14 DE SETEMBRO DE 2007

027ª SESSÃO SOLENE PARA HOMENAGEAR A “CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA, NA PESSOA DO PROFESSOR DOUTOR MANUEL SÉRGIO VIEIRA E CUNHA”

 

Presidência: SIMÃO PEDRO


DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 14/09/2007 - Sessão 27ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: SIMÃO PEDRO

 

HOMENAGEM À CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA, NA PESSOA DO PROF. DR. MANUEL SÉRGIO VIEIRA E CUNHA

001 - SIMÃO PEDRO

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia as autoridades presentes. Informa que esta sessão solene foi convocada pela Presidência efetiva, a pedido do Deputado ora na Presidência, com a finalidade de "Homenagear a Ciência da Motricidade Humana, na pessoa do Prof. Dr. Manuel Sérgio Vieira e Cunha". Convida todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e do Hino de Portugal.

 

002 - ANA MARIA PEREIRA

Professora da Universidade Estadual de Londrina, agradece ao Deputado Simão Pedro pela iniciativa. Lê carta da Universidade em homenagem ao Prof. Manuel Sérgio.

 

003 - JOSÉ ANTUNES DE SOUZA

Representante do Instituto Piaget, de Portugal, afirma que Portugal e Brasil são países preocupados com o progresso a partir da emoção, como proclama esta solenidade.

 

004 - PAULO CÉSAR MONTAGNER

Representante da Unicamp, cumprimenta as autoridades. Tece considerações sobre o Professor Manuel Sérgio e o período em que trabalhou na Unicamp, destacando seus estudos sobre a epistemologia da motricidade humana.

 

005 - RÉGIS DE MORAIS

Representante da Unicamp, relembra o período de convivência com o Prof. Manuel Sérgio.

 

006 - Presidente SIMÃO PEDRO

Anuncia uma apresentação musical. Entrega placa ao Professor Manuel Sérgio em sua homenagem. Informa que a solenidade está sendo transmitida ao vivo na internet, na página da Assembléia Legislativa de São Paulo, e que a gravação desta solenidade irá ao ar na TV Assembléia, sábado e domingo, por volta das 22 horas. Informa ainda que hoje à noite, às 22 horas, irá ao ar o debate feito com o Prof. Manuel Sérgio e outros, aqui na Assembléia Legislativa.

 

007 - MANUEL SÉRGIO VIEIRA E CUNHA

Homenageado da noite, descreve a ocasião em que conheceu o Brasil, a convite do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Comenta o período em que lecionou na Unicamp, em que se idealizou uma nova educação física pensando na transformação do Brasil.

 

008 - Presidente SIMÃO PEDRO

Presta homenagem ao Prof. Manuel Sérgio. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.


O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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- É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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 - Assume a Presidência e abre a sessão o Sr. Simão Pedro.

 

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O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Boa-tarde. Passamos a anunciar a composição da nossa Mesa. A meu lado o nosso homenageado, Prof. Dr. Manuel Sérgio Vieira e Cunha. (Palmas). À nossa esquerda o Prof. José Antunes de Souza, da Universidade Piaget de Portugal. (Palmas). Temos também outras autoridades, às quais agradeço desde já a presença e a contribuição que nos deu também no Seminário: Prof. Carol Kulyniac, da PUC de São Paulo; Prof. Luiz Gonçalves, da Universidade Federal de São Carlos; Prof. Régis de Morais, da Unicamp; Prof. João Batista Tojal, também da Unicamp; Profª Vilma Leni Nista-Piccolo, da Metrocamp-Unicid; Prof. Paulo César Montagner, da Unicamp; Prof. Lino Castellani, da Unicamp; Prof. João Paulo Medina, da “Cidade do Futebol”; Caio Rota Bradbury Novaes, da Faculdade Integrada de Campo Mourão, Paraná; Profª Sheila Pereira Santos Silva, da Universidade São Judas Tadeu. (Palmas.)

Srs. Deputados, senhoras e senhores, esta Sessão Solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Vaz de Lima, atendendo solicitação deste Deputado, Simão Pedro, com a finalidade de homenagear a Ciência da Motricidade Humana, na pessoa do Prof. Dr. Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Convido todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro e em seguida o Hino Nacional de Portugal.

 

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- São executados os Hinos Nacionais do Brasil e de Portugal.

 

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O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Contamos com a presença da Prof.ª Dra. Ana Maria Pereira, da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. A professora trouxe uma carta da Universidade de Londrina para ser lida em homenagem ao Prof. Manuel Sérgio.

 

A SRA. ANA MARIA PEREIRA - Boa-tarde a todos, é uma honra estar nesta Casa, no Poder Legislativo. Obrigada, Deputado Simão Pedro. Agradeço ao Rogério do Anjos por me deixar ler a carta de homenagem da Universidade Estadual de Londrina ao Prof. Dr. Manuel Sérgio. Na nossa universidade temos uma especialização lato sensu em Educação Básica, que tem seus pressupostos na Ciência da Motricidade Humana. No mestrado em Educação conquistamos um espaço, temos uma disciplina da Ciência da Motricidade Humana.

“São Paulo, 14 de Setembro de 2007.

Ilustríssimo Professor Doutor Manuel Sérgio, nós, da Universidade Estadual de Londrina, não podemos deixar de manifestar nossa alegria e satisfação com o reconhecimento público de suas qualidades excepcionais, de seu trabalho infatigável e da magnificência de suas ações, na criação e na defesa de uma nova Ciência do Homem: a Ciência da Motricidade Humana.

A trajetória acadêmica de Manuel Sérgio é marcada pelo rigor intelectual, pelo afeto e cumplicidade a serviço da ciência, pelo compromisso na formação de um ser humano solidário e ético. O conjunto de sua obra faz aumentar o nosso respeito e admiração, pelo seu elevado espírito e capacidade de congregar o mundo do sensível com o mundo do inteligível, conduzindo-nos à transcendência.

Manuel Sérgio e sua obra vivem entre nós, brasileiros. Ele estabeleceu com a comunidade científica brasileira uma relação de irmandade, fraternidade e doação, oferecendo tudo de si no ensinamento e na educação que objetiva a formação de um humano que faça a diferença. Esse intelectual português, filósofo e poeta, dia a dia, se torna mais querido e respeitado em terras brasileiras, pela importante contribuição no âmbito do conhecimento científico. As sementes aqui lançadas germinam e fazem frutífera a consolidação da motricidade humana.

O que seria da educação física brasileira sem a ciência da motricidade humana? O corte epistemológico por ele provocado foi além da transposição de um paradigma científico, pois fez-nos despertar da letargia e nos impulsionou para a renovação intelectual, no sentido de desenvolvermos uma consciência predisposta à transformação, assumindo a luta pela construção do inédito, do sonho utópico, que sabemos que existe via projeto e que é materializado pelo homem práxico.

O Brasil e a comunidade científica brasileira sabem que Manuel Sérgio, além de ser um filósofo é um pensador do mundo atual, é um construtor do futuro. Manuel Sérgio nos ensinou a sonhar e a agir rumo à consolidação de uma humanidade melhor. Está aí a sua maior lucidez, o seu maior contributo.

Prof(s): Ana Maria Pereira e Kátia Simone Martins Mortari

Universidade Estadual de Londrina - Paraná- Brasil.”

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Agradeço a presença do presidente do Centro Esportivo Virtual, Prof. Dr. Laércio Elias Pereira.

Recebemos algumas mensagens de algumas autoridades agradecendo e pedindo desculpas pela ausência. São elas: Dr. Antonio José Teixeira de Carvalho, juiz Presidente do Tribunal Regional do Transporte; Sr. Claury Alves da Silva, Secretário Estadual de Esportes, Lazer e Turismo; Sr. Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, Secretário Estadual de Saúde; Exma. Sra. Deputada Estadual do PDT, Haifa Madi; Dr. Edson Simões, Presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo; Sr. José Henrique Reis Lobo, Secretário Estadual de Relações Institucionais; Sr. Ronaldo Augusto Marzagão, Secretário da Segurança Pública e Desembargadora Marli Ferreira, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região.

Concedo a palavra ao Dr. José Antunes de Souza, em nome do Instituto Piaget, de Portugal.

 

O SR. JOSÉ ANTUNES DE SOUZA - Senhores Deputados, minhas senhoras e meus senhores, o que esta tocante e significativa cerimônia faz, antes do mais, é atestar e ilustrar o teor criativo e inspiracional da própria vida - quando se está de bem com ela as idéias que nos acodem fazem-nos em sintonia com o desígnio inteligente e, por isso, significativo que a própria vida subjaz. Sinto-me, por isso, particularmente reconfortado, entusiasmado até, pelo privilégio de poder testemunhar, neste honroso convívio com alguns dos melhores filhos desta abençoada terra, como são V. Exas, a força congregadora e difusiva daquela idéia que, de súbito - e a subitaneidade é característica da luz me assaltou ao entrar, numa manhã de primavera há dois anos, no gabinete do Professor Manuel Sérgio no Campus Universitário do Instituto Piaget de Almada - assim, eis como este ilustre e magnético acadêmico português, simbiose em sangue do abraço entretecido pelo destino entre os nossos dois povos, se converte em kairológica mediação neste diálogo atlântico que nos molda na orgulhosa singularidade de nós. É, pois, o primado ontológico do afeto o que, aqui e agora, celebramos, primeiro que tudo.

Celebramos outrossim a quentura do nosso sangue, do vosso sobretudo, mas que ao nosso não deixa de contagiar, quentura que resulta deste inelutável suspirar de irmãos e que Gilberto Freire imortalizou no seu feliz conceito de lusotropicalidade. Celebramos, enfim, para lá da ilusão, a realidade informe de todas as formas, o absoluto do Ser em que se dissolve a relatividade quimérica do espaço-tempo - celebramos o essencial do humano. De resto, Manuel Sérgio outra coisa não faz, através da tematização da motricidade humana, senão apontar assintoticamente para esse núcleo irradiativo daquilo que nos constitui e nos realiza.

Seja-me, a este propósito, e aproveitando o poder inspirativo da circunstância, usar a minha modesta condição de filósofo para ensaiar convosco uma visão criativa, e só a criação é verdadeira, da realidade do Brasil.

E o que a matriz existencial deste imenso e variegado país desde logo sugere é que a transgressão, o contraste, o desalinho não são necessariamente o cadafalso do desenvolvimento, porque nenhum progresso se pode dar sem ser integrado no fluxo regenerativo da própria realidade. O que significa, senhoras e senhores deputados e amigos, que o desígnio criativo, genesíaco do universo se extinguiria se terminasse esse bailado cósmico incessante entre a morte e a vida. Seria, aliás, uma catástrofe excluir a morte desse bailado, como muito bem assinala Deepak Chopra, uma vez que a renovação e o progresso se fazem da tensão criativa entre os contrários e não do ilusório forcejar de um dos lados apenas da realidade, que é, acreditem, radicalmente democrática. Ela integra constitutivamente uma subatômica contrariedade, uma invencível polaridade. A estrutura unitiva e amorosa do real não se faz sem o constante “egressus” e “regressus” de uma infinidade de particular àquilo a que Ervin Laszlo chama o “campo akáshico” e que os físicos chamam “o limite inferior ou estado de vácuo”, ou seja, a mecânica da criação consiste numa misteriosa dialética entre o morrer e o renascer. É, por isso, pretensão vã e inútil insistir na cruzada gnóstica contra o lado alegadamente negativo da vida - é que esse lado é vida também. Não há uma direção única para o progresso, como se este pertencesse exclusivamente ao mundo do cálculo e da tão exaltada excelência do fazer. Não é uma questão de linearidade matemática, de progressão aritmética - há saltos criativos a partir do limbo misterioso do hiato, esse remanso quieto mas onipotente do Ser.

Não faltam exemplos dessa concepção épica e ek-estática da própria existência, concepção que resulta de uma doença clássica e mortal - a de nos identificarmos capciosamente com o lado considerado bom, excluindo da nossa visão do mundo o outro lado da constelação axiológica. E já se sabe o que acontece a quem só vê um dos lados da estrada - não vai longe. A absolutização de um lado apenas do real faz com que se acabe por não se chegar a lado nenhum - que a linearidade desemboca precisamente na negação daquilo que se absolutizou. Foi assim com a civilização etrusca, minóica, micênica, grega, com o império romano, otomano, austro-húngaro - e começa a acontecer seriamente com o império americano. Mas pode igualmente acontecer com a China se esta se deixar inebriar por uma visão iluminista, descurando a força indispensavelmente temperadora do seu acervo tradicional: "O que se ocupa demasiado a fazer o bem não tem tempo para ser bom" (Tagore).  E, como diz Hermann Hesse, “só há felicidade se não exigirmos nada do amanhã e aceitarmos do hoje, com gratidão, o que ele nos trouxer. A hora mágica chega sempre”.

Olhando bem, não é, com efeito, difícil ver no Brasil uma expressão cálida de um outro paradigma de progresso - um paradigma que concilia o trabalho imaginoso e empreendedor com a cotidiana vivência jubilosa da vida: "carpe diem" (Horácio, Od.). Ao contrário de outros modelos que privilegiam uma atitude cruzadista perante o real - sempre em guerra contra os fantasmas que a sua própria atitude ironicamente incrementa. Permitam-me um exemplo. Nos EUA, apesar da gigantesca luta movida contra o crime e contra as drogas, o número de presos naquele país subiu de menos de trezentos mil em 1980 para a assombrosa cifra de 2.1 milhões em 2004, para não falar na dolorosa espiral da violência terrorista no Iraque. O mesmo se verifica no delicado campo da saúde: depois de uma fase de inegável sucesso, o uso indiscriminado de antibióticos criou uma bomba-relógio, com estirpes de bactérias resistentes a esses antibióticos, as chamadas “superbactérias”, que estão a dar origem ao inquietante ressurgimento das doenças infecciosas e epidemias, conforme alarme recentemente lançado pela OMS.

Porque não é a luta, mas a paz, não é a assimetria do poder, mas o poder da simetria, do equilíbrio da radical polaridade de tudo - é isso que constitui a matriz ontológica da vida, pessoal e coletiva, de toda a realidade, enfim.

Confesso-vos o meu pouco entusiasmo por uma visão eminentemente tecnocrática e asséptica de um progresso alegadamente radioso. As sociedades equilibram-se entre a força indutora do trabalho e da disciplina e o hiato espasmódico e criativo da sua alma telúrica.

É por isso que olho com indisfarçada simpatia para o ritmo paradóxico da sociedade brasileira - ela equilibra-se, apesar de tudo, entre a “arete” e a “hubris”, entre a “virtú” maquiavélica e a “virtus christiana”, entre Apolo e Dionísio.

Não que seja perfeito esse desejado equilíbrio - longe de mim o elogio ao excesso e à marginalidade. Nem aceitação pode ser sinônimo de permissividade, nem tolerância de rendição. O que me parece claro, em todo o caso, é que a sociedade brasileira, diferentemente de outras, se caracteriza por uma certa ingenuidade ontológica - por um genuíno deslumbramento perante a vida, abrindo um amplo espaço para a novidade e para a surpresa. Vivemos num mundo de pressa, sufoco e aturdimento e as sociedades mais industrializadas são escravas da sua fixação disfuncional num bem-estar, centrado no fazer e no ter, sem uma verdadeira atenção ao ser. São sociedades saturadas de logicidade egótica, atoladas no fastio e no tédio.

Acredito, por isso, que Portugal e Brasil significam, neste tempo caliginoso, aquilo a que me permito designar por “rota da luz”. É a rota da disponibilidade para o Ser. É que a tão apregoada sustentabilidade do progresso só é possível a partir do coração, como o proclama a edificante motivação desta bela homenagem.

E é desta linguagem cordial que Manuel Sérgio e Oliveira Cruz são eloqüentes intérpretes. Na senda de Nóbrega e de Vieira, eles exercitam a via do milagre amoroso - se num reluz a “plasticidade amorável” do seu pensamento, noutro cintila o fulgor do seu sonho de uma exemplar transculturalidade lusíada, matriz genética do seu Instituto Piaget.  Perante a grandeza de alma de ambos me inclino respeitosamente.

Termino, permitam-me, com uma ousada sugestão: que ao pioneirismo econômico possa São Paulo juntar o pioneirismo espiritual e possa promover, com a regularidade possível, nesta Assembléia, jornadas de reflexão nas quais se possa aprofundar esta singularidade da alma deste nosso amado povo do Brasil.

Muito obrigado.

 

O Sr. Presidente - Simão Pedro - PT - Logo, teremos a apresentação da capoeira e do Jocélio Amaro. Antes, quero passar a palavra ao Prof. Dr. Paulo César Montagner, que falará em nome do Instituto Unicamp, onde o Dr. Manuel Sérgio foi professor.

 

O SR. PAULO CÉSAR MONTAGNER - Quero cumprimentar o Deputado Estadual Simão Pedro, através de quem também cumprimento as autoridades já nominadas, Em especial, quero dirigir-me ao Prof. Manuel Sérgio. É um prazer revê-lo.

Trago um abraço não só da Faculdade de Educação Física da Unicamp, como também do nosso reitor, que hoje telefonou e pediu que eu falasse em seu nome, o nosso querido professor, Dr. José Tadeu Jorge.

Em nome da comunidade da Unicamp, em particular da Faculdade de Educação Física, gostaria de saudar todos os presentes e, em especial, o professor e filósofo Manuel Sérgio.

Ao fazê-lo, apresento o nosso mais profundo respeito e reconhecimento da pertinência desta homenagem proporcionada pela Assembléia Legislativa, através do Deputado, seja em referência ao conjunto da obra do Prof. Manuel Sérgio, seja pelo exemplo de vida com que o Prof. Manuel Sérgio nos brindou durante todo esse tempo, seja pela forma ímpar e dotada de sincera humildade, através da qual sempre manteve os vínculos acadêmicos e pessoais conosco, no Brasil.

O Prof. Manuel Sérgio chegou ao Brasil no final dos Anos 70 através dos seus livros, que foram de fundamental importância na construção do pensamento crítico na Educação Física brasileira. Em 1983, pela primeira vez em solo brasileiro, foi trazido para o 3º Congresso de Ciência do Esporte. Desde então, esse acolhimento não cansa de se repetir e, ao contrário, renova-se em cada nova oportunidade, muitas vezes, nesse traçado entre Brasil e Portugal, Portugal e Brasil.

A Faculdade de Educação Física da Unicamp - presente o Prof. Tojal, nosso 1º diretor e fundador da faculdade - teve o privilégio de tê-lo como professor visitante em vários momentos, mais diretamente nos anos de 1987 e 1988. Naquela ocasião - e em todas as outras -, ele plantou muitas sementes e deixou entre nós um legado de dedicação, respeito e sabedoria, que nos permitem dizer que essas sementes transformaram-se em árvores frondosas, com flores e frutos que permanecem perfumados e saborosos até os dias atuais. Suas contribuições para a Educação Física brasileira, para a nossa instituição e para as várias instituições brasileiras - e ainda mais para a Educação Física brasileira contemporânea - são reconhecidas por todos e suas idéias permanecem tonificando nosso cérebro e nossos valores. Sua impressionante alegria pela vida e pelas pessoas permanecem como um exemplo.

Como disse, o Prof. Manuel Sérgio teve um período intenso na Universidade Estadual de Campinas, mais especificamente de março de 1987 a dezembro de 1988. Nesse período, tivemos muitos fatos marcantes para as universidades públicas paulistas. Lembro-me de que, em 1988, depois de uma longa greve, conquistamos a autonomia universitária, pela qual até hoje trabalhamos fortemente, reconhecendo o papel da universidade na sociedade brasileira.

O Prof. Manuel Sérgio dialogou naquele período - e dialoga até hoje - com todos os nossos pensadores que são referências em suas áreas, multiplicando essas informações e esses conhecimentos. Ensinou-nos a importância da pluralidade do pensamento e permitiu a crítica ao obsoleto, ao tradicionalismo sem sentido. Sua obra compreende uma produção densa e importante para todos nós.

A sua vinda à Universidade Estadual de Campinas fez com que pudéssemos não apenas enxergar uma nova Educação Física, mas também transformá-la no seu conteúdo e na filosofia de olhar para ela. No caso da Faculdade de Educação Física da Unicamp, no final dos Anos 80, isso culminou com a transformação do nosso currículo de vanguarda, com intensa inserção das ciências humanas sem, contudo, deixar de avaliar a importância das outras áreas do conhecimento, naquele período muito fortemente marcado pelas ciências biológicas.

Ainda, uma influenciadora visão a partir de seus estudos sobre a epistemologia da motricidade humana. Como bem disse o Prof. Manuel Sérgio, o que precisamente define o homem é a sua capacidade para transcender os determinismos biológicos. Daí, que o homem seja predisposto a uma abundância incalculável de condutas motoras.

Sr. Manuel Sérgio, gostaria de registrar a Faculdade de Educação Física que, 22 anos depois, tornou-se realidade. Nosso curso de graduação é considerado pelos avaliadores externos da universidade como um dos melhores do Brasil, fruto também da sua passagem por lá. Na pesquisa e na pós-graduação recebemos a mais alta avaliação que um programa de pós-graduação no Brasil possui, juntamente com a USP e a Unesp, o que muito nos orgulha e nos enche de responsabilidades.

Formamos um expressivo número de mestres, doutores e pesquisadores hoje difundindo conhecimento por todos os cantos do Brasil. Temos forte inserção na sociedade local, regional e nacional, desenvolvendo programas em diferentes áreas e setores estratégicos para o País. Nossos docentes conquistaram autonomia, aprofundamento intelectual e conhecimento acadêmico principalmente porque pudemos conviver com pessoas como o Prof. Manuel Sérgio, e que hoje faz a FEF caminhar com segurança e intensidade, e continuando, querido professor, como no seu tempo, aprendendo muito, dialogando muito. O senhor ajudou a construir uma faculdade que cada dia vive mais forte.

Finalizando, quero ratificar o profundo respeito que a nossa universidade, nossos professores, estudantes e financeiros têm pelo Prof. Manuel Sérgio, e cumprimentar o Deputado Simão Pedro e a todos os presentes pela homenagem. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Tem a palavra o Prof. Dr. Régis de Morais.

 

O SR. RÉGIS DE MORAIS - Homenageio a nobreza desta Casa na pessoa do Presidente desta Mesa, Deputado Simão Pedro, meus cumprimentos a todos os senhores presentes, e um cumprimento sabidamente fraterno ao grande homenageado desta noite, Prof. Manuel Sérgio.

Amigos, nós trazemos da infância alguns ensinamentos sãos que certamente nos norteiam a vida. Eu me lembro de, nos meus tempos de menino, ter ouvido de meus pais frases como: “Se há efeitos é porque há causas. Se há criaturas é porque há criador”. E o ensinamento de meus pais culminava com eles dizendo que o Criador ama com igual amor a todas as suas criaturas, das mais desorientadas até as mais bem conduzidas na vida. Este ensinamento é fundamental para a minha vida e acredito que para a maior parte dos senhores. Mas talvez um pouco pela fraqueza humana, e talvez pela esperteza humana, uma coisa e outra vai se dividindo ao experimentarmos a vida em sociedade.

Ao fazermos os nossos experimentos sociais, é praticamente inevitável imaginarmos, às vezes, que há um bocado de gente supérflua neste mundo. O pior é que, às vezes, pensamos isso em nós mesmos com relação a nossa superficialidade. Por que supérfluas? Por que criaturas que não criam - e além de não criar são difíceis - atrapalham, muitas vezes, o fluir bom das coisas? Eu digo essas palavras para que os amigos entendam. Na década de 80, a honra de conhecer o Prof. Manuel Sérgio Vieira e Cunha tornou-se uma das minhas grandes experiências de não-superfluidade. Um homem que nem sei se sabe que tem claro, para si, o quanto é essencial ao seu tempo, a muitas das suas pessoas com que se comunica, como amigo - e somos amigos - sempre reto, fiel e constante.

Como filósofo e epistemólogo, inovador, tem, à vista, tudo que foi exposto nesta tarde quanto à criação do paradigma da ciência da motricidade humana. Poeta de qualidade, de grande sensibilidade e qualidade que projeta o seu país, como estamos vendo internacionalmente. Portanto, a não-superfluidade em pessoa me foi dado conhecer na década de 80.

Tivemos reuniões agradabilíssimas, com música. Imaginem essa cena, o Prof. Manuel Sérgio tocando trombone sem trombone, andando pela minha sala, tocando trombone de vara, sem o instrumento. O Prof. Manuel Sérgio sempre me lembrou muito uma belíssima frase do filósofo chinês, e também político, Confúcio, que disse: “No dia em que tu nasceste, todos riam. Só tu choravas. Viva de tal maneira que, quando morreres todos chorem, só tu rias”.

Por maior que seja a admiração que tenho pelo homem público, Manuel Sérgio, falo à voz do amigo, honrado de sua amizade e por ter certeza de que esta amizade é perdurante.

Encerro essa breve comunicação com um soneto - já que o Prof. Manuel Sérgio gosta, como eu, de poesia - de um poeta brasileiro, Bastos Tigre. O poeta imagina um brinde a uma pessoa muito querida, e escreve:

“Se há nesta vida um Deus para os acasos,

que pela humanidade o bem reparte,

que te dê da fortuna a melhor parte.

Que venturas te dê sem lei nem prazo.

Eu, de alegria, tenho olhos rasos ao vir brindar-te, querido amigo, quando vejo que, até para saudar-te, as flores se debruçam pelos vasos.

O meu brinde é sumário, curto, breve.

Se um nome que se quer, quando se escreve, quebra-se apenas em traços ideais, um homem como tu, quando se brinda, tem-se a missão cumprida, a festa finda, quebra-se a taça e não se bebe mais”.

Grato. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Para quebrar um pouco a rigidez, vamos ouvir uma apresentação musical de um trabalhador de correio, mas um grande músico, poeta e compositor, Jocélio Amaro, com a música “Vira Virou”, de Kleiton Ramil. (Palmas.)

 

O SR. JOCÉLIO AMARO - Quero saudar a homenageada de hoje e toda a caravana de professores maravilhosos, ao grande público presente, obrigado por lembrarem que sou funcionário dos Correios, estamos no momento em greve. Quero pedir licença aos meus companheiros para vir fazer parte desse momento maravilhoso.

Muito obrigado.

 

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-         É feita a apresentação de número musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Obrigado, Jocélio, e boa sorte na luta dos trabalhadores do Correio, para que fique registrado nos Anais desta Casa de leis. Os e-mails que nos congratularam com essa homenagem, do Prof. Gustavo Pires, da Universidade Técnica de Lisboa e do Prof. Antonio de Oliveira e Cruz, presidente do Instituto Piaget de Portugal.

Queria, em nome do nosso mandato, que todos os assessores se empenharam muito para organizar, mas também confeccionamos uma pequena placa em homenagem ao Prof. Manuel Sérgio, que eu pediria para a Natalina Almeida de Jesus, nossa decana, militante mais velha da nossa turma, entregar essa singela lembrança. (Palmas.)

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-         É feita a homenagem.

 

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O SR. MANUEL SÉRGIO - A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo nesta placa, escreveu o seguinte: “Honra ao Mérito. A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, por meio do Deputado estadual Simão Pedro, em homenagem ao Prof. Dr. Manuel Sérgio Vieira e Cunha, pela  sua trajetória e contribuição na evolução da ciência e da motricidade  humana. São Paulo, 14 de setembro de 2007.” (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Como  professor Manuel Sérgio é  um grande poeta, convido a todos vocês a buscarem seus livros, seus versos. Eu queria deixar também uma lembrança do Brasil, um livro de poemas de um grande poeta brasileiro - ele é da Catalunha, na Espanha - mas já é um grande brasileiro.

Ao grande poeta Manuel Sérgio, estes versos adversos, do nosso também grande poeta e profeta, Dom Pedro Casaldáliga. Vocês vivem contextos diferentes e lutam em trincheiras diferentes, pelo mesmo ideal, um mundo diferente, centrado na plenitude e na dignidade do ser humano. Abraços, Simão Pedro. (Palmas.)

 

O SR. MANUEL SÉRGIO - Quero dizer que é uma honra receber um livro do Dom Pedro Casaldáliga, por essa razão muito simples: ele e eu escrevemos no mesmo jornal, que se chama “Fraternizar”, escrito em Portugal, por um padre que o Vaticano suspendeu suas ordens. Para mim, é uma honra receber um livro desses, de uma pessoa que eu admiro muito e que considero de fato um santo.

Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - E a editora  Perseu Abramo é uma editora mantida pelo Partido dos Trabalhadores.

Quero lembrá-los de que a solenidade está sendo transmitida ao vivo na página da Assembléia Legislativa de São Paulo da internet, e a gravação desta solenidade vai ao ar na TV Assembléia, sábado e domingo, por volta das 22 horas. Também hoje à noite, às 22 horas, o debate que fizemos com o Prof. Manuel Sérgio e outros, aqui na Assembléia Legislativa.

Queria convidar então para fazer a sua homenagem, o Grupo de Capoeira da USP, “Projeto Liberdade”.

Muito obrigado pela presença. (Palmas.)

 

O SR. COORDENADOR DO GRUPO DE CAPOEIRA - Sr. Presidente, Deputado Simão Pedro, professores, senhoras e senhores, é com muita  honra que vimos nesta homenagem ao Prof. Manuel Sérgio, em nome da  USP, Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo.

Queremos agradecer o convite do nosso amigo Rogério dos Anjos para estarmos aqui presentes. Temos a certeza que a capoeira tem uma grande sintonia com a filosofia do Prof. Manoel Sérgio. Então, estamos aqui para fazer essa representação da cultura brasileira, que está amplamente irmanada com a cultura de Portugal.

A capoeira hoje se espalha pelo mundo e leva a cultura do Brasil também. O nosso grupo de capoeira, “Projeto Liberdade”, está presente em universidades, em escolas, em projetos sociais. Viemos aqui para trazer um pouco da alegria da nossa capoeira, também a nossa fraternidade, a nossa amizade. É isto que queremos deixar registrado. Muito obrigado. (Palmas.)

 

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-         É feita apresentação da capoeira.

 

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O SR. COORDENADOR DO GRUPO DE CAPOEIRA - Muito obrigado. Não posso deixar de citar o nome do nosso mestre, Professor Gladson de Oliveira Silva, mas o estamos representando. Ele está na Argentina. Em função dele, realizamos isso. Obrigado a todos.

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Nesse livro que distribuímos no evento de hoje à tarde tem um último texto “Capoeira e Motricidade Humana”, do Professor Vinicius Heine, da CEPEUSP. Parabéns. Muito obrigado.

Para quem quiser acompanhar esta cerimônia: NET Canal 13 e TVA Canal 66, pela internet: www.al.sp.gov.br.

Tem a palavra o Professor Manuel Sérgio. Desde já agradecemos pela presença. Desde já, muito obrigado por permitir essa honrosa homenagem.

 

O SR. MANUEL SÉRGIO VIEIRA E CUNHA - Sr. Deputado Simão Pedro, muito ilustre líder parlamentar do Partido dos Trabalhadores, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, deputado e amigo fraterno que teve a bondade de propor essa festa de homenagem.

Poderia citar mais pessoas, José Antunes de Souza, e outros, mas o melhor é dizer queridas e queridos amigos.

Queridas e Queridos Amigos: era criança. Tinha seis anos de idade, quando um dos meus tios maternos, trasmontano tosco e obstinado, que procurou no Brasil o que não encontrara em Portugal - a realidade concreta de uma esperança - me disse, de passagem por Lisboa  e a caminho do Rio de Janeiro, onde vivia: "Quando, um dia, conheceres o Brasil, vais gostar!". Era uma tarde de verão, junto do Tejo, e aspirávamos ambos, deliciadamente, o ar marinho simples e picante. Nesse ano distante de 1939, Hitler tomava mais evidentes os seus crimes repugnantes contra a Europa, contra os ideais democráticos, contra a dignidade humana. Para mim, criança imberbe, a Segunda Guerra Mundial não passava de uma vaga idéia, que eu era incapaz de concretizar, com algum rigor, no que ela representava de catástrofes, de horrores, de naufrágios de sonhos bons. Nem sequer sentia as dificuldades econômicas que, então, desabaram sobre os portugueses de menores proventos. O amor dos meus queridos pais tratava de atenuá-las, tirando da própria boca para que a mim nada me faltasse de essencial. Pesava também sobre nós, portugueses, a ditadura do Estado Novo. Mas, em 1939, nem o maquiavelismo salazarista me incomodava. Todo eu era asas que me libertavam dos caminhos duros e pedregosos da vida. Mas, se deixei fugir, no rodar ininterrupto dos anos, os ecos e as reminiscências de boa parte da minha meninice, não esqueço a profecia do meu tio José:

"Quando um dia conheceres o Brasil, vais gostar!". E, em setembro de 1983, cheguei a São Paulo, pisando solo brasileiro, pela vez primeira. Acedera ao honroso convite, pela voz dos Doutores Lino Castellani Filho e Laércio Elias Pereira, do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, que me distinguira, dando-me lugar de destaque num dos seus congressos. Foram dezoito dias inesquecíveis em que escutei e cantei Geraldo Vandré:

"Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer".

Foram dezoito dias de diálogo, de discussão, de fraterna ternura e... gostei! O meu tio "acertou em cheio", como se diz, em Portugal. E gostei por quê? Porque me vi rodeado de um oceano de simpatia e pude perceber, com nitidez, as Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, no capítulo que precisamente epigrafou "O Homem Cordial".  Registra Buarque de Holanda: "O escritor Ribeiro Couto teve uma expressão feliz quando disse que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade - daremos ao mundo o homem cordial. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas pelo estrangeiro que nos visita, formam um aspecto bem definido do caráter nacional". Nesta época de geral incordialidade, afigura-se-me benefício de incalculável preço que os brasileiros ensinem os estrangeiros à doçura no trato, à fraternidade na convivência, à longanimidade intelectual e moral, mesmo quando se põe achas em acesa controvérsia, mesmo quando o que nos rodeia é um carnaval de máscaras, cada qual a esconder o que na verdade é.

Depois, publicitando eu uma tese que parecia um vento de insurreição contra o “status quo” epistemológico, universitário e político e que na Europa havia gente que a considerava tema imerecedor de alguma atenção - não ficaria surpreso, neste Brasil dionisíaco (o meu amigo e democrata sem mácula, Doutor Antônio de Almeida Santos, diz mesmo que "Dioniso naturalizou-se brasileiro"), neste "laboratório de homens livres", se as minhas palavras merecessem dos ouvintes mais combativos a reticência da dúvida ou a veemência da censura. Mereceram, de fato, uma grande compreensão - que não significou aceitação acrítica, nem rejeição imediata, mas um diálogo saudável que permitiu uma reflexão sobre os motivos da minha ruptura com o passado da educação física.  Ruptura, assinale-se, que nada tem de desrespeito; a educação física clássica nasce do dualismo antropológico racionalista, defendem-na os mais nobres espíritos da modernidade - o que se passa é que a episteme (Foucault) contemporânea exige, no meu modesto pensar, como já o fizeram outras áreas do conhecimento, que a educação física se repense, se reinterprete e proclame, como a física, a química, a medicina, a astronomia, a biologia, os próprios estudos literários, etc. uma inequívoca mudança de paradigma. No Brasil, onde a expressão educação física está oficializada e se tornou, em todo o País, uma noção familiar: poderá adiantar-se, mesmo para fundamentar as profissões que dela decorrem, que o objeto de estudo da educação física é a motricidade humana!

Em Portugal, alguns corifeus da educação física e do desporto, há uma crítica-tribunal, onde não há lei, porque não há crítico que possa assumir a função de juiz. Do ponto de vista epistemológico, muitos destes críticos não mudaram ainda de paradigma, porque só sabem contar o que fazem, na linguagem de toda a gente, de certo pela sua surdez em relação ao questionamento que cada época levanta aos saberes dominantes.  No meu país, uma instituição do ensino superior, no entanto, que nunca se deixou amputar de coragem e de lucidez, principalmente diante do enfatuado ar de sobranceria de certos representantes do Ter e do Poder (refiro-me ao Instituto Piaget), imediatamente se deitou ao estudo da Ciência da Motricidade Humana (CMH) e por decisão do seu presidente, o Prof.  Antônio Oliveira Cruz - talvez hoje o mais excelso pregador do ressurgimento de uma cultura lusófona - a CMH passou a ser um dos paradigmas por que se rege o ensino e a pesquisa naquela Casa de que o próprio Edgar Morin é professor.

Estou certo de que, dentro em breve, neste Brasil confiante, adolescente e vigoroso, a partir da Universidade Jean Piaget, de Suzano, farão eco às palavras que escutei a Antônio Oliveira Cruz, em conversa informal: "Quando um dia os portugueses compreenderem que o futuro de Portugal, estando diretamente ligado à Europa, está ligado também e estreitamente a um leal entendimento com o Brasil quando esta concepção elementar inspirar a nossa política externa, teremos entrado de vez numa hora de vitoriosas realizações nacionais". Entretanto, no Brasil, ao Prof. João Tojal, diretor da Faculdade de Educação Física da Unicamp, onde eu lecionei, a seu convite, durante os anos de 1987 e 1988, a CMH deve uma esclarecida curiosidade, uma constante e eficaz campanha de simpatia. As reuniões docentes que marcava, para discussão do novo paradigma, recordo-as como das atividades mais vincadamente universitárias que eu vivi, em toda a minha vida de professor. Depois, ainda na FEF/Unicamp, colegas como o João Paulo Freire e o João Paulo Medina, juntavam-se às minhas crenças e às minhas dúvidas, com palavras fraternais e uma imparável vontade de sacudir os torpores de uma sociedade regalada com as suas aparências, as suas falsas certezas e os seus mandarinatos. O Lino Castellani, também meu querido amigo, dedicava-se mais à implantação do Partido dos Trabalhadores, no meio universitário. E fazia-o com uma convicção e uma coragem admiráveis. O Tojal, o Lino, o João Freire, o João Medina e outros mais, todos eles, cada qual com a sua opção partidária, eram democratas e confiantes nas potencialidades ignoradas da sua Pátria.

Se um dia se fizer a história da educação física do Brasil, há de dizer-se que em determinada altura na FEF/Unicamp as pessoas se batiam por uma nova educação física pensando na transformação do Brasil. Essa é uma coisa da qual não podemos nos esquecer. Houve uma fase na vida da Faculdade de Educação Física, da Unicamp, em que um grupo de brasileiros me fez o favor de permitir que eu me aliasse a eles para pensarmos um Brasil diferente. Houve gente que se atrapalhava quando se falava da motricidade humana. Não sabiam o que queríamos dizer, então a pessoa também não podia falar muito. Ainda anteontem estive num programa de rádio com José Augusto, que era extrema-direita, e falávamos de algumas coisas com o Pelé muito engraçadas, mas não posso contar agora.

Há de existirem pessoas que queiram esconder isso, mas houve uma fase da FEF/Unicamp onde tivemos uma luta que não era só epistemológica, mas política também. A todos eles, a quem me sinto ligado por indefectível amizade, um sincero agradecimento pelas horas inebriantes de aprendizagem científica, política, humana que me proporcionaram. Ao fim de 24 anos de convívio tenso e intenso com o Brasil; pós-racionalista, pós-capitalista, pós-eurocêntrico, pós-colonialista que sou; acreditando num socialismo novo que não se confunda com ditaduras ou caudilhismos de qualquer espécie, quero afirmar publicamente que neste País, que cresceu e floriu muito para além dos alicerces que os portugueses aqui implantaram, mais aprendo do que ensino. Junto de vós, meus queridos amigos, sinto-me um eterno aprendiz!

No Brasil, conheci o Prof. Manoel José Gomes Tubino, presidente da Federação Internacional de Educação Física e pensador desta área do conhecimento de uma informação indiscutível e indiscutida; confiaram-me a orientação, ou co-orientação, das suas teses um número apreciável de doutorandos e mestrandos; recebi convites para exercer a docência em várias universidades; orientei colóquios, seminários e proferi conferências, do Norte ao Sul do Brasil, na companhia de filósofos e cientistas de primeira plana; o primeiro curso de graduação da FEF/Unicamp considerou-me o seu "patrono"; por intermédio do Prof. João Paulo Mediria fiz amizade com o jornalista Juca Kfouri, de perfil agudo, de viril irmandade, tão generosamente humano quanto honesto em combatividade e denúncia; o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, por sugestão do Prof. Lino Castellani, fez-me "sócio benemérito"; o Presidente Sarney, por proposta do Prof. Manoel Tubino, galardoou-me com a "Medalha de Mérito Desportivo"; nítido e tangível cresce ao meu redor um arco de volta inteira de solidariedade e simpatia; como vimos atrás, o Prof. João Tojal honrou-me com um convite que representou um raro estímulo de fé nas minhas modestas capacidades (ter sido professor na Unicamp foi o ponto mais alto da minha vida universitária) e anualmente, desta feita em representação do Confef, encontra sempre motivos para me trazer ao Brasil; o Deputado Simão Pedro, uma das pessoas mais humanamente encantadoras que já conheci, lidador profético de um mundo novo, que procura lutar contra os efeitos de um capitalismo sem escrúpulos, que conduz à desigualdade e à exclusão, e que é um amigo que de tanto dar pouco recebe em troca; o Rogério dos Anjos, assessor parlamentar, querido amigo também, que modela o estilo da vida ao ritmo secreto e puro da sua própria alma; o Prof Jorge Steinhilber, presidente do Confef que, alma aberta a idéias nobres e generosas, criou uma profissão, a de professor de Educação Física; o Prof Régis de Morais, para quem a ética é a filosofia primeira, isto é, a ética sobrepõe-se e subentende o político; o Prof. João Paulo Medina (amigo de todos os momentos e estudioso de impecável honestidade intelectual) que me ensina, pacientemente, por que o futebol é ciência e é cultura; os Profs. Ana Maria Pereira, que ainda há pouco terminou seu discurso, Vilma Nista-Piccolo, Carol Kolyniak Filho, Laércio Elias Pereira, Sheila dos Santos Silva, Adilson de Souza Araújo e Luiz Gonçalves Junior, todos eles de sensibilidade carinhosa e doce e que afincadamente trabalham pelo caráter intelectual da sua profissão, servindo-se, criticamente, da CMH - que mais posso eu pedir a uma Pátria por tantos títulos afim da minha? 

Pois a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo veio dizer-me, aqui e agora, que os sentimentos, neste País, são opulentos, torrenciais de formas e de cores, como a sua natureza. Ocorre-me neste momento um dos sonetos de Olavo Bilac, aquele que se refere à descoberta do Brasil, um soneto extraordinário, e que é a nona composição do seu poema “As Viagens”. Portanto, ele fala com um nauta português:

 

O Brasil

 

Pára!  Uma terra nova no teu olhar fulgura!

Detém-te!  Aqui, de encontro a verdejantes plagas,

Em carícias se muda a inclemência das vagas...

Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

 

Treme-lhe a voz afeita às blasfêmias e às pragas.

Ó nauta!  Olha-a de pé, virgem morena e pura,

Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,

Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas!

 

Beija-a!  O Sol tropical deu-lhe à pele doirada,

O barulho do ninho, o perfume da rosa,

A frescura do rio, o esplendor da alvorada!

 

Beija-a! É a mais bela flor da Natureza inteira! 

E farta-te de amor nessa carne cheirosa,

Ó desvirginador da Terra Brasileira! (Palmas.)

 

Este é um poema que vale a pena ler outra vez.

 

Pára!  Uma terra nova no teu olhar fulgura!

Detém-te!  Aqui, de encontro a verdejantes plagas,

Em carícias se muda a inclemência das vagas...

Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

 

Treme-lhe a voz afeita às blasfêmias e às pragas.

Ó nauta!  Olha-a de pé, virgem morena e pura,

Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,

Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas!

 

Beija-a!  O Sol tropical deu-lhe à pele doirada,

O barulho do ninho, o perfume da rosa,

A frescura do rio, o esplendor da alvorada!

 

Beija-a! É a mais bela flor da Natureza inteira! 

E farta-te de amor nessa carne cheirosa,

Ó desvirginador da Terra Brasileira! (Palmas.)

 

Isto é lindo! Eu leria 30 vezes. Aliás, Olavo Bilac, ao lado talvez de Antero de Quental, foi um dos melhores sonetistas da Língua Portuguesa.

E esta deve ter sido a impressão dos descobridores portugueses; esta é a minha impressão (eu ia dizer: a nossa impressão, pois que o Prof. Antunes de Souza, que me acompanha desde Portugal nesta jornada, já sentiu o mesmo) quando, deixando atrás de mim a paisagem fria, alvacenta e discreta da Europa, embriago-me com a paisagem deslumbrante da vossa amizade - que é paradisíaca como as vossas serras, os vossos rios, as vossas florestas, os vossos pomares. 

Sr. Deputado Simão Pedro, V. Exa. - parece que estamos em família - que pode exclamar como os sábios do Renascimento: "Sou homem, nada do que é humano me é estranho", dignou-se honrar esta sessão solene com a sua nobre presença. Conta espirituosamente um escritor francês do século XIX aquele caso de um poeta que, sentado no banco de um jardim público, atrás do qual se situava um nicho de santo, que não descortinara ainda, correspondia, muito compenetrado, a todos os cumprimentos, que reputava dirigidos a si, dos transeuntes que se inclinavam diante do santo. Bastou-lhe mudar de banco, para concluir, melancolicamente, que o seu único admirador era ele mesmo!  Também eu, neste momento, me sinto colocado por diante de um nicho sagrado - o prestígio, o valor, o significado da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sem V. Excelência, sem os meus queridos todos amigos que me rodeiam não sei como hei de classificar neste momento! Porque os rasgos do entendimento ousado desta Casa, os prodígios da sua vontade enérgica, a oportunidade das suas normas e leis; porque nela trabalham alguns dos mais formosos espíritos da ciência jurídica, da vida intelectual e da prática política do Brasil de hoje - diante da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, diante das suas tradições e das suas virtudes cívicas, confesso que nada tenho, que nada sou, que nada valho. Então por que têm Vossas Excelências, Senhoras e Senhores Deputados, a bondade de homenagear-me? Porque a solidariedade (virtude em que é exímio!) do Deputado Simão Pedro, lenta e laboriosamente, tem dado relevo a uma ou outra qualidade, das poucas em que me revejo? Porque já aqui chegou, talvez pelo formigar diligente do assessor parlamentar Rogério dos Anjos, o meu amor pelo Brasil, designadamente por esta cidade onde hoje me encontro?  Aplaudo e repito o Canto da Raça, de Cassiano Ricardo, consagrado a São Paulo e que assim termina: “Amo S. Paulo que não é um presente da natureza para os olhos meus, mas um presente para os olhos de Deus”.

Afinal, por que me homenageiam?  Neste alucinante prodígio de vitalidade criadora, que é a cidade de São Paulo, até nem me surpreende que Vossas Excelências façam o milagre de ver num modesto professor do lusitano Instituto Piaget (que, dentro em breve, será paulista e brasileiro também, na cidade de Suzano) um quase sábio ou um quase santo, credor da vossa quase gratidão. Aceito, de boa mente, os direitos da vossa imaginação e da vossa sensibilidade mas, porque é muito pequena a pretensa grandeza das minhas excelências, permita-me, Sr. Presidente, que eu relembre, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o gênio empreendedor do Brasil, a sua capacidade realizadora, concretizadora de todos os sonhos, de todos os possíveis, que faz desta Pátria amada uma potência respeitada e admirada, em todo o mundo civilizado. Dizer "Brasil", hoje, equivale a render culto a uma Pátria que, na continuidade da sua História e na gloriosa ascensão do seu desenvolvimento, corporiza o rasgar audacioso dos novos caminhos do Futuro. E o que poderia eu dizer de São Paulo, este soberbo empório da América, com uma cultura que é uma das expressões mais empolgantes do espírito latino?

Sr. Presidente, repito-me: nada tenho, nada sou, nada valho, diante do que V. Excelência, político ilustríssimo e um intelectual de muitos méritos, representa, diante do que esta Assembléia Legislativa resume, diante da ternura dos amigos que, neste momento, me rodeiam. Sou um fascinado pela invencível febre de viver que anima este País glorioso, pela sua marcha vitoriosa em direção ao progresso. E porque no Brasil me encontro também em Portugal, na existência de tradições comuns, na fraternidade do sangue, na uniformidade do idioma. Primeiros formadores do Brasil, com todos os defeitos que possamos lançar-lhes em rosto, foram os portugueses da epopéia marítima. E até aqueles homens honrados que à procura do pão aqui encontraram um mais opulento campo de ação ao seu trabalho honesto e perseverante. Não esqueço O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro: "Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos". Assim foi, grosso modo. Assim não é, hoje. Em 2007, brasileiros e portugueses somos, de fato, irmãos. E não se trata de uma imagem de poesia fácil, porque tal designação corresponde rigorosamente a uma idéia que também tem alicerces históricos. Acima de todas as desconfianças passageiras, que o "achamento" do Brasil proporcionou, que ressalte desta sessão a certeza de que as nossas duas Pátrias se desligaram, para melhor se conhecerem: desuniram-se os corpos para se estreitarem as almas! Com uma emoção transbordante (porque eu amo também o Brasil), deixem-me gritar: Viva o Brasil! Viva Portugal!

 

O SR. PRESIDENTE - SIMÃO PEDRO - PT - Prof. Doutor Manuel Sérgio Vieira e Cunha, Prof. José Antunes de Souza, Prof. João Paulo Medina, em nome de quem cumprimento a todos os professores que nos deram o prazer e a honra das suas presenças aqui, senhoras e senhores, sinto-me muito honrado em ser o anfitrião nesta Casa do tão ilustre professor e doutor Manuel Sérgio, que se algum termo pode defini-lo, parece-me ser o filósofo mais importante que o desporto produziu nas últimas décadas - o filósofo da motricidade humana.

Esta homenagem nasce do profundo reconhecimento, por parte daqueles que tiveram a oportunidade e a satisfação de ter o convívio e o acesso à obra acadêmica e intelectual do nosso homenageado, do seu talento didático, da fecundidade de sua reflexão filosófica e de sua imensa generosidade.

Esta homenagem é também resultado do adensamento e da importância do tema da motricidade humana no contexto da Educação - adensamento e importância que têm em Manuel Sérgio um dos seus autores.

Na pedagogia e na filosofia do professor Manuel Sérgio, o homem não está fracionado, dividido entre físico e mental. Sua visão é do homem como um todo, inclusive ele faz a análise do corpo em termos políticos: "pelo corpo, a cultura deixa de ser platônica e tenta realizar a unidade humana com o nascimento de nova mentalidade, onde cabe o homem integral".

Manuel Sérgio defende que o desporto pode ser um ótimo contra-poder ao poder das taras dominantes no neoliberalismo. Por isso, não temos qualquer receio em considerá-lo o português que mais nos ensinou a ver no desporto um fator de desenvolvimento social e político.

Em nome da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo presto aqui esta justa e afetuosa homenagem ao nobre professor, educador e filósofo Manuel Sérgio.

Muito obrigado.

Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la, esta Presidência agradece às autoridades, aos funcionários desta Casa, ao pessoal do cerimonial, aos funcionários do nosso gabinete, aos profissionais da imprensa legislativa, enfim, àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a presente sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 20 horas.

 

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