09 DE JUNHO DE 2006

023ª SESSÃO SOLENE PARA COMEMORAR O “DIA DO ORGULHO GLBTT - GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS”

 

Presidência: ÍTALO CARDOSO


DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 09/06/2006 - Sessão 23ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: ÍTALO CARDOSO

 

COMEMORAÇÃO DO "DIA DO ORGULHO GLBTT - GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS"

001 - ÍTALO CARDOSO

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia as autoridades presentes. Informa que esta sessão solene foi convocada pelo Presidente efetivo da Assembléia Legislativa, a pedido do Deputado ora conduzindo os trabalhos, com a finalidade de comemorar o Dia do Orgulho GLBTT - Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Convida todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional.

 

002 - SEBASTIÃO ARCANJO

Aponta as dificuldades vividas para realizar as sessões solenes em comemoração ao Dia do Orgulho GLBTT. Relaciona a discriminação sexual com a discriminação racial e prega aliança entre as minorias.

 

003 - RAIMUNDO PIRES SILVA

Superintendente do Incra no Estado de São Paulo, informa que o órgão concedeu a titulação de terra ao primeiro casal de lésbicas neste Estado, às senhoras Dida e Darcy.

 

004 - DIDA

Agradece pela vitória alcançada, creditando-a ao governo Lula.

 

005 - DARCY

Igualmente agradece e estimula outros a lutarem também.

 

006 - MARTA SUPLICY

Ex-Prefeita de São Paulo, fala sobre o Projeto de Lei que institui a parceria civil, há 11 anos tramitando no Congresso Nacional, e sobre as decisões do Judiciário a respeito do assunto.

 

007 - ANA MARTINS

Questiona a real existência de democracia no nosso país, enquanto não houver oportunidades iguais para todos, sem distinção.

 

008 - BÁRBARA GRANER

Lê texto sobre a condição da mulher transexual.

 

009 - MARISA FERNANDES

Em nome do Fórum Paulista  GLBTT, elogia o programa Brasil sem Homofobia, do governo Lula, e pede sua permanência para além dos sucessivos governos.

 

010 - BETO DE JESUS

Diretor da ABGLT para a Região Sudeste, notifica que cerca de quatro milhões de paulistas homossexuais carecem de respeito e oportunidades. Recorda a violência praticada contra os homossexuais, inclusive com prisão e pena de morte em alguns países.

 

011 - CARLOS CARDOSO

Promotor especial de Direitos Humanos do Ministério Público estadual, defende o direito constitucional e universal à cidadania plena. Anuncia a criação, por sua instituição, de um grupo de atuação especial de inclusão social.

 

012 - JANAÍNA LIMA

Representando o Grupo Identidade Ação pela Cidadania Homossexual, sugere que se faça uma revisão no programa Brasil sem Homofobia e aborda a violência contra travestis e transexuais.

 

013 - IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS

Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, reporta suas atividades por todo o país. Apresenta sua expectativa de articular os movimentos negro e GLBTT. Discorre sobre o programa Brasil sem Homofobia e as dificuldades para tratar das diferenças regionais, especialmente da dimensão do Estado de São Paulo.

 

014 - IRINA BACCI

Representante do Grupo Inova e presidente da Associação Brasileira da Família GLBTT, comenta a interdependência da democracia e dos direitos humanos. Ressalta que o movimento GLBTT é o grande movimento na busca de direitos de lésbicas, pessoas trans, travestis, bissexuais e gays e na luta contra a homofobia.

 

015 - ALEXANDRE PEIXE SANTOS

Secretário-Adjunto da Associação da Parada do Orgulho GLBT, afirma que as paradas servem para aumentar a visibilidade do movimento. Reflete sobre o papel feminino numa sociedade regida por normas heterossexuais e cuja referência é o homem.

 

016 - RICK FERREIRA

Ativista homossexual, militante do Grupo Prisma, do DCE da USP, destaca a parcela do movimento GLBT composta pela juventude. Repudia a atitude da Prefeitura de São Paulo, que cerceou e quase impediu a Parada Gay deste ano.

 

017 - RAQUEL FALIVENE TAPAJÓS

Advogada militante do Movimento Lésbico de Campinas -  MoLeCa e integrante fundadora do Coletivo Brasileiro de Bissexuais, relata a trajetória do projeto que criminaliza a homofobia, tramitando na Câmara Federal e sem previsão para votação. Sustenta que as paradas do Orgulho são momentos importantes de ocupação dos espaços públicos para dizer "não" à homofobia.

 

018 - MÁRCIA LIMA

Fundadora da Acastra, entidade que defende o direito de travestis, comenta sua situação de vulnerabilidade e faz uma reflexão sobre raça, etnia e religiosidade.

 

019 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Anuncia a apresentação de números artísticos. Conduz a entrega de homenagens, começando pelo Procurador da República Sérgio Suiama, que criou e coordena o Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal.

 

020 - SÉRGIO SUIAMA

Agradece a homenagem. Lê uma Carta de Direitos que poderia servir de referência para a luta contra a discriminação sexual.

 

021 - TOMMASO BESOZZI

Membro do grupo Corsa, agradece a homenagem recebida e lembra que a coragem é proporcional ao medo de se assumir.

 

022 - NELSON MATIAS PEREIRA

Presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, agradece a homenagem recebida. Menciona o crescimento do evento, após 10 anos de luta, e o marco que representa.

 

023 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Conduz homenagens póstumas a Beto Oliveira, fundador do Partido dos Trabalhadores e ali fundador do grupo de Gays e Lésbicas, e a Gisberta Gis, travesti brasileira que viveu em Portugal e foi torturada e assassinada na cidade do Porto.

 

024 - JOSÉ ROBERTO TORRES DE MIRANDA

Membro do PT, agradece a homenagem prestada a Beto Oliveira, a quem chama de exemplo eterno para o raciocínio militante pela Justiça, pela igualdade de direitos e para que possamos viver numa sociedade mais digna.

 

025 - ALCIONE CARVALHO

Recebe a homenagem em nome de Gisberta Gis.

 

026 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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- É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Presidência, dando início a nossa sessão, cumprimenta o Dr. Carlos Cardoso, Promotor Especial de Direitos Humanos do Ministério Público; o Dr. Sérgio Suiama, Procurador da República, Regional de São Paulo, e Procurador Regional dos Direitos do Cidadão; o Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Com muito orgulho, cumprimenta também Marta Suplicy, Ex-Prefeita da cidade de São Paulo. Queremos saudar ainda o Deputado Sebastião Arcanjo, Tiãozinho; a Sra. Raquel Falivene Tapajós, advogada militante do Movimento Lésbico de Campinas; a Sra. Irina Bacci, do Grupo Inova Famílias Alternativas; Beto de Jesus, Diretor da ABGLT; Marisa Fernandes, do Fórum Paulista GLBTT; Janaína Lima, do Grupo Identidade Ação pela Cidadania Homossexual; Bárbara Graner, do Coletivo Nacional de Transexuais; Alexandre Peixe Santos, Secretário-Adjunto da Associação da Parada do Orgulho GLBT; Rick Ferreira, ativista homossexual militante do Grupo Prisma/DCE da USP de São Paulo; Sr. Tommaso Besozzi, membro do Grupo Corsa; José Roberto Torres, militante do Núcleo de Gays e Lésbicas do PT; a Sra. Márcia Lima, fundadora da Acastra, entidade que defende o direito das travestis; Nelson Matias Pereira, Presidente da Associação da Parada GLBT; a Sra. Alcione Carvalho; Rosângela Rigo; a Sra. Márcia, Vice-Prefeita da cidade de Taboão da Serra e o Vereador Falcão, da cidade de Guaratinguetá.

Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Rodrigo Garcia, atendendo solicitação deste Deputado, com a finalidade de homenagear o Dia do Orgulho GLBTT.

Convido todos os presentes para, em pé, cantarem o Hino Nacional Brasileiro.

 

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- É entoado o Hino Nacional.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Presidência concede a palavra ao Deputado Sebastião Arcanjo.

 

O SR. SEBASTIÃO ARCANJO - PT - É uma honra abrir esta sessão solene na Assembléia Legislativa de São Paulo, sob a Presidência do Deputado Ítalo Cardoso, que, além de ser o Presidente da Comissão dos Direitos Humanos - intensamente provocada por aqueles que se sentem no direito de muitas vezes, utilizando-se das funções de Estado, assassinar e violentar as pessoas, coordena nossa Frente Parlamentar de Combate à Discriminação por Orientação Sexual, da qual também tenho a honra de participar.

Quero saudar, com muita alegria, a presença dos convidados que compõem a Mesa ao lado do nosso companheiro Ítalo Cardoso, bem como as demais autoridades presentes e dirigentes das organizações que estão nesta luta.

O primeiro registro que quero fazer é dizer que o Deputado Ítalo Cardoso foi o que mais sofreu dentro desta Casa para transformar este espaço em um espaço verdadeiramente democrático, pois não incorporava esta temática nas suas elaborações legislativas. Portanto, realizar esta terceira sessão solene, para nós, é uma vitória e resultado de uma luta intensa que se travou nos corredores desta Casa. (Palmas.)

Segundo, sabemos que o Parlamento é uma das instituições que estão em xeque hoje. Pela crise de representação, a legitimidade de muitas das instituições estão sendo colocadas em xeque.

Não é uma tarefa simples realizar uma audiência neste espaço, onde os membros da Assembléia Legislativa se reúnem e deliberam - ou deveriam liberar - matérias e projetos de lei importantes. Muitas vezes, esta Casa abre mão dessa prerrogativa, sobretudo no que diz respeito à fiscalização dos atos do Executivo, do Governo do Estado.

Quando se propôs a realização desta sessão solene, todo tipo de argumento foi utilizado para evitar que isso acontecesse. Felizmente, conseguimos superar e avançamos. Nesta terceira sessão, já não tivemos tantos impedimentos jurídicos, administrativos e de caráter preconceituoso. Podemos agora fazer uma sessão discutindo temas e pensando no futuro.

Para vocês que estão aqui nesta sala, sobretudo os que dirigem as organizações, o futuro significa o direito de continuarem vivos, porque, neste País, homens e mulheres são assassinados, sobretudo os homossexuais, lésbicas, gays, transexuais e travestis.

Quando se trata da nossa raça, a raça negra, a discriminação é ainda mais perversa. Os números apontam que a maioria dos homossexuais assassinada no Brasil é também da raça negra. Isso exige de nós uma aliança, uma articulação, porque militamos nos dois movimentos. Aliás, estou vendo aqui alguns dirigentes do Movimento Negro, inclusive um dos nossos dirigentes mais históricos, Milton Barbosa, coordenador estadual do MNU - Movimento Negro Unificado. Isso nos permite materializar, nesta sessão solene, uma aliança estratégica com os oprimidos de todos os setores de nosso País, além de pensar uma agenda política. Esta Casa não pode ficar fora deste debate. Ela já deu alguns passos com a construção da Frente e apresentação de diversos projetos de lei. Esta sessão dá legitimidade às iniciativas que procuramos avançar neste Parlamento.

O programa Brasil sem Homofobia vai compondo, na nossa opinião, um conjunto de elaborações políticas que nos permitem sonhar que um dia o Brasil será livre de qualquer preconceito ou qualquer forma de discriminação.

Todos nós, brasileiros, somos amantes do futebol. O Presidente da Fifa, na semana retrasada, deu uma declaração dizendo que tinha dois grandes problemas a enfrentar. Um, ele sabia como lidar. Ou seja, a organização dos clubes de futebol, que estão concentrando cada vez mais poder, de certa maneira consolidando uma estrutura no futebol, o que praticamente aniquila os clubes pequenos dos chamados países periféricos. O outro, ele não sabia como enfrentar: o preconceito e a discriminação racial, sobretudo nos países europeus.

Penso que atividades como esta podem emprestar aos Executivos, às autoridades públicas deste País e a nós parlamentares um grande serviço.

Diferentemente de nós, vocês militam intensamente nesta questão e podem oferecer, por meio de um programa generoso, saídas que o Estado não conseguiu propor, porque dentro do seu aparelho estão pessoas racistas, preconceituosas, homofóbicas. Dessa forma, não conseguem vivenciar intensamente o conflito estabelecido na sociedade brasileira e, em decorrência disso, não têm capacidade de apresentar saídas mais generosas.

Quero cumprimentar todos, principalmente o nosso coordenador da Frente Parlamentar, Deputado Ítalo Cardoso, esperando que essa união de esforços, que se expressa nesta noite, possa se materializar. Aliás, isso já está acontecendo.

A minha cidade, Campinas, sexta-feira passada abriu o mês do Orgulho Gay. Somos autores da lei municipal, quando vereador, que institui o Orgulho Gay no município de Campinas, onde estão sendo realizadas nossas manifestações, nossa parada.

É preciso que esse sentimento penetre no coração e na mente daqueles que decidem neste País, porque essa é uma tarefa de Estado e necessita da ação forte do Estado. Porém, isso não significa resolver os problemas de preconceito e discriminação em um ato, porque eles são mais profundos.

Sempre pensei que tivéssemos um problema grave de racismo nas escolas e, hoje, pesquisando na internet, verifiquei que também nas escolas, sobretudo com nossos professores, o ódio e a intolerância são praticados e estimulados de diversas formas, até dissimuladas. Isso faz com que muitos dos nossos alunos, sobretudo do sexo masculino, carreguem dentro de si um sentimento muito forte de vingança, de violência, contra seus colegas de classe que têm uma opção sexual diferente.

Está aí um outro desafio a ser enfrentado: chamar os educadores, a rede pública, para um debate profundo. Quem sabe, a partir da educação, possamos começar a desconstituir teses e conceitos, permitindo assim formar uma sociedade sem preconceito ou discriminação.

Sejam todos bem-vindos à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Que tenhamos uma excelente sessão solene. Um abraço a todos. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Vou convidar, para fazer uso da palavra, uma pessoa pouco conhecida no meio GLBTT, mas que contribuiu com sua consciência política para um passo importante, meu companheiro Raimundo Pires Silva, Superintendente do Incra do Estado de São Paulo, que, juntamente com sua equipe, concedeu ao primeiro casal de lésbicas a titulação de terra dada pelo Governo Federal no Estado de São Paulo. Queremos agradecer ao Raimundo, porque mesmo não estando bem de saúde fez questão de comparecer a esta sessão. (Palmas.)

 Anuncio a presença da Dida e Darcy, o casal que recebeu essa titulação da terra; Dra. Áurea e Dra. Fátima, representantes do Gapa; Rita Quadros, representando o Deputado Carlos Neder. (Palmas.)

Tem a palavra o Sr. Raimundo.

 

O SR. RAIMUNDO Pires Silva - Boa noite, companheiros. Viemos aqui hoje na companhia de Dida e de Darcy para que pudéssemos conversar sobre o que estamos desenvolvendo em São Paulo.

Cumprimentamos o Ítalo pela 3a Sessão Solene. É importante que esta Casa seja mudada no seu dia-a-dia e nas suas atividades. Quero cumprimentá-lo porque isso mostra que um outro Brasil é possível.

Há um reconhecimento hoje pelo órgão federal quando oficializou as assentadas Dida e Darcy. Elas são hoje oficialmente assentadas, elas têm um documento que garante esse direito da sua cidadania. Hoje elas têm um documento de que aquele lote lhes pertence. Isso só foi possível porque através da luta do pessoal de Iaras e de todo este Brasil se faz a reforma agrária. Este direito é uma conquista delas.

Do nosso ponto de vista, só foi possível porque há uma reforma agrária hoje em curso. Com a luta delas, com a luta dos outros companheiros vamos conseguindo cada vez mais um Brasil diferente. Estou com dificuldade de falar daqui de cima porque tenho labirintite, desculpem-me. (Palmas.)

Mas quero deixar uma mensagem. Este direito foi garantido por uma instituição, portanto, ninguém mais tira. Esperamos que outros companheiros consigam isso. Nada mais fizemos do que garantir a Constituição. A partir deste momento essas duas companheiras são a prova viva de que podemos construir outro Brasil.

Passo a palavra para a Dida, pois estou sem condição nenhuma de falar. (Palmas.)

 

A SRA. DIDA - Boa-noite. Só queria agradecer a compreensão de todos, da direção do Movimento Sem-Terra, que em nenhum momento tem discriminação e também por termos alcançado essa vitória no nosso Governo Lula. (Palmas.) Passamos oito anos lutando contra o FHC e nada conseguimos. Depois entrou um barbudo que chamam de analfabeto, de burro, mas é um burro com inteligência maior do que qualquer outro.

Agradeço muito a vocês até mesmo porque eu e Darcy não esperávamos estar aqui hoje. Amanhã faremos quatro anos juntas. Hoje estamos comemorando antecipadamente. Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. DARCY - Falo as mesmas palavras dela. Tenho mais que agradecer muito a todos vocês, ao pessoal do Incra, a todas as pessoas que estão nos ajudando.

Sabendo que sempre tem alguém do nosso lado, temos mais coragem de lutar e passar essa vontade de lutar para alguém que está com medo. O que eu posso dizer é: Lutem, vão em frente, pois quem tem coragem e tenta vencer, sempre vence na vida.

Temos mais que agradecer mesmo. Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Sessão Solene tem dois motivos muito importantes, além de tantos outros, o fato de ter aqui a Dida e a Darcy é um motivo importante. Tenho certeza de que ao longo da programação, com as homenagens que serão prestadas, vocês vão perceber que há muito mais pessoas importantes além dos dois motivos.

Hoje realizamos a 3a Sessão Solene. O Deputado Tiãozinho já disse que foi sugerido que fizéssemos um Ato Solene na primeira, em vez de uma Sessão Solene. Aconselharam-nos a não perturbar muito e fazer um Ato. Mas ato nós fazemos na rua, em casa, na feira. Sessão Solene se faz aqui, neste horário, da forma como está sendo feita. (Palmas.)

Como disse o Tiãozinho, hoje, na terceira, eles já não estão incomodando, não quer dizer que desistiram. Outro motivo importante é que também demos um passo à frente hoje, quando trazemos aqui o Dr. Ivair para fazer o lançamento, no Estado de São Paulo, do Programa Brasil Sem Homofobia. É uma demonstração cabal do compromisso do nosso Governo Federal em tratar a questão da cidadania, da democracia como ponto principal deste governo. E esta sessão tem esses dois objetivos como questão principal.

Convidei e fiquei muito feliz quando Marta Suplicy aceitou, falou que tinha outro compromisso, mas fazia questão de vir aqui. A vida de Marta Suplicy é exatamente tratar e nos ensinar a tratar dessa questão. Ter Marta Suplicy hoje para nós é um motivo de muito orgulho. Ela veio, disse que tinha outro compromisso, não poderia ficar até o final, mas fez questão de vir. Vamos ouvir agora a Marta Suplicy. Queria que compreendêssemos a necessidade dela de se retirar logo em seguida, mas desde já agradecemos muito.

 

A SRA. MARTA SUPLICY - Boa-noite, companheiros e companheiras GLBTT. É um prazer muito grande estar aqui com vocês. Quero saudar também o Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação; Dr. Sérgio Suiama, procurador da República, procurador regional dos direitos do cidadão; Dr. Carlos Cardoso, promotor especial de direitos humanos do Ministério Público e o querido Ítalo Cardoso. Ítalo, você realmente faz diferença nesta Assembléia. Espero que vá fazer diferença no Congresso Nacional na defesa dos direitos de cidadania das pessoas do mesmo sexo. (Palmas.)

Há quase 11 anos o projeto de parceria civil foi apresentado no Congresso Nacional e lá se encontra para votação, um projeto tímido pelas conquistas que fizemos hoje. Um projeto que muitos aqui acompanharam. Vejo que outros, pela idade, não tiveram interesse naquele momento de acompanhar o que foi discutir aquele projeto. Tivemos momentos de grande vergonha, de pessoas que participaram, de Deputados que participaram, outros hilários, mas foram momentos de grande conscientização da população brasileira.

Nunca vou esquecer um dos casos que aconteceu. Para o projeto ser aprovado, tem de passar em várias comissões. Quando tem de passar em mais de quatro comissões, porque diz respeito a vários assuntos, pode-se criar uma comissão especial e, se for aprovado, vai para o plenário. Articulamos de forma a passar por várias comissões, então ter direito a uma comissão só.

Nunca vou esquecer, num dos debates - eram debates muito pesados - Tony Reis, que estava muito na mídia porque tinha um namorado inglês que queria ficar no Brasil, então a mãe casou com o namorado inglês para que o namorado ficasse. Deu muita repercussão na época. Ele foi fazer um depoimento. As pessoas começaram a chorar no plenário. Era o depoimento de uma família de agricultores muito simples, com dez irmãos, lidaram com a situação da homossexualidade dele. Até colostro de égua fizeram-no tomar para “sarar”. As pessoas ficaram muito emocionadas. Nunca vou esquecer. O Deputado Severino Cavalcanti, o mais aguerrido contra o projeto, levantou e perguntou se ele era passivo ou ativo. Deu aquele susto. O Tony disse: “Deputado, depois nós tomamos um vinho e eu lhe conto.” Tivemos de tudo. O projeto foi aprovado na comissão. Foi a plenário. Está lá até hoje.

O que é interessante é que a partir daquilo se discutiu a questão no Brasil. Eram “talk shows” na televisão, era novela com homossexuais, era gente contra, gente a favor. Falou-se do tema. Isso foi uma quebra de barreira, foi muito importante. O que aconteceu foi que o Judiciário caminhou mais rápido que o Legislativo. Poderia dizer que foi mais corajoso que o Legislativo. As sentenças no Judiciário passaram a fazer diferença na vida das pessoas. As pessoas foram adquirindo esse direito não pela lei, como deveria ser, mas pelos juízes sensíveis que julgaram a favor dessas pessoas.

Acredito que as coisas caminharam muito e pouco. Pouco porque a lei não existe ainda. E muito porque estamos aqui hoje, num projeto do Governo Lula, do governo que teve essa sensibilidade, que criou o programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e da promoção de cidadania homossexual e a Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual no Congresso Nacional, com mais de 90 deputados. Isso é muito importante para o país. E o lançamento deste programa hoje em São Paulo, aqui na Assembléia, numa Sessão Solene, tem um grande significado. Não vou me estender sobre o programa, porque temos pessoas que representam o Governo Federal e vão falar sobre o programa.

Mas quero dividir com vocês que me sinto muito feliz, cumprimento você, Ítalo, e vocês que estão aqui, porque nós que somos militantes dos direitos de cidadania plena para as pessoas GLTB temos de nos unir, temos de exigir porque ainda não temos esses direitos e, como cidadãos todos nós devemos tê-los.

Muito obrigada, uma boa noite, uma bela noite. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Anuncio a presença de Ademir de Souza, da Associação “Servos dos Pobres”; Paulo César Malvezzi Filho, coordenador geral do Diretório Acadêmico João Mendes Júnior; Joelito Ferreira, Conselho Tutelar de Cotia; Luiz Carlos, presidente do Conselho Ouvidor dos Direitos Humanos de Cotia; Lenilton Lopes, da AMA-BEGT; representantes da Articulação Política das Juventudes Negras; Terezinha Vicente Ferreira, da ONG Feminista Observatório da Mulher.

Tem a palavra a nobre Deputada Ana Martins.

 

A SRA. ANA MARTINS - PCdoB - Sr. Presidente, Deputado Ítalo Cardoso, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos, defensor desses direitos para todos os segmentos da população, em especial aqueles que são discriminados. Quero também cumprimentar a Marta Suplicy. A Marta traz na sua história, desde que se tornou Deputada Federal, até por ser sexóloga, a marca dessa luta pela diversidade que existe na nossa sociedade, em que setores importantes ainda são discriminados. A Marta foi muito corajosa quando na Câmara dos Deputados, independentemente de ter votos favoráveis ou não na eleição, teve a coragem de bancar o Projeto de lei que contempla a legalização dos casais que querem viver sua vida com a garantia de que seus filhos tenham direito à herança, tenham direito a adotar filhos. Isso ajuda a construir a igualdade. Tem uma outra coisa importante da Marta: a sinceridade.

Não cumprimentei os demais participantes da mesa, mas gostaria de cumprimentá-los, embora não vá citar nome por nome. Vejo o Deputado Tiãozinho, há algum outro Deputado? Porque depois dos 60 enxergamos menos e escutamos menos. Assim, precisamos tomar cuidado. Mas quero cumprimentar todos que fazem parte da Mesa.

Quero dizer sobre a coragem da Marta de enfrentar, mesmo ocupando um cargo público, quando ela se separa do Suplicy. Ela estava se separando do marido que teve, não sei se por 37 anos.

A nossa sociedade moralista é muito cruel. Tão cruel que, nós, mulheres, sofremos mais. Todos fizeram Suplicy como vítima. Não era a Marta que era a vítima, a vítima era ele. Em várias circunstâncias a mulher sofre mais do que o homem. Mas a vítima era ele, era o coitado que ficou sem a mulher.

 A Marta foi corajosa. Por que? Porque grande parte da classe média alta mantém os casamentos de aparência. Faz de conta que está tudo bem. E não está nada bem. Eles não têm mais nada um com o outro há muito e os filhos sabem, mas mantêm a aparência. A Marta, mesmo ocupando um cargo público, teve coragem de fazer isso. E isso foi um dos motivos pelo qual ela foi discriminada nas eleições. Ela perdeu voto com isso. Mas acho que isso também ajuda a sociedade a avançar.

Entretanto, vamos falar um pouco sobre o dia de hoje. Em primeiro, quero cumprimentar todos os presentes desta sessão.  É preciso muita ousadia para irmos quebrando os muros, desatando os nós, para conseguirmos conquistar uma sociedade democrática.

 Não é verdade que temos democracia. Há democracia para uma minoria. Não sei se no País chega a três milhões, ou cinco milhões. Por que não temos democracia? Porque democracia não é só voto. Democracia não é só ter título de eleitor e a cada dois anos ter eleições. Democracia é muito mais.

Sempre digo que enquanto 49 milhões passam fome, enquanto 15 milhões - sendo que 70% são mulheres - estão no trabalho informal, não têm carteira assinada e não têm direitos trabalhista,; enquanto temos milhões de desempregados, enquanto temos setores discriminados como os homossexuais, as lésbicas, os bissexuais, os travestis etc, etc, que não têm o seu espaço na sociedade, a democracia ainda é capenga.

E há pessoas que se iludem. Vamos analisar hoje os partidos políticos. Há 15 partidos aqui na Assembléia, mas alguns têm vergonha de vir a esta sessão. Por que têm vergonha? Porque não compreendem o valor do ser humano, não compreendem o que são direitos humanos, não compreendem o que é democracia, não aceitam o direito desses setores e são contra o direito desses setores.

Companheiros e companheiras, acho que precisamos lutar não só por essa democracia representativa, que é tão capenga. Ela é tão capenga porque dos 503 Deputados Federais que há, quantos têm compromisso verdadeiramente com a maioria da população que ainda vive problemas de não chegar à universidade? Quantos por cento de brasileiros chegam à universidade? Três por cento? Acho que não passa de quatro por cento. Só em nível federal, 10% estão na universidade pública e 90% estão na particular. Com 12 anos de tucanato no poder no Estado de São Paulo, 95,7% estão nas particulares. E quantos na pública? 4,7.

Enquanto não tiver universidade pública para os negros, para os pobres, para os homossexuais, para as lésbicas, para todos os setores da população, a democracia ainda é pequenininha. Não vamos vencer a fome, não vamos vencer o desenvolvimento amplo e igualitário para a população se não tivermos universidade e se não tivermos acesso ao conhecimento.

 Assim, em nome da Bancada do PCdoB - em nome do Deputado Nivaldo Santana e eu, Ana Martins - quero deixar aqui um grande abraço a vocês, um grande abraço pela disposição de luta que vocês têm. Vocês estão quebrando muros, vocês estão ajudando a construir a verdadeira democracia. Vocês estão ajudando essa democracia representativa que elege 503 Deputados Federais, 81 Senadores e em São Paulo 94 Deputados Estaduais sendo que 10 são mulheres, 55 Vereadores na Câmara, e outras Câmaras.

Na democracia isso é muito pequeno. O que precisamos é que todos os setores da população tenham a garantia do seu espaço. Todos sabemos que essas cores belíssimas que estão aqui, esse ambiente sadio, agradável, um ambiente que não discrimina, um ambiente que ama, um ambiente que é verdadeiro, não tem fachada, não tem máscara.

 É esse ambiente que vai construir um futuro diferente para o Brasil. É assim que os pobres vão ter o seu lugar um dia para poder ter os seus direitos garantidos. É assim que os trabalhadores vão ter o seu espaço. É assim que as mulheres - tão discriminadas - terão também o seu lugar. Somos 51% da população e o espaço da mulher é em todo lugar: na política, na sociedade, na direção das instituições.

 Queremos que vocês persistam nesta luta e que a grande marcha que vocês fazem seja um grande exemplo para aqueles que ainda estão acomodados e para aqueles que aceitam discriminar os pobres, discriminar os negros, discriminar as lésbicas, discriminar os homossexuais etc e etc. Queremos um futuro de igualdade. Queremos um futuro de justiça. Queremos um futuro onde o Brasil seja dos brasileiros. Queremos, sim, que nós todos, irmanados, possamos viver melhor e o Brasil tem todas as condições disso.

Assim, parabéns a vocês! Continuem, persistam!

Os setores conservadores, discriminadores não querem a justiça social, só falam e pregam a justiça social. Mas com essa marcha de um milhão e meio a dois milhões de pessoas na rua vocês estão ajudando, vocês estão dando exemplo, estão ajudando a nos animar e a persistir porque é possível um futuro melhor para todo o nosso povo, para todos os segmentos. Um futuro de igualdade, de respeito, de cidadania verdadeira e não palavrório, palhaçada.

 Viva todos os que fazem parte desses segmentos que buscam ter o seu espaço e querem ter uma sociedade mais justa!

Parabéns, Deputado Italo Cardoso! Parabéns a todas as entidades! Parabéns e viva o Orgulho Gay!

Muito obrigada e um grande abraço. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Para dar um toque artístico, convido Bárbara Graner, do Coletivo Nacional dos Travestis, para fazer o uso da palavra.

 

A SRA. BÁRBARA GRANER - Sras. e Srs., passo a ler:

“Mulher Transexual

Quem é ela, a quem muitos consideram ‘ele’? Será que isso a ofende, ou não? Muitos acham que é apenas um ‘apêndice bizarro das patologias ‘... Muitos acham que é um ‘desequilíbrio’ de nossa perfeita psique, e muitos acham que ela ‘não percebe quem realmente é’, acorrentada ao conceito dogmático de que ‘ser quem somos’ depende unilateralmente da genitália que possuímos e de duas ‘letras’ que compõem nosso cromossomo. Quem é ela, que sem ser realmente conhecida, é julgada ‘culpado’  e ‘condenado’ a ‘subviver’ nos quatro cantos escuros do nosso perfeito mundo, pagando o injusto preço que lhe é cobrado como ‘conseqüência natural de sua opção’? Que ‘opção’ tem ela (que ‘é ele’), além de ser quem é? Que ‘opção’ tem um ser humano, além de ser quem é?

Antes de lhe perguntar o seu nome (aquele com o qual ela realmente se identifique, goste e, acima de tudo, não se sinta constrangida), muitos já a definem como ‘aquele’ que é ‘doente’, veio de ‘família sem valores’ e só sabe fazer coisas equivocadas, além de ofender a ‘moral e os bons costumes’. Quem é ela (que ‘é ele’) se nem sabemos e nem queremos saber quem é?

Ela (por ‘ser ele’) não sonha? Não tem talentos? Não tem potencialidades? Só sabe ser ‘desequilibrado’, ‘coitadinho’, ‘deprimido’, ‘iludido’? Ela (por ‘ser ele’) não sabe, ou jamais terá a capacidade de saber viver e conviver com os demais? Ela (por ‘ser ele’) não é humana o bastante para ir além do que lhe é imposto? Ela (por ‘ser ele’) não pode libertar-se dos limites do estereótipo do homem para ir além do estereótipo da mulher? Ela (por ‘ser ele’) não pode ser mulher em identidade, por lhe ser intrínseco, e não ser homem em formato, por lhe ser obrigação? Se ela se sente ela, porque tem que ‘ser ele’? Ela é ‘ele’?

Se não compreendemos porque ela (que ‘é ele’) é ela, não poderíamos simplesmente lhe dar o direito à voz para argumentar porque ela (que ‘é ele’) se sente ela? É tão difícil assim exercer a arte de ouvir? Ouvir de verdade? Pelo menos tentar compreender, de verdade, a verdade dela? Ah, sim... A verdade não ‘pertence a todos’! Nem é ‘direito de todos’. Talvez não seja mesmo direito dela (que ‘é ele’) ser ela; já que muitos, mesmo sem conseguir explicar direito o porquê, se sentem tão aviltados, chocados, perturbados, confusos, ofendidos e condescendentes com o simples fato dela (que ‘é ele’) existir e ser ela. Mas, se muitos não conseguem explicar direito o porquê de se sentirem tão incomodados com ela (que ‘é ele’) ser ela, por que então, de fato, ela (que ‘é ele’) incomoda tanto? Ser ela, mesmo ‘sendo ele’, afeta tanto assim a vida de tantos? Afeta mesmo?

Se ela ‘aceitasse ser ele’, o nosso país seria melhor? Se ela ‘aceitasse ser ele’, as crianças desamparadas teriam comida, roupa e futuro? Se ela ‘aceitasse ser ele’, os muitos políticos corruptos deixariam de ser corruptos? Se ela ‘aceitasse ser ele’, o nosso frágil planeta estaria a salvo dos interesses destrutivos de muitas corporações,  para as quais a única coisa de valor são os números sob a forma de posse? Se ela ‘aceitasse ser ele’ não haveria mais carência de água potável para os povos sedentos que nem conhecemos? Se ela ‘aceitasse ser ele’ o mundo não teria mais problemas? Se ela ‘aceitasse ser ele’ o mundo seria melhor?

Se ela ‘aceitasse ser ele’ você não teria mais problemas? Se ela ‘aceitasse ser ele’, a vida de você seria melhor? Se ela ‘aceitasse ser ele’ você seria melhor? Ou você não é dos muitos que se incomodam, sem saber o porquê, com o fato dela (Tá bom, tá bom... Desculpem-me os donos da verdade: ‘ELE’) ser ELA?

Ali, se você realmente não é destes muitos, então esqueça este texto... Desculpe-me pelo tempo que tomei de você. Afinal, essas palavras não são tão importantes assim. Na verdade, que importância essas palavras têm, afinal? Você poderia me responder? Por favor?”

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Obrigado, Bárbara, pela brilhante leitura do texto, uma reflexão sobre a situação das transexuais.

Concedo a palavra a Marisa Fernandes, que falará em nome do Fórum Paulista GLBTT. (Palmas).

 

A SRA. MARISA FERNANDES - Boa-noite a todos e a todas. Ainda estou muito emocionada pela fala da Bárbara. Tenho muito orgulho por estar numa cidade e num lugar onde as transexuais podem ser aplaudidas, de pé, com verdade e não são convidadas a se retirar. Esta situação me deixa bastante emocionada.

Em nome do Fórum Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, é uma alegria muito grande, depois de tantos anos de movimento GLBTT, podermos ter um programa corajoso, como é o Programa Brasil sem Homofobia.

É com muito orgulho que venho representar este Fórum, que vem realizando um trabalho árduo em cima desse programa, porque a livre orientação e expressão sexual são uma conquista - a Marta fez um traçado dos avanços - mas ainda ela não está garantida.

Lançar o Programa Brasil sem Homofobia demonstra, concretamente, que o Governo Lula tem um compromisso sério, que o Governo Lula está se empenhando na superação de preconceitos e discriminações sofridas por nós, que somos milhões de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

O Programa Brasil sem Homofobia é fundamental para ampliar e fortalecer a cidadania desses milhões de brasileiros que não querem ser vistos e não querem ser tratados como uma cidadania de segunda classe e, às vezes, até como inumanos.

O Programa Brasil sem Homofobia tem um compromisso muito forte, mas é preciso ser entendido como um programa que não é e que não poderá ser apenas a publicação de editais de concursos públicos para organizações sociais. Ele não é e não poderá ser o repasse de recursos para as organizações que forem selecionadas nesses concursos. Ele não é e não poderá ser apenas para fazer cartilhas.

O Brasil sem Homofobia é um programa sério e corajoso como é a erradicação do trabalho infantil, como é o programa que vai derrotar a fome e o analfabetismo neste País. Ele é sério como outros programas sociais que este governo, corajosamente, tem colocado para a Nação.

O Brasil sem Homofobia - por não ser só editais, repasse de concursos e confecção de cartilhas - será a implementação de políticas públicas que dignificarão milhões de cidadãos brasileiros que são lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

O grande leque dos princípios e das ações previstos nesse programa de combate à homofobia e de promoção da cidadania desse segmento da sociedade brasileira deve ser responsabilidade de todos os órgãos públicos - estaduais, federais e municipais - dos três Poderes que compõem esta República e um compromisso de todo o conjunto da sociedade brasileira.

Para que o respeito à diversidade sexual e o combate à violação dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais sejam garantidos é necessário que esse segmento se aproprie desse programa porque ele é nosso, ele é o nosso instrumento de direito.

Que o compromisso das pessoas homossexuais e o controle social desse programa sejam efetivos. Esperamos que esse programa não seja apenas o que é no momento: um programa de governo, do Governo Lula, porque o Governo Lula passa e o programa deve permanecer.

Por isso a nossa luta é para que, além da conquista e da implementação desse programa, é que ele seja efetivamente um compromisso de todas as esferas governamentais, da sociedade, do segmento que representamos. Mais do que tudo, ele deve ser um programa de Estado, ele deve ser um compromisso para além do governo. Ainda que o governo passe, precisamos que o Programa Brasil sem Homofobia permaneça como um compromisso de Estado.

Na pessoa do Dr. Ivair, representando a Presidência da República por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, quero agradecer, em nome do Fórum Paulista, o Programa Brasil sem Homofobia, agora lançado no nosso Estado.

Muito obrigada. (Palmas.)

 

O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT - Quero também registrar uma ausência sentida, mas justificada. Refiro-me à companheira Mana, que mandou um bilhete dizendo: “Companheiras e companheiros, impossibilitada de comparecer à comemoração do nosso dia, por motivo de saúde, estou com pneumonia, desejo que o avanço do Movimento Homossexual traga um novo mundo sem homofobia, muito mais humano, mais justo e mais igualitário.” (Palmas.) Desde a primeira sessão solene a Mana vem defendendo com muita força esse evento aqui na Casa.

O Vereador Dicão, de Araraquara, também manda um “e-mail” parabenizando a iniciativa.

Vou passar a palavra agora a Beto de Jesus, Diretor da ABGLT para a Região Sudeste. (Palmas.)

Não é nada pessoal, mas vou pedir aos oradores para apertarem um pouco o tempo, em função da quantidade de oradores inscritos.

 

O SR. BETO de JESUS - Primeiramente, quero agradecer o Deputado Ítalo Cardoso, porque esta é uma daquelas noites que valem a pena. Passamos o ano inteiro lutando, as noites, os finais de semana, e esta noite é uma daquelas que valem a pena. Estamos aqui, com o nosso orgulho, nesta Casa de Leis. Obrigado, Deputado Ítalo.

O slogan desta Casa diz: “O poder do cidadão.” O poder só será do cidadão se esta Casa respeitar os quase quatro milhões de GLBTT que há neste Estado. Infelizmente, não respeita. Com raras exceções, de parte de alguns Deputados que respeitam os nossos direitos, a sua grande maioria é contrária aos nossos direitos, é contrária à nossa emancipação, é contrária ao ordenamento legal que nos garanta acesso e permanência nas escolas, que garanta trabalho, que garanta uma série de serviços para a nossa comunidade.

No mundo, 80 países prendem homossexuais. Desses 80 países, nove penalizam com a pena de morte. Aí falamos: “Ainda bem que o Brasil não está na lista desses 80 países.” No Brasil, a cada três dias um homossexual é morto. Isso com dados de jornais, porque se fizéssemos uma pesquisa mais séria, com certeza, esses dados seriam diferentes, já que deles somem os bissexuais e as lésbicas: crime contra lésbicas é passional e é registrado como tal.

Ocupamos esta Casa pela terceira vez para dizer que cada vez que viemos aqui o fazemos para torná-la mais democrática. Ela só vai ser democrática na medida que o seu ordenamento legal não impedir projetos de lei e não impedir a nossa cidadania.

Lançar o Programa Brasil sem Homofobia nesta Casa significa dizer ao Governo do Estado que queremos capilaridade desse programa nas escolas municipais, nos postos de saúde e no atendimento à população como um todo.

Já ouvimos Secretário de Estado da Educação dizer: “Não temos problemas na escola com relação a gays e lésbicas. Tudo está resolvido porque os parâmetros curriculares e os temas transversais dão conta disso.” Mentira! Gays e lésbicas são enxotados das escolas. As travestis sequer conseguem terminar o ciclo básico. A escola, infelizmente, reproduz a homofobia e, muitas vezes, a violência contra essa população. (Palmas.)

Não podemos aceitar que um estado como São Paulo não tenha incorporado nas suas políticas públicas políticas para essa população. Somos eleitores, contribuintes, cidadãos e não podemos ser tratados como cidadãos de segunda categoria.

No ano passado, falei ao Deputado Ítalo que teríamos mais pessoas aqui e no outro ano mais. Espero que com um pouco mais de tempo tenhamos todas as cadeiras de lá de trás cheias. Precisamos disso. Só vamos mudar esta Casa na medida em que, de fato, a ocuparmos e se de fato o poder do cidadão sair daqui.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT - Quero saudar o Sindicato dos Funcionários da Assembléia Legislativa, que não só apoiaram, como se fazem presentes vários funcionários; Paulo Reis dos Santos, coordenador do Centro de Referência GLTTB de Campinas; Claudinho, Secretário Estadual de Combate ao Racismo do Diretório Estadual do PT; Amaris Batista, representando o Deputado Simão Pedro; Cláudio Garcia, Sérgio e Yaskara, da revista “G Magazine”; Edmilson Alves de Medeiros, do Corsa; Márcia Cabral, Minas de Cor; Tata Douglas de Oyá, da Associação Religiosa e Cultural Casa de Oyá, de Arujá; Eduardo Barbosa, representante do Programa Nacional DST-Aids; Solange Aparecida Caetano, Presidente do Sindicato dos Enfermeiros de São Paulo; Maria Amélia Teles, Amelinha, da União de Mulheres; Lívia Sobota, representando o Vereador Paulo Teixeira; Vereador Toninho Calunga, de Cotia; Dulcilene e Carlos Alberto, do SOS Racismo; Sônia Maria dos Santos, Promotora Legal e Popular.

Vou convidar agora este que tem sido um parceiro nosso em vários momentos difíceis. O nosso companheiro, Carlos Cardoso, Procurador responsável pela área de Direitos Humanos do Ministério Público.

 

O SR. CARLOS CARDOSO - Prezado Deputado Ítalo Cardoso; Srs. Deputados; meu colega do Ministério Público Federal, Dr. Sérgio Suiama; Ivair Augusto Santos, representando a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, é uma honra estar presente como cidadão e como Promotor de Justiça, comprometido com a causa dos Direitos Humanos, para participar de uma data tão significativa e emblemática para uma parcela importante do povo brasileiro que luta enfrentando toda a sorte de dificuldades para firmar o seu direito constitucional e universal à cidadania plena.

O Ministério Público de São Paulo, assim como o Ministério Público Federal - eu diria até o Ministério Público brasileiro como um todo nas suas mais diferentes vertentes - têm o compromisso constitucional de atuar como parceiro desta luta que vocês lideram.

Tenho, para mim, que o lançamento de um programa que tem como objetivo a erradicação da homofobia no Brasil merece, desde logo, o cumprimento ao Governo Federal por ter tomado essa oportuna iniciativa.

Como já foi dito por uma das oradoras que me antecedeu, é uma política de governo. É preciso que essa política de governo seja aprofundada, ampliada, consolidada e submetida a uma permanente reflexão por parte, sobretudo, dos setores sociais diretamente interessados nessa política pública. É preciso que essa luta permeie o conjunto da sociedade brasileira para que daqui a 20 ou 30 anos ainda esteja presente na sociedade brasileira, para que não seja uma política que se esgote ao fim de um governo, mas que se transforme com o apoio do conjunto da sociedade numa política de Estado, numa política permanente.

A história da humanidade está com dezenas de exemplos, alguns deles dramáticos e sangrentos, a revelar que a luta contra todas as formas de discriminação é uma luta permanente, porque se bobearmos ela pode experimentar retrocessos. E isso não queremos. Queremos avançar nessa luta.

Aliás, aproveito a oportunidade para comunicar a vocês que, recentemente, o Ministério Público criou um grupo de atuação especial de inclusão social, e dentre suas atribuições está a luta contra todas as formas de discriminação. (Palmas.) Daqui a algumas semanas esse grupo estará constituído por uma equipe de promotores e será um parceiro a mais na luta pela supremacia da cidadania sem qualquer forma de discriminação.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT - Quero registrar a presença também da Rosângela Rigo, assessora do Deputado Renato Simões.

Passo a palavra agora para Janaína Lima, da Antra, Associação Nacional de Travestis. (Palmas.)

 

A SRA. JANAÍNA LIMA - Boa-noite a todos. Inicialmente saúdo os membros da Mesa.

Há três anos estive aqui e lembro da emoção que tive ao falar.

Estou aqui para falar enquanto articulação nacional de travestis, mas não só de travestis. Não posso deixar de falar também das transexuais. Sei que as pessoas não conseguem diferenciar o que é travesti e o que é transexual.

Um ano depois, infelizmente, vou falar novamente de violência. Essa tem sido, ainda, a nossa grande realidade. Estivemos, há um ano, com a Suzi falando. Fizemos uma espécie de cobrança, e aqui voltamos para falar do lançamento do “Brasil Sem Homofobia”.

Gostaria muito que este programa tivesse sido revisado, pois essa foi uma das reivindicações do movimento, uma das propostas que levantamos, que encaminhamos. Estive com o Dr. Ivair em Sorocaba - também fiz essa cobrança, não sei se ele se lembra. Gostaria que não fosse um programa só no papel.

Não sei se o erro é nosso, como vim aqui falar, que houve mudanças. Houve mudanças, não vou me esquecer do primeiro dia em que aqui estive nesta mesma Casa, onde fui recebida como cidadã, coisa que para mim, na época, era novidade. Para quem veio da rua, para quem sempre foi tratada de uma forma diferenciada, que sempre foi atacada, ser aqui recebida de uma forma diferente. Você é recebida pela polícia tocando o Hino Nacional. Até estranhei hoje a Polícia Militar não tocar o hino, mas me lembro que na primeira vez tocou, e na segunda também.

E aí você começa a ver que de fato, sim, algumas coisas têm mudado. Mas infelizmente na violência, na questão das travestis, transexuais parece que não têm andado muito. Parece que ainda temos muitos casos para citar. Poderia relatar diversos casos. Infelizmente, ainda hoje tenho que ir até o necrotério reconhecer corpo porque foi encontrado um homem: “Mas acho que você conhece porque ele tinha peito.”

Essa tem sido ainda a nossa realidade. Venho aqui falar mais no sentido de cobrança mesmo, pois precisamos de coisas mais eficazes, precisamos da união, do apoio e de todo movimento também. Gostaria sempre que as lésbicas, os gays e os bissexuais, quando levantassem essa bandeira, também se lembrassem de nós, pois precisamos fortalecer cada vez mais o movimento.

Vim cobrar as Secretarias de direitos humanos. Pergunto mais uma vez onde está o meu direito de cidadã. Lembro-me ontem que discuti com Rodrigo, meu companheiro de luta. Ele disse: “Eu sei que você tem medo de estar na faculdade.” Sim, ainda tenho medo porque ainda não sei qual poderá ser a reação. Hoje estou numa faculdade, é uma conquista. Mas sei que a duras penas. (Palmas.) É uma dificuldade eu poder me manter lá exigindo respeito. Da mesma forma que estou lá sozinha e exigindo respeito, estou também hoje nesta Casa, pois devemos lembrar o tempo todo que existem travestis e transexuais que estão aí largadas e sem direito algum.

Estive esta semana com a Dra. Margareth, da Decradi - Delegacia de Polícia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, fazendo cobrança, porque temos a violência e não temos nem onde recorrer. Vou até a delegacia e não posso. Aí a Dra. Margareth falou: “Janaína, você precisa começar a preparar o pessoal para não ir à delegacia. Você precisa ir à delegacia específica.” Quer dizer, eu sofro violência em Campinas e tenho de vir até São Paulo a uma delegacia específica. Aí eu pergunto onde está o meu direito de cidadã.

Estou aqui hoje mais no sentido de cobrança, usando o poder de cidadão. Hoje, o único poder que ainda tenho é o poder da palavra.

Obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Antes de passar a palavra ao Dr. Ivair, que neste ato vem representando o Ministro Paulo Vanucchi, quero fazer um registro importante. Logo que tomou posse, à frente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, no Gabinete da Presidência da República, o Ministro Paulo Vanucchi me contatou e pediu que reunisse na Assembléia Legislativa algumas entidades. Ele queria vir a São Paulo e conversar com essas entidades. Foi importante e significativo porque em vários momentos nós reclamamos dessa falta de diálogo.

Muitas vezes, a relação se dá via institucional, e não tem essa relação com as entidades da sociedade civil que, de fato, carrega o piano e sabe onde está o problema. E o Ministro teve essa sensibilidade. Realizamos uma reunião na Assembléia Legislativa e, a partir daí, em vários momentos, tem sido um interlocutor direto, sem embaraços não só para dialogar, mas também para encaminhar aquilo que se decide.

Quero registrar a preocupação que ele, durante esses episódios ocorridos no dia 12 de maio, teve. A todo o momento ele ligava querendo saber, demonstrando a sua preocupação hoje com a Febem. Tentamos, de toda forma, transferir este ato para segunda-feira porque ele queria estar aqui, mas não conseguimos. Já havia uma outra sessão solene marcada e ele já tinha uma reunião marcada há bastante tempo em Buenos Aires. Evidentemente, seria importante tê-lo aqui.

Quero também registrar que desde que começou a luta por direitos humanos em Brasília, pelo menos o tempo em que o acompanho, tenho encontrado o Dr. Ivair em todos esses momentos importantes. É muito importante tê-lo aqui porque tenho certeza de que hoje não é só a tarefa institucional de representar o Ministro, mas há também a sua história de militante, de ativista contra a discriminação e o preconceito. Por isso, com muita justeza V. Exa. ocupa hoje o cargo de Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Convido-o a fazer o uso da palavra.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Caro Deputado Ítalo Cardoso, Presidente desta Sessão Solene, Coordenador da Frente Parlamentar Estadual pela Livre Expressão Sexual; Dr. Sérgio Suiama, Procurador da República e Procurador Regional dos Direitos do Cidadão; Dr. Carlos Cardoso, Promotor Especial dos Direitos Humanos do Ministério Público Estadual; Deputada Ana Martins, que aqui estava mas que se retirou; quero também fazer uma saudação especial ao Deputado Sebastião Arcanjo, um dos Deputados importantes no cenário nacional de combate à discriminação racial e na luta pelas ações afirmativas. Fiquei feliz em vê-lo nesta cerimônia, pois além da luta contra o racismo ele também incorpora a luta contra homofobia. Quero também saudar alguns amigos, Movimento Negro Unificado, Milton Barbosa, e alguns amigos do Fórum Paulista, e também vários companheiros que conheço há mais de 30 anos.

Vir a esta Casa sempre me carrega de lembranças de situações muito gratas na luta pelos direitos humanos. Algumas pessoas aqui eu conheço da militância das ‘Diretas’, onde fazíamos reunião no plenário. Conheço Amelinha há alguns anos - não vou dizer a data, mas são muitos e muitos anos em que nos deparamos nessa luta e nessa convivência. Estar aqui para lançar o “Brasil sem Homofobia” é um prêmio para mim. Ou seja, de certa forma estou na minha cidade, onde nasci. Sou oriundo da zona leste de São Paulo. Orgulho-me de ser da capital e estar aqui.

É uma situação de muita felicidade por várias razões. Este ano não houve uma semana em que parei em Brasília. Estive em vários estados, na maior parte das vezes em situações muito tensas e dramáticas: assassinatos, homicídios, torturas. Este ano começou com a morte do Adamor, Presidente do GLLTB de Amazonas. Ele morreu de uma maneira trágica, em Manaus. Iniciamos o ano com uma situação trágica. Depois tivemos alguns assassinatos na região de Rondonópolis, também muito trágicos: corte de cabeça e de membros. Foram situações muito dramáticas.

Depois, outras terríveis situações no Rio de Janeiro, aqui do lado, onde dois jovens resolveram fazer carícias na praia de Ipanema, um local que podemos dizer que é da modernidade, da liberdade. Esses dois jovens, da Baixada Fluminense, que nunca haviam ido juntos à praia, foram barbaramente surrados por alguns rapazes musculosos, de algumas academias. Eles foram procurar a polícia, que ficou ameaçada porque ficou cercada. Depois, houve uma grande mobilização de GLTB e aí se conseguiu fazer a ocorrência e identificar as pessoas que tinham cometido aquela violência.

Quando fui conhecer os dois rapazes, eram dois meninos negros. Juntaram-se duas discriminações: a racial e a homofóbica. Quando fui à Baixada Fluminense juntamente com um dirigente da GLTTB, o que mais me impressionou nos relatos de violência que sofriam eram jovens negros contando um pouco sobre dupla militância, como conseguiam sobreviver ao crime de violência e trabalhar a questão do combate à homofobia e racismo.

Tenho uma grande expectativa em São Paulo, de finalmente dar continuidade a um processo que está em andamento: fazer um trabalho mais articulado entre o movimento negro e o movimento de GLTTB. Isso é fundamental. Temos muito a aprender mutuamente. Tenho conversado com várias lideranças negras e lideranças da GLTTB sobre a importância de uma articulação nesse sentido. É importante podermos compartilhar com as suas experiências no combate à discriminação.

O que tenho a dizer do programa Brasil sem Homofobia vai um pouco ao encontro disso. O programa Brasil sem Homofobia não é exatamente do governo. Foi um programa muito difícil de ser elaborado porque ele teve um esforço grande de construção junto com a sociedade civil. De fato, tivemos um diálogo permanente com várias entidades, várias lideranças, e foi colocado na internet. Para se ter uma idéia, só eu fiz 18 versões do programa até chegar à 20ª versão, quando se conseguiu articular alguma coisa. Teve participação da sociedade civil. Pegamos cada uma das propostas, negociamos com o Ministro e com a segunda pessoa de ‘status’ do Ministério, que é o Secretário-Executivo. Cada ministério disse: “Eu posso fazer isso”. E foi isso que saiu no programa Brasil sem Homofobia.

Não foi fácil conseguir aprovação. Foi graças ao apoio do Programa Nacional de Aids. Está aqui o colega Eduardo, desse programa, do Ministério da Saúde. O Programa Nacional de Aids foi fundamental no amparo técnico e político para poder construir o programa. Teve também figuras importantes, como o Ministro Gilberto Gil e o Secretário Sérgio Mamberti, do Ministério da Cultura, que deram contribuição. Eles conseguiram de certa forma se envolver, trabalhar, dar sugestões e ser parceiros no processo.

Nessa figura toda, teve um Deputado Federal histórico nos direitos humanos, que foi fundamental. Na hora que precisou de firmeza no processo, ele esteve conosco: Deputado Nilmário Miranda. Ele foi fundamental no momento decisivo. Vocês talvez não saibam, mas fui sabatinado diversas vezes por parlamentares, normalmente da base evangélica pentecostal. Fui chamado, tive de dar explicações, vir a São Paulo várias vezes e tentar explicar. E a grande questão era o seguinte: o que vocês vão fazer nessa história do Brasil sem Homofobia? Vocês vão inventar um programa que vai levar a questão do debate junto a crianças? Essa era a grande preocupação: um dos temas que mais incomodava as pessoas era no campo da educação. Passamos a perceber que as violências acontecem de maneira mais sistemática.

Gostaria de resgatar um pouco a fala do Beto de Jesus: de fato, a sala de aula tem sido um local de propagação de violência homofóbica. Muitos professores não sabem como lidar com a situação. Muitas famílias têm atitudes que muitas vezes colaboram com o processo de discriminação. O esforço que temos de fazer no sentido de sensibilizar a estrutura de ensino nos estados e municípios em relação ao tema é muito grande. A discriminação não acontece só no âmbito dos professores, mas os próprios gestores públicos, quando se pauta o assunto, trazem um certo desconforto. E as pessoas simplesmente deixam de fazer e você não consegue avançar no processo.

Fiquei feliz com a fala do Ministério Público, quando criou esse grupo de combate à discriminação. O Ministério Público Federal e os dos estados têm sido parceiros de primeira linha na defesa dos direitos humanos e na luta contra a discriminação. Fiquei também feliz com a fala da Janaína. Ela foi muito autêntica. Por mais que o programa tenha sido feito, ela tem razão: temos ainda que trabalhar muito.

A coisa mais dramática que existe é que todo dia tenho um ritual: abro a tela do computador e aparecem as mensagens. Torço para não ter aquela mensagem, mas ela sempre vem, de um gay, de uma lésbica assassinada, de um travesti. Eu torço para quando abrir a listagem - normalmente vêm mais de 100 e-mails - não ver aquela mensagens de algum assassinato.

Mas, infelizmente, sempre vêm. A cada dois, três dias você fica sabendo de um assassinato desse tipo. Para aqueles que até já devem ter ouvido isso muitas vezes, não é um assassinato qualquer. Não é mais um assassinato em que o cara levou um tiro. Não. Sempre é feito com certos requintes de crueldade. Um dos casos mais recentes que tivemos no entorno de Brasília foi o de um casal de lésbicas: uma foi torturada e a outra teve o seio cortado. No interior de Alagoas alguns jovens amarraram a travesti, depois a amarraram numa motocicleta e a arrastaram em uma rua de paralelepípedo.

São sempre com requintes de profunda tragédia. É uma coisa para deixar marcado o ódio homofóbico em relação a isso.

E a questão mais dura, que a Janaína trouxe, é o cotidiano dos travestis, das mulheres da noite, que é o cotidiano difícil de pessoas corajosas, que, em parte, não têm opção.

Eu recorro a uma outra fala, que foi feita anteriormente. Grande parte das travestis não conseguiu terminar sequer o ensino fundamental. Foi expulsa de casa, primeiramente, e não conseguiu voltar para a escola. Eu me lembro sempre de algumas colegas, como a Fernanda, da Paraíba, quando ela me relatava o seguinte: “Ivair, eu pegava um ônibus para ir à escola, mas tinha que descer no ponto seguinte. Eu lhe perguntei: ‘Mas, por que tinha que descer no ponto seguinte?’ Porque era tanta agressão, era xingo, era ponta-pé, que eu tinha que descer e ir a pé dez quilômetros para poder chegar à escola.”

Será que alguém consegue, todos os dias, não conseguir pegar um ônibus? Então, com a violência que as travestis sofrem no seu cotidiano, não há governo que consiga dar refresco. É preciso muito mais do que isso. É preciso uma grande mobilização.

Ela tem razão, num programa que vem a partir de Brasília, que dá conta da questão de Campinas, Sorocaba, Santos, você pega Campinas e Sorocaba juntos, dá o quê? Dá João Pessoa, dá Maceió? Dá quantas capitais juntas?

Quando você pensa num programa desse de homófobo, você tem que pensar em São Paulo e nos demais estados. Estados porque não há comparação em termos de dimensão ou da população. Não tem referência em termos quantitativos disso. Então, o esforço do Ministro Paulo Vannuchi é, de fato, ter um trabalho mais intenso em São Paulo. Mas que não fique só na capital, que consiga interiorizar a criação de centros de referência em relação a isso.

A impressão que eu tenho é que esse esforço vai ajudar muito, mas ainda vai ser insuficiente, porque aqui, em São Paulo, o nosso desafio, o nosso trabalho é muito maior. Quando você consegue uma referência, fica uma pergunta: “E as escolas? E o sistema de ensino? Como é que você dá conta dessa realidade tão grande como é São Paulo?”

É preciso entender que se nós não fizermos uma aliança com a Frente Parlamentar aqui, na Assembléia Legislativa, com os setores importantes do Ministério Público e com setores importantes do governo estadual, do governo municipal, é praticamente impossível dar conta da dimensão que São Paulo é. Por exemplo, eu saio daqui hoje, amanhã estou em Ilhéus, lá no sul da Bahia. Não tem comparação. Ilhéus, perto de Itaquera, não é nada. Quem conhece Itaquera, Cidade Tiradentes, pega Ilhéus, se perde naquilo. Enfim, o país Brasil, em comparação às realidades duras como São Paulo, em termos de dimensão, exige outras medidas em relação a isso.

Acho que avançamos muito na legislação. Há uma lei importante, a 10.948, para ser implementada. Há o Fórum Paulista. A maior parada de Orgulho Gay é aqui em São Paulo, mas também os maiores problemas também são aqui em São Paulo.

O nosso esforço não é simplesmente estar de maneira protocolar num evento importante como este. Além de obrigação, é dizer que estamos juntos com vocês, estamos conscientes da nossa incapacidade de poder dar uma resposta na dimensão que São Paulo precisa, mas que estamos com coragem de enfrentar isso.

Também estamos com coragem de dizer à Janaína: “Janaína, você tem toda a razão. Você tem toda a razão no seu discurso. Você, como travesti, tem toda a razão. A força na sua palavra dá a dimensão exata da nossa incapacidade de poder enfrentar a homofobia. Mas também dá a dimensão de que precisamos nos esforçar enquanto poder público, enquanto movimento social, para poder reverter esse quadro.”

Posso dizer que a Secretaria Especial de Direitos Humanos dará todos os passos dentro da sua capacidade para poder contribuir nesse processo.

Eu, pessoalmente, quero agradecer imensamente esta honra de poder estar em São Paulo, na minha cidade, de poder estar lançando o Brasil sem Homofobia, em nome da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Tem a palavra Irina Bacci, do Grupo Inova, e também presidente da Associação Brasileira da Família GLBTT, aqui representando a população de lésbicas.

Gostaria de anunciar a presença de Marisabel de Xangô, da Comissão de Mulheres da Associação da Comunidade de Oyá e Ogum; Eduardo de Oxalá, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Associação da Comunidade de Oyá de Ogum; Ricardo de Oxum, presidente da Associação da Comunidade de Oyá de Ogum, e Jacy Guarany, representando a Deputada Maria Lúcia Prandi.

 

A SRA. IRINA BACCI -Boa-noite. Eu gostaria de agradecer especialmente ao Deputado Ítalo Cardoso, que, quando chamado pelo Fórum Paulista, prontamente atendeu ao nosso pedido para o lançamento do Brasil sem Homofobia aqui em São Paulo.

Pediram-me que eu relatasse um pouco da relação do Movimento GLBTT com os movimentos sociais.

A Democracia e os direitos humanos caminham juntos. Não se pode falar de democracia quando os direitos humanos não são respeitados e não se pode falar de direitos humanos quando não há democracia. A história da democracia neste país tem ligação íntima com os movimentos sociais, como nos mostra a história deste país na Era Vargas e a conquista da Constituição redemocratizadora de 1946, e no regime militar e com a volta da democracia com a Constituição de 1988, onde os movimentos sociais conseguiram pautar suas reivindicações, como o movimento de mulheres, de defesa das crianças e adolescentes, de negros, indígenas, entre outros.

Na contramão, os movimentos sociais conseguiram inverter o papel do Estado que antes exercia o controle social sobre a sociedade, e hoje é a sociedade que faz controle social no Estado, nos diversos espaços de participação democrática, como nos chamados conselhos de direitos e conselhos de políticas públicas.

Nesta lógica, a partir de 1988 os movimentos sociais e a sociedade civil organizada pressionaram e colaboraram na elaboração e aprovação das leis complementares, com o objetivo de regulamentar e aprofundar os direitos humanos, os direitos sociais e a democracia participativa.

Hoje, os movimentos sociais ganharam mais força com a militância que exercem dentro das organizações não-governamentais, tornando-se mais empoderados e articulados, propiciando uma articulação em rede para dentro e para fora do movimento.

E é neste sentido que o movimento GLBTT vem se estruturando e se empoderando, e aqui ressalto a forma como o movimento GLBTT do Estado de São Paulo vem se colocando, a partir da rearticulação do Fórum Paulista GLBTT, que conta com ONGs, grupos e militantes independentes, reafirmando o compromisso social de trabalhar em rede, que mesmo distante do ideal já se visualizam as teias de sua rede, como notamos na articulação para o lançamento do programa federal Brasil sem Homofobia em nosso Estado, nesta Casa.

Ressalto que o movimento GLBTT é o grande movimento na busca de direitos de lésbicas, pessoas trans, travestis, bissexuais e gays e na luta contra a homofobia, porém dentro deste há outros movimentos segmentados que lutam cotidianamente pelas suas especificidades e ainda buscam uma agenda comum, na sua luta incansável pelos direitos de lésbicas, transexuais, travestis, bissexuais e gays, que hoje se faz representada por esta e por este que vos falam, mas que muitas e muitos dos que começaram esta história estão hoje sentados nesta plenária, e eu não poderia deixar de referendá-los, pedindo a todas e todos presentes uma salva de palmas para estas pessoas.

Saliento ainda que, atualmente, os movimentos sociais estão em crise neste país, assim como toda esta sociedade, que além do colapso social que vive, como vivemos recentemente com os episódios de violência neste Estado e as últimas ocorrências no Congresso Nacional em Brasília, e isto nos faz refletir o momento crítico que a sociedade vive, e os movimentos sociais são parte dela, por isso se faz necessária e urgente a busca pela ação conjunta e luta comum, pois não há democracia e direitos humanos plenos neste país, quando ainda existirem pessoas passando fome, mendigos na rua, crianças em semáforos pedindo dinheiro, homossexuais sendo mortos pelo fato de expressarem seu afeto publicamente, lésbicas excluídas do sistema de saúde por falta de preparação dos profissionais, pessoas trans sofrendo discriminação e constrangimento por dizerem e afirmarem o que realmente são de fato, travestis sendo presas por exercerem seu direito de ir e vir e bissexuais sendo classificados de enrustidos e indecisos por não se decidirem, todas essas manifestações do preconceito e da homofobia. É necessário que se combatam todas as formas de discriminação neste país, pois a raiz do preconceito é a mesma que promove o racismo, a desigualdade dos sexos, o mau trato a idosos, o descaso com as crianças e adolescentes, reforçando um Estado excedente e que privilegia homens, brancos e heterossexuais

E por fim, esperamos que este discurso não fique somente no campo das palmas, mas que acima de tudo promova uma reflexão em todas e todos os representantes do povo desta Casa, para que entendam que legislar para todos é promover uma sociedade inclusiva, onde toda a pessoa, independentemente de credo, raça, cor, etnia, sexo, idade e orientação sexual tenham os mesmos direitos e deveres num país onde o Estado laico saia do papel e exista de fato!

Obrigada.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Gostaria de anunciar a presença de Genivaldo, representando o Vereador Ulisses, da cidade de Guarulhos, e de Ferdinando Martins, do Mix Brasil.

Tem a palavra o Alexandre Peixe Santos, Secretário-Adjunto da Associação da Parada do Orgulho GLBT, representando a população de transexuais. (Palmas.)

 

O SR. ALEXANDRE PEIXE SANTOS - Boa-noite. “Fala, Xande.” Quando me chamaram pra falar sobre a visibilidade das mulheres, fiquei pensando o que poderia ser diferente na questão das mulheres em relação a esse assunto. Em primeiro lugar, acho que as Paradas do Orgulho GLBT apareceram como uma forma importante para aumentar a visibilidade de GLBT em geral na nossa sociedade. Hoje, com paradas como a de São Paulo, podemos mostrar o quanto somos diversos e fazer nossas reivindicações serem reconhecidas como vindo de uma parcela da sociedade que não pode ser desprezada. Isso, pra mim, é um importante avanço, não só para o movimento, mas para a sociedade como um todo, é um passo na direção de reconhecer e respeitar a diversidade.

No entanto, fiquei pensando: será que todos os segmentos sentem a invisibilidade da mesma forma? Aí que entra a questão das mulheres, trans ou não. Para mim, o que une mulheres trans e não-trans na invisibilidade são as regras heteronormativas. Quero dizer, não dá para desconsiderar a forma como o masculino e o feminino são entendidos socialmente, e a ligação que isso tem com a sexualidade. No caso das mulheres lésbicas e bissexuais, por exemplo, há uma invisibilidade que está ligada às desigualdades entre homens e mulheres: os homens devem habitar o espaço da rua, e as mulheres, mesmo que em muitos casos trabalhem fora para sustentar sozinhas seus filhos, são vistas como se o espaço doméstico fosse o seu “habitat natural”.

Mulheres são tidas como dóceis, passivas, e homens como cheios de iniciativa, ativos, e isso não só, mas também sexualmente. Nessa visão, masculino e feminino, homens e mulheres são opostos e se complementam, além de estarem em posições desiguais de poder. Assim, as mulheres são pensadas muitas vezes em referência aos homens, o que acaba invisibilizando as relações entre mulheres. No caso das mulheres bissexuais, o mesmo ocorre, já que sempre são imaginadas como a realização das fantasias masculinas, incapazes de manter relações plenas com outras mulheres, que não respondam necessariamente ao desejo masculino.

No caso das mulheres trans, há também a inclinação a vê-las como fetiches, alvo de fantasias masculinas, e não como pessoas com desejos e vontades próprios. Ou então, por questionarem, pela sua própria existência, o pensamento de que existem dois sexos com características distintas, complementares e formatadas, são tornadas invisíveis: afinal, às vezes é mais fácil fingir que algo não existe a ter que rever algo em que fomos ensinados a acreditar sem questionamentos.

Termino minha fala lançando o que acredito ser ainda hoje um desafio: visibilizar as mulheres que estão incluídas no movimento GLBT sem partir de estereótipos nem de padrões heteronormativos, reconhecendo a diversidade de suas experiências concretas de feminilidade.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Tem a palavra o Rick Ferreira, ativista homossexual, militante do Grupo Prisma, do DCE da USP, representando a população de gays.

 

O SR. RICK FERREIRA - Boa noite a todos os componentes da Mesa. Diferentemente dos meus colegas, eu vou tentar falar sem ler, pensando um pouco em toda a trajetória por que passamos aqui no lançamento do nosso programa Brasil sem Homofobia.

Quero agradecer à Frente Parlamentar por ter dado voz aos jovens do movimento. Está aqui também a Raquel Falivene Tapajós, que vai depois falar, para mostrar que o movimento de GLBT também é composto pela juventude, e mostrar para essa juventude, que está aqui sentada - que me deixa muito feliz, o quanto de trabalho nós temos pela frente para construir uma sociedade livre de homofobia e da opressão de gênero. É muito importante ficarmos atentos, enquanto jovens, ao trabalho que nós temos quanto a isso.

A minha fala é mais sobre a liberdade. Todas as falas nos mostraram que o que nos falta é algo vital, que é a questão da liberdade, de sermos o que somos. A liberdade de demonstrar o carinho que nós temos por uma pessoa do mesmo sexo na rua, de termos os nossos direitos enquanto cidadãos, e de mostrarmos o que somos. É isso o que nos falta.

Temos que ficar atentos porque a Parada Gay é daqui a uma semana. Este ano, eu digo para os nossos companheiros da Associação da Parada Gay o quanto foi árdua a construção desse movimento, que é a nossa manifestação máxima de liberdade, de participação.

Temos que mostrar o nosso repúdio às instâncias municipais, principalmente de São Paulo. Eu não tenho vergonha de dizer o quanto ela quase impediu a oportunidade da nossa manifestação popular. É inaceitável que tenhamos que assinar um termo de ajustamento de conduta para uma manifestação popular, uma manifestação de movimento social. O Ministério Público precisa nos dar uma resposta em relação a isso. É inaceitável que a Prefeitura tenha essa postura retrógrada em relação a essas manifestações populares.

Por último, quero falar da nossa participação como jovens, como movimento na construção de políticas públicas para a população GLBTT aqui na cidade e no Estado de São Paulo com o lançamento do Brasil sem Homofobia. Aliás, aproveito a oportunidade para convidar a juventude aqui presente para participar do movimento na construção de um Estado e de um Brasil melhor, sem homofobia para as futuras gerações.

Obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Vou passar a palavra agora para Raquel Falivene Tapajós, advogada militante do Movimento Lésbico de Campinas, MoLeCa, integrante fundadora do Coletivo Brasileiro de Bissexuais, representando aqui a população de bissexuais.

 

A SRA. RAQUEL FALIVENE TAPAJÓS - Boa-noite a todos os presentes. Coube-me a tarefa de falar sobre a aprovação da lei que criminaliza a homofobia. Vendo a trajetória que esse projeto de lei está tendo na Câmara dos Deputados, vemos uma certa semelhança com o projeto de lei da união civil homossexual, que já está há 11 anos tramitando naquela Casa.

O projeto de lei da nobre Deputada Iara Bernardi foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara em 3 de agosto de 2005. A Comissão aprovou por unanimidade o parecer do relator e concordou com o amparo constitucional ao tema, opinando pela aprovação do projeto na íntegra. A matéria foi colocada em pauta várias vezes este ano, mas foi retirada sob a justificativa de que havia outras leis mais urgentes para serem apreciadas.

A Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual no Congresso Nacional reuniu as lideranças do Movimento GLBTT e conseguiu coletar assinaturas de nove líderes partidários pedindo urgência na tramitação desse projeto na Câmara Federal. Em abril deste ano o requerimento foi encaminhado ao Presidente da Câmara, nobre Deputado Aldo Rebelo, e até a presente data não há previsão para votação do projeto.

A importância da aprovação desse projeto para os GLBTTs é que a criminalização da homofobia vai possibilitar que tenhamos acesso aos serviços das delegacias e também que os crimes homofóbicos sejam punidos com penas criminais, com penas inclusive de detenção, evitando assim que a impunidade sirva de estímulo para a prática de novos delitos.

Como vocês podem ver, a situação é muito parecida com o que aconteceu com o projeto de união civil. O nosso temor é que ele continue tramitando naquela Casa por anos a fio e enquanto isso continuemos vendo companheiros gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais morrendo, sofrendo todo tipo de agressão em virtude da sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Por isso temos de unir esforços. No programa Brasil sem Homofobia, dentre as medidas propostas está a de apoiar e articular as proposições no Parlamento brasileiro que proíbam a discriminação motivada por orientação sexual. Precisamos contar com o apoio do Governo Lula e dos partidos políticos que integram o governo para que eles pressionem o Presidente da Câmara a colocar em votação imediatamente esse projeto de lei. Precisamos também da atenção dos deputados federais para que esse projeto seja colocado imediatamente em votação. Precisamos que o projeto seja apreciado pela Câmara Federal, que a Câmara emita parecer e paute o projeto. Queremos que pelo menos ele seja colocado em votação. O projeto da união civil está tramitando na Câmara há 11 anos, o que demonstra total descaso para com essa população.

Por fim, eu gostaria de lembrar as paradas do Orgulho que vão acontecer agora neste mês e dos meses da diversidade que estão acontecendo por todo o Estado. Gostaria de ressaltar que são momentos importantes de ocupação dos espaços públicos para dizermos “não’ à homofobia. Precisamos aproveitar a parada para demonstrar a nossa resistência, fazendo dela instrumento de luta contra o preconceito. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Vou passar a palavra agora a Márcia Lima, fundadora da Acastra, entidade que defende o direito de travestis, que aqui vai falar representando a população travesti.

 

A SRA. MÁRCIA LIMA - Primeiramente, boa-noite a todas as autoridades presentes. Quero agradecer ao Deputado Ítalo Cardoso por esta oportunidade.

Sou militante dos segmentos sociais vulneráveis e excluídos, inclusive nos segmentos GLBTTs, onde represento o segmento das travestis do Estado de São Paulo com muita honra e muito orgulho, assim como tenho orgulho de ser brasileira. Sou Presidente da ONG Acastra, criada agora em dezembro. Represento também o Fórum Estadual das Travestis e Transexuais e o Fórum Municipal das Travestis Transexuais e Transgêneros da cidade de São Paulo, onde sou coordenadora na área de assuntos jurídicos.

Quero ressaltar aqui a presença de duas companheiras do Fórum Municipal: Luciana Kimberly e Bianca Marrafe, que também são coordenadoras do Fórum. (Palmas.)

Faço parte ainda do Fórum Municipal de Economia Solidária, representando os GLBTTs; faço parte do Fórum Inter-Religioso Estadual, vinculado à Secretaria Estadual de Justiça, onde represento a minha religião, a quimbanda, com muita honra e muito orgulho, sem medo de me assumir. No ano passado representei na Promoção da Igualdade Racial os GLBTTs. Fui a única candidata que foi para a estadual e estamos na luta contra o racismo.

Neste ano iremos comemorar 10 anos de parada. Na próxima quarta-feira, na Câmara Municipal, a partir das 19:30, serão comemorados dez anos de parada do Orgulho GLBTT.

A minha fala aqui hoje é sobre raça, etnia e religiosidade.

Lá nos primórdios dos tempos, alguns milênios atrás, quando a raça humana começou a se desenvolver e assumir o controle do Planeta Terra, alguns homens começaram a pensar: de onde viemos, para onde vamos quando morremos, quem somos nós. Partindo desses princípios alguns homens, que evoluíram um pouco mais, começaram a procurar a resposta para essas perguntas.

A partir daí os seres humanos já tinham se estabelecido, montado suas sociedades, diferenciadas umas das outras: no começo eram tribos, depois se tornaram cidades e depois países. Assim teve início o movimento religioso no Planeta Terra, porque descobriram a fé para tentar identificar quem somos. Conhecíamos o concreto: nascíamos do útero da mãe, crescíamos, morríamos e depois ficava o vácuo do abstrato, daquilo que não conseguíamos ver e ouvir. A partir daí começaram as diversidades nas respostas: crenças, credos, depois religiões, culturas religiosas de cada povo, de cada lugar, de cada sociedade.

Tudo isso chegou até a nossa terra tupiniquim, o nosso querido Brasil. Os indígenas eram pessoas inocentes, pessoas poéticas, que contemplavam o céu, as estrelas, acreditavam no sol, na lua e no Planeta Terra, respeitavam muito a água potável, as matas, os animais. Essas populações no território brasileiro deram nome a uma criatura que acreditavam ter criado tudo isso, Tupã, o Senhor da Criação.

Infelizmente, logo depois, tivemos a invasão de povos de outros continentes, principalmente o europeu. Ao entrarem aqui as milícias portuguesas trazendo como companheiros os jesuítas, aqui implantaram suas convicções religiosas e disseminaram o cristianismo.

Logo depois vieram os povos africanos, de uma maneira também terrível, para construir este país trazendo junto sua crença: a fé nos Orixás, na força da natureza.

Anos depois, para acabar de colonizar o Brasil, vieram outros povos: os islâmicos.

A religiosidade brasileira é diversificada, por isso temos muitas religiões, muitos credos, mas todo mundo quer o mesmo caminho: o caminho da luz.

É muito importante estar todo mundo aqui. Hoje é um dia de festa. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Nós agora vamos ter uma outra apresentação artística: Kika Medina, com interpretação e reflexão sobre a situação dos travestis.

 

A SRA. KIKA MEDINA - O escuro do dia traz o único momento mais ou menos calmo, quando travestis e transexuais podem ter um mínimo possível de vida. É quando a noite se aproxima que a vida para algumas pessoas se inicia: dorme-se durante o dia e vive-se durante a noite, ou pelo menos se tenta viver.

A noite traz, com seu brilho enigmático que a muitos encanta, um lado sombrio que é carregado de marginais, delinqüentes, vândalos, cafetões, gente de toda espécie. Junto a todos esses tipos, ganham o dia em plena noite muitos travestis e transexuais, que fazem da vida noturna seu convívio em sociedade, sua felicidade, seu sustento. É na noite que muitas podem viver no espaço gentilmente cedido por uma sociedade que prega ser justa, igualitária tanto em chances como em oportunidades iguais para todos. É nela que travestis e transexuais muitas vezes têm de se prostituir e até se marginalizar para que consigam viver um pouco mais dignamente a sua realidade de vida.

Durante a noite aprende-se a lei da selva, onde o mais forte sobrevive exterminando o mais fraco, onde quem pode mais exige coisas de quem não tem forças, nem auto-estima para poder alguma coisa. Nessa pressão toda se forma a personalidade do travesti e da transexual. É sofrendo as dificuldades que o meio lhe impõe que ela aprende que precisa ser forte e ser a primeira se quiser sobreviver. Algumas sobrevivem, sim, mas são poucas as que conseguem adquirir o status de poder viver dignamente o seu caminho traçado.

A noite realça o brilho das roupas, a silhueta bem feita e torneada e o brilho que algumas têm no olhar por acreditarem num mundo mais humano, sem tantas violências e injustas cobranças. Algumas acreditam nisso enquanto outras morrem anônimas sem trabalho, sem identidade, sem família, sem poder conhecer o dia, pois até esse direito é arrancado das que ousam ultrapassar o limite da mudança do seu próprio corpo em função da sua felicidade. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Gostaria de anunciar a presença do Sr. Hédio da Silva Júnior, Ex-Secretário de Justiça e Cidadania do Estado.

Vamos continuar com a Kika.

 

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- É feita apresentação musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Muito bem. Maravilha, Kika Medina. Obrigado. Essa apresentação da Kika Medina é importante para percebermos que temos também que olhar mais para nós. Às vezes lutamos tanto, corremos tanto que nos esquecemos de perceber o parceiro, a parceira que está ali junto com a gente, anos e anos a fio, e às vezes homenageamos pessoas de fora, homenageamos pessoas que não têm muito a ver com nossa vida. Acho que esta iniciativa das entidades que participaram e que organizaram esta 3ª sessão solene é de extrema importância quando mostra para nós aqueles e aquelas que estão travando a luta do dia-a-dia conosco.

Agora vamos fazer algumas homenagens e queremos começar falando deste jovem procurador da República, formado pela Faculdade de Direito da USP, foi defensor público criminal, professor universitário de Direito Constitucional, de Direito Processual Penal, criou e coordena o Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal, e tem como foco os crimes de programas de pornografia infantil, racismo e os crimes de ódio. Desde 2005 ele é Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e atua na defesa dos grupos sociais e discriminados.

O Dr. Sérgio Suiama é antes de mais nada um militante. Parceiro. E por isso, queremos hoje homenageá-lo. E por isso chamamos sua mãe, Dona Ermelinda, para que ofereça ao Dr. Sérgio Suiama uma simples lembrança, mas tenho certeza que para as entidades das pessoas que indicaram seu nome tem muito significado. Obrigado, Sérgio Suiama. (Palmas.)

 

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É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. SÉRGIO SUIAMA - Boa-noite. Vou ser breve. Quero muito agradecer. É uma grande honra receber essa homenagem aqui na Assembléia Legislativa, uma Casa onde trabalhei, e estar aqui na presença das minhas mães, dos meus amigos, dos meus companheiros de luta pelos direitos humanos.

Muito obrigado.  Recebo esta homenagem em nome do Ministério Público Federal, instituição a qual tenho a honra de pertencer, e que vem, nos últimos anos, atuando fortemente na defesa da igualdade e dos espaços democráticos.

E como hoje é o lançamento da Frente Parlamentar pela Diversidade Sexual, gostaria de retribuir a homenagem oferecendo à Frente uma pequena carta de direitos que, se melhorada, poderia servir como horizonte de atuação.

Toda pessoa tem o direito inalienável de expressar o seu afeto.  Esse direito inclui a liberdade de abraçar, de beijar, de amar e de chorar por seu amor.

Toda pessoa tem o direito de andar na rua sem medo de ser agredida por intolerantes e imbecis.

Toda pessoa tem o direito de não ver a orientação de seu desejo ser ridicularizada em programas de humor sem graça.  E de ocupar o espaço da TV para responder a esses ataques.

Toda criança tem o direito de brincar de bola e de boneca, independentemente do sexo biológico que possua.

Todo adolescente tem o direito de descobrir livremente a sua sexualidade; seus pais têm o dever correlato de apoiá-lo e de respeitar suas decisões, assim como suas dúvidas e medos.

Toda pessoa tem o direito de ter filhos, de unir-se civilmente a seu parceiro e de dividir o patrimônio comum.

Toda pessoa tem o direito de constituir "famílias" para além da decadente família patriarcal, machista burguesa.

Toda transexual tem o direito a ter documentos e um corpo compatíveis com sua identidade e gênero.

Todo travesti tem o direito de ser profissional do sexo, drag queen, manicure, clínico geral, soldado ou juiz de direito, e de ser respeitada em sua escolha.

Toda pessoa tem o direito de indagar por que alguns ainda insistem em encaixar as infinitas manifestações do desejo e do pensamento em fórmulas tão arbitrárias quanto vazias.

Toda pessoa tem o direito de buscar autonomamente sua identidade e de rejeit.ar as identidades que lhe são impostas.

Toda pessoa tem o direito de ser feliz.

Toda pessoa tem o direito de ser livre.  "Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta.  Que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda" (Cecilia Meireles, Romanceiro da Inconfidência).

Obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Vou chamar um outro companheiro que iniciou sua militância homossexual em 1986, e é membro do grupo Corsa desde 2001, onde ele coordena as ações e projetos voltados à área da saúde. E hoje é um dos principais articuladores das lutas em defesa dos direitos da população GLBTT em atividade no Brasil. Estou falando de Tommaso Besozzi. Chamo o Fernando Andrade para entregar ao Tommaso Besozzi a homenagem das entidades.

 

* * *

 

- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. TOMMASO BESOZZI - Boa-noite a todas e a todos. É para mim também uma grande honra receber esta homenagem hoje nesta Assembléia.

Há quase vinte anos atrás, criei coragem e peguei um ônibus para ir à reunião de um grupo homossexual que se chamava Coletivo de Iniciativa Gay, e estava nesse coletivo que era um ônibus elétrico, e ficava olhando para as pessoas, imagina que você pegou o parque Dom Pedro para ir a uma reunião na 25 de Março e fica imaginando quem será que está neste ônibus que está indo à mesma reunião? E será que as pessoas me vêem neste ônibus e pensam que estou indo à reunião de um grupo gay? Estava numa paranóia total. Estava com este medo, tão grande era o peso do estigma de ser gay. Tinha medo de ser gay. Tinha medo de reconhecer isto em mim.

Então acho que neste momento teria o medo, e cômodo  medo vem a coragem, porque a coragem que temos é proporcional ao medo que ela nos permite enfrentar. E quando estava olhando e pensando “será que alguém neste ônibus está indo à mesma reunião”, percebi que tinha um anseio muito grande de estar junto com outras pessoas. E isso para mim é uma parte muito importante do que é a militância. Militância significa se juntar com outros para conseguir aquilo pelo que estamos lutando, que no nosso caso é o direito a vivermos os nossos amores.

Uma outra história que lembro, quando comecei a participar mais ativamente da militância, um bispo de uma cidade vizinha que fez uma declaração, dizendo que os homossexuais são pessoas que se afogam na latrina que eles mesmos encheram. Aí organizamos um ato de repúdio contra esse bispo e esta declaração que ele tinha feito. No ato tinha lá um religioso, e eu mais duas ou três pessoas começamos a argumentar com esse cara sobre a homossexualidade, sobre porque estávamos fazendo aquele ato, porque estávamos lutando pelos nossos direitos.

E na minha ingenuidade achei que ele era o bispo. Então ficava falando para ele “sim porque bispo, o senhor precisa ver isso, precisa ver aquilo”, ficava chamando ele de bispo. E ele sorria quando chamava ele de bispo, porque ele não era o bispo. Eu estava tão envolvido nessa argumentação que não percebi. Depois que me toquei, pensei “nossa, como fui burro, como fui ingênuo, como dei um fora por chamá-lo de bispo”.

Acho que para mim essa é uma outra questão da militância que a gente não vai fazer faculdade de militância, a gente precisa improvisar, e vai aprendendo e vai pagando mico, e vai às vezes falando coisas que magoam outras pessoas. Enfim, tudo isso faz parte do que é a militância.

Aqui ao Brasil cheguei em 2001 e logo entrei no grupo Corsa. Quero agradecer e saudar os companheiros do Corsa, porque nada se faz sozinho, tudo se faz junto. No grupo Corsa conheci o Edmilson, que é hoje meu marido, e ele também, e o nosso amor é algo que é determinante porque tem sido para mim um outro elemento da militância, mesmo que seja um fato da vida pessoal.

Por fim quero agradecer publicamente ao Lula Ramirez pelo apoio que ele tem me dado, pela amizade, por tudo que ele tem ensinado, porque me considero filho de militância do Lula. Estou dizendo isso sinceramente.

Muito obrigado e boa-noite. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - A próxima homenagem é à Associação da Parada GLBT. A primeira manifestação do orgulho GLBT foi realizada em junho de 96. Reuniu pouco mais de duzentas pessoas, colocando definitivamente as cores do arco-íris sobre a cidade de São Paulo. A necessidade de uma melhor organização do evento fez nascer a Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. De lá para cá, milhões de cidadãos e cidadãs gays, lésbicas, travestis, bissexuais, transexuais, heterossexuais, pessoas de todas as cidades do Brasil e de várias partes do mundo, incorporaram o que é hoje a maior manifestação do gênero no mundo. Neste momento chamamos seu Presidente, Sr. Nelson Matias Pereira, para receber a homenagem de Fernando Quaresma, que também é parte dessa estória.

 

 * * *

 

- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. NELSON MATIAS PEREIRA - Boa-noite a todos e a todas, boa-noite à Mesa, quero pedir que os membros da associação fiquem de pé, porque quero dividir esta homenagem com vocês, porque somos um grupo, e com aqueles que ao longo dos dez anos estiveram presentes nas paradas anteriores também. Se não fôssemos nós este grupo não existiria. (Palmas.)

É com grande emoção e satisfação que nós da Associação recebemos da Assembléia Legislativa de São Paulo esta homenagem. Como presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, venho agradecer e tentar transmitir em palavras o significado de uma história da qual temos imenso orgulho.

Após 10 anos de luta e empenho, passamos de uma manifestação social de 2000 pessoas, realizada com uma perua Kombi, em 1997, para a maior manifestação pública desse país. Tudo isso construído com o trabalho de incontáveis voluntários que passaram pela Associação da Parada e continuam a empregar suas forças com o objetivo de produzir um evento que demonstre toda a riqueza e diversidade da comunidade GLBT, contribuindo na luta por cidadania e respeito à diferença em nossa sociedade. É inegável que essa história tenha refletido no movimento e comunidade GLBT por todo o país, como um exemplo que estimula a organização de Paradas das pequenas cidades do interior às grandes capitais, o que sempre foi incentivado e apoiado pela Associação da Parada, na esperança de ver o espírito de respeito à diversidade multiplicar-se país afora,

A Parada do Orgulho GLBT de São Paulo é um marco para os movimentos sociais no Brasil, provando que é possível fazer política, e política com ‘p’ maiúsculo, sem perder a irreverência e a espontaneidade. A Parada tomou-se, nessas 10 edições, a manifestação de maior visibilidade do movimento, levando as demandas da comunidade GLBT a público e reivindicando nossos direitos como cidadãos. A receita de fazer política dançando e celebrando o orgulho de ser quem somos, e como somos, possibilitou a construção de um espaço em que o valor principal é o respeito à diferença, um espaço onde caibam gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, heterossexuais e quem mais quiser se unir na construção de uma sociedade que valorize a diversidade como sua maior riqueza. Essa é uma das principais contribuições da Parada ao nosso sonho de democracia, ao nosso sonho de uma sociedade em que diferença não seja sinônimo de desigualdade,

Essa conquista é fruto da presença e da colaboração de cada um, por menor ou maior que seja, para a Parada de São Paulo, De quem segurou a bandeira do arco-íris na Parada de 1997, quando ainda não sabíamos se alguém compareceria ao chamado, até quem dançou embaixo da bandeira multicolorida na Parada de 2005. Essa conquista é de todos nós, da comunidade GLBT, e da sociedade como um todo, que tem seus horizontes alargados toda vez que saímos para as ruas afirmando nosso espaço como cidadãos.

É com essa trajetória às nossas costas que olhamos para o futuro. É de conhecimento de todos que a Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, na sua 10ª edição, tem enfrentado inúmeras dificuldades colocadas por setores dos poderes públicos para a sua realização. Neste ano, sofremos um sem número de restrições e impedimentos para a realização da Parada, tendo sido coagidos a assinar um Termo de Ajuste de Conduta que coloca a Associação da Parada em situação bastante delicada e a realização das próximas paradas em risco. E mais uma vez estamos vindo a público, por todos os canais possíveis, para dizer que somos um movimento social, com 2 milhões e meio de pessoas legitimando esse movimento, e que a Parada é uma conquista da comunidade e do movimento GLBT, que não pode ser tratada como um evento da prefeitura, seja de qual gestão for, ou de qualquer outro ator social externo ao movimento e à comunidade.

Os cidadãos GLBT precisamos de políticas públicas, de políticas que combatam o preconceito e a discriminação, e não do controle do Estado sobre o movimento. Essas investidas só demonstram o quão equivocada tem sido a sua atuação frente aos movimentos sociais - e falo não apenas do movimento GLBT, mas de todos os movimentos sociais aos quais o Estado tem se fechado ao diálogo, especialmente os que reivindicam o direito à cidade e à legítima ocupação de seus espaços públicos.

Encerro aqui, deixando o meu recado para os setores conservadores e homofóbicos. Apesar de vocês, amanhã há de ser um novo dia. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO – PT - Queremos prestar duas homenagens póstumas. A primeira delas é a Beto Oliveira, companheiro fundador do Partido dos Trabalhadores e lá fundador do grupo de Gays e Lésbicas. Nosso companheiro faleceu este ano, mas, com certeza, deixou uma história muito bonita. Quem teve o prazer de conviver e conhecer, dividir com ele momentos alegres e difíceis, sabe o quanto foi bom ter conhecido Beto Oliveira.

Convido o José Roberto, companheiro militante também do PT, para fazer o uso da palavra, e peço ao Josué que faça a entrega simbólica ao José Roberto, também, de uma homenagem que queremos que seja em nome de todos, ao companheiro e à história de Beto Oliveira.

 

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- É feita a entrega de homenagem.

 

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O SR. JOSÉ ROBERTO TORRES DE MIRANDA - Homenagem ao Beto de Oliveira.

Abaixo a indiferença! Viva a diferença!

"Quem diz o nome, chama". Beto de Oliveira! Desconhecemos o que nos prepara o Universo, porém temos entre nós alguém que é exemplo eterno para o raciocínio militante pela Justiça, pela igualdade de direitos e para que possamos viver numa sociedade mais digna onde os direitos sexuais sejam plenamente respeitados. Os Direitos Sexuais são Direitos Humanos Universais, tendo por base a cidadania plena.

Beto de Oliveira não atuava pedindo, ele exigia com seu jeito manso todos os direitos que lhe cabiam. Ele não suplicava para ser aceito. Era o que desejava ser, com determinação, altivez, consciência e muito respeito ao próximo. Como revolucionário ele sonhava e procurava atingir concretamente seus objetivos de uma sociedade mais justa, porém não deixava a indignação envenenar sua ternura para companheiros e companheiras. Tinha o perdão como um seu sentimento mais nobre e o acolhimento como sua ação mais firme.

Ele está aqui, presente no cotidiano da luta contra a homofobia, por condições mais dignas de vida para todas as lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Continua firme conosco em seu ideal e prática, lutando por um socialismo inclusivo, libertário. A visibilidade de seu comportamento incomoda a sociedade conservadora e heterosexista, mas ele não se dobra a quem quer que seja, sua honestidade singela, pura é o diferencial. Na militância afasta os oportunistas, os hipócritas e todos os que não tenham compromisso com a luta pela cidadania plena para todos. Junto com Willian Aguiar e outros funda o Núcleo de Homossexuais do Partido dos Trabalhadores, em 1992. Era tempo em que o movimento GLBTT estava desarticulado nacionalmente e isso foi enfrentado com coragem, apesar das dificuldades encontradas. A homofobia grassava e ainda grassa entre muitos militantes do PT, da esquerda e da sociedade em geral. Porém, a resolução de lutar pelos Direitos Humanos e em especial por Direitos Iguais à comunidade GLBTT foi o norte e a ação desempenhada com louvor por nosso companheiro Beto de Oliveira.

Nosso amigo encontra até rejeição entre alguns militantes homossexuais por utilizar-se o instrumento político-partidário. Eles acreditavam que poderia trazer malefícios ao movimento com isso. A história, porém, tem demonstrado que Beto e todos os que fundaram o Núcleo de Gays e Lésbicas do PT, hoje Setoriais GLBTT implantados em diversas cidades e estados do Brasil, nunca instrumentalizaram e deram limites ao movimento social que lhes é tão caro. No oposto, a ação com o Partido dos Trabalhadores impulsionou a rearticulação dos grupos de conscientização e emancipação homossexual em todo o país, contribuiu com a fundação da entidade nacional de lutas, a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros), com as políticas públicas inclusivas, como o Brasil Sem Homofobia e outras realizadas nos município e estados.

Beto Oliveira, eu lembro dele, de um ato com 50 pessoas, antes da 1ª Parada, como o Nelson lembrou, um ato em que nós lembramos, em 1994, o Dia do Orgulho Gay. Uma pequena salinha, onde estiveram presentes a Marta Suplicy e outras pessoas. Essa reunião foi o prelúdio para a primeira Parada, realizada em 1996, e hoje no Brasil são dezenas de manifestações, não só essa de São Paulo. São mais de uma centena de municípios, dezenas que transformam o movimento GLBTT no mais dinâmico, massivo e contundente resgate da cidadania na História do Brasil. Milhões de pessoas saem às ruas, praças e avenidas, exigindo a inclusão social para os homossexuais, incluindo pessoas de todas as origens e classes sociais. Beto Oliveira, sempre presente!

Agradeço, emocionado, prezado Sr. Presidente da sessão, Deputado Ítalo Cardoso, demais membros da Mesa, parlamentares, companheiros e companheiras. Não é só saudade que temos que ter do Beto. É ação, porque tenho certeza de que o Beto é um exemplo de militante e de militância. Obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - E agora a nossa última homenagem. Queremos homenagear Gisberta Gis, travesti brasileira que viveu em Portugal, e que foi seviciada sexualmente, espancada até a morte por um grupo de jovens, que a jogaram no fundo de um poço, na cidade do Porto. Sua morte, em fevereiro deste ano, provocou indignação e protesto de várias entidades de Direitos Humanos pelo mundo afora.

Chamamos Bianca Marrafe, para, em nome da família e da Gisberta, receber de Kimberly também uma homenagem e convidá-la para falar. Kimberly vai entregar também algumas flores à Bianca.

 

A SRA. ALCIONE CARVALHO - À nossa irmã querida, que se foi, prestamos esta homenagem.

 

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- É feita a homenagem.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Encerrando esta solenidade, gostaria de dizer que esta 3ª Sessão Solene não teria acontecido sem a participação efetiva da Frente Parlamentar, principalmente das entidades - Associação da Parada do Orgulho GLBT, Coordenadoria de Transgêneros da Parada do Orgulho GLBT, Coordenadoria de Lésbicas da Parada do Orgulho GLBT, Identidade e Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual, Grupo Prisma da USP, Grupo Corsa, Apeoesp, Setorial GLBTT do PT, Sindalesp, Coletivo de Feministas Lésbicas, União de Mulheres de São Paulo, Promotoras Legais Populares, Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, CUT Nacional, CUT São Paulo, Acastra, Gapa São Paulo, Fala Preta, Organização de Mulheres Negras, Centro de Justiça Global, Grupo Diversidade MoLeCa - Movimento de Lésbicas de Campinas, Sindicato de Artistas, Instituto Edson Neres, além dos militantes Fernando Andrade, Tommaso Besozzi, Lula Ramires, Márcio Dantas, Reinaldo Araldo, Murilo Sarno, Alexandre Peixe, Eduardo Sartarelo, Nelson Matias, Renato Baldini, Alessandra Saraiva, Adriana da Silva, Paulo Marianti, Ricardo Conte, Flávia de Iansã, Jacy Guarany, Douglas de Oyá, André Francisco, Janaina Lima, Bárbara Graner, Kika Medina, Yaskara Guelpa, Márcia Lima, Irina Bacci, Beto Sato, Rick Ferreira, Maria Estela Moreira Pires - a mana Beth Feijó, Vera César, assessoria do meu gabinete, e quero na pessoa de Luís Espanha, Maria Amélia Teles, Marisa Fernandes, Márcia Cabral, José Roberto Torres de Miranda, Josué Delfino, Rita Quadros, Marco Antonio Carlos, Marcos Freire, Vicente Ferreira, Luís Monte.

Nosso muito obrigado a todos, principalmente àqueles que voluntariamente nos ajudaram na decoração. Queria uma salva de palmas a todos esses militantes, a vocês.

Quero encerrar esta Sessão Solene, e, de minha parte, dizer da minha felicidade de ter podido estar à frente destas três sessões, uma vez que no ano que vem, de qualquer forma, estarei aqui, no plenário, não como Deputado estadual mais. Mas é muito importante este trabalho desta Frente, principalmente a presença da sociedade civil aqui, a presença das entidades. É o que dá força, é o que deu força para quebrar o preconceito, e é o que vai dar a força para ir adiante. Um abraço a todos. Agradeço a todos os funcionários da Alesp na pessoa da dona Yeda, que também pacientemente nos assessoraram, e deram toda a estrutura para realizar esta 3ª Sessão Solene.

Está encerrada a sessão. Um grande abraço.

 

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- Encerra-se a Sessão às 23 horas e 13 minutos.

 

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