26 DE MAIO DE 2006

018ª SESSÃO SOLENE PARA COMEMORAR A “SEMANA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS AFRICANOS”

 

Presidência: SEBASTIÃO ARCANJO


DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 26/05/2006 - Sessão 18ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: SEBASTIÃO ARCANJO

 

COMEMORAÇÃO DA "SEMANA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS AFRICANOS"

001 - SEBASTIÃO ARCANJO

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia as autoridades presentes. Informa que esta sessão solene foi convocada pela Presidência efetiva, a pedido do Deputado ora na condução dos trabalhos, com a finalidade de comemorar a "Semana de Solidariedade aos Povos Africanos". Convida a todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional. Faz homenagem aos policiais mortos recentemente em ataques criminosos. Justifica sua iniciativa de apresentar PL     em homenagem aos povos africanos, de modo aprofundar as relações entre Brasil e África e relembrar a herança cultural. Fala da fundação, em 1963, da Organização da Unidade Africana, que foi revista em 2001.

 

002 - MARIA APARECIDA DE LAIA

Representante do Secretário Estadual de Cultura, João Batista Borges, informa que a Secretaria de Cultura tem feito várias atividades nas oficinas culturais de divulgação da herança africana, como cursos de história das culturas africanas, dos deuses africanos.

 

003 - MÃE SILVIA DE OXALÁ

Axé Ilê Oba, ialorixá, fala da primeira diáspora da humanidade, há 250 mil anos atrás, quando a humanidade, oriunda da África, começou a se espalhar pelo mundo. Clama pelo ressarcimento dos 400 anos de escravidão.

 

004 - TATA  TAWA

Babalorixá e sacerdote e sacerdote de candomblé da Nação de Angola, representante da Confederação das Tradições e Culturas Bantu no Brasil, lembra de que origem a humanidade é negra. Manifesta esperança de consolidação das religiões de matriz africana.

 

005 - GILSON NUNES VITÓRIO

Também conhecido por Gilson Fala Negão, representando neste ato o Deputado Federal Vicentinho, fala das ações daquele parlamentar em prol dos africanos, citando o caso de cinco nigerianos que estão sob ameaça de deportação. Fala da importância das religiões africanas e do samba.

 

006 - FÁBIO BORGES

Carnavalesco da Escola de Samba Rosas de Ouro, fala da elaboração do samba-enredo da escola em 2006, intitulado "A Diáspora Africana. Um Crime Contra a Raça Humana".

 

007 - Presidente SEBASTIÃO ARCANJO

Anuncia a exibição de número musical. Conduz a entrega de homenagens.

 

008 - FLÁVIO DE IANSÃ

Deplora a intolerância que há contra religiões de matriz africana.

 

009 - MARIA HELENA

Embaixatriz do samba de São Paulo, fala sobre a emancipação da raça negra e do papel e da luta da mulher negra no século XXI.

 

010 - Presidente SEBASTIÃO ARCANJO

Faz reflexão a respeito dos depoimentos dados nesta sessão. Fala da importância da Lei 10.639, a primeira lei sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que introduz o ensino da cultura africana nas escolas. Anuncia a exibição de números musicais. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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- É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta Sessão Solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Rodrigo Garcia, atendendo solicitação deste Deputado, com a finalidade de comemorar a Semana de Solidariedade aos Povos Africanos e o Dia da África, ocorrido no dia 25 de maio.

Convido todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob a regência do Maestro PM Músico, subtenente Francisco Adorno.

 

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- É executado o Hino Nacional Brasileiro pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Esta Presidência agradece à Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na pessoa do Maestro PM Músico, subtenente Francisco Adorno.

Esta Presidência solicita a todos que, de uma maneira singela, com uma salva de palmas, prestem uma homenagem a todos os policiais militares assassinados nos acontecimentos que marcaram os dias 12, 13, 14 e 15 no Estado de São Paulo, vítimas da violência. (Palmas.)

Este ato, de certa forma, encerra uma série de atividades ocorridas, ao longo desta semana, em diversos espaços públicos e privados, quando se buscou, por meio da nossa iniciativa parlamentar, fazer com que esta Semana de Solidariedade aos Povos Africanos deixasse de ser mais uma lei, como tantas outras existentes no Parlamento brasileiro e paulista, que não é aplicada.

Tivemos a satisfação de receber convites para participar de vários eventos importantes, e gostaria de destacar o realizado ontem no hotel Holiday Inn, promovido pelo Centro Cultural Africano, onde diversas personalidades e lideranças, que atuam nesse campo, foram homenageadas.

Nossa intenção, quando da apresentação desse projeto de lei, foi fazer com que o Parlamento de São Paulo, o segundo Parlamento mais importante do Brasil, incluísse na sua agenda a temática sobre as relações entre Brasil e África, assim como estabelecer canais e mecanismos de solidariedade efetivos e concretos entre esses povos, que vão para além dos gestos comuns, como a mera apresentação de um projeto de lei.

Muito mais do que uma sessão solene, é necessária a busca de uma reflexão mais aprofundada sobre aquilo que faz com que o Brasil seja tão africano como os continentes africanos. O oceano Atlântico, que separa esses dois continentes, não foi suficiente para nos distanciar nem nos aspectos mais íntimos, como nossa herança africana - culinária, música, dança, arte, religião. Tudo isso faz com que nosso País seja tão diferente, tão importante, tão belo quanto os países africanos.

Não gostaríamos de transformar esta Sessão Solene em um espaço de lamentação. Sabemos que é necessário lembrar os problemas que hoje atingem os povos africanos, resultante de um processo de colonização iniciado no século 15 com a chegada dos portugueses, depois de outros povos. Com isso, houve a separação, a divisão e a criação de uma série de conflitos, cujas conseqüências estamos enfrentando até os dias de hoje.

Queremos que esta Sessão Solene exalte tudo aquilo que herdamos de mais importante e mais belo da cultura dos povos africanos. A partir dessa reflexão, poderemos criar um movimento de mobilização social para apoiar todas as iniciativas, sejam elas dos governos locais, municipais, que estão estabelecendo parcerias, constituindo cidades-irmãs com cidades da África, sejam de iniciativas governamentais, como do Governo do Estado, do Governo Federal. Não podemos deixar de lembrar também as iniciativas promovidas pelas Organizações das Nações Unidas e por organismos multilaterais, como bancos de fomento, que financiam a reconstrução do continente africano devastado por esse processo de colonização.

A sessão de hoje foge um pouco das anteriores. Seu enfoque, além de resgatar a importância das religiões de matrizes africanas, é falar de momentos importantes que marcaram este último período, quando a África ocupou um espaço importante da agenda política e cultural do nosso País. E, com certeza, vai continuar ocupando esse espaço nos próximos anos. Não tenho a menor dúvida disso.

Todos nós, desde a infância, sempre ouvimos dos nossos ancestrais, avós, bisavós, que a África era o berço da humanidade. A ciência também resolveu esse problema. Portanto, não se discute mais de onde viemos: todos nós pertencemos à grande África, à mãe África.

Agora, precisamos adotar mecanismos que façam com que esse continente possa, com seus 54 países, resgatar plenamente seus direitos, sua dignidade, sua soberania. Esses objetivos resultaram do primeiro movimento político que construiu a Organização da Unidade Africana em 1963. Naquela oportunidade, 32 países se reuniram na Etiópia para fundar essa entidade, com o objetivo de reforçar laços de solidariedade, defender a soberania dos povos africanos e, ao mesmo tempo, criar mecanismos de cooperação e de ajuda mútua aos países que ainda eram colonizados.

Em 2001, o Presidente da África do Sul e outras entidades se reuniram e resolveram extinguir a antiga Organização da Unidade Africana e constituir a União Africana nos moldes do que é hoje a União Européia, ampliando, portanto, os horizontes da década de 60, quando, na ordem do dia, estavam os conflitos e as guerras de pouca intensidade, ainda um processo de colonização, de separação, de divisão, mas incluindo na agenda dos países africanos outros temas necessários para os dias de hoje: direitos humanos, democracia, dívida externa, resgate dos povos africanos, portanto, construindo uma agenda de governança positiva que permita a esses países africanos em bloco negociarem com os países desenvolvidos da Europa e dos Estados Unidos da América.

Estamos convencidos de que a África sozinha não vai conseguir resgatar essa dívida. Estamos convencidos de que os movimentos que o governo brasileiro vêm fazendo nessa direção, o conjunto de visitas que o Presidente Lula fez ao continente africano ajudam a construir não só na África, mas também no Brasil e na América Latina um novo momento político, deslocando as fronteiras, fazendo com que esse mundo abaixo da linha do Equador possa, de maneira articulada e conjunta, enfrentar as grandes potências e conseguir resolver os problemas de todos os povos que hoje vivem na condição de país emergente ou país em desenvolvimento.

Da mesma forma que eu acredito que o Brasil não vai conseguir enfrentar todos os seus problemas sozinho, também estou convencido de que a América Latina não conseguirá sozinha, nem a África. Mas a união do Brasil, América Latina e África poderá apresentar ao mundo uma nova agenda que tenha o resgate das nossas identidades. A disposição séria e firme de combatermos o racismo, a discriminação, a violência em todos os seus sentidos permitirá superarmos as dificuldades que até hoje encontramos, seja na África, seja na diáspora.

Portanto, quero dar as boas-vindas a todos. Para nós é uma satisfação muito grande recebê-los na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. No transcorrer da sessão iremos anunciando as entidades que se fazem presentes neste evento.

Gostaria que todos vocês se sentissem à vontade aqui na Assembléia Legislativa, que é a Casa do Povo de São Paulo, a Casa da Cidadania Paulista, onde o sentido maior é o respeito aos direitos do cidadão e o exercício pleno da cidadania no Estado de São Paulo, sem a qual não teria sentido a existência do Parlamento.

Passo a palavra a nossa companheira Maria Aparecida de Laia, que neste evento representa a Secretaria Estadual de Cultura, João Batista Borges.

 

A SRA. MARIA APARECIDA DE LAIA - Boa noite a todos. Cumprimento as mulheres presentes na pessoa da Mãe Silvia de Oxalá e o nosso Deputado Tiãozinho.

Estamos aqui trazendo o nosso abraço, o nosso apoio em nome do Secretário de Estado da Cultura. A Secretaria tem o dever de se engajar e apoiar todas as ações e iniciativas que divulguem a cultura africana e para tanto temos realizado várias atividades, introduzimos cursos de história das culturas africanas, dos deuses africanos nas nossas oficinas culturais, enfim, temos rodado São Paulo fazendo essa divulgação.

Portanto, esta semana em que estamos refletindo sobre os povos africanos é de grande importância. Não poderíamos deixar de apoiar esta iniciativa tão importante não só para os povos africanos, mas também para os brasileiros. Muito obrigada.

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Compõem a Mesa a Sra. Angelina Basílio, Presidente da Sociedade Rosas de Ouro, que será homenageada nesta noite, e Gilson Nunes Vitório, assessor do Deputado Vicentinho e militante do movimento negro em São Paulo. Na pessoa do Gilson saúdo todas as entidades e representações do movimento negro presentes neste ato.

Passo a palavra a Ialorixá Mãe Silvia de Oxalá.

 

A SRA. MÃE SILVIA DE OXALÁ - Caros amigos, caros irmãos, mutumbá aos mais velhos, mutumbaxe aos mais novos. Boa noite a todos.

Falar de negro, falar de cultura, falar de tradição é falar de religiosidade. Temos de pensar. Estamos fazendo um trabalho muito profundo, descrevendo 250 mil anos do continente africano. Estão vindo livros e pesquisas de toda parte, infelizmente até da Europa. Estamos levantando também em alguns lugares do continente africano para justificar essa palavra diáspora, para registrar a palavra Evas.

Evas não tem nada a ver com a Bíblia, que é muito recente. A história começou a 250 mil anos, quando as mulheres parideiras no continente africano preparavam seus filhos para a diáspora, para caminhar para o mundo. A palavra diáspora está errada. Não é porque deixamos o continente africano. É porque as mulheres de antigamente preparavam seus filhos para humanizar o mundo.

A Europa era glacial. Todos eram negrões. Problemas de terras separaram o continente africano do Brasil. Era tudo junto. As mulheres parideiras primeiro foram para a Ásia, depois para as Américas e por fim para a Europa. No ano de 79 mil começaram a aparecer os brancos porque entraram na zona glacial e com as intempéries perderam a melanina. Está provado, como disse o nosso Deputado. Tudo começou lá.

Só que temos de lembrar que foram somente 400 anos de escravidão. Porque nós também escravizamos os hebreus por 340 anos. Só que eles foram ressarcidos pelo mal que lhe causamos em 340 anos de escravidão. Quanto a nós, desfavoreceram-nos, destruíram reinados e tudo o mais. Foram nos buscar, tiraram nosso leito, tiraram nosso leite, nossa terra e não fomos ressarcidos até hoje. É pouco tudo o que recebermos.

Agora, mais do que nunca, precisamos recuperar nossa identidade e mostrar nossa história, mostrar os grandes reinos, as grandes administrações, as universidades que já existiam. Enquanto a Europa era canibal, nós em Mali já tínhamos universidade. Os Direitos Humanos discutidos hoje já existiam nos países africanos há muito tempo. Lembrem-se que um país da Europa quis destruir a nossa estrutura. Imaginem fazer aquele picadinho de um continente, colocando no total 54 países negros e 22 árabes, que são negros também. Isso, quem fez, em 1825, foi a Alemanha. Nós éramos três grandes filões de gente; dividiram e fizeram brigar para se destruir. E tem muito mais coisas.

Estou pedindo a Olorum, Olodumarê, Oruminá e a todos os nossos antepassados, reis, rainhas, grandes mentores intelectuais, grandes pensadores que venham nos ajudar neste país, que é negro também, para nós podermos justificar tudo e sair dessa. Uma das coisas que eu achei que Leobá está fazendo, juntamente com outras instituições, nós estamos levantando os 250 mil anos da história do continente africano. Fazendo isso já vai justificar; é a melhor maneira que nós temos de colaborar com a cultura, com a tradição, com os costumes mostrando os grandes reinos, as grandes administrações e tudo o mais que nós temos.

Então eu peço a nossa força etérea maior de todas que venha até nós e nos ajude a administrar o nosso país. Foram nos buscar e nós assumimos, que é o Brasil. Muito Obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Acredito que não foram só palavras mas fez uma aula de história que recebemos com a intervenção da mãe Silvia de Oxalá. Muito obrigado, mãe Silvia de Oxalá. Ao fazer uso nós buscamos representar neste evento as religiões de matriz africana, mas a nação de Queto.

Quero aproveitar a oportunidade para também anunciar que está entre nós a Márcia, que é assessora do Deputado estadual Renato Simões. Passo a palavra ao Babalorixá Tata Tawa, sacerdote de candomblé da Nação de Angola.

 

O SR. TATA TAWA - Senhoras e senhores, boa noite. Para o meu povo eu digo fukua mote - boa noite. Quero agradecer a oportunidade que a Casa nos oferece. Tenho poucas palavras para dizer porque a mãe Silvia resumiu o que somos hoje.

Eu costumo dizer que o primeiro homem do mundo nasceu no Quênia. Negro, somos todos descendentes negros. E o que nos restou, chegando aqui nossos ancestrais, como escravos, deixaram a nós a incumbência hoje bem mais fácil de superar as dificuldades, porque buscamos de volta as origens e a conscientização de um povo relegado à falta de informações.

É fundamental que se diga que aquele que não tem origem e se envergonha de sua raiz é destruído, porque só existe e resiste o que é verdadeiro. Eu me refiro ao nosso povo, ao povo de culto, de matrizes africanas. Quem sabe, comunidade, com seriedade e com trabalho extenso, nós chegaremos a religiões de matrizes africanas. Nós nos embalamos no sonho, nos antecipamos, afirmamos: somos de religiões de matriz africana; podemos chegar lá sim. Por que não? Depende de cada um, depende da unidade, depende da boa vontade.

Porque ontem a coisa era impossível. Hoje, não. Hoje é possível, podemos ir ao encontro de nossos objetivos, às nossas ansiedades e fazer um mundo bem melhor, quando se trata de povos de cultos de matrizes, - eu nunca falo de religião de matriz Angola/Congo. Eu falo culto de matriz Angola/Congo. Nós somos de culto, eu sou de culto e matriz Angola/Congo. E eu acredito que podemos sair da escuridão. O que acontece é o seguinte: o nosso povo ainda se esconde. O nosso povo não se identifica. O nosso povo, uma minoria.

Cheguei aqui em São Paulo em 62, a única mulher que se via por aqui em São Paulo, de ponta a ponta, chamava-se Caloiá. Essa mulher andava aqui em São Paulo, de ponta a ponta, aparamentada, e dizia assim: eu represento o povo sofrido de várias etnias. Ela era da tradição quetu, mas ela dizia: eu sou a única aqui em São Paulo, representante do candomblé de todas nações, porque eu me aparamento tal como devo me aparamentar.

Então, nós estamos ainda escondidos. Quem sabe um dia assumiremos o que somos, e sabemos o que seremos amanhã. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero agradecer as palavras do sacerdote candomblé de Angola, Tata Tawa.

Passo a palavra para o nosso amigo Gilson, mais conhecido como Gilson Fala Negão, aqui de São Paulo, para falar em nome das entidades do movimento negro, aqui presentes. O Gilson, além de assessor, também milita no mundo do samba na zona leste de São Paulo e nas escolas de samba no carnaval.

Antes de o Gilson usar a palavra quero aproveitar a oportunidade também para prestar uma homenagem a um casal de amigos meus.Quero pedir licença para a Sra.Angelina, para que possa também, em nome da Marilena e do Dica, que eu falei que nunca vou esquecer dele por conta do Dicar, da Ponte Preta. Eu gostaria de cumprimentar o casal e, em nome de vocês, estender o cumprimento a todos os sambistas aqui de São Paulo, que se fazem presentes neste evento. Nós que temos compartilhado por diversas ocasiões espaços comuns aqui em São Paulo e em outras cidades. Gostaria de fazer um cumprimento especial nesta noite também, estendendo a todas as pessoas que vivem no mundo do samba.

Com a palavra o Gilson Nunes Vitório, Gilson Fala Negão.

 

SR. GILSON NUNES VITÓRIO - Boa noite a todos. Queria pedir licença para cumprimentar os mais velhos: axé, saravá, saravá. Na figura do companheiro Tiãozinho quero cumprimentar todas as autoridades.

Estou neste ato representando o Deputado Federal Vicentinho, que não pôde comparecer por dois motivos: estava programado para ele vir para cá, mas faleceu uma prima dele, ele estava no interior e voltou correndo para São Paulo e muito chocado com a notícia. Ele está se preparando para viajar para o enterro dessa parente dele.

E outra coisa que nos deixou chocado neste dia é que pelas três horas da tarde recebemos um trote de que tinha sido seqüestrado um filho dele. Ainda bem que o pessoal nosso agiu rápido e conseguiu detectar que era mentira e tal, mas, isso sempre abala um pouco a nossa família.

Eu gostaria de dizer quanto ao gabinete do companheiro Vicentinho que estamos acompanhando essa questão, a história do nosso povo africano, principalmente dos refugiados africanos, de ações que estão acontecendo e os companheiros vêm pedir auxílio ao gabinete, e as coisas para nós são sempre mais demoradas do que as outras coisas. Então, nós trabalhamos bastante nessa área e estamos divulgando também, porque acho interessante divulgar, porque a Polícia Federal demora, o processo é muito lento, e que alguns estão querendo deportar nossos companheiros e companheiras, e a gente tem que ver a intervenção.

Temos acompanhado a estória dos companheiros aqui do porto de Santos, uma história também difícil e dura quando houve a intervenção do nosso porto, mesmo assim as coisas são demoradas. Nessa semana, na quarta-feira se não me engano, recebi uma informação de que o nosso Governo está querendo deportar aí cinco nigerianos. Estão dizendo que estão sendo ameaçados de morte, não podem retornar, mas mesma assim está tendo uma certa insistência e a demora também do nosso porto. Temos que acompanhar todos esses detalhes e tentar acertar essas condições que achamos que é importante para o nosso povo.

Estou muito feliz por estar aqui por duas coisas que fazem parte da nossa história e para mim também porque faz parte da minha vida. Gosto de ver o meu povo de religião de uma tribo africana aqui junto com a gente, que faz o elo da nossa história, que ascende nossa história à nossa cultura e nossos ancestrais. Isso para nós é muito importante porque em determinado momento, a ligação que tínhamos com o continente era essa: a nossa história, a nossa luta, nossa garra. Isso é muito importante.

E hoje, estamos vendo que aquilo que era nossa história, torna-se realidade. E isso para nós é muito importante. E a outra é o meu lado sambista, muito orgulhoso companheiro de Angelina de luta, falei várias vezes quando estive presente com ela que sou sambista, sou diretor da escola de samba Itaquera, mas esse ano estava torcendo para que a Rosas de Ouro fosse campeã. E não é demagogia não, porque acho que a história que a Rosas de Ouro trouxe para a avenida, está trazendo para a avenida esse ano, e essa história maravilhosa, é que história do nosso povo.

Portanto, se sou sambista tenho que reconhecer e valorizar quando uma escola co-irmã nossa traz uma história tão bonita igual essa, e retratando um pouco a história da diáspora africana. Está de parabéns. Fiquei mais sentido por sua escola não ter ganho, do que a minha ter caído. A minha escola caiu porque não trabalhamos a contento. Mas ficaria muito mais feliz se a nossa escola Rosas de Ouro fosse campeã.

O meu companheiro e a Maria Helena também são parceiros nosso de muita luta e estamos sempre discutindo um pouco da nossa história dentro do samba e ficamos felizes quando as pessoas trazem enredos contando a nossa história. Esse é o motivo da nossa felicidade por estar aqui companheiro Tiãozinho e os companheiros também.

No momento era isso que queria falar para vocês aqui. Nosso gabinete está à disposição para qualquer coisa que tivermos para dialogar. Um abraço, boa noite e muito obrigado aos companheiros e companheiras. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Não estava nada combinado com o Gilson, mas ele acabou de certa forma introduzindo a segunda parte desse nosso evento: um momento inicial de reflexão, de falar um pouco da nossa história, das nossas religiões, das nossas identidades. Mas esta sessão, para aqueles que foram chegando no decorrer do evento, nos propusemos a fazer algo que pudesse ser um pouco diferente das anteriores, mas ao mesmo tempo reforçando os nossos laços culturais.

A partir desse momento vamos iniciar a homenagem à Sociedade Rosas de Ouro, na pessoa de sua Presidente, que ocupa a Mesa aqui a meu lado, a Sra. Angelina Basílio. Antes, porém, queremos convidar o carnavalesco da escola, Fábio Borges, para que ele pudesse ocupar esta tribuna e falar um pouco desse enredo que fez com que o Gilson fosse quase expulso da escola, porque muitos militantes que atuam na luta ao combate ao racismo no Estado de São Paulo e no Brasil torceram para a Rosas de Ouro como nunca, e muitos foram convocados a desfilar na escola de samba, porque estamos ainda enfrentando no Brasil um debate extremamente necessário.

Quando falamos em reparações, queremos também que a dívida que o estado brasileiro tem para com os africanos que vivem na diáspora defendendo os africanos aqui no Brasil também seja paga. Uma forma de fazer isso, a partir de muita discussão, muito debate, muitas reuniões, é através de políticas públicas. Para muitos órgãos de Estado, para muitos executivos, política pública de combate ao racismo no Brasil, de valorização de população negra, é tratar como folclore as nossas manifestações culturais, pura e simplesmente isso.

Estamos convencidos de que é preciso enfrentar essa questão de outra forma, através de políticas públicas que promovam efetivamente a igualdade racial. Convencionamos chamar isso de ações afirmativas. Por isso que a Angelina me confessava aqui ao lado que a própria ministra Matilde Ribeiro entrou em contato não só com a escola, mas ligou pessoalmente para diversos militantes e fez a listinha dela: “vocês estarão na avenida desfilando e prestigiando o carnaval da Rosa de Ouro”.

Portanto, para nós é um motivo de muita satisfação poder nesta sessão solene fazer esta singela homenagem à escola, de todo coração. Acredito que posso falar aqui em nome de um conjunto expressivo de militantes do movimento negro do Estado de São Paulo que sugeriram a nós esta homenagem. Tem a palavra o Fábio Borges para que ele possa falar com os nossos amigos, como foi desenvolvido, pensado, concebido e executado esse bonito samba-enredo.

 

O SR. FÁBIO BORGES - Boa noite, Deputado Sebastião Arcanjo e todas as pessoas presentes. Quando a Rosas de Ouro foi procurada pela Ministra Matilde Ribeiro o objetivo, na verdade, era a promoção da igualdade racial.

Pensou-se, inicialmente, em falar de todos as raças que compõem o povo brasileiro. Isso não seria novidade em carnaval. E refletindo, já se falou antes que brancos já foram escravizados. Mas nenhuma escravidão foi tão cruel quanto a escravidão negra, porque foi a única baseada em preconceito de cor de pele.

Também vendo uma matéria na televisão sobre a visita do Presidente Lula à África, ele visitava um museu na Ilha de Gorée, uma casa onde os africanos ficavam presos antes de serem deportados. E vendo aquilo, eu pensei no antes, porque sempre achei que o carnaval mostrou a África como uma caricatura, como atrasada. E acho que um continente que abrigou o império egípcio e núbio não pode ser atrasado como era mostrado.

Comecei então a pesquisar, passei a idéia para a Angelina e para a própria Ministra de que para ajudar a promover a igualdade racial teríamos que contar a história do continente africano, a importância do continente africano e de seu povo, para mostrar quão cruel foi a escravidão negra nas Américas.

Enfatizamos, falamos dos reinos importantes da antiguidade, de uma maneira pincelada, e depois começamos a mostrar como estava a África no século XVI, quando começou de uma forma mais maciça o tráfico negreiro. As pessoas foram retiradas à força de suas casas, separadas de suas famílias. Isso é muito cruel. Acho que a própria escravidão é muito cruel, mas acho que você ser retirado à força da sua pátria, separado da sua família, acho que isso é muito doloroso.

Então, a Rosas de Ouro decidiu que iria contar essa história sem máscaras. A nossa intenção não era fazer um carnaval com fantasias bonitas, com estética afro também que era usada, porque o carnaval hoje é um teatro. Nossa intenção era que as pessoas vissem a história e sentissem a tragédia e a crueldade que foi feita. No início, não se acreditava muito que a Rosas de Ouro fosse capaz de fazer, porque há um preconceito. Se a Rosas de Ouro é uma escola de maioria branca, ela não seria capaz de fazer.

O título do enredo “A diáspora africana, um crime contra a raça humana”, porque na verdade não existe raça negra ou raça branca. Existe a raça humana. Por exemplo, estou mais branco porque desbotei, perdi a melanina. Mas somos todos iguais. Portanto, essa história foi contada até chegando aos dias de hoje, houve a abolição da escravidão, que na verdade não deu liberdade aos negros.

E encerramos dizendo: a Constituição brasileira diz que todos nós somos iguais. Mas isso é só no papel. Então o que falta, e foi o que a Rosas de Ouro pediu no final, é que cada um reflita que a igualdade tem que estar no coração. Temos que ter respeito, temos que ter atitude de reconhecer que ninguém é superior a ninguém, somos todos irmãos da raça humana. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Nós começamos a ouvir as histórias nas intervenções, e a vontade é que o tempo permitisse mais intervenções, mais falas, para que nós pudéssemos, de maneira da nossa tradição oral, ir contando um pouco dessa história e ir passando para aquelas pessoas alguns dos caminhos que os negros percorreram do continente africano até os dias de hoje.

A partir deste momento, nós vamos iniciar a homenagem à escola de samba e também dar uma aquecida no clima aqui da nossa reunião de hoje, porque ela está muito formal para ser uma festa, para ser uma sessão em solidariedade aos povos africanos.

E nada mais natural e adequado para que isso aconteça, do que contarmos agora com a apresentação da Maria Gilsa e do Edinei Pedro, que são o primeiro casal de mestre-sala e de porta-bandeira da escola de samba Rosas de Ouro e também aquilo que foi contado pelo Fábio Borges possa agora ser traduzido com esse bonito samba-enredo.

 

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-              É apresentado número musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Dando continuidade à nossa homenagem à escola de samba, solicitamos que a Mãe Silvia de Oxalá faça a entrega de um buquê de rosas para a presidente da escola de samba, a Sra. Angelina Basílio. Que, neste gesto de uma ialorixá com a presidente de uma escola de samba, nós possamos selar e reforçar os nossos laços de amizade, de respeito, consideração e solidariedade. Isso dignifica o que nós estamos querendo fazer e anunciar com esta Semana de Solidariedade aos Povos Africanos.

 

A SRA. MÃE SÍLVIA DE OXALÁ - Permita-me, Angelina, através dos nossos antepassados, dos nossos ancestrais e dos 250 mil anos da história do continente africano, agradecer a vocês e toda a sua equipe por uma fase por que nós estamos passando e levantar a tradição e cultura da nossa raça. Que Deus abençoe e proteja toda a escola e que seja um novo início de vida. (Palmas)

 

A SRA. ANGELINA BASÍLIO - Boa noite a todos. Fico muito emocionada. É complicada. Saudações roseanas aos sambistas, ao mundo dos samba, em nome do Ticá e da Marilena que pertencem à Sociedade Rosas de Ouro. Estamos com 34 anos no mundo do samba. Quero dar um boa-noite especial ao Fábio Borges, nosso carnavalesco que aceitou esse desafio. É uma longa história, Deputado. Não foi assim tão fácil, não.

Um boa noite muito especial, com muito carinho à minha amiga Tereza Santos, muito especial mesmo, porque foi uma longa caminhada desde que a Matilde nos procurou e falou: “Presidente Angelina, você pode falar das questões raciais?” Fui pega meio assim. Eu consultei Fábio Borges, que está ali pensativo. Falar das questões raciais, a ministra nos procurou, e eu pensei: é uma coisa muito forte, muito séria, e a Rosas de Ouro é uma escola que está preparada, vai fazer 35 anos agora em outubro - a data de fundação é de 18 de outubro de 1971. Eu falei: “está bem, ministra, nós vamos aceitar esse desafio de falar da civilização africana, que é uma história muito forte”. Aí, nasceu - não é, Fábio? - a “Diáspora Africana, um crime contra a raça humana”. Estou emocionada.

Estou muito feliz em receber estas rosas, Deputado Sebastião Arcanjo - Tiãozinho -, porque é a resposta a todo aquele trabalho que a Rosas de Ouro mostrou no Carnaval de 2006. E vencemos o desafio. Estou muito feliz nesta sessão solene. Meu muito obrigado em nome da diretoria da Rosas de Ouro, porque o desafio está dando frutos ainda mesmo depois do Carnaval. Em nome da minha diretoria, quero lhe agradecer.

Também quero lhe agradecer, mãe, por essa energia que estou sentindo do povo africano, que me ajudou muito a passar aqueles 65 minutos. Muito obrigada. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero pedir ao casal mestre-sala e porta-bandeira para que aguardem um pouco, porque há uma solicitação para que, ao final, vocês voltem para dar uma aquecida geral aqui na Casa - quebrando o protocolo - fazendo uma grande confraternização.

Também quero agradecer à equipe do Vereador José Geraldo, de Hortolândia, um parceiro importante do nosso mandato, um lutador, que não pôde estar aqui, mas está representado pela sua equipe. Por favor, leve um abraço ao José Geraldo.

Também quero agradecer ao Grupo de Negros de Políticas Públicas aqui da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, sob a responsabilidade do Reinaldo. E na pessoa do Carlos, quero cumprimentar o esforço de construção do serviço de atendimento às vítimas de discriminação aqui no Estado de São Paulo através do SOS Racismo, um importante espaço e uma importante conquista do movimento negro paulistano.

Quero ainda agradecer a presença do Edson Jóia, Presidente da Liga das Escolas de Samba de Campinas. Ele é Camisa Verde e Branca, mas veio nos prestigiar. E também o Fortaleza, da escola de samba Vila Teixeira, da cidade de Campinas. Fortaleza é só apelido, mas ele é um guerreiro. Enquanto a Casa de Cultura vai se organizando para o encerramento, quero saber se há mais alguém interessado em fazer mais alguma consideração.

 

O SR. FLÁVIO DE IANSÃ - Boa noite a todos. Boa-noite, Deputado. A bênção aos mais velhos e a todos os segmentos da cultura afro no Brasil.

Falar em África é muito amplo e emocionante, mas eu me senti na obrigação de como homem branco, como defensor da cultura afro-brasileira no nosso País e como adepto das religiões de matriz africana a neste momento levantar a lembrança de que a intolerância religiosa é uma forma bastante grosseira e cancerígena de agredir não só os africanos, mas toda a identidade da África. Que esta Casa preste atenção àquilo que está acontecendo nos terreiros e nas casas de axé de todo Brasil. A intolerância religiosa é uma das mais graves manifestações de racismo e, portanto, de desrespeito aos nossos ancestrais e à Mãe África. Muito obrigado. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero agradecer o Ronaldo, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp, que se faz presente; o Jerri, da articulação nacional de Rádios Comunitárias, que estiveram reunidos durante toda a tarde na Assembléia Legislativa de São Paulo; o pessoal da Pastoral Afro de Campinas, que se faz presente; da mesma forma o pessoal da Associação de Moradores do Parque Eldorado dos Carajás, de Campinas.

Concedo a palavra à nossa amiga Maria Helena.

 

A SRA. MARIA HELENA - Boa noite a todos. Gostaria de fazer uma colocação como mulher e negra, pertencente a uma escola que teve uma raiz negra.

Hoje, todos os que são de São Paulo e são do samba sabem que há um grande contingente de pessoas brancas. Nós, como negros, nunca deixamos de acolher as pessoas que querem participar conosco. Só não aceitamos quando estamos em nossa sala e nos colocam no quintal. Hoje, já podemos adentrar a casa grande e fazer as nossas colocações. Já não somos mais indefesos, porque sabemos o caminho que devemos seguir.

Quando o Fábio estava elaborando o enredo, eu disse à presidente Angelina que como negra eu me sentia contemplada, porque dentro da escola comecei a perceber que muitas pessoas começaram a colocar trança e a vestir roupas afros, coisa que muitos não conheciam. Então, através desse enredo hoje é possível trazer-se para dentro da escola a real situação do negro na sociedade.

Estamos no século XXI e por incrível que pareça nem todo mundo tem essa noção. O Fábio, inclusive, indicou alguns filmes para assistir a fim de elaborar o samba-enredo. Assisti ao filme, do qual tirei muitas lições. Esse filme é um caso verídico. Se vocês assistirem, verão isso. Tirei quatro lições dali: a primeira é que o negro sofre opressão em qualquer lugar do mundo; a segunda é que o negro tem de provar a todo instante que ele é capaz, porque se você é uma mulher branca e mata um leão por dia, eu tenho de matar dois; a terceira lição que tirei foi que muitas vezes nós, como negros e freqüentadores de algumas associações ou mesmo de uma Casa como esta, não vemos a nossa representação. Aí, dizemos que não somos reconhecidos. Mas com esse filme, percebi que o opressor reconhece, sim, a sua capacidade e é por isso que ele tenta lhe podar. A quarta lição que tirei foi que a perseverança é a nossa melhor arma. Nunca devemos desistir!

Sou Maria Helena, uma mulher negra e brasileira! Muito obrigada. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - O microfone continua aberto para quem quiser fazer uso da palavra. (Pausa.)

Daqui de cima, não identificamos ninguém. Se estivéssemos numa sessão normal, daríamos por encerrados os trabalhos desta sessão, uma vez que não há mais oradores inscritos. As falas feitas até este momento, ainda que não combinadas, possibilitaram uma compreensão melhor do que a escola queria com esse enredo. Acho que a Heleninha deu um pouco da dimensão, ou seja, quando algo é incorporado, é trabalhado de maneira adequada, não é algo passageiro, conjuntural. É algo que vem para ficar e isso vai marcando as relações com as nossas comunidades.

Penso que essas atividades buscam também construir essas pontes, esses caminhos. Ou seja, não estamos aqui apenas para cumprir um calendário burocrático e formal da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. A intenção é tentar conquistar novos corações e mentes para compreendermos as questões que acontecem hoje no mundo: onde e por que aconteceram e continuam acontecendo.

Quem sabe essa reflexão possibilitará alguma mudança de comportamento nas pessoas. Não temos a ilusão de mudarmos o mundo a partir de atos como esse, mas eles ajudam a difundir novas idéias e valores, ajudando também a enfrentarmos nossas dificuldades. Isso não significa que, ao colocar na mesa as representações de duas nações de religiões de matriz africanas, queremos afirmar ou deixar registrado que são as suas únicas duas referências religiosas africanas. A África, como continente, possui outras religiões, outras culturas e outros grupos étnicos também.

Portanto, a idéia que queremos reforçar de África é desconstruindo aquela que nós aprendemos inclusive nos livros didáticos e que acompanhamos pelos canais de televisão. A África é muito mais do que aquilo que vemos na televisão e daquilo que se ensina nas escolas. Por isso, uma das principais reivindicações do movimento negro foi a introdução do ensino da cultura africana no Brasil, fazendo isso através da Lei 10.639 nas escolas. Foi a primeira lei sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muita gente criticou as viagens do Lula à África e alguns grupos econômicos perguntavam: “O que o Lula foi fazer na África? Lá não tem mercado, nada para se vender. “Ficar gastando dinheiro com viagens à África, o que vai fazer na Ilha de Gorée? Pedir perdão, pedir desculpas pelos 350 anos de escravidão? É melhor esquecer que teve escravos aqui no Brasil, senão, daqui a pouco eles lembram que precisam resgatar os direitos. Porque já foi dito aqui que a Abolição de 13 de maio foi mal feita e vão querer novos direitos.”

E as pessoas perguntam: “Por que estudar e ensinar História da África?” Alguns setores da elite brasileira não se movimentam apenas contrários às políticas de cotas e ações afirmativas, mas mesmo essa legislação que possibilitava conhecermos um pouco do que nós podemos aqui hoje, ou o que a escola apresentou, como o samba-enredo na avenida, pode e deveria ser ensinado a todas as nossas crianças para que elas pudessem ter uma outra visão do continente africano.

A África não é somente aquilo que a televisão apresenta: gente passando fome. Aliás, passa fome por conta das próprias potências econômicas, povos em conflito, em guerras. Essas guerras foram provocadas ou estimuladas pelas próprias potências que colonizaram o continente africano. Mas isso não é dito. A impressão que dá é que é um povo desagregado, desarticulado e sem projeto de futuro. E não é isso. O dia 25 de maio busca reforçar uma outra visão da África.

Nesta noite, lamentavelmente, por um problema na família, iríamos ouvir um relato da experiência do Centro Corsini, de Campinas, que tem à frente uma mulher batalhadora e guerreira, a Dra. Silvia Bellucci, que desenvolve na África, num programa de cooperação do governo brasileiro com a Organização das Nações Unidas, todo um tratamento preventivo no sentido de enfrentar a epidemia da Aids que vitima milhares de homens, mulheres, jovens e crianças no continente africano. Mas falar das coisas boas e importantes que existem nesse continente africano.

Não tenho a menor dúvida de que, resolvidos os problemas de natureza geopolítica, superados alguns conflitos ainda existentes na África, na Somália e em outros países, a África tem tudo para ser uma das grandes potências do futuro. Na África ainda há diversos e importantes recursos minerais. Uma boa parte das reservas de água doce do planeta está no continente africano, e uma boa parte do conhecimento que alguns tentam hoje impedir, ou, através de um processo perverso, dizer que conquistas das ciências, física, matemática e a própria medicina também tiveram origem, como bem afirmou Mãe Silvia, no continente africano.

Quando falam que muitas coisas aconteceram no Egito, a impressão que se tem é que o Egito não está na África, parece ser uma parte deslocada do continente africano. Naturalmente, no movimento negro, em toda a resistência dos africanos da África do Sul que se expressa na luta de Nelson Mandela e daqueles que lutaram contra o “apartheid” há um sentimento de solidariedade que se espelhou pelo mundo todo, e que faz com que possamos romper com toda a forma de “apartheid” que possa existir no Brasil e em qualquer parte do planeta, contra toda forma de intolerância, seja a mais sutil que ainda acontece no nosso cotidiano, sejam as que acontecem de maneira aberta, inclusive transmitidas pelas emissoras de rádio e televisão.

É contra essas injustiças que temos de lutar também. E vamos continuar lutando. Podemos fazer isso sem utilizarmo-nos das mesmas armas que os nossos adversários utilizam. Podemos fazer isso com mais inteligência. É essa a tradição africana. Acolher é uma tradição africana. Foi essa a experiência dos quilombos. Os quilombos não eram espaços exclusivos para os negros que fugiam da escravidão. Ali se juntavam os índios, os africanos, inclusive brancos que vieram de Portugal e que estavam em contradição com aquele regime e buscavam um outro espaço. Uma idéia de república mais democrática e mais generosa que se expressou e que teve muita força no Quilombo dos Palmares como um marco da história do povo brasileiro.

São essas coisas que queremos resgatar. Nós achamos que essas coisas fazem muito bem ao Brasil, ao contrário do que alguns pensam, assim como a música, o samba e a questão que eles fazem até parte de uma estratégia de aceitação para dizer que nós pertencemos. Mas nós queremos ser aceitos por inteiro, não só pela nossa música, nossa cultura e contribuição em vários aspectos da formação da sociedade e do povo brasileiro. Queremos ser brasileiros por inteiro. Não queremos esquecer em nenhum momento das nossas raízes, de onde viemos. E quem sabe, a partir desse sentimento, firmar os laços de solidariedade com os povos africanos.

Neste momento convido para entrar no plenário o Grupo da Casa de Cultura Tainã, de Campinas, que fará a primeira parte do encerramento do nosso evento. Já acertamos com o nosso Cerimonial que vamos fechar no final com grande samba, com todo mundo cantando e sambando para fechar com muita alegria esta nossa festa. Muito obrigado pela presença de todos e parabéns a todos que se dispuseram a prestigiar este nosso evento. Boa noite a todos. (Palmas.)

 

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 - É feita apresentação musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero aproveitar, para agradecer a presença do Ruberlei Malaquias, que neste ato representa o Prefeito de Campinas, Dr. Hélio de Oliveira Santos, bem como representa o Benê Paulino, coordenador da Acepir, espaço que discute e promove a igualdade racial no Município de Campinas.

Teremos mais duas apresentações. Vamos fazer uma quizomba. Estão buscando os atabaques ali e o samba, tudo junto: som do Caribe, Trinidad Tobago, Nação de Angola e o samba brasileiro. Neste momento vamos desfazer esta Mesa oficial para que possamos nos envolver um pouco mais de perto com o clima e com as vibrações positivas que estão pulsando aí embaixo.

Srs. Deputados, esgotado o objeto da presente sessão, esta Presidência, antes de encerrá-la, gostaria de agradecer aos funcionários da Assembléia Legislativa de São Paulo pela atenção, pela gentileza e compreensão, aos nossos policiais militares que prestam serviço na Casa, a todos e a todas. (Palmas.)

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 25 minutos.

 

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