui, devemos agradecer. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a vinda de todos ao Parlamento de São Paulo, porque, muitas vezes, a vida do nosso povo passa pela Avenida Pedro Álvares Cabral, em frente ao Ibirapuera e vai embora. Não pára.
Nós paramos nesta noite, porque encontramos nesta Casa um espaço para o cultivo de valores que todos comungamos. Eu diria que a vida de Paulo Freire é um excelente pretexto para que nos encontremos aqui. Todos nós, em algum momento da nossa história, tivemos oportunidade de encontrar Paulo Freire. Ou diretamente, aproveitando do sabor da sua prosa, quase uma poesia, que empolgava as pessoas que o ouviam, não só pela sua erudição, mas principalmente pela sua sabedoria, ou através da sua obra, dos seus escritos, da continuidade da sua ação pedagógica.
Todos que vivemos nossa juventude na época em que Paulo Freire voltava ao País nos referenciamos muito na sua elaboração. Eu lembro que a primeira vez que vi Paulo Freire foi em um Encontro da União Cristã Brasileira de Comunicação Social, um dos primeiros eventos públicos a que compareceu depois de sua volta do exílio, no começo dos anos 80.
Não se conseguia andar, nem entrar nos auditórios em que Paulo Freire falaria. Todos os que militam na área da educação e todos que propugnam a transformação social tinham o que conversar com ele, com as ricas experiências de organização que ele motivou, com o pensamento que ele elaborou, sistematizou e nos ofereceu. Esse vigor com que as pessoas disputavam os lugares nos auditórios em que ele falava. Posteriormente tivemos a alegria de vê-lo algumas vezes na Unicamp, e aproveito a oportunidade para saudar o Professor Jorge Megid, que representa a Universidade de Campinas, onde Paulo Freire lecionou, minha cidade, onde tivemos também oportunidade de nos encontrar em eventos e em conversas menores.
O fato é que hoje somos integrantes desse grande grupo de pessoas que acreditam que o pensamento de Paulo Freire permanece válido, crítico, criativo e atuante em relação à transformação social que nós ainda esperamos para o nosso País e para o mundo. Por isso, queria encerrar dizendo que a Bancada do PT nesta Casa, principalmente em virtude da responsabilidade que assumimos de presidir a Comissão de Educação, e reconhecendo o valor das práticas pedagógicas que nosso Partido elaborou e viveu a partir da fonte que bebemos, isto é, o pensamento de Paulo Freire, tem esse papel de aqui manter seu pensamento vivo e atuante, num sistema educacional que ele chamaria talvez de bancário, tão reduzido, e talvez, nessa fase neoliberal, menos bancário e mais financeiro - pois esse é o modelo educacional prevalecente no Estado de São Paulo.
Com certeza contamos com seu pensamento crítico para resistir e propor alternativas mais adequadas aos interesses desta e das futuras gerações, que esperamos tenham uma cabeça mais socialista e democrática, e menos neoliberal que o modelo a que infelizmente nossa juventude nos últimos tempos foi submetida.
Um abraço a todos e a todas. Boa sessão solene para nós. Que nos encontremos nessa grande luta que foi também a luta de Paulo Freire, e que será a de todos e todas nós. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Obrigado, nobre Deputado Renato Simões, Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores.
Aproveito para lembrar que, desde o último dia 15 de março, quando da reconstituição das comissões nesta Casa, a partir do processo eleitoral que tivemos de renovação da Mesa Diretora e de reconstituição das comissões, a nobre Deputada Maria Lúcia Prandi passou a ocupar, em substituição ao nosso colega de Bancada, Carlinhos Almeida, a presidência da Comissão de Educação.
Esta Presidência concede agora a palavra à nobre Deputada Maria Lúcia Prandi.
A SRA. MARIA LÚCIA PRANDI - PT - Sr. Presidente, companheiro, nobre Deputado, professor Roberto Felício, nobre Deputado Renato Simões, falo também em nome do nobre Deputado Carlinhos Almeida. É extremamente gratificante, como presidente da Comissão de Educação, prestar juntamente com os colegas esta homenagem ao nosso querido Paulo Freire.
Senhoras e senhores, familiares, professores aqui presentes, o que falar do mestre Paulo Freire? Um grande educador. Talvez um educador no sentido mais amplo da palavra, do tirar do coração. Paulo Freire foi sempre um educador, desde o interior do Pernambuco, da sua Recife, depois já na escola do Sesi, mais tarde como professor de História e Filosofia da Educação, na Universidade do Recife, na sua experiência de alfabetização em Angicos, em 1963. A sua pedagogia e prática libertadora o levaram ao exílio. Foi conhecido mundialmente.
Gostaria de falar um pouco da ação pedagógica do Professor Paulo Freire quando companheiro militante do Partido dos Trabalhadores. Nós buscamos aprender um pouco com ele, não só do seu conhecimento, mas acima de tudo de sua bondade de ser humano, de sua vida em prol da liberdade, sua concepção libertadora da educação. Tive também o privilégio, enquanto ele era Secretário da Educação na cidade de São Paulo, de ser Secretária de Educação no mesmo período, na cidade de Santos.
Lembro-me, quando fui indicada pela então Prefeita Telma de Souza, que entrei em pânico e dizia o seguinte: “Como? Temos o Professor Paulo Freire como Secretário de Educação em São Paulo, e eu, professora da rede estadual, pedagoga, como vou ousar uma comparação?” Entrei em pânico. Mas foi o Professor Paulo Freire, na sua ação sempre pedagógica, que chamou todos os secretários de educação das Prefeituras do Partido dos Trabalhadores para uma primeira reunião na Secretaria aqui em São Paulo.
E todos nós, por mais que o conhecêssemos, estávamos lá mais uma vez como se fôssemos aprender. Aprendemos muito com ele. Mas em nenhum momento ele se colocou ali como mestre, mas como companheiro que, naquele coletivo, buscaria conosco colocar na prática aquilo que tanto sonhamos e que ele nos ensinou a sonhar. Ele dizia naquela primeira reunião: “se conseguirmos arranhar a estrutura de poder na escola, já teremos dado um grande passo.”
Mas o mestre Paulo Freire continuou, e nos encontrávamos uma vez por mês em diferentes cidades. Aquilo que o nobre Deputado Renato Simões dizia, a convivência, a alegria, a sabedoria do Professor e companheiro Paulo Freire eram extremamente contagiantes. Ele se portava muitas vezes, com toda aquela intensidade, como um menino. Não me esquecerei da nossa visita à cidade de Cosmópolis, cujo Prefeito à época é o atual Prefeito, o ex-Deputado Estadual Pivatto, nos levou para uma visita a uma escola situada na área rural. O Professor Paulo Freire mandou que parássemos o carro no meio do caminho, porque ele foi colher tangerina no pé, saboreando e se deliciando com aquilo.
Esses ensinamentos do Professor, sua tristeza quando da perda de sua primeira esposa, mas seu rejuvenescimento e paixão ao encontrar Nita, fizeram-no renascer de tal modo que sua alegria era contagiante. Preferi falar do homem Paulo Freire, que foi em todos os seus momentos nosso mestre, um mestre não apenas na concepção pedagógica e educacional, mas na sua vida, ensinando como viver os grandes momentos.
Um outro episódio que vivi com o Professor Paulo Freire foi quando o convidei para um palestra em Santos. Fomos depois comer uma deliciosa peixada. Numa noite de muito calor, ele teve uma leve indisposição. Quis levá-lo ao pronto-socorro, mas ele, de maneira nenhuma, aceitou. Chamei então um médico amigo em casa. Eu dizia: “Professor, é melhor o senhor ficar aqui descansando hoje.” E ele me dizia: “Não, eu tenho um acordo com a Nita. Quando eu viajo a menos de 100 quilômetros da minha casa, eu volto para casa.” Esperamos algum tempo, ele melhorou, e de madrugada voltou para o convívio tão querido e afetuoso com sua Nita e com sua família.
Preferi falar essas coisas, porque outros, especialmente os professores, os militantes do Instituto Paulo Freire, talvez possam falar com mais propriedade de sua obra. Preferi falar sobre o homem Paulo Freire. Mas aprendi com ele e carrego no meu dia-a-dia, não só como professora e educadora que tento ser, mas como militante e Deputada, principalmente o ensinamento de que ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho - os homens se libertam em comunhão.
Encerro citando o que ele diz em “A Psicologia do Oprimido”: “Se nada ficasse, que permaneça nossa confiança no povo, nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar.” Todo nosso amor pelo Professor Paulo Freire. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Talvez vocês tenham observado, quebrando um pouquinho a rigidez do protocolo, que toda a vez que tenho de recorrer ao papel para a seqüência, eu vacilo um pouco. Um pouco é pela emoção que já confessei a vocês, mas quero aproveitar também para pedir desculpas e falar que a minha dificuldade de leitura é em função de um acidente. Estou com dificuldade de leitura mesmo. Estou com uma boa visão panorâmica; vejo todos vocês, mas estou com um pequeno acidente vascular no olho que faz com que a linha faça uma cobrinha exatamente no lugar que quero ler.
Neste
momento, irá se apresentar o Núcleo de Brincantes Eremin-Maracatu. Desculpem-me
se falei alguma coisa errada, mas são pelas razões que já confessei.
* * *
- É feita a apresentação do Núcleo de Brincantes Eremin-Maracatu.
* * *
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO
FELÍCIO - PT
- Agradecemos ao Grupo Brincantes Eremin Maracatu pela apresentação.
Esta
Presidência anuncia a presença do Deputado Carlinhos Almeida, ex-Presidente da
Comissão de Educação e integrante da nossa Comissão; do Sr. José Xavier,
Diretor da Cortês Editora e do Prof. Carlos Ramiro de Castro, Presidente da
nossa querida Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de
São Paulo.
Esta
Presidência concede a palavra ao Sr. Ladislau Dowbor, indicado pelo Instituto
Paulo Freire, Doutor pela PUC São Paulo, escritor junto com obras de Paulo
Freire, como o prefácio da obra “Sombra desta Mangueira”.
O SR. LADISLAU DOWBOR - Boa noite a todos. Não sou professor, mas economista. Convivi bastante
com Paulo Freire
em 1963, no município do Cabo, quando visitei
as primeiras experiências
de alfabetização, como repórter do “Jornal
do Comércio”; depois também na Guiné-Bissau e em outras partes.
Quero
falar um pouco sobre essa visão do Paulo Freire
hoje. Porque o que nos incumbe realmente é dar
continuidade. Este
é o processo. Do lado econômico, Paulo Freire visava a inclusão das pessoas claramente
excluídas. E o conhecimento é claramente
um instrumento poderoso
de inclusão.
A
situação que temos
hoje - peguem a linha de distribuição de
renda, esse povo que
ele ensinava em
Angicos, os excluídos -, é a de que cerca de metade da população
brasileira - 90 milhões de pessoas - tem acesso a 12% do produto social; 1% das
famílias mais ricas
que aparecem nas simpáticas “Caras” e
“Quem” tem 15% da renda do país. Ou seja, esse 1%, inclusive
as pessoas que fazem compras de fim de semana em Miami, têm uma renda maior do que os 90 milhões de brasileiros que
estão na base da sociedade.
A
tarefa do Paulo
Freire - o que era
Paulo Freire no Recife,
no Chile, na África - continua. Vemos isso também pelo lado da inclusão e da exclusão
no trabalho. Temos 80 milhões de pessoas
na população economicamente
ativa com carteira
assinada - no setor
privado, são 20 milhões de pessoas,
com mais sete milhões de funcionários públicos, temos
uma massa de pessoas à procura do seu lugar na sociedade. Isso é fantástico numa terra onde temos
de produzir alimentos
e existe terra parada,
onde temos de construir casas, sem
grandes investimentos,
onde temos de fazer
saneamento básico, que
absorve muita mão-de-obra.
As coisas
estão aí. Um mundo de
gente parada, um mundo
de coisas por fazer e simplesmente não
conseguimos organizar a
sociedade para ela
ser inclusiva.
E um desenvolvimento perverso, idiota. Grande parte de
nós aqui tem carro. Hoje andamos em São Paulo numa média de 14 quilômetros por
hora. Já conseguimos chegar
na velocidade das
carroças do início
do século passado,
gastando rios de
dinheiro. Como as ruas estão entupidas e pararam, contratamos motoqueiros
- hoje são 150 mil motoqueiros na cidade - que estão morrendo como moscas, sendo atropelados, virando
paralíticos. Não
nos damos conta da idiotice de uma modernização
tecnológica que mantém
todas as relações
sociais e políticas
da casa grande e
senzala.
É
interessante como um
país que consegue
digerir as tecnologias
não consegue digerir
a civilização, a modernidade, a decência
nas relações humanas. Paulo Freire tinha muita fé na construção da cidadania
através do conhecimento. Estamos evoluindo
para a sociedade
do conhecimento.
Quando vemos as pessoas
entrando nessas casinhas
de bancos para tirar um dinheirinho,
muitas delas ficam desesperadas, pois têm alguns segundos
para lerem aquela telinha. Hoje, não basta apenas
alfabetizar as pessoas. O patamar mínimo para inclusão
social, com essa
sociedade do conhecimento, desloca-se para cima
rapidamente.
O IBGE fica feliz
dizendo que a porcentagem de analfabetos
diminuiu. Mas o volume e a familiaridade com
o conhecimento que
a inclusão hoje exige
é muito superior. Nesse plano estamos
regredindo.
Todas essas manifestações atuais
dos nossos dramas, tudo isso é Paulo Freire. É Paulo Freire também
Piraí digital, aqui perto, uma cidade que alugou um espaço naquelas
torres de celulares
e das televisões a
cabo, colocou um
sistema a rádio de
transmissão, Internet banda
larga. Como é um sistema municipal e público, eles
conseguem cobrar mais caro das empresas - que estão contentíssimas, porque isso melhora todo
o seu contexto econômico.
E com o que as
empresas pagam, eles estão financiando o
acesso à banda larga a todas as famílias mais
pobres da cidade a 35 reais por mês. Isso tira os
jovens das ruas, puxa o conhecimento para dentro das casas, abre novos espaços. Isso também é Paulo
Freire. Vocês pegam uma cidade como Cascavel. Em volta dela, no Oeste do
Paraná, são 22 municípios que organizaram indicadores de qualidade de vida da
cidade. São 26 indicadores. Não é complicado: nível de
mortalidade infantil, adolescentes grávidas, enfim, um conjunto de coisas que
sabemos que representam problemas.
É curioso
porque ali as pessoas ficam informadas sobre como anda a própria cidade. Com
isso, ao invés de votar pelo número de camisetas que cada candidato oferece,
elas passam a votar em função de resultados efetivos de
desenvolvimento e de qualidade de vida. Para mim, isso também é Paulo Freire.
Pego no Amapá
as pessoas que catavam as castanhas e as entregavam para atravessadores,
continuando na miséria. Elas juntaram-se e se organizaram em cooperativa.
Essa cooperativa fez um convênio com a Universidade de Macapá, que
disponibilizou o laboratório de Química. Com isso,
eles quebram as castanhas, no laboratório extraem as essências e, como
estamos na era da Internet, conectam-se diretamente com as empresas de
perfumaria da França. Todo o valor agregado da produção volta para elas., volta para a (?) dos fios etc.
O que estou
querendo trazer aqui é que temos que reconstruir as dimensões Paulo Freire, as
dimensões da inclusão que envolvem tanto a EEducação como a articulação da Educação com a
Economia, com a Política, com a Cultura, com as formas de organização social.
Obrigado.
(Palmas.)
O Sr.
Presidente - Roberto Felício - PT - Obrigado, Sr.
Ladislau Dowbor. CoTem a palavra a
Sra. Ângela Antunes, que fará uma
apresentação de projetos realizados nas comunidades pelo Instituto Paulo
Freire.
A SRA. ÂNGELA ANTUNES - Boa noite a
todos! Estou aqui, também, em nome do Instituto Paulo Freire, dos
companheiros que trabalham conosco no Instituto, em nome do
Professor Moacir Gadotti, da Sônia, do Paulo Roberto
Padilha e de outras pessoas que
estão
na platéia, que também trabalham conosco.
Quero
agradecer a acolhida desta Casa, aos Deputados Roberto
Felício, Renato Simões, Maria Lúcia Prandi, a todos que
tiveram a iniciativa de fazer essa homenagem a Paulo Freire. E a Ladislau, ao (Lutt, à ?),
Nita por estarem
aqui, compartilhando este momento conosco.
O Instituto Paulo
Freire é uma Organização Não-Governamental, de cuja fundação participou Paulo Freire. Para
nós, hoje, a nossa principal missão, preocupação, objetivo é manter vivo o
legado de Paulo Freire. Entendemos que a melhor homenagem que podemos
prestar a esse grande educador é manter viva a luta pela qual ele deu a vida.
Paulo Freire fez de sua história a luta por uma Educação que contribua
para a humanização, para a emancipação dos seres humanos.
No Instituto, temos a preocupação em relação a
todos os projetos que desenvolvemos no
sentido de de estarmos atualizarmosndo o pensamento de Paulo Freire,
estarmos dando continuidade a esse legado e mantendo viva essa luta, que ainda se faz necessária - mais do que
nunca, talvez.
O Instituto,
atualmente,
organiza-se
através
de
quatro
grandes movimentos. Chamamos de movimentos porque entendemos que os nossos
projetos, as nossas propostas de trabalho estão permanentemente
sendo avaliadoas, reavaliadoas, reorientadoas, atualizadoas,
nesse permanente movimento de agir, refletir sobre o
que fazemos e aperfeiçoar o que fazemos. Então,
chamamos
de movimentos. São quatro movimentos: o Movimento de
Educação de Jovens e Adultos, o Movimento da
Escola Cidadã, o Movimento Universitas Paulo
Freire e o Movimento da
Cidadania Planetária.
Não vou me
ater aqui, explicando cada um desses
movimentos. Trouxemos “folders” do Instituto, que têm a explicação dos
objetivos de cada um desses movimentos e aos quais vocês poderão ter acesso.
Também podem ter acesso a informações sobre o Instituto no nosso site: www.paulofreire.org.
Lá, explicamos os nossos trabalhos.
Trouxemos, também, pôsteres de Paulo Freire. Se alguém
tiver interesse, esses pôsteres estão à
disposição. Para compartilhar com vocês, trouxemos um dos
projetos do Instituto Paulo Freire. São muitos que vimos realizando. Todos eles
com a preocupação de trazer as contribuições
de Paulo Freire para essa Educação emancipadora, humanizadora, a favor da vida.
Em função do
tempo de que dispomos, fizemos opções e escolhemos dois projetos. Um, que encerramos
no final de 2004, que tivemos oportunidade de realizar no Governo da Prefeitura
de São Paulo, da Marta Suplicy, que é sobre o
Orçamento Participativo Criança.
Realizamos
esse projeto, por dois
anos, na Rede Municipal de Educação.
No primeiro ano, em 2003, fizemos uma experiência inicial em quatro CEUs.
Depois, a partir dessa experiência inicial, aperfeiçoamos e estendemos o
Orçamento Participativo Criança para todas as unidades educacionais de Ensino
Fundamental, envolvendo crianças do Ciclo 1 e do Ciclo 2. A nossa
preocupação, o nosso objetivo estavam de acordo,
inclusive, com a política educacional daquele gGoverno, que tinha
como três grandes diretrizes a democratização do acesso e garantia da
permanência, a democratização da gestão e a qualidade social da Educação.
Com essas
diretrizes da política educacional e com a
experiência do Orçamento Participativo de São Paulo, entendendo que a cidade é
feita por adultos, para adultos, mas nela também habitam crianças, jovens e
adolescentes, entendendo que essas crianças devem
viver numa cidade que as acolhe e que faz com que se sintam pertencentes a essa
cidade, a Secretaria da Educação do Município de São Paulo, juntamente com a
Coordenadoria do Orçamento Participativo, propuseram envolver as
crianças também nessa reflexão do Orçamento da Cidade como um pretexto para o
exercício da cidadania desde a infância.
Assim,
trabalhamos durante dois anos realizando encontros semanais com as crianças das
unidades de Ensino Fundamental, explicando-lhes e discutindo com elas sobre a
cidade, o bairro, a escola: a escola onde estudam, o bairro onde moram, a
cidade em que vivem. Discutimos com as crianças o que é a cidade na
perspectiva delas, como fazer com que essa cidade seja também delas. Pensar a
cidade na perspectiva do adulto é uma coisa. Na perspectiva da
criança, será que é pensar uma cidade com
mais áreas verdes, pensar a cidade com mais ciclovias, pensar a cidade com mais
parques, pensar a cidade com mais espaços de lazer, de encontro,
de confraternização?
Discutimos com as crianças como elas vêeem a escola, o bairro, a cidade em que vivem, quais são os
desejos dessas crianças e o que elas definem como prioridades para construir
uma cidade que seja também delas. Trouxemos um vídeo que é parte
do registro dessa caminhada. Conversamos com as crianças - as crianças
com as quais estávamos trabalhando para desenvolver o Orçamento Participativo
Criança - e dissemos para elas que tínhamos
um compromisso com a Secretaria Municipal de Educação de registrar a
experiência através de um vídeo.
Em
vez de nós adultos determinarmos o roteiro do vídeo e o que deveria ser
registrado nesse vídeo, compartilhamos com as crianças esse desafio e
perguntamos a elas como elas imaginavam que deveria ser feito o registro do
Orçamento Participativo Criança na cidade de São Paulo. Elas participaram da
definição do roteiro, elas participaram da definição da escolha da trilha
sonora, dos pontos que deviam ser destacados para que outras crianças e outras
pessoas pudessem também entender a experiência pela qual elas estavam passando.
Vocês
vão verificar nesse vídeo que há momentos em que as crianças estão assistindo o
que elas disseram, o que elas propuseram, porque nós fizemos esse movimento com
elas. Junto com elas nós definimos o roteiro, estávamos falando de orçamento
participativo, não tinha como não construir de maneira participativa esse
vídeo.
Construímos
o roteiro com elas e fomos fazendo a gravação do vídeo e depois fomos mostrando
para elas: “Olha estamos registrando dessa forma. É assim que vocês entendem
que deve ser registrado o Orçamento Participativo Criança?” E nesse retorno de
assistir, discutir fomos construindo o registro dessa experiência, que
obviamente toda a formação dos educadores e das crianças se fundamentou nos
princípios filosóficos, políticos e pedagógicos de Paulo Freire.
Portanto,
gostaria de compartilhar com vocês esse vídeo que registra essa rica
experiência, nessa perspectiva em que Ladislau Dowbor destacou de organizar a
sociedade, para que tenhamos condições de construir um novo país, uma nova
cidade, um novo Estado, um novo mundo em que as pessoas possam viver com mais
dignidade.
Seria
interessante apagar as luzes para que possamos assistir com mais precisão de
imagem ao registro da experiência.
* * *
-
É feita a exibição do vídeo.
* * *
A SRA. ÂNGELA ANTUNES - Gostaria de acrescentar que
em 2004 nós estendemos o projeto para todas as escolas do ensino fundamental.
Indiretamente 550 mil crianças participaram e levantando a mão em assembléias,
com votação de delegado, com votação de prioridade para Educação, com votação
de prioridade para a cidade, foram envolvidas diretamente 150 mil crianças.
A
nossa perspectiva era de que com a continuidade do governo pudéssemos
aprofundar ainda mais essa rica experiência do exercício de cidadania. Mas a
semente está lançada e os ventos dançarinos estão aí para espalhar por outros
lugares, continuando a homenagear Paulo Freire, continuando o legado dele com
experiências que contribuem para o exercício da cidadania e para compreender
melhor a própria existência.
Foi
um grande aprendizado, um grande prazer, uma felicidade enorme do Instituto
Paulo Freire ter vivido essa experiência, ter assessorado pedagogicamente na
formação dos educadores e das crianças nesse processo.
Tínhamos
reservado outro vídeo sobre a educação de jovens e adultos, mas em respeito às
outras pessoas que também vão compartilhar da homenagem a Paulo Freire, nós
colocamos o Instituto Paulo Freire à disposição. A casa está aberta para quem
quiser conhecer mais profundamente o nosso trabalho. Visitem-nos. Será um
grande prazer receber a todos. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO
FELÍCIO - PT - Tem a palavra o Sr. Lutgardes Costa Freire, filho de Paulo Freire.
O SR. LUTGARDES COSTA FREIRE
- Boa noite
senhores e senhoras Deputados, público presente. Fui convidado para esta
homenagem ao meu pai, mas eu gostaria de falar um pouco a respeito da minha
mãe, Elza Freire, porque muitas vezes os grandes homens aparecem no mundo, na
mídia e as suas esposas ficam na penumbra.
Eu
gostaria de lembrar que meu pai, quando jovem, nos seus vinte e poucos anos,
queria ser advogado e no seu primeiro caso ele teve de defender a causa de uma
empresa que queria acionar um dentista por não ter pago os instrumentos
cirúrgicos. Ele foi na casa desse dentista cobrar o dinheiro dos aparelhos e o
dentista disse humildemente: você pode levar os meus aparelhos, você pode levar
o meu tapete, você pode levar a minha mesa, mas a minha filhinha você não pode
levar. Isso cortou o coração do meu pai. Naquele momento ele disse para o
dentista: você pode ficar tranqüilo pelo menos durante uma semana, que o
advogado que está aqui diante de você, que está lhe falando, vai desistir de
ser advogado, não vai mais ser advogado.
Voltou
para casa e contou o acontecido à minha mãe, Elza Freire. E Elza disse: Paulo,
você não é advogado. Você é um educador, você é um professor. A influência da
minha mãe na vida de meu pai foi enorme. Era uma grande educadora de escola
primária, uma educadora que também foi diretora de escola no Recife e que
largou tudo em 1964 para viver só para a família, para se dedicar somente à
família.
As
minhas irmãs - eu era muito criança, não me lembro disso - me contaram que a
minha mãe ia levar comida para o meu pai quando ele estava preso na cadeia, no
Recife. Ela ia com as três filhas levar comida não só para o meu, mas também
para os outros presos que lá se encontravam. Elza Freire foi uma mulher de
fibra, foi uma mulher corajosa também, porque quando nos foi retirado o
passaporte brasileiro - morávamos em Genebra - ela telefonava religiosamente
todos os dias ao Consulado Brasileiro, em Genebra, para saber dos passaportes.
E reclamava, reclamava.
Minha
mãe não foi só uma grande educadora, mas também uma grande companheira do meu
pai. Ela soube guiar o meu pai nos momentos mais difíceis. Quando Allende era
Presidente, meu pai queria voltar a morar no Chile. E minha mãe disse: eu não
vou. Se você quiser, você vai sozinho e os nossos filhos ficam comigo. Porque
ela já previa o golpe de estado que aconteceria no Chile mais tarde.
Ela
era uma mulher de uma bondade extrema. Era uma mulher de uma sensibilidade
fantástica. Ela juntava toda a família. Todo fim de semana, nós nos reuníamos e
almoçávamos juntos em São Paulo, na casa da Madalena, minha irmã mais velha.
Portanto, é difícil falar de Paulo Freire sem falar de Elza Freire, porque ela
foi uma grande educadora, uma grande pensadora.
Quando
ela faleceu em 86, meu pai escreveu uma dedicatória no túmulo dela. Se vocês me
permitem, eu vou ler uma coisa muito bonita: “Elza, corte profundo. Dor
intensa, noite sem a manhã. Dias sem sentido. Tempo coisificado, imobilizado.
Desespero. Angústia, solidão. Foi preciso aceitar a tua ausência para que ela
virasse presença na saudade amena que tenho de ti. Por isso, voltei à vida, sem
te negar. Paulo, 24 de outubro de 1991.”
Ele
escreveu essa mensagem justamente quando ele decidiu, depois da morte da minha
mãe, de conviver com Anita, que está aqui presente conosco, uma mulher também
importantíssima na vida do meu pai, uma mulher que trouxe ao meu pai a alegria
de retornar a viver, porque meu pai viveu 42 anos com a minha mãe. Nós seríamos
doze filhos, vejam vocês, como Deus escreve por linhas tortas. Imaginem vocês,
doze filhos saindo de São Paulo em 1964 para viajar para o Chile. Onde é que
iríamos arrumar tanto dinheiro? Alguns teriam de ficar no Brasil. Mas, somos
cinco filhos: Madalena, Cristina, Fátima, Joaquim e eu, Lutgardes.
Estamos
próximos do Dia das Mães e acho que hoje é um dia em que podemos “comemorar” -
entre aspas - a morte dela. Acho que não é um momento de tristeza. Pudemos ver
pelas manifestações feitas, a presença intensa de Paulo Freire. Peço desculpas
se fui meio atrapalhado, mas eu quis lembrar um pouco de Elza Freire, uma
mulher fantástica e de grande importância nas nossas vidas. Muito obrigado.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Tem a palavra a Sra. Nita Freire.
A SRA. NITA FREIRE - Quero cumprimentar todos os presentes, a Mesa e a Assembléia Legislativa na pessoa do nobre Deputado Roberto Felício, que promoveu essa homenagem a Paulo Freire, meu marido. Quero agradecer a forma cortês, elegante como o Lut se dirigiu a mim. Quero agradecer, sobretudo, à Maria Lúcia Prandi pela forma extremamente carinhosa com que falou e reconheceu minha presença junto ao Paulo.
Já estamos adiantados na hora. Às vezes, quando íamos a cerimônias em que todos já estavam cansados, Paulo dizia que o “desconfiômetro” dele dizia para não falar. Quero repetir isso: o meu “desconfiômetro” está dizendo para eu não falar. Mas gostaria de enfatizar o homem que Paulo foi.
Estive paralelamente à vida de Paulo desde que eu tinha menos de quatro anos de idade. Paulo foi estudar no colégio do meu pai quando ainda vivia em Jaboatão. Jaboatão não tinha escola pública de nível médio e Recife tinha um único colégio estadual, o Liceu Imperial. Meu pai o contemplou com o curso secundário. Paulo ficou muito ligado à minha família. Teve seu primeiro emprego conosco. Ofereceu-se para nos ajudar e meu pai sugeriu a disciplina no colégio com a Genove, minha mãe. Paulo ficou atormentado, mas não conseguiu dizer “não” ao meu pai. Teve uma extrema gratidão ao meu pai por ter-lhe dado oportunidade de estudar, do seu primeiro emprego como censor do colégio e depois como professor de Língua Portuguesa. Paulo foi meu professor no primeiro e segundo ano do ginásio. Na volta do exílio, fiz com ele o mestrado na PUC.
Durante todos esses anos, mesmo que durante esses quase 16 anos de exílio eu tenha o encontrado uma única vez quando eu e Raul visitamos Genebra e encontramos Paulo e Elza num almoço, tivemos as mais naturezas de relações. Desde menina, muito pequena, achava Paulo um homem enorme. Paulo sempre foi esse homem extraordinariamente fascinante, simples, generoso e amoroso.
Conheci-o em 1937, passamos por essas diferentes condições e relações e casamo-nos em 1988. Pude então sentir de perto, experimentar o que é viver com um homem da simplicidade de Paulo, um homem que atendia telefone, que ia receber as cartas no portão, que se preocupava com todas as pessoas, com os animais, com o cachorro da casa, um homem que jamais pensou dele mesmo “eu sei tudo”. Paulo dizia “eu sei algumas coisas”. Sabemos que este país mudou, este país não é o mesmo dos anos 30, 40, 50, 60 porque Paulo se preocupou em toda a sua história de vida com a democratização da sociedade brasileira. Fez isso com simplicidade, com generosidade e com amorosidade.
Disse que não ia falar, já estou falando. O Lut disse que não podemos ficar tristes hoje. Fico triste todos os dias desses últimos oito anos porque pude viver com o Paulo a mais plena relação de homem e mulher. Recebi dele todo o carinho, toda a cumplicidade que todas as mulheres merecem, mas que poucas experimentam e têm em seu companheiro essa possibilidade: viver plenamente o ato de amar. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE - ROBERTO FELÍCIO - PT - Queria aproveitar o ensejo que a Nita nos deu, do “desconfiômetro”, para ser mais breve no encerramento desta Sessão Solene do que pretendia. Através das palavras de todos que falaram quero expressar nossas palavras. Gostaria de sugerir ao Instituto Paulo Freire, à Apeoesp, às demais instituições, a todos os presentes que mantenhamos viva a memória de Paulo Freire. Queríamos que a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, em geral muito fria, pudesse também se somar às demais instituições neste momento para lembrarmos de Paulo Freire, para falar da vida de Paulo Freire, mas para lembrar o quanto ele está vivo entre nós, entre os educadores deste país e do mundo. Que possamos, a partir desta Sessão Solene, fazer com que esta Casa tenha um pouco mais de participação nas coisas vivas da sociedade. Que possamos pensar juntos até na realização de ciclos de debates, que possamos fazer eventos que não sejam apenas em datas como esta que estamos vivenciando hoje.
Com essa observação, agradecendo a presença de todos, mais uma vez à Nita, à Ângela, o Lut, o Ladislau, os Srs. Deputados presentes e todos vocês por terem vindo. Penso que o nosso desejo se cumpriu, ainda que de maneira bastante singela, mas essa era a nossa intenção: recordar, falar da nossa saudade do companheiro Paulo Freire.
Está encerrada a sessão.
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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 30 minutos.
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