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20 DE MAIO DE 2005

025ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO "ORGULHO GLBT - GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS”

 

Presidência: ÍTALO CARDOSO

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 20/05/2005 - Sessão 25ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: ÍTALO CARDOSO

 

COMEMORAR O "ORGULHO GLBT - GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS".

001 - ÍTALO CARDOSO

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia as autoridades presentes. Informa que esta sessão foi convocada pela Presidência efetiva, a pedido do Deputado ora na condução dos trabalhos, com a finalidade de comemorar o "Orgulho GLBT - Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais". Convida todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional.

 

002 - ALBERTO TURCO LOCO HIAR

Deputado Estadual, fala da importância de comemorar este dia na Assembléia Legislativa.

 

003 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Relata o trabalho desenvolvido nesta Casa pela Frente Parlamentar Estadual pela Livre Expressão Sexual, da qual é coordenador, que propõe medidas contra o preconceito e a discriminação sexual.

 

004 - SONINHA FRANCINE

Vereadora à Câmara Municipal de São Paulo, discorre sobre a necessidade de reconhecer alguns direitos fundamentais dos GLBTs.

 

005 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Enuncia os eventos que ocorrerão nas próximas semanas na programação da IX Parada do Orgulho GLBT.

 

006 - JOANA D'ARC COSTA ROMERO

Presidente do Grupo Rosa Vermelha de Ribeirão Preto, tece considerações sobre sua luta de 18 anos por liberdade, respeito e reconhecimento dos direitos como cidadãos, como a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo.

 

007 - REGINA FACCHINI

Coordenadora do Espaço B, lembra das demandas e de coisas importantes relativas a adolescentes, jovens e idosos em relação à questão dos GLBTs.

 

008 - SEBASTIÃO ALMEIDA

Deputado Estadual, parabeniza a iniciativa do Deputado Ítalo Cardoso em solicitar esta sessão solene, principalmente por sua persistência e mobilização.

 

009 - SUZY CRISTEL

Membro do Grupo Identidade e Ação pela Cidadania Homossexual de Campinas, lê carta com pedido de encontro com a Secretaria Estadual de Segurança do Estado de São Paulo para discutir o problema da violência contra os homossexuais.

 

010 - CARLOS CARDOSO

Promotor Especial de Direitos Humanos do Ministério Público, registra as atribuições do Ministério Público, como a defesa e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa.

 

011 - MARCO ANTONIO ZITO ALVARENGA

Presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB de São Paulo, fala sobre o caminho a ser tomado na legislação vigente para garantir os anseios da comunidade GLBT.

 

012 - LEÃO LOBO

Apresentador de TV, discorre sobre a discriminação que os homossexuais sofrem em todos os meios e a ameaças que já sofreu por causa de sua opção sexual.

 

013 - BETO DE JESUS

Secretário para a América Latina e Caribe do ILTGA, comenta sobre os direitos negados aos homossexuais e a necessidade de respeito como cidadãos.

 

014 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Presta homenagem a ativistas GLBT.

 

015 - MARISA FERNANDES

Agradece a homenagem e discorre sobre sua opção de vida feita há 26 anos atrás e sua luta em defesa dos GLBTs.

 

016 - ELISABETE MATTOS FEIJÓ

Agradece a homenagem a Regina Stela Moreira Pires que foi sua companheira durante 22 anos e lê a biografia da homenageada.

 

017 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Presta homenagem à compositora e cantora Laura Finocchiaro, que fez apresentação da música "Link". Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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- É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT -- Boa  noite. ! Esta Presidência quer anunciar a presença do Dr. Carlos Cardoso, Promotor Especial de Direitos Humanos do Ministério Público; do Dr. Marco Antônio Zito Alvarenga, Presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB/ São Paulo; do Sr. Celso Cury, Coordenador de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura da cidade de São Paulo; do Sr. Leão Lobo, apresentador de televisão.

Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, companheiros e companheiras, esta sSessão sSolene foi convocada pelo Presidente desta Casa, nobre Deputado Rodrigo Garcia, atendendo a solicitação deste Deputado, com a finalidade de comemorarmos o Dia do Orgulho GLBT.

Convido todos os presentes para, de de pé, ouvirem mos o Hino Nacional BBrasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob a regência do Maestro Segundo Tenente da PM, Antônio Ferreira de Menezes.

 

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- É feita  a execução do Hino Nacional Brasileiro.

 

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O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT - Esta Presidência agradece à Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo pela execução do Hino Nacional e anuncia as presenças do Deputado Estadual Alberto Turco Loco Hiar; do Dr. Aton Fon Filho, Diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; da Sra. Cláudia Wonder, Flor do Asfalto; da Sra. Eleonora Menicucci, da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Reprodutivos e Sexuais; da Sra. Sílvia, representando o Vereador da cidade de São Paulo, José Américo; do Sr. Joalve Vasconcelos dos Santos, Presidente do Sindalesp; da Dra. Aurea Abade, do Gapa, apa, Grupo de Apoio à Prevenção à Aidsids; da Sra. Hilda Fadiga, sócia- educadora da ONG Rede Mulher de Educação.

Esta Presidência concede a palavra ao nobre Deputado Alberto Turco Loco Hiar.

 

O SR. Alberto Turco Loco Hiar - PSDB -- Boa  noite a todos. ! Para mim, que pela primeira vez estou participando de uma sSessão sSolene com o objetivo de comemorar o Dia do Orgulho Gay na Assembléia Legislativa, é um motivo de muita alegria.

Em função disso, gostaria de parabenizar o Deputado Ítalo Cardoso pela coragem, determinação e vontade de transformar esse sonho de muitos em realidade. Aproveito para saudar as personalidades e autoridades que compõem a Mesa e todas as pessoas que estão na Assembléia.

Estava falando, há pouco, da importância de comemorarmos este dia na Assembléia Legislativa -  que seja, talvez, o segundo maior Parlamento da América Latina e, com certeza, o segundo do Brasil - e, com isso, cada vez mais, ganharmos o respeito das autoridades e mostrarmos para todos que o que queremos é ser mos respeitados e respeitar.

Sinto-me tranqüilo nesse sentido porque, quando vereador, sempre apresentei projetos com o objetivo de buscar o respeito entre as pessoas, para que as pessoas pudessem escolher a sua opção sexual. E como Deputado, também. Acho que todos têm, podem e querem o respeito nesse sentido. Esta Casa é um lugar apropriado para isso porque é uma Casa de Lleis. Parabéns a todos vocês!

Mais uma vez, parabenizo o Deputado Ítalo Cardoso, porque acompanho o seu trabalho em defesa dessa causa. Parabenizo, também o , diversas pessoas que vejo aqui presentes, como o Beto. Vejo a luta, a determinação e a coragem no sentido de ser respeitado e respeitar. Muito obrigado! (Palmas.)

 

O Sr. Presidente - Ítalo Cardoso - PT - Está também presente entre nós a Vereadora Soninha Francine, pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo. Seja bem-vinda.!

Esta sSessão sSolene, que realizamos pela segunda vez, é fruto do trabalho que vem sendo desenvolvido nesta Casa pela Frente Parlamentar Estadual pela Livre Expressão Sexual, que tenho orgulho de coordenar, e que também conta com a participação da Deputada Ana Martins, do PCdoB; do Deputado Nivaldo Santana, do PCdoB; da Deputada Beth Sahão, do PT; do Deputado José Zico Prado, do PT; do Deputado Fausto Figueira, do PT; da Deputada Maria Lúcia Prandi, do PT; do Deputado Mário Reali, do PT; do Deputado Renato Simões, do PT; do Deputado Roberto Felício, do PT; do Deputado Sebastião Almeida, do PT; do Deputado Sebastião Arcanjo, do PT e ; do Deputado Simão Pedro, do PT. Também assinou o manifesto de apoio à Frente o então Deputado Estadual e hoje Prefeito da cidade de Suzano, Marcelo Cândido.

Esta Ffrente tem uma vida nesta Casa que se reúne com constância. Não fosse a participação das entidades de militantes, que na cidade e no Estado de São Paulo fazem da sua luta cotidiana a luta por democracia, por respeito e pela livre manifestação, esta Comissão também não teria vida.

Fazem parte destsa Ffrente ainda, como parceiros, presentes nas reuniões - organizando, inclusive, esta bonita sessão da qual participamos -, a Amam -mam, Associação de Mulheres que Amam Mulheres;, o Coletivo Lésbico Feminista;, o Grupo Minas de Cor;, o Grupo Corsa, Grupo Identidade Ação Pela Cidadania Homossexual de Campinas, Associação Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, Comissão de Defesa e Integração da Homossexualidade na Cultura Afro-Brasileira, Comunidade de Oyá e de Ogum, Sindalesp, Apeoesp, Núcleo GLBTT do Partido dos Trabalhadores, Grupo Umas e Outras, Grupo Prisma DCE-USP, Grupo GLBT Ser Humano, Instituto Edson Neris, Promotoria Especial de Direitos Humanos do Ministério Público, Grupo E.L.E.S e Jovem e E-Sampa, Comissão de Negros e Assuntos Antidiscriminatórios da OAB-SP, União de Mulheres e Promotoras Legais Populares, Gapa-SP, Fala Preta Organização de Mulheres Negras, Defensoria Homossexual, Centro de Justiça Global, Grupo Gay da Bahia, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Grupos Disporias de Gênero, Sindicato dos Artistas de São Paulo.

Esta Presidência concede a palavra à Vereadora Soninha Francine, da Bancada do Partido dos Trabalhadores da Câmara Municipal da cidade de São Paulo.

 

A SRA. SONINHA FRANCINE - Boa noite a todos. Quero dizer que é um prazer estar aqui. Lembro quando o Deputado Ítalo Cardoso comemorou a primeira vez em que uma sessão como esta aconteceu nesta Casa. Realmente, temos muito que comemorar.

Acho bárbaro ver as notícias da Parada no site oficial da Prefeitura, que abordam vários prismas, vários aspectos com uma naturalidade muito desejável, falando sobre o orgulho de arrecadar, a campanha de arrecadação de alimentos.

É claro que estamos tratando aqui de questões muito específicas. Costumo observar que, mesmo quando os direitos são plenamente reconhecidos e garantidos, ainda temos muito a avançar nessas conquistas. Mesmo aqueles sobre os quais não há nenhuma controvérsia.

Imaginem que estamos falando aqui de pessoas que ainda precisam ter reconhecidos alguns direitos fundamentais. Falamos, por exemplo, do direito de namorar em público. Quando já temos os direitos reconhecidos, já é difícil garanti-los. Imaginem quando ainda estamos na batalha para que alguns direitos sejam reconhecidos pela sociedade! E depois ainda lutar pela sua garantia e plenitude. Como eu disse, ainda estamos batalhando por questões muito específicas, completamente anacrônicas, que não deveriam mais ser objetos de uma batalha, mas ainda são.

Eu acho ótimo que a gente fale cada vez mais em direitos humanos na sua plenitude, garantidos universalmente. Todos aqui, afinal, somos humanos, com toda a diversidade. Parabéns a vocês pelas conquistas, a todos os envolvidos nessa batalha, seja qual for a letra do alfabeto com a qual nos identificamos. Muito obrigada.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Queremos registrar a presença do Babalorixá Flávio de Yansan, da Associação Cultural Religiosa e Beneficente Comunidade de Oyá de Ogum.

Nós entendemos que esta atividade é também comemorativa do evento que já se desenvolve na cidade de São Paulo há nove anos. Este ano estamos partindo para a IX Parada do Orgulho Gay na nossa cidade que, se já não se tornou a maior do mundo, está prestes a se tornar. Isso é motivo de orgulho.

Todo ano, além do dia da parada ocorre uma série de programações. Por isso reivindicamos que este evento também seja parte dessa série de atividades. Na programação da IX Parada do Orgulho GLBTT teremos várias atividades como, por exemplo, no dia 26 de maio, a Feira Cultural na Vieira, no Largo do Arouche, na Rua Vieira de Carvalho, onde entidades, movimentos GLBTT montam suas barracas, vendendo livros, camisetas, botons. No dia 26 de maio haverá também a entrega do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade na casa de espetáculos Tom Brasil, a partir das 23 horas.

No dia 29 teremos a Parada que, segundo expectativas, passará de dois milhões de pessoas. Haverá um ciclo de debates e esses debates serão realizados no Espaço de Cidadania André Franco Montoro no Pátio do Colégio. No dia 30 de maio, das 18 às 22 horas, teremos Políticas para GLBTT em Tempos de Fundamentalismo; dia 31, também às 18 horas, Direitos Sexuais Reprodutivos para Lésbicas; dia 1o de junho, às 18 horas, Masculinidades Homossexuais; no dia 2 de junho, às 18 horas, Travestis e Transexuais, Demandas Relativas à Identidade de Gênero; no dia 3 de junho, Bissexualidades, Demandas e Sujeito Político; dia 4 de junho, às 14 horas, Políticas para a Juventude e Diversidade Sexual. Essas atividades ocorrerão durante todo o mês de junho.

Esta Presidência passa a palavra à Sra. Joana D´Arc Costa Romero, Presidente do Grupo Rosa Vermelha de Ribeirão Preto, Dra., mãe de quatro filhos, que representa a luta da mãe lésbica pela guarda dos filhos e pela adoção da parceira civil registrada.

Além de fundadora e presidente do Grupo Rosa Vermelha, é também diretora do GAPA-RP e organizadora da primeira Parada do Orgulho GLBTT de Ribeirão Preto, que será realizada no dia 19 de junho.

 

A SRA. JOANA D´ARC COSTA ROMERO - Boa noite a todos. Sr. Presidente, demais autoridades, é muito lindo olhar aqui de cima e ver essa bandeira. Como disse a vereadora, estamos aqui nesta Casa de Leis que vejo mais como um templo da democracia. Para mim, isso é muito grande e muito importante. Vindo para cá estava refletindo sobre a homenagem, nesta Casa, ao Orgulho GLBTT.

O que esse orgulho representa na minha vida? Ele se refere a uma luta de 18 anos. Uma luta pela liberdade na sua mais profunda essência, a liberdade de ir e vir com direito de expressar plenamente minha sexualidade, minhas idéias. Uma luta pelo direito de ser reconhecida como cidadã comum, com plena capacidade física e mental, de responder pela própria vida e com total autonomia de exercer meus papéis de mulher, companheira, mãe e profissional.

Realmente, tenho muito do que me orgulhar, porém, reivindico ainda o momento em que nossos representantes do Poder Público manifestem o devido respeito e o reconhecimento aos nossos direitos de cidadãos que cumprem seus deveres como quaisquer outros. Um desses direitos se refere à união civil entre duas pessoas do mesmo sexo.

O preâmbulo da Constituição Federal nos assegura o exercício da liberdade, bem-estar e igualdade, como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Reafirma ainda, em seu Art. 5o, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo invioláveis a liberdade, a igualdade, a vida privada, a intimidade e a honra.

Não existe na Constituição Federal a proibição expressa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sendo assim, não se pode admitir a interpretação restritiva aos artigos da Constituição Federal e do Código Civil, que se referem ao casamento e à união estável utilizando-se apenas dos termos “homem” e “mulher”. Tal interpretação não é técnica e encerra discriminação e preconceito. E despreza os direitos capitulados na Constituição Federal. Direitos que, em parte, são garantidos no Projeto de lei da união civil, proposta há dez anos longos anos, que não foi sequer contemplado na pauta de votações do Congresso Nacional. No Brasil, qualquer cidadão não homossexual que tenha completado 18 anos tem o direito de se casar, o que lhe garante e ao seu cônjuge vários outros direitos.

Nesse mês em que a minha luta e o movimento completam a sua maioridade, tenho a grata felicidade de estar dizendo aos senhores que Ribeirão Preto e o Grupo Rosa Vermelha em parceria com o Grupo Corsa, com o Grupo Identidade, Joana D’Arc, GLS da Zona Leste, compomos seis núcleos de uma rede de casais gays.

Neste momento, lembro da ansiedade de eu poder exercer o direito de cidadania. Então, agora, conclamo a minha reivindicação de que os nossos direitos de união civil sejam reconhecidos e legitimados, garantindo o lugar que nos é devido nessa sociedade. Portanto, direitos iguais, nem mais e nem menos, à união civil, já! (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Agradeço as palavras, Joana D’ Arc.

Queremos anunciar a presença aqui, entre nós, do Deputado estadual, da Bancada do Partido dos Trabalhadores, Sebastião Almeida; da Associação ABCDS - Ação Brotar pela Cidadania e Diversidades Social - de Santo André, Grande São Paulo, ABC paulista; do jornalista André Fischer.

Também quero informar sobre a caminhada lésbica, que sai da Avenida Paulista, no dia 28 de maio.

Concedo a palavra a Sra. Regina Facchini, antropóloga, pesquisadora e escritora, coordenadora do Espaço B, que discute a bissexualidade na Associação da Parada do Orgulho GLBTT. (Palmas.)

 

A SRA. REGINA FACCHINI - Boa noite a todos e a todas, é um prazer muito grande estar aqui falando para vocês nesta Sessão Solene. Venho aqui lembrar de demandas e de coisas importantes relativas a adolescentes, jovens e idosos em relação à questão do GLBTTs. Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a ler:

Nesta sessão solene é importante nos lembrarmos que a existência dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais está atravessada o tempo todo por outras marcas sociais, aquelas que dizem respeito a classe, gênero, raça, idade, entre outras. Minha fala se concentrará na intersecção entre a orientação sexual ou a identidade de gênero e a questão geracional. Para iniciar, gostaria de trazer duas falas. A primeira de um documento preparado por jovens ativistas por ocasião da celebração do mês do orgulho deste ano. A segunda de um velho ativista, num e-mail pessoal recebido há alguns meses.

"Descoberta, rejeição, medo. Esses são alguns dos sentimentos presentes quando descobrimos que temos algo diferente em relação aos outros. Angústia, depressão, tristeza. Os primeiros passos nunca são fáceis, até quando percebemos que não estamos sozinhos, até o momento que nos deparamos com milhares e milhares de iguais a nós aqui na Avenida Paulista, quando entramos na internet, quando vamos a uma boate e encontramos amigos que nos entendem."

"... me lembrei de uma outra solidão - aquela solidão que te invade quando você não mais se vê refletido nas vitrines da cidade, quando as pedras das calçadas são estranhas a teus pés, quando cada prédio, cada praça, cada canto, cada rua já não contam mais a tua estória. Daquela solidão que te acode ao visitar um shopping, vendo o reflexo de todos e não vendo ninguém, daquela solidão da multidão solitária. Daquela solidão filha da consciência, da recordação e da memória."

Para pensar as questões colocadas por estas duas falas, enquanto movimento social e pessoas sensíveis às lutas de GLBTTs, temos que trabalhar com dois eixos distintos e interligados. O primeiro deles diz respeito às diferentes gerações e às imagens associadas a esses períodos da vida na nossa cultura. O segundo aspecto diz respeito à questão geracional conjugada a uma orientação sexual, ou uma identidade de gênero específica. Quais seriam então os resultados decorrentes de ser GLBTT e idoso ou jovem na nossa sociedade, e que demandas viriam destas situações?

O movimento de jovens GLBTTs têm denunciado exaustivamente o adultocentrismo da nossa sociedade. É como se estivéssemos absorvidos por imagens utilitaristas: importamos socialmente na medida em que produzimos trabalho e riqueza, na medida em que não somos dependentes de outros para satisfazer nossas necessidades. Os mais velhos, por outro lado, queixam-se de uma sociedade hedonista, pautada na beleza e na juventude, sobretudo quando se pensa no universo dos gays e das travestis. Pesquisas têm mostrado, por um lado, um aumento na expectativa de vida, o que significa um aumento da população mais velha, ao mesmo tempo em que também aumenta o tempo para que um adolescente ou jovem consiga se inserir economicamente e obter independência financeira. Quando pensamos no entrecruzamento entre o adultocentrismo, na valorização hedonista da juventude e no crescimento da população mais velha e, também, da mais jovem economicamente dependente, temos que pensar em termos populacionais, e portanto de políticas e legislação, no que nos trazem os depoimentos que utilizei para abrir esta fala. Na solidão, no isolamento e no desamparo que muitas vezes marcam a vida de GLBTTs jovens e idosos. Temos que pensar também em abrir nossa percepção e em adequar nossas linguagens para as necessidades específicas destes segmentos. Temos que pensar nos constrangimentos colocados para pessoas que tanto sexualmente quanto em termos geracionais não estão situados numa posição privilegiada na nossa sociedade. Temos que aprender, mais uma vez, a enxergar a diversidade dentro da diversidade e a construir cidadania a partir disso.

O grande desafio, a partir de realidades tão diversas, seria encontrar um equilíbrio entre oferecermos apoio aos GLBTTs que, por variados motivos, encontram-se socialmente vulneráveis, buscando, enquanto movimento social, saídas que os possibilitem viver estes períodos da vida com dignidade e segurança, e ao mesmo tempo abrir espaço para um conjunto de representações sobre a velhice que sejam mais positivas, marcando esse período como cheio de descobertas e prazeres e sobre a juventude, que não se apóie diretamente em concepções hedonistas, que enxerguem o jovem como ser humano e não meramente como frescor e beleza. Assim, temos uma coisa a fazer pela frente por esses segmentos. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Sessão Solene é também para parabenizar o Grupo Moleca - Movimento de Lésbicas de Campinas -, que está completando cinco anos de existência! (Palmas.)

Ontem, foi também o aniversário de sete anos do Grupo Identidade Ação pela Identidade Homossexual, de Campinas. É um grupo mais velho, mas que estão muito firmes na luta. Parabéns! (Palmas.)

Concedo a palavra ao nobre Deputado Sebastião Almeida. (Palmas).

 

O SR. SEBASTIÃO ALMEIDA - PT - Muito boa noite a todos e a todas. Quero cumprimentar o nobre Deputado Italo Cardoso, primeiro, pela persistência, pela insistência e pela coragem que teve de enfrentar o preconceito de muitos engravatados desta Casa. (Palmas.)

Quero dizer que tudo isso só está acontecendo exatamente pela força de vontade e pela mobilização que o Deputado Italo conseguiu fazer aqui dentro. A política e o político devem governar para todos e não apenas dizer “Esse público eu não quero.”

Infelizmente, este é o país de Severinos que vamos ter de modificar na luta, na prática, no movimento. É dessa forma que vocês se organizaram e estão levando a sua mensagem a todos os cantos deste país.

Este país que, diga-se de passagem, tem muitos problemas, problemas de violência, problema de ausência dos direitos das pessoas poderem freqüentar escolas boas, de se alimentarem bem, de morarem bem. Este é o país que tem tantos problemas dessa natureza, mas o maior problema que precisamos enfrentar é o problema do preconceito. Esse é o mais triste de todos: o da violência e nós não podemos nos calar.

Nesse sentido, quero dar os parabéns para todos vocês que estão aqui nesta noite fazendo e escrevendo mais um passo dessa história: história que vocês estão construindo na luta, no dia-a-dia e, acima de tudo, num país que tem tanta coisa para se preocupar. Estamos num país onde tem gente ainda que se preocupa com o direito das pessoas se amarem. Tomara que os problemas do nosso país um dia seja apenas o direito de amar. E como diz a música, qualquer maneira de amar vale à pena. Parabéns a vocês. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Presidência anuncia a presença do nosso parceiro, companheiro Alípio Freire, roteirista e jornalista.

Já que o Deputado Sebastião Almeida falou do esforço para que acontecesse, temos então mais nomes para anunciar. Quero antes ressaltar que todos se lembram das dificuldades que tivemos no ano passado para realizar a nossa primeira sessão solene. Sugeriram fazer atos, qualquer coisa que não fosse uma sessão solene nesta Casa, com todos os direitos regimentais que esta Casa pode fazer e que faz para vários segmentos. O presidente de então sequer assinou o convite. Este ano, o Presidente Rodrigo Garcia não só assumiu fazer a defesa no Colégio de Líderes como confeccionou o convite, numa demonstração clara deste jovem Deputado de que vai tentar fazer esta Casa ficar mais aberta à sociedade. Temos de registrar isso como fato importante.

Queremos também registrar e agradecer o empenho da companheira Mana, Maria Estela Moreira Pires; da Bete Feijó e meninas da Associação de Mulheres que Amam Mulheres e de todos os voluntários responsáveis pela bela decoração que temos aqui hoje.

Queremos agradecer também o Sr. Ricardo Tiago Conte; a Sra. Patrícia; o Babalorixá Flávio de Yansan, da Comunidade Oyá e de Ogum, da Comissão de Defesa de Integração da Homossexualidade da Cultura Afro-brasileira; o Tomaso Bersosi, do Grupo Corsa; o Reinaldo Aroldo, do Sindalesp, do Grupo de Negros e Políticas Públicas da Assembléia Legislativa; o Sr. Nelson Matias; o Sr. Reinaldo Damião; o Sr. Renato Baldin; a Sra. Cláudia Regina; o Sr. Fernando Quaresma; o Sr. Eduardo Santarelo, da Associação Parada de Orgulho, GLBTT; a Sra. Paula Gindre Paes, funcionária da Alesp; o Sr. Paulo Mariano, do Grupo de Identidade pela Ação Cidadania Homossexual e Assessor do Deputado Sebastião Arcanjo; a Sra. Valeska e o Sr. Marco Antonio, do Gabinete do Deputado Sebastião Almeida; a Sra. Jacy, a Sra. Guaracy e a Sra. Françoise, do Gabinete da Deputada Maria Lúcia Prandi; o Sr. Valmir, do Gabinete do Deputado Roberto Felício; o Sr. Marcos Freire, do setorial do GLBTT, do PT; a minha assessoria na pessoa de Luiz Hespanha. Estas pessoas foram responsáveis por este ato bonito e democrático que realizamos aqui hoje. (Palmas.)

Quero registrar também uma carta de saudação da Vereadora Heleni de Paiva, da Câmara Municipal de Santo André, felicitando pela sessão solene e justificando a sua ausência.

Chamo agora para fazer uso da palavra a Sra. Suzy Cristel, Coordenadora de Travestis e Transexuais pela Cidadania do Grupo Identidade e Ação pela Cidadania Homossexual de Campinas, que também integra o Conseg daquele município.

 

A SRA. SUZY CRISTEL - Boa noite a todos e a todas. Quero agradecer pelo convite, em primeiro lugar. Chamaram-me para falar de um tema sobre o qual eu, minhas amigas e todos nós presentes sofremos muito: a violência. Aproveitando já este momento, quero ler uma carta onde estamos pedindo o encontro com a Secretaria Estadual de Segurança do Estado de São Paulo:

“Nós, ativistas, representantes da Comunidade GLBTTs do Estado de São Paulo, na defesa das políticas de promoção da atividade sexual, a exemplo do Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra os GLBTTs e promoção da cidadania homossexual, Brasil sem homofobia, lançado em maio de 2004, vimos, através da presente, denunciar atos discriminatórios praticados por policiais militares e civis do Estado de São Paulo contra essa população: seres historicamente marginalizados e discriminados pela sociedade. Principalmente as travestis e transexuais que se prostituem têm sido alvo de abordagens constrangedoras, desrespeitosas e humilhantes, sendo vítimas preferenciais de xingamentos e torturas psicológicas por parte de policiais."

Em reunião realizada na Sociedade Amigos de Bairro do Bosque, em Campinas, em 5 de março, o Comandante da 2ª Companhia da Polícia Militar, Tenente Hélio Rossi Jr., declarou, entre outras pérolas, que a sua função é manter a ordem e que seus comandados têm a instrução de abordar os marginais - seríamos nós, travestis - dentro das normas, o que quer dizer dentro dos preceitos de tolerância zero.

Em reunião do Fórum Estadual de Profissionais do Sexo, em 21 de março, foram relatadas várias formas de violência física e psicológica praticadas contra mulheres e as travestis profissionais do sexo, tanto na Capital quanto em outras cidades. Segundo relatos, o centro da cidade de São Paulo está passando por um processo de limpeza, sendo que os pontos tradicionais de prostituição, Parque Dom Pedro, Jóquei Clube e região central mais conhecida com “cracolândia”, foram esvaziadas e as profissionais do sexo que ali atuavam foram retiradas.

Levando-se em conta as dinâmicas silenciosas e cotidianas que englobam humilhações, ofensas, extorsões praticadas contra os profissionais do sexo e a grande dificuldade que esses sujeitos possuem de ser ouvidos, a esmagadora maioria das vítimas dessas violências não encontra respaldo nas delegacias locais onde deveriam recorrer para realizar denúncia sobre esses atos violentos. E mesmo quando uma profissional de sexo se dispõe a ir até uma delegacia, é novamente humilhada, como relatou uma travesti que não conseguiu efetuar o Boletim de Ocorrência numa madrugada - era só o que faltava: nós, cidadãs, não podermos exercer nossos direitos.

Quero entregar esta carta nas mãos do Deputado Ítalo Cardoso, lembrando que a profissão dos policiais não é a de fazer limpeza. Para a limpeza, a Prefeitura dispõe dos garis. Em Campinas eles estão fechando ruas para que as travestis não possam trabalhar. Este também não é serviço deles, mas de pessoas que atuam nessa função. O dever da polícia é o de proteger os cidadãos, englobando todos nós, travestis, gays, lésbicas, homossexuais, bissexuais. Eles precisam respeitar os nossos direitos.

Falamos em orgulho. Eu vou me sentir orgulhosa quando eu sair de uma parada e poder ir para o meu local de trabalho trabalhar em paz, entrar e sair de qualquer lugar sem ser agredida com olhares ou ofensas verbais. Isso para mim é orgulho de poder exercer o meu direito de cidadã, de poder entrar e sair em qualquer lugar sem ser abordada ou agredida. Esse será o meu momento de orgulho, quando puder ter os meus direitos de cidadã, quando puder entrar e sair de qualquer lugar como qualquer outra pessoa. Somos seres humanos e exercemos o nosso direito de cidadã. Obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Quero anunciar também o telegrama do Vereador Paulo Furilo, que além de parabenizar pela atividade, justifica sua ausência e deseja pleno êxito. Anuncio a presença da Sra. Marieta Judith, da Comissão Municipal de Direitos Humanos, representando neste ato o Dr. José Gregori. Queria agora convidar a fazer uso da palavra esse que tem sido um parceiro de todas as atividades, quando o movimento o procura para fazer denúncias, que é o Promotor Especial de Direitos Humanos do Ministério Público, Dr. Carlos Cardoso. (Palmas.)

 

O SR. CARLOS CARDOSO - Boa noite a todos. Não posso deixar de aproveitar a oportunidade para parabenizar o nobre Deputado Ítalo Cardoso pela sua condução à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. O nobre Deputado Ítalo Cardoso foi presidente de comissão idêntica na Câmara Municipal, quando vereador, realizando um trabalho pioneiro e bastante profícuo à frente da Câmara Municipal. Tenho certeza de que essa circunstância o credencia para desempenhar papel ainda melhor à frente da Comissão de Direitos Humanos, na seqüência do trabalho igualmente elogiável desempenhado pelo nobre Deputado Renato Simões. Quero saudar também os companheiros de Mesa na figura do Deputado.

Devo registrar que o Ministério Público de São Paulo, que nesta oportunidade represento, tem entre suas atribuições a tarefa de fazer a defesa do regime democrático. Essa atribuição, explicitada com estas palavras na Constituição do País, confere ao Ministério Público um papel muito importante no contexto das instituições políticas brasileiras. Confere ao Ministério Público a possibilidade de, perante o Poder Judiciário, propor ações que contemplem a defesa e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana nas suas mais diversas vertentes.

Isso transforma e vem transformando o Ministério Público, gradativamente, numa trincheira da cidadania, num agente privilegiado da promoção e defesa dos direitos constitucionais do cidadão. Quando examinamos o texto escrito da nossa Constituição ficamos com a impressão de que a nossa Constituição está seguramente entre as mais modernas e avançadas das constituições dos estados tidos como democráticos e civilizados no mundo.

Entretanto, é igualmente verdadeiro o fato de que há uma grande distância, uma discrepância entre o que está contemplado na Constituição e o que observamos na vida cotidiana de 170 milhões de brasileiros. Reside aí, portanto, o grande desafio que está colocado a todos aqueles que têm algum tipo de compromisso de transformar democraticamente as estruturas econômicas, sociais e políticas do Brasil, na perspectiva de assegurar a plenitude dos direitos consagrados na nossa Constituição a todos os brasileiros e brasileiras indistintamente.

Dentro do contexto dessa luta, a luta pela garantia do respeito aos direitos constitucionais assegurados à comunidade homossexual no Brasil adquire uma particular coloração, na medida em que essa luta vem sendo historicamente postergada mesmo por aqueles que se destacaram na luta pelas liberdades democráticas que, quando alçam ao poder, relegam para segundo plano essa questão fundamental para milhões de brasileiros e brasileiras.

Por isso um evento como este está repleto de significado, pois ele expressa a aspiração de milhões de brasileiros e brasileiras que, numa sociedade heterogênea e complexa como a nossa, não podem conviver com a exclusão de alguns, principalmente quando essa exclusão é patrocinada com base na discriminação daqueles que fizeram opções de orientação sexual que não se conforma aos padrões daqueles que nos governam.

Essa luta, portanto, é uma luta do Ministério Público, é uma luta institucional da instituição que represento. E nós, a despeito das nossas dificuldades, limitações e deficiências, queremos mais uma vez e publicamente proclamar nosso compromisso de parceira nessa luta com todos vocês.

Vejo aqui hoje uma sala multicolorida. Penso que a multiplicidade dessas cores reflete a multiplicidade das aspirações da humanidade, que convive com a multiplicidade de caminhos pelos quais ela pode e deve alcançar a felicidade. Que sejamos todos felizes numa sociedade democrática, pluralista e humana. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Concedo a palavra agora ao Dr. Marco Antônio Zito Alvarenga, presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB de São Paulo. (Palmas.)

 

O SR. MARCO ANTÔNIO ZITO ALVARENGA - Boa noite a todos e a todas. Nobre Deputado, trago a homenagem e a saudação do nosso presidente Luiz Flávio Borges D’Urso, que atribuiu a nossa Comissão a tarefa de diminuir o espaço existente entre os anseios da nossa sociedade e a prática da defesa dos direitos e das garantias individuais.

Com isso, qual o caminho a ser tomado? O caminho a ser tomado é aquele que busca na legislação vigente a proteção dos anseios e dos desejos que hoje a nossa comunidade tem, o reconhecimento expresso das parcerias para que os direitos à sucessão, à possibilidade de adoção, não só em caráter individual, mas do casal, sejam previstos na legislação vigente. É bem verdade que as barreiras são significativas, porém, só o grito e a manifestação dessa vontade do exercício da cidadania poderão romper essa situação.

No início dos nossos trabalhos muitos diziam que a atual gestão da Ordem dos Advogados teria um posicionamento conservador e que, com isso, estaria distante dos direitos hoje objeto desta Sessão Solene. Não, senhores, muito pelo contrário. A Ordem dos Advogados é parceira nessa luta no sentido de ver protegida essa situação que hoje não encontra respaldo na legislação vigente.

Para tanto criamos um grupo de trabalho com coordenação de pessoas com conhecimento para fazer propostas ao Legislativo.Estamos realizando eventos, trazendo procuradores da república, membros do Ministério Público Estadual, magistrados para que, em contato direto com a sociedade, se sensibilizem diante dessa situação. Não há outra forma de alcançarmos a meta de igualdade para todos. Esta luta de hoje não é uma luta só dos senhores. É uma luta da sociedade brasileira em busca da plenitude dos direitos.

Por isso coloco a Casa do Direito, a Ordem dos Advogados do Brasil, à disposição de todos para discutirmos este tema e trilharmos um caminho conjunto em busca de um mundo melhor. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Tem a palavra o apresentador de TV Leão Lobo. (Palmas.)

 

O SR. LEÃO LOBO - Em primeiro lugar, preciso dizer que estou aqui, claro, em nome da nossa luta, mas principalmente por causa desse homem, Ítalo Cardoso, porque, desde o primeiro momento em que tive contato com ele, percebi que levava nossa luta a sério. E aí fui seguindo todos os seus passos, fui percebendo cada vez mais que ele era um homem sério porque é muito difícil acreditarmos em político, e às vezes nos decepcionamos.

Outro dia, num programa de televisão, me perguntaram se eu me lembrava em quem havia votado para Deputado. Disse que lembrava e que tinha muito orgulho. Não precisei nem dizer o nome. Temos que exercitar nossa cidadania o tempo todo. Temos que votar sabendo por que estamos votando. E isso nós temos que falar o tempo todo.

Então, hoje estou aqui como cidadão, principalmente, mas também como comunicador. A Soninha, que é vereadora, mas também uma comunicadora, sabe que parece que a nossa profissão é muito aberta, que tudo é muito fácil na televisão ou no rádio, que podemos falar tudo, mas sabemos também que temos muitas limitações.

E é sobre isso que queria pensar um pouco com vocês, quer dizer, precisamos estar muito atentos com um Severino que existe aí - e já foi falado aqui - e a tudo o que está acontecendo neste país. Podemos involuir 50 anos, se bobearmos. Temos que estar atentos a cada detalhe, a cada momento, a cada notícia que se dá, e estarmos mobilizados, mesmo, quer dizer, estou vendo que aqui há vários grupos organizados e mais do que nunca temos que estar organizados e mobilizados para podermos lutar contra e fazer mesmo um movimento porque acho que esta é a hora. Parece que é um desaforo com o Governo Lula, que é um acinte terem colocado o Severino como Presidente da Câmara. Mas, na verdade, é um desrespeito, não com o Governo Lula, mas com o brasileiro, com a população brasileira, e principalmente conosco, particularizando a nossa luta. (Palmas.)

Está na hora de nos mobilizarmos, de cobrarmos não só isso, mas questionar o andamento do Fome Zero. Depende muito da gente, quer dizer, o que está acontecendo? Onde está o dinheiro da guitarra do Lenny Kravitz? Para onde foi, o que está sendo feito? Nos acomodamos demais. E na nossa questão, especificamente, temos que cobrar, e cobrar o tempo todo. Essa questão do beijo da novela, que é exatamente da minha profissão, parece uma bobagem mas é uma questão que se coloca. Então vamos aproveitar essa questão e batalhar por ela. Quem é esse homem para dizer se pode ou não beijar na novela? Tudo bem, é o Presidente da Câmara, mas ele pode definir isso? E a população, não tem que ser consultada? Vamos então nos movimentar neste sentido.

Mas também há o outro lado da questão. Há um casal gay na novela. Depois há um outro. Aí é a moça lésbica com a outra moça. Uma vez morrem queimadas; da outra vez dão beijinho, depois da outra vez é o rapaz que dá o beijinho. Será que isso é andar para a frente? Será que é isso que representa o nosso dia-a-dia, quer dizer, o que somos de verdade? Essa coisa glamourizada que a TV Globo apresenta, será que é isso que queremos como representação da nossa realidade? São dois opostos aí aos quais temos que lutar contra, na verdade, tanto a coisa da repressão total, que esse homem significa, quanto essa coisa glamourizada da TV Globo. Temos que estar atentos e fortes para as duas coisas.

E tem mais uma coisa que gostaria de conversar com vocês, que, na verdade, é uma denúncia, que, aliás, eu já deveria ter feito, mas bobeei. Fiquei tão assustado na hora que acabei deixando de falar no momento certo, um aviso que gostaria de fazer para os organizadores da parada.

Na parada do ano passado, estava em cima de um dos carros e vi embaixo um grupo que me fez um aceno. E, na alegria toda da parada, joguei um beijo para os rapazes. Eles mostraram a arma, que eram carecas, e que tinham aquele símbolo nazista embaixo da roupa. E já é a segunda vez que eles fazem isso. Uma vez eu estava num bar com uns amigos, eles foram lá e fizeram a mesma coisa e disseram que eu era jurado de morte por eles porque tinha feito um manifesto junto com a Marta Suplicy, com o Eduardo e com a Elke Maravilha quando mataram o professor Edson na Praça da República.

Não é por mim que estou falando, mas pelo movimento em si. Quer dizer, é um desrespeito ao nosso movimento e um perigo porque, com dois milhões de pessoas na Paulista e na Consolação, essas pessoas estarem armadas ... É para a segurança da parada que estou falando isso. É preciso que a segurança fique muito alerta. Tive que sair com seis seguranças, morrendo de medo. Eles me viram passar com seguranças, mas deixaram claro que estavam me marcando. Não quis falar isso na televisão porque daria a esse grupo pequenininho muita importância. Estou falando aqui, porque aqui somos nós. Acho importante que fiquemos alertas para isso.

Quero também recomendar o programa que a Laura está fazendo, “Um Olhar”, que é bárbaro, que passa no Canal Comunitário, todos os sábados, à meia-noite e meia. É um programa muito interessante que discute todas essas nossas questões, mas de um jeito maduro, bacana, inteligente, com muita seriedade. Muito obrigado (Palmas.) e dois milhões e meio lá domingo. Ítalo, obrigado sempre.

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Obrigado, Leão.

E, para encerrar a nossa série de falas, convido para fazer uso da palavra Beto de Jesus, educador, secretário para América Latina e Caribe da ILTGA, diretor da ABGLT, região sudeste, membro do Instituto Edson Neris. (Palmas.)

 

O SR. BETO DE JESUS - Boa noite a todos. Gostaria de cumprimentar o Deputado Ítalo, dizendo da sua coragem durante todos esses anos quando já era vereador à Câmara de São Paulo, com uma sensibilidade extremada para todas as questões de violência que levávamos até Vossa Excelência.

Este espaço de Sessão Solene também é de militância. Como o Dr. Zito falou, a OAB está completamente aberta a todos nós. Gostaria de solicitar ao Dr. Zito que pedisse à OAB nacional retirar aquele parecer negativo de inconstitucionalidade em relação à parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. (Palmas.) Temos parceiros e parceiras na OAB e esse parecer, na época do projeto da Marta, foi bastante decisivo para que os Deputados tivessem, em Brasília, uma postura bastante retrógrada em relação a esse projeto, que para nós é emblemático, porque nos garante direitos e nos equipara aos cidadãos heterossexuais.

No dia 6 de fevereiro de 2000, o Edson Neris estava andando com seu namorado na Praça da República quando deu de cara com um grupo de “skinheads”. Foi morto a chutes, a pontapés, uma forma extremamente violenta.

Vivemos numa sociedade em que manifestar e demonstrar afeto, desde que não seja heteronormativo, significa correr riscos. Vivemos numa sociedade em que a regra é a heteronormatividade, ou seja, se você não é heterossexual, se você não tem um comportamento heterossexual, você está fora dessa sociedade.

São 37 direitos negados a nós, homossexuais, transexuais e travestis, pelo fato de termos uma orientação sexual diferente da do heterossexual por termos identidade de gêneros diferenciada. Pagamos os nossos impostos, cumprimos com as nossas obrigações de cidadão, de eleitor, somos pais, mães, filhos, família, e nos é negado uma série de direitos, porque a nossa sociedade é baseada na heteronormatividade. E quando penso numa sociedade baseada na heteronormatividade, não é que todos os heterossexuais pensam essa sociedade. Essa sociedade é pensada pelo homem e pelo homem branco, porque as mulheres estão fora, os negros estão fora, as crianças estão fora, os velhos estão fora. (Palmas.) Se não somos brancos e heterossexuais estamos fora e estamos aqui para denunciar isso.

Esta Casa teve uma lei muito importante feita pelo Deputado Renato Simões, uma lei simples, que nem precisaria existir se a nossa sociedade respeitasse os nossos direitos. Trata-se de uma lei que proíbe as pessoas de discriminarem os homossexuais. Isso é um absurdo! E um Deputado que recebe nosso dinheiro - de gays, lésbicas, travestis e bissexuais, que pagam seus impostos - apresentou um projeto querendo cassar essa lei, querendo cassar o pouco quetemos. Um exercício vergonhoso do uso parlamentar. Estivemos aqui, a Comissão de Direitos Humanos desta Casa se manifestou, os Deputados progressistas desta Casa se manifestaram e conseguimos barrar essa situação absurda.

Somos 17 milhões de pessoas no Brasil. Dezessete milhões é a população de muitos países. Pois bem, temos de brigar e pedir que o ordenamento legal do nosso país respeite os nossos direitos.

Muitos, em Brasília ou nas Câmaras ou nas Assembléias dizem que somos doentes. Doente é aquele que é homofóbico. Homofobia é doença. Falar em rádio, televisão, propor situações homeopáticas de intolerância, que leva à violência e depois ao assassinato, como o do Edson Neris, isso é doença. Manifestar o nosso afeto, não.

Na verdade, o que fazemos aqui hoje é ajudar esta Casa a ser mais democrática. O que fazemos aqui, com a parada, o que fazemos com as nossas manifestações de visibilidade, é contribuir para que este país seja mais democrático. Não é uma luta olhando única e exclusivamente para as nossas necessidades. A nossa orientação sexual e a nossa identidade de gênero é apenas uma parte nossa. Antes disso somos cidadãos. E, como cidadãos, queremos ser respeitados.

Hoje temos dois grandes desafios, são dois projetos de lei que elegemos fundamentais para nós, no nosso país. O primeiro é o de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, que está há 10 anos no Congresso Nacional sem ser votado. O segundo é um projeto da Deputada Iara Bernardes, que criminaliza a homofobia, porque é inconcebível que se mate pessoas neste país pela sua orientação sexual e pela sua identidade de gênero.

A realidade que a Suzy mostrou para nós - lida com bastante emoção - é corriqueira na Cidade de São Paulo. O que eles fazem em Campinas, Suzy, fazem aqui no Jóquei Clube, é exatamente igual. A polícia faz ponto junto com as travestis. É uma coisa engraçada, pois fazem dupla jornada de trabalho - trabalham e fazem ponto com as travestis ao lado para coibir que as pessoas parem e façam o seu programa.

Temos várias situações, que poderíamos ficar aqui desfiando a noite inteira, de uma educação que é totalmente heterossexista, preconceituosa. Podemos falar do não acesso ao trabalho para as pessoas que são afeminadas, para as travestis. Poderíamos falar das mulheres lésbicas, que têm problemas com a guarda dos seus filhos; de pessoas que dividem a sua vida - temos o caso da Bete, que por mais de 20 anos dividiu a sua vida, construiu uma família e hoje não recebe os benefícios que um homem ou uma mulher receberia pelo fato de serem heterossexuais. Não podemos concordar com isso.

São essas situações que nos fazem estar aqui hoje lutando e tentando ajudar esta Casa a ser mais democrática. Não podemos esmorecer. Estou vendo o Lula lá no cantinho.

Em 1997, Lula e mais dois companheiros - o Paulo Giacomini e a Denise Coelho - pensaram: por que não fazemos uma parada? Começamos com duas mil pessoas. Hoje estamos na casa dos milhões. (Palmas.)

Hoje temos a maior parada do mundo. Tenho viajado bastante para fora do país e quando eu digo que sou de São Paulo, todos vêm me cumprimentar pelo que fizemos em tão pouco tempo com essa parada maravilhosa. Portanto, convidamos todos a participarem, pois precisamos ultrapassar a casa dos dois milhões de pessoas, porque é com pressão popular, é com controle social, que vamos mudar o ordenamento legal deste país. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Quero anunciar a presença da Luiza da Costa, a Luizinha, da Sempreviva Organização Feminista, Sof, sempre presente nas lutas.

Faremos duas justas homenagens nesta sessão solene. A primeira delas é para uma mulher, que é ativista lésbica feminista na cidade de São Paulo 26 anos. Foi fundadora, em 1990, e atual Coordenadora do Coletivo Feministas Lésbicas. Foi co-fundadora, em 1978, do Somos - Grupo de Afirmação Homossexual - primeiro grupo organizado do Brasil. Em 1979, dentro do Somos, foi co-fundadora do Grupo Lésbico Feminista, o LF, primeira organização lésbica. Falo de Marisa Fernandes.

Convido a Dra. Áurea Abade, do GAPA, para fazer a homenagem a Marisa Fernandes, em nome de todos nós. (Palmas.)

 

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- É feita a homenagem.

 

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A SRA. MARISA FERNANDES - Muitíssimo obrigada a todos. Deputado Ítalo Cardoso, parabéns pela sua coragem. Quando o Ítalo começou a falar, disse que estávamos na segunda maior Casa do Brasil, com certeza a segunda maior Casa da América Latina e me lembrei imediatamente que também estamos no maior país católico do mundo. Portanto, ao realizarmos este ato aqui, estamos dizendo “não” aos Papas que falam que não somos normais, naturais. (Palmas.) Estamos dizendo “não” aos Papas porque eles não querem que usemos preservativos nas nossas relações sexuais e não permitem que as mulheres abortem.

Ao receber esta homenagem, profundamente emocionada, quero dizer que há 26 anos fiz uma opção. Era muito jovem e este país vivia uma ditadura militar e tudo aqui era muito difícil. Quando fiz a opção por não conquistar bens materiais, por não buscar naquele momento status social na minha vida, abri mão de tudo isso porque tinha uma luta a ser iniciada: não só a restituição da democracia para o nosso país, mas junto com ela, começar a se pensar nos direitos de lésbicas, gays, transexuais e travestis, de todos aqueles que não estavam seguindo a norma heterossexual imposta a todos.

Hoje, ao estar sendo homenageada nesta Casa, sei que estava certa - tenho convicção de que estava certa na decisão que tomei. Realmente dediquei uma vida a esta causa.

Estava olhando daqui de cima e me dei conta de uma coisa e quero falar. Estava olhando as amigas da Regina Stela, dentre as quais me incluo há mais de 20 anos, a amizade maravilhosa da Mana e da Regina, que tiveram um esforço danado para me ensinar uma coisa pela qual sou profundamente grata - um pouco de elegância -, o que não é nada fácil para quem é filha de imigrante e operário.

Foi uma tarefa difícil, mas Regina e Mana são duas grandes educadoras, duas grandes mulheres; duas grandes mulheres porque elas são solidárias e isso é uma qualidade inestimável, para quem quer um amigo, uma amiga. É imprescindível a solidariedade.

Estava olhando e dizendo: puxa, quantas amigas da Regina vieram prestigiá-la! E comecei a olhar e falei: nossa, cadê as minhas amigas? Cadê os meus amigos? E me dei conta de que os meus amigos e minhas estão aqui, sim, porque, ao longo desta minha vida, os únicos amigos e amigas que eu construí foram os ativistas. Estão aqui. São as feministas e elas estão aqui. Eu não conheci, eu não tive tempo para fazer outros amigos e amigas. São essas as minhas relações afetivas. São essas as minhas companheiras e companheiros, aos quais eu agradeço profundamente a homenagem prestada e quero reafirmar as palavras do Beto e de todos e todas que me antecederam, de que isso é uma conquista, mas temos um imenso caminho pela frente. Espero que ele seja curto, mas são imensas as coisas que temos que conquistar ainda. São esses 37 direitos a menos que nós temos e nós não vamos aceitar e não vamos parar. Nós nunca vamos descansar enquanto todos eles não forem nossos, integrais.

Como mulher, como lésbicas nós somos mais do que uma vagina. Somos mais do que um útero. Nós somos mulheres que podem ser estupradas. Somos mulheres que desejamos ser mães. Muitas somos mães. Nós somos mulheres que não queremos viver na clandestinidade e queremos dizer o nome das pessoas que amamos, que é outra mulher. Queremos dizer do nosso prazer sexual tido com outra mulher.

Nós mulheres temos especificidades; nós lésbicas temos especificidades; nós temos necessidades e temos um caminho de luta muito grande ainda pela frente.

Conquistamos esse direito hoje, essa alegria imensa de poder estar aqui pela segunda vez, fazendo um ato solene, em uma celebração ao orgulho que temos de sermos lésbicas, gays, transexuais e travestis. Com isso estamos dizendo que somos cidadãos mas que ser homossexual é exatamente uma única condição que nos faz diferentes dos heterossexuais. É dizer que o nosso prazer sexual é tido com uma pessoa do mesmo sexo, porque no mais temos as mesmas necessidades, temos os mesmos anseios, precisamos dos mesmos direitos à educação, à saúde integral, à moradia, ao trabalho.Essa pequena coisa que nos diferencia, com quem é que vamos para a cama, não pode nos tornar diferentes do ponto de vista da desigualdade. Nós queremos inclusão e justiça. Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Muito obrigado, Marisa. A nossa segunda homenageada infelizmente não está mais entre nós; eu falo de Regina Stella Moreira Pires, que foi assessora técnica legislativa e procuradora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Precursora do movimento feminista no Brasil presidiu vários congressos, seminários encontros de mulheres, tendo militado em entidades como o Centro de Mulheres, Centro da Mulher Brasileira, Brasil Mulher, CIM - Centro de Informação Mulher, Comitê Brasileiro de Anistia. Foi fundadora do Partido dos Trabalhadores e faleceu em 2003, aos 59 anos.

Na época era presidente de honra da Associação de Mulheres que Amam Mulheres, entidade homossexual que luta visibilidade da mulher lésbica.

Queremos homenagear Elisabete Mattos Feijó, que foi companheira de Regina, com quem partilhou amor, militância e queremos que Mana, irmã de Regina, tão querida entre nós, faça por nós essa homenagem dá Regina e à Beth Feijó.

 

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- É feita a homenagem.

 

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A SRA. ELISABETE MATTOS FEIJÓ - Boa noite. Eu gostaria de agradecer por esta sessão solene homenageando a Regina, que foi minha companheira durante 22 anos.

Regina Stella - A Estrela Rainha, que ousou ousar.

Guerreira de muitas frentes e batalhas fazia-nos refletir, questionar, desbancar o velho e enfrentar o novo.Ousou em todas as formas de desobediência, enfrentava os dogmas, a lógica estabelecida, o pensamento racional, as hipocrisias e preconceitos. Historiadora e politizada, dotada de grande cultura, utilizava as palavras que tão bem dominava, tanto como uma ferramenta de apoio, como uma arma ferina e mordaz.

Com seu especial humor, fez com que as pessoas, que com ela conviveram, aprendessem a rir de si mesmas, a perceber a força e a alegria nas situações mais difíceis, nas lutas mais árduas ou ingratas. Sempre foi a coragem, a companhia ou o subsídio na abertura de um novo caminho. Sua esperança e garra fizeram com que abraçasse diversas lutas, das causas mais sérias às mais irreverentes e ousadas mereceram seu apoio.

As greves e passeatas sob o olhar dos militares no ABC, nos tempos sombrios, iluminavam-se diante da determinação indestrutível pela causa justa que a bem preparada Regina Stella trazia, juntamente com a sua mordacidade e irreverência. Da sua participação na luta contra a ditadura, do seu apoio aos presos políticos, da sua perseverança pela fundação do Partido dos Trabalhadores, do subsídio do texto mais duro dos parlamentares que assessorava, aprende-se que vale lutar pelo que se acredita, idealiza e considera digno.

Regina Stella sabia se doar para o que achava justo e não tinha medo de se desnudar frente ao estabelecido, como quando respondeu aos censos desta casa legislativa, onde trabalhava, colocando-me como sua companheira. Censurada pelo então Diretor do GAT, respondeu-lhe: O Estado acha que, entre os 3.500 funcionários desta casa, não há homossexuais?

Conversar com Regina era sempre uma festa - um exercício elegante e mordaz de esgrima, mas forrado de afeto e compreensão. Estar com ela era delicioso.Regina Stella não era amada apesar dos seus "defeitos", mas justamente por causa deles. Como feminista mudou o olhar das mulheres, alterou seus cotidianos, as fez extravasar sentimentos e emoções, ajudou-as na conscientização dos seus direitos, na descoberta dos seus corpos e dos seus mais íntimos desejos e prazeres. Sua Casa, carinhosamente denominada de República Livre das Mulheres, hospedava quem dela precisasse. Abria sua porta, sua geladeira, seu guarda-roupa e os seus braços.

Ajudou a fundar ou participou de várias organizações, como o Centro da Mulher Brasileira, o CIM - Centro de Informação Mulher, o Comitê Brasileiro pela Anistia, Comissão de Mulheres do PT, o Brasil Mulher além de diversos Seminários, Congressos e Conferências de Mulheres.

Sempre presente nas passeatas do dia 8 de março ou nas marchas alegres e irreverentes, dançando de braços dados com as companheiras e gritando palavras de ordem.

Participou da formação da Amam - Associação de Mulheres que Amam Mulheres, que luta pela visibilidade da Lésbica nas Paradas do Orgulho Gay. Por sempre ter sido muito festeira, mesmo doente, estava presente no Trio Elétrico da sua entidade. Na Parada de 2003, após seu falecimento, foi homenageada pela Amam, que decorou seu Trio com fotos da Regina para que, assim, ela também estivesse presente.

Regina Stella fez história e mudou a face do mundo, do nosso mundo. Do seu mundo.  Que hoje, após a sua passagem, já não é o mesmo. Encontramos em pouco da Regina Stella em cada passo, em cada etapa ou objetivo que hoje alcançamos. Regina foi uma desbravadora, que lutou de corpo e alma para transformar este mundo, num mundo melhor, menos preconceituoso e mais igualitário. Por tudo isso podemos dizer: Regina Stella, presente!

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Sessão Solene também trouxe uma convidada que tem a cara e a voz das lutas contra o preconceito presente nas paradas GLBTT. Ela sempre se declarou abertamente homossexual diante da mídia e de seu público. Suas composições foram gravadas por Ed Motta, Ney Matogrosso, Edson Cordeiro e Cazuza. Cantora, compositora, guitarrista, produtora musical e arte educadora, é uma mulher, uma cantora de coragem e atitude. Seu nome é Laura Finocchiaro. (Palmas.) Esta música está no mais recente CD de Laura Finocchiaro.

 

A SRA. LAURA FINOCCHIARO - É uma grande honra estar aqui com vocês. Quero cumprimentar a coragem do Ítalo Cardoso, de todos que estão presentes, todos os grupos que estão aqui e que fazem essa história acontecer, sem eles nada disso seria possível. Quero lembrar que no dia 28 acontecerá a pequena caminhada das lésbicas, mas que ainda necessita de muita visibilidade, é necessária a presença de todos, mulheres, homens, toda a comunidade. Será no dia 28, a partir das 16 horas no vão do Masp.

Contente com o convite que recebi de fechar esta sessão com uma música, pensei no meu repertório, se cantaria algo de minha autoria ou de algum colega. Escolhi cantar uma composição minha. Fiquei pensando qual composição... e a que escolhi abre meu novo CD e representa, portanto, o que penso hoje dos fundamentos que nos unem.

É ótimo que estejamos aqui - vários grupos embandeirados representando os Gays, as Lésbicas, os Bissexuais, os Travestis, as Transexuais e tudo mais... Isso foi uma conquista de todos nós.

Mas agora talvez seja necessário um passinho à frente para podermos, nesse mundo globalizado, transformar as nossas bandeiras numa única colcha, num único lençol que acolhe todas as nossas singularidades, ultrapassando as fronteiras das tribos e se encontrando no elemento que a gente tem sempre vergonha de dizer e que o poeta Hilk dizia que "não é coisa de amador", a saber, o amor.

Um amor além dos contrastes maniqueístas do bem e do mal, de quente e frio, de povo e governante, uma vez que estamos nesta sala, enfim, de seres humanos. Um amor que se baseia num mínimo aspecto, o aspecto que escolhemos como nome desta canção "Link", minha parceira Leca Machado.

 

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- É feita a apresentação musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Agradeço à Laura, à Leca por esse presente, essa música muito bonita. Agradeço também aos funcionários desta Casa, que possibilitaram este ato maravilhoso. Quero concluir esta Sessão Solene dizendo que quem exclui planta discriminação, preconceito, violência e ódio. Quem inclui semeia e colhe respeito, paz, amor e dignidade. (Palmas.) Que possamos estar aqui novamente no ano que vem fazendo este ato cada vez mais bonito, maior, mais presente nesta Casa.

Esgotado o objeto da presente sessão, esta Presidência, antes de encerrá-la, agradece às autoridades, aos funcionários desta Casa e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 23 minutos.

 

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