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20 DE NOVEMBRO DE 2000

44ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DO “DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA”

Presidência: NELSON SALOMÉ

 

Secretário: NIVALDO SANTANA

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 20/11/2000 - Sessão 44ª S. Solene Publ. DOE:

Presidente: NELSON SALOMÉ

 

COMEMORAÇÃO DO "DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA"

001 - NELSON SALOMÉ

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades. Anuncia que a sessão foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Vanderlei Macris, atendendo à solicitação do Deputado ora na Presidência, com a finalidade de comemorar o Dia da Consciência Negra. Convida todos a ouvirem a execução do Hino Nacional Brasileiro.

 

002 - NIVALDO SANTANA

Pelo PC do B, cumprimenta o Presidente Nelson Salomé e as demais autoridades. Ressalta o papel dos negros na história de nosso país, do ponto de vista da construção das riquezas naturais, do aporte de cultura e da formação da nacionalidade.

 

003 - ZUZA ABDUL MASSIH

Pelo PRP, saúda o Presidente Nelson Salomé e as demais autoridades. Parabeniza toda a colônia negra no Brasil que, ao lado de imigrantes advindos de todas as partes do mundo, construíram e constroem o país.

 

004 - PAULO RANGEL

Deputado da República de Angola, cumprimenta o Presidente Nelson Salomé e as demais autoridades. Ao referir-se ao motivo da sessão, faz votos para que, no próximo milênio, seja retirado do vocabulário, no Brasil e em Angola, a palavra exclusão racial. Faz votos para que se consolidem a solidariedade e a cooperação entre os dois povos.

 

005 - ANTÔNIO CARLOS ARRUDA DA SILVA

Como Presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado, cumprimenta o Presidente Nelson Salomé e as demais autoridades. Traz para cada um dos presentes, mas, acima de tudo, para as gerações jovens, a imagem de Zumbi, revivido por força e obra da ação do movimento negro.

 

006 - HÉLIO SANTOS

Na qualidade de professor universitário da Unicamp, cumprimenta o Presidente Nelson Salomé e as demais autoridades. Ao falar de auto-estima e da identidade negra, dá ênfase à mulher negra.

 

007 - AGNALDO ROCHA

Cônsul de Cabo Verde, saúda o Presidente Nelson Salomé, membros da Mesa e os demais presentes. Historia o relacionamento Brasil-Cabo Verde.

 

008 - JOSÉ VICENTE

Na qualidade de Presidente da Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento e Cultura - Afrobrás, homenageia o Presidente Nelson Salomé e, na sua pessoa, as demais autoridades. Relaciona a solenidade com um inventário do que tem sido a luta da comunidade afrodescendente, ao longo das décadas que se passaram.

 

009 - Presidente NELSON SALOMÉ

Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido o Sr. Deputado Nivaldo Santana para, como 2º Secretário “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.

 

O SR. 2º SECRETÁRIO - NIVALDO SANTANA - PC do B - Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Tenho a alegria de nomear as autoridades presentes. Quero agradecer a presença do Sr. Desembargador Dr. Álvaro Lazzarini, primeiro Vice Presidente do Tribunal de Justiça, representando o Exmo. Sr. Dr. Márcio Martins Bonilha, Presidente do Tribunal de Justiça;  Sr. Paulo Rangel, Deputado de Angola, que nos traz uma alegria muito grande; Sr. Dr. José Vicente, Presidente da Associação Afro-Brasileira - Afrobrás; Exmo. Sr. Agnaldo Rocha, Cônsul-Geral de Cabo Verde; Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Arruda da  Silva, Presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra; Exmo. Sr. Sebastião Carvalho, Coordenador Técnico da Prefeitura Municipal de São Paulo; Exmo. Sr. Professor Hélio Santos, Professor Universitário da Unicamp; Sr. Dr. Rui Correia, Conselheiro do Tribunal de contas do Município de São Paulo; Ilma. Sra. Dra.  Maria Clementina de Souza, representando o Dr. Paulo Fernando Fortunato, Presidente da Associação de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo; Exma. Sra. Deputada Theodosina Rosário Ribeiro e seu esposo; Exmo. Sr. Marco Antônio Zito Alvarenga, Procurador Federal do Ministério da Previdência Social; Exmo. Dr. Cosmo Feliciano da Silva, Diretor do Hospital de Clínicas Clinicordis; Mãe Silvia de Oxalá; Exmo. Sr. Deputado Faria Júnior; Exmo. Sr. Deputado Celino Cardoso; Exmo. Sr. Deputado Nivaldo Santana; Exmo. Sr. Professor Eduardo de Oliveira, Presidente do Congresso Nacional Afro Brasileiro; Exmo. Sr. Deputado Adalberto Camargo, Presidente da Câmara de Comércio Afro Brasileira; Exmo. Sr. Waldemar Tebaldi, Prefeito Municipal de Americana; Exmo. Deputado Joseph Zuza, líder do PRP; Sr. Ivamar dos Santos, Secretário da Social da Democracia Sindical; Sr. José Paixão de Souza, Gerente de Planejamento e Controle da Telefônica; Sr. Miguel Alves de Oliveira, da Organização Contábil Assessoria de Documentação; Sr. Manoel de Almeida Silva, da Promon Eletrônica Ltda., Senhores Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Vanderlei Macris, atendendo solicitação deste Deputado, com a finalidade de comemorar o Dia da Consciência Negra.

Convido a todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

           

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- É executado o Hino Nacional.

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O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Agradeço a participação da Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Abrimos a palavra aos nossos nobres Deputados que queiram falar.

Tem a palavra o nobre Deputado Nivaldo Santana, do Partido Comunista do Brasil.

 

O SR. NIVALDO SANTANA - PC do B - Sr. Presidente desta Sessão Solene, nobre Deputado Nelson Salomé, autoridades presentes, minhas senhoras, senhores, companheiro Deputado Zuza, é com muita satisfação que participamos desta Sessão Solene da Assembléia legislativa, em boa hora convocada pelo nosso colega nobre Deputado Nelson Salomé, para resgatar uma das datas mais importantes da história do nosso país, que procura rememorar a saga de Zumbi dos Palmares, abatido há 305 anos e que até hoje permanece nos corações e nas mentes da comunidade negra e de todos aqueles que amam a liberdade, a democracia e a justiça social como símbolos de luta por um Brasil novo e diferente.

A história do nosso país, sem dúvida alguma, nós que estamos no final da comemoração dos 500 anos de existência do Brasil como nação, temos a profunda compreensão que do ponto de vista da construção das riquezas naturais, do aporte de cultura, da formação da nacionalidade, os negros, ao lado de outros povos e outras nacionalidades que aqui vieram, como os brancos, os asiáticos, os árabes e todos os outros, formam, sem dúvida nenhuma, essa grande nação brasileira que, no entanto, se é uma nação que até hoje perdura com altos índices de exclusão social, com altos índices de concentração de renda, sem dúvida nenhuma, todas as estatísticas e todos os indicadores econômicos e sociais demonstram que a comunidade negra é a que tem mais dificuldade em acesso à educação, é a que tem mais dificuldade de ter acesso ao trabalho e é a que tem mais dificuldade de ter acesso a postos mais qualificados e viver numa situação de vida melhor. É por isso que esta Assembléia Legislativa de São Paulo, ao realizar um profundo debate e reflexão sob o peso e o papel da comunidade negra, dá a sua cota de contribuição no sentido de romper as barreiras que, há séculos, tem impedido que os negros ocupem a posição de direito que devam ter na sociedade brasileira. É por isso que nós, enquanto líderes do Partido Comunista do Brasil, e falamos também em nome do meu colega Deputado Jamil Murad, queremos cumprimentar a todos e dizer que atividades como esta, sem dúvida nenhuma joga um papel importante para reafirmar a importância do negro e para reafirmar a importância de construirmos uma sociedade com democracia, com justiça social e soberania. Esse tipo de sociedade só será possível ser construída com a participação plena e igualitária da comunidade negra.

 Parabéns e muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Tem a palavra o nobre Deputado Zuza Abdul Massih, do PRP.

 

O SR. ZUZA ABDUL MASSIH - PRP - SEM REVISÃO DO ORADOR - Sr. Presidente, nobre Deputado Nelson Salomé; nosso desembargador e vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Álvaro; autoridades presentes; Srs. Deputados; minhas senhoras e meus senhores, é com muito orgulho  que estamos aqui hoje junto com os nossos irmãos comemorando um dia muito especial para todos nós brasileiros.

Quero parabenizar toda a colônia negra no Brasil que chegaram ao nosso País há mais de 400 anos com luta com os imigrantes que vieram de todas as partes do mundo, como disse o meu colega Deputado Nivaldo Santana, lutaram ao lado de todos os imigrantes árabes, judeus, alemães, italianos, espanhóis e portugueses que aqui vieram e construíram e estão construindo com os nossos irmãos brasileiros um país maravilhoso como o nosso Brasil. Nós, que somos descendentes de imigrantes, sentimo-nos muito honrados por sermos sempre recebidos, de braços abertos, pela nossa população brasileira e pelos irmãos brasileiros.

Para nós, é com muito orgulho que estamos comemorando esta data tão importante, onde se vê a colônia negra participando em todas as atividades do País como senadores, deputados federais, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. É isso que é o nosso Brasil: são os imigrantes que estão construindo esta grande Nação.

Parabenizo, de coração, toda raça negra do Brasil por este dia. Vamos continuar com essa força de vontade e construir um Brasil melhor ainda.

Parabéns a todos os participantes! Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL­ - Temos também a satisfação de ouvir o nosso colega deputado de Angola, um país que tivemos a felicidade de visitar e sentir lá uma recepção tão fraternal que sentimos no nosso íntimo a certeza que saímos daquela terra, tal é a identidade que tivemos com aquela gente, tal foi a receptividade que tivemos.

Deputado Paulo, para nós é uma alegria muito grande ouvi-lo, colocamos nossa Casa à sua disposição e gostaríamos que voltasse mais vezes, de preferência na hora da nossa sessão para conhecer os nossos outros deputados que não puderam estar aqui presentes hoje.

Tem a palavra o nobre Deputado Paulo Rangel.

 

O SR. PAULO RANGEL - Exmo. Presidente da presente sessão solene, Deputado Nelson Salomé, digníssimos Srs. Deputados, estimados convidados; minhas senhoras e meus senhores, é um grande orgulho de eu estar pela primeira vez nesta  terra e falar nesta grande Casa, numa data como esta, exaltando a consciência negra.

 Faço votos que esta idéia se consolide para que no próximo milênio, século XXI, retire de uma vez por todas do vocabulário no Brasil e em Angola, ou de qualquer parte do mundo, a palavra exclusão racial.

Foi- me dada esta imensa oportunidade para falar de Angola, mas seria muito fastidioso. A nossa terra, Angola, é martirizada com uma guerra que começou há 30 anos. Muitos de vocês, com certeza, conhecem ou conhecerão, e, muitos de vocês, com certeza, estão vindo dessa pátria de Agostinho Neto e de tantos outros heróis.

Faço votos que a solidariedade e a cooperação entre o povo brasileiro e o povo angolano se consolide, fortaleça-se pelo aspecto cultural, econômico, financeiro, político e social para que todos, de mãos dadas, possamos trabalhar para o progresso e o bem-estar dos nossos povos.

A luta dos negros da África é secular - e vocês são os verdadeiros testemunhos. É verdade que em Angola a situação do racismo, da exclusão dos negros, a diferença no emprego, nas escolas e nas universidades não é tão forte como é visível nessa sociedade.

Gostaria de deixar o meu apelo para que todos os negros e todos os patriotas, que lutam por essa causa, possam unir esforços para que a causa da razão e da verdade triunfe.

Parabéns a todos! Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE- NELSON SALOMÉ - PL - Temos também a oportunidade de ouvir o Sr. Antonio Carlos Arruda da Silva, Presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo.

 

O SR. ANTONIO CARLOS ARRUDA DA SILVA - Exmo Deputado Nelson Salomé, Exmos. Srs. Deputados estaduais Nivaldo Santana e Zuza Abdul Massih, Exmo Sr. Desembargador Álvaro Lazzarini, vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, demais autoridades consulares e eclesiais presentes, companheiros e companheiras de entidades de movimento negro, minhas conselheiras e conselheiros presentes, membros atuais e ex-membros do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, Sr. Deputado angolano, Angola é um país que tem estreitas relações com o Brasil e que me traz doces e importantes recordações das minha primeiras ações festivas do movimento negro, que foi comemorar a independência de Angola.

Em razão de que ainda vivíamos sob a ditadura militar, a casa onde nos reuníamos em uma das extintas entidades do movimento negro, a Cacupro, o dono nos colocou para fora e fomos fazer a comemoração da independência de Angola na rua, em uma praça do Ipiranga. Para nós, era uma coisa imprescindível. Preferíamos ficar sem teto, mas não deixar de comemorar a independência de um país irmão como Angola que tive a oportunidade de visitar, de conhecer, há dois anos, e onde tenho muitos amigos.

Como hoje é dia de comemoração, não poderíamos nos ausentar de uma solenidade tão importante e marcante como essa que foi convocada pelo nobre Deputado Nelson Salomé. É nosso dever trazer a cada um dos presentes, mas, acima de tudo, para as gerações jovens e para as futuras gerações a imagem de um Zumbi revivido por força e obra da ação do movimento negro. As pessoas da minha geração se lembram que  aprendíamos nos bancos escolares que Zumbi era um negro fujão. Ladino, sim, porque Zumbi é brasileiro e nunca foi escravo - é bom que se diga. Era uma pessoa que, rebelde, colocava-se diante da imensa força da lei portuguesa, da corte portuguesa que não respeitava os direitos hoje reconhecidos como direitos fundamentais da pessoa humana. Por isso, aprendemos, naquela época, que Zumbi era um bandido.

A força da ação do movimento negro independente, autônomo, corajoso foi às ruas, enfrentou as autoridades deste País, todos os doutores de educação. Provou e mostrou que Zumbi é, se não aquele que é o maior, um dos grandes líderes não somente do Brasil mas de toda a América. Um homem que hoje, se há algum parâmetro para compará-lo, sem dúvida alguma, está na figura do nosso grande irmão da África do Sul, Nelson Mandela. Esta a única figura comparável, que me perdoem outros tantos homens do Brasil e de outras partes do mundo.

Mais do que isso, hoje é o momento de fazermos também uma reflexão da ação do movimento negro. É preciso pensar a cada momento que Zumbi era um homem que atemorizava porque exercia, acima de tudo e antes de mais nada, o poder - e sabia fazê-lo.

Enfrentamos, há poucos dias, um processo eleitoral, precisamos fazer uma reflexão de qual foi a posição alcançada por companheiras e companheiros da comunidade negra que buscaram a representação, especialmente nas casas parlamentares. Em casas como esta é que estamos representados. Os Srs. Deputados estão aqui para representar, de maneira mais democrática e mais lídima possível, porque é alcançada pelo voto popular a nossa representação.

Os parlamentares municipais, os vereadores, as câmaras municipais são aquelas que estão mais próximas de nossa realidade e, sem dúvida alguma, companheiros nossos deveriam expressar aquelas que são as legítimas necessidades da população negra, da população afro-brasileira do Estado de São Paulo. Não é um momento de fazer pura e simplesmente uma crítica. É um momento de comemoração. Vamos celebrar com muita dignidade o Dia de Zumbi dos Palmares, mas, acima de tudo, chamar a atenção especialmente dos líderes de entidades e organizações negras para o dever de organizar o voto da população negra no Estado de São Paulo e no Brasil.

Ainda há pouco o representante da colônia árabe disse que a sua colônia foi muito bem recebida no Brasil. E foi certamente. Assim como foram todos os outros imigrantes. O nosso coração é grande aqui como foi na África. A nossa cordialidade é grande aqui porque é assim que tratamos nossos visitantes no continente africano. Que o diga o nosso irmão angolano, pela imensa bondade, pela imensa ternura que nos passou. Vejam que ele falou de um país que está em guerra há trinta anos. Mas em nenhum momento em seu discurso sentimos qualquer ressentimento, raiva, ódio ou intolerância. O que assistimos foi uma manifestação terna, pura e simples. Sem dúvida alguma, Angola e os demais países africanos superarão essas dificuldades e nós estaremos juntos também nesse momento.

Companheiros de entidades do movimento negro, é nosso dever trabalharmos para o organização do voto negro. É preciso transformar em realidade aquilo que o nobre deputado que nos antecedeu disse, ou seja, que tenhamos representantes nos Parlamentos.

Tenho certeza de que esse Zumbi que revivemos a cada ano, esse Zumbi que carregamos conosco 365 dias por ano, sejamos ou não militantes, ficará satisfeito por ver que sua luta não foi em vão.

Axé, meus irmãos.

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Temos agora a satisfação de passar a palavra ao Prof. Hélio Santos, da Unicamp, que falará sobre a auto-estima do negro no Brasil.

 

O SR. HÉLIO SANTOS - Exmo. Presidente desta sessão solene, nobre Deputado Nelson Salomé, nobre Deputado Nivaldo Santana, autoridades, é uma grande satisfação estar aqui hoje, inclusive revejo alguns amigos que de há muito tempo não via. Hoje, ao falar da auto-estima e da identidade negra quero dar uma ênfase à mulher negra. Então, quero cumprimentar especialmente a nobre Deputada Theodosina Ribeiro e a Mãe Silva de Oxalá. Acredito que cumprimentando estas duas mulheres negras cumprimento a todas que se encontram neste plenário. (Palmas.)

Como dizia, revejo alguns amigos: Alberto Ferreira, Jurandir Nogueira, Dr. José Vicente, Rosângela de Paula, dentre outros. Quero dizer da minha alegria de estar aqui. O dia 20 de novembro é uma data que vem adquirindo força. É importante entender como essa data foi construída.

Durante muito tempo o 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura no Brasil, foi a data oficial para se comemorar a suposta libertação dos negros. E o dia 20 de novembro é uma data que foi construída, porque representa a luta efetiva, ou seja, quando o movimento negro lutou para tornar esta data no Dia Nacional da Consciência Negra, tinha em mente o seguinte: 20 de novembro representa a luta, ao passo que 13 de Maio seria uma suposta dádiva. Na verdade, todos sabem que liberdade, cidadania não é dada, mas conquistada. Então o 20 de novembro é uma conquista de todos nós.

Na verdade, temos de refletir sobre o que representa o Dia Nacional da Consciência Negra, sobretudo quando se sabe que a palavra “negro” vem conectada de uma idéia ruim. Como se fala nuvens negras, destino negro, nós falamos em Consciência Negra como algo positivo.

Hoje pela manhã eu dava uma entrevista ao “Jornal do Brasil”, no Rio de Janeiro, enquanto pessoas eram entrevistadas pelas ruas. Hoje, é bom saber, é feriado no Rio de Janeiro; é o único lugar em que 20 de novembro é feriado por conta de Zumbi, uma conquista também do Movimento Negro e muitos não sabem a razão, porque ainda não identificam Zumbi.

Durante a nossa entrevista, alguns dos entrevistados diziam que não entendiam o porquê e eu explicava que faz sentido esse feriado no Rio de Janeiro porque foi, no século passado, a maior cidade escravista do Planeta!

Em 1850, o Rio de Janeiro tinha 300 mil habitantes, dos quais 172 mil eram escravos. Para melhor entendimento, para cada cidadão havia mais de um escravo. Hoje, quando todos procuram decodificar o caos que é o Rio de Janeiro, precisam ver a sua história. Não se consegue esconder o 13 de Maio debaixo do tapete. A população libertada nessa data não tinha para onde ir. O que hoje é reconhecido poeticamente como morro, é para onde a população negra fugia para poder sobreviver e construir os seus barracos.

O Rio de Janeiro me lembra um tipo de ecologia, não essa ecologia positiva. Eu vejo no Rio uma espécie de ecologia da barbárie, onde a miséria vem sendo preservada secularmente.

O que temos hoje é o retorno. A violência que se vê hoje no Rio de Janeiro é apenas um reflexo da violência ocorrida com a Abolição da Escravatura, quando os negros não foram transformados em cidadãos.

     Então Zumbi tem de ser encarnado nesta perspectiva de luta e justiça.

Queria enfatizar hoje a mulher. Há pouco tempo eu preparava um trabalho e ao recortar revistas vi a Camila Pitanga ainda adolescente. Hoje ela é uma moça, mas há oito anos ela era uma adolescente. E sempre que chamada de moreninha ela reagia dizendo: “Não, sou negra e tenho orgulho das minhas raízes”.

Dentro daquilo que é o imaginário brasileiro, para muita gente realmente a Camila - inclusive para alguns negros - é moreninha. A atriz tem como pai o ator Antônio Pitanga, que é um militante consciente. Então como ela foi corretamente educada, ela tem por que ter orgulho das suas raízes. Só podemos ter orgulho de nossas raízes se a conhecemos; não se pode ter orgulho daquilo que não se conhece.

Sábado passado fui convidado pelo Dr. José Vicente, Presidente da Afrobrás, para participar de um evento que a organização efetuava na Cosmo Étnica. Emocionei-me ao ver um coral de mulheres negras. A idade variava de 14/15 anos a mulheres de 70 anos, todas vestidas a caráter e muito bonitas.

A primeira coisa a impressionar-me naquele conjunto de mulheres foi a beleza, depois o canto delas também me emocionou. Vendo aquelas mulheres cantando, percebi, de certa forma, o que foi feito conosco. O que perdemos não sabemos muito bem, porque os meios de comunicação enfatizaram, de tal forma, um padrão de beleza que perdemos de vista o que somos.

O Brasil é uma espécie de pomar rico, onde todas as frutas que vocês podem imaginar estão lá, mas existe um “maître” que insiste sempre em oferecer uvas, talvez douradas sempre, mas tem goiaba, pitanga, amora, todas as frutas. Tem uma riqueza efetiva, mas estupidamente insiste em oferecer uvas. É o que vemos na televisão. Se um estrangeiro ligar a televisão brasileira, cortar o som e ficar vendo as pessoas, vai imaginar que está na Dinamarca ou na Suécia. Vi mais negros na televisão em Bruxelas, na Suíça, em Genebra do que no Brasil, um País, onde 47% da população é preta e parda, ou seja, uma população negra ou descendente.

Segundo a projeção do IBGE, no final deste ano temos 78 milhões de negros ou descendentes. Isto representa duas vezes a Argentina, Uruguai e Paraguai. Essa seria a somatória desses 78 milhões que somos. Na verdade, essa potência que somos, essa beleza que dispomos perdemos de vista.

O coral de mulheres me chamou atenção daquilo que acontece com adolescente negra. Há três anos participei de uma banca de mestrado como examinador em Campo Grande, Mato Grosso e a educadora fez um estudo fantástico com crianças na idade na idade pré-escolar, meninos e meninas na idade de três a seis anos. Que tipo de estudo ela fez? Ela queria saber como estava a auto-estima das crianças negras e para trabalhar com crianças que ainda não estão alfabetizadas, a pesquisadora, no caso uma pedagoga, teve que tomar muito cuidado, porque ela trabalha com fotografias, com desenhos e teve que ficar um ano na creche para que as crianças pudessem se habituar com a presença daquela tia, na verdade era um tia postiça, para que ela pudesse obter as informações.

Qual foi o resultado dessa pesquisa? Todas as meninas pretinhas não se identificavam como negras. Quando mostravam fotografias para elas, identificavam-se como meninas loiras, com bonecas loiras. Num determinado momento quando a criança apontou para fotografia de uma menina loira, dizendo que ela se parecia com aquela, a pesquisadora pegou a foto de uma outra menina pretinha parecida com ela e perguntou: “E essa o que você acha? A menina olhou e disse: “Eu pareço com as duas”.

O que acontece é que a criança começa a ver televisão muito cedo. Então como falar em auto-estima, na identidade negra, se desde cedo, muito cedo essa identidade é quebrada?

Portanto, quando o nosso colega Antônio Carlos Arruda fala em organizar o voto negro, temos que ver, desses 78 milhões, aqueles que sabem e aqueles que se gostam negros. Tem que saber quem veio antes, o ovo ou a galinha. É uma tarefa difícil, mas sem uma conscientização daquilo que somos e do nosso potencial, não haverá voto negro até porque não vou identificar-me com candidatos negros. Essa coisa de identidade, temos que decifrar o que vem a ser isso. Todos temos uma carteira de identidade, com data de nascimento, local de nascimento, nome dos pais. Essa identidade é um tipo de identidade. É a identidade brasileira e sempre está ligada aos pais, por isso na carteira de identidade tem os nomes dos pais, mas temos avôs, bisavôs, tetravôs.

Brasil foi o país que maior volume de escravos importou, cerca de 10 milhões de pessoas. Cerca de quatro milhões de pessoas vieram  para cá, 10 milhões, foi um volume que foi raptado da África. Quarenta por cento da população raptada da África veio para o Brasil, no entanto, a nossa identidade, por incrível que pareça, é identificada através dos Estados Unidos.

Hoje, em São Paulo, temos cinco ou seis filmes em cartaz, pelo menos em três deles, se o ator principal não for um negro é um coadjuvante. São atores americanos que todo Brasil curte, gosta e os brancos também. No entanto, no Brasil não temos atores negros. No cinema não falo, mas na televisão.

   Hoje, temos diversas propagandas na televisão  em que não aparece voz, só imagens. São propagandas internacionais da Coca-cola, da Nike feitas nos Estados Unidos, ai vemos o negro.

   Então, um país que ao vender sabonetes, cerveja, coca-cola, as coisas mais populares, não consegue se identificar, não consegue olhar no espelho e ver a si mesmo é um país sem identidade. Não se sabe de um único país no planeta que deu certo sem identidade racial. Todas as grandes nações que conhecemos: Japão, Inglaterra, França, Itália, Espanha, todos têm uma identidade muito forte. A nossa identidade é negra mestiça e no Brasil aqueles que tem status de mestiço fogem da sua identidade negra como diabo da cruz. Essa é, talvez, a dificuldade maior que temos hoje em nos afirmar como uma grande nação.

Costumo dizer que a identidade é como automóvel que tem que ter pneus para rodar de forma macia, de maneira adequada. Os brasileiros negros que não têm identidade estão sempre rodando no aço. É como se tivessem um automóvel sem pneu. Eles derrapam, sentem-se mal. Imaginem um automóvel transitando pelas ruas de São Paulo sem pneus, o barulho que faz, o desconforto desse motorista nas curvas. São as pessoas que não sabem exatamente o valor que têm. Nós, aqui, costumamos dar valor às bijuterias, às quinquilharias e temos jóias brutas, verdadeiras que fazemos questão de escamotear.

Portanto, com essa beleza negra que vemos hoje nas mulheres, começa irromper uma identidade negra pelas roupas, pelos penteados. Podemos ver aqui nesta platéia, se observarmos não só as tranças. Podemos fazer com nossos cabelos o que quisermos. Podemos tingir de loiro, sim, de verde. A estética negra é criativa.

As pessoas comentam. Mas por que os jogadores de futebol estão tingindo os cabelos de loiro? Eu digo, ótimo. Os brancos nunca pediram licença para tingir os cabelos da cor que querem e quando o negro tinge o cabelo de loiro, realça a sua negrura. A criatividade negra nos permite.

Quando digo da estética negra, falo do arrojo. As mulheres podem usar tranças, maria-chiquinhas, mechas. Toda estética tem que ser valorizada nesse início de milênio. É verdade que há mais produtos para alisar cabelos do que para cuidar da nossa estética natural, mas isso também é mais um aspecto ideológico.

No momento em que um padrão de beleza negra começa a ser colocada timidamente na televisão, começa a definir que padrão seria esse. Algumas pessoas imaginam que o padrão negro de beleza, especialmente da mulher é aquele que se aproxima mais do branco, o que é um absurdo. Mais de uma modelo me afirmou: “Olha, para conseguir fazer uma publicidade, estar no primeiro plano, é necessário as negras que tenham mais feições de brancas”. É muito estranho essa realidade no Brasil, porque na Europa- esta sim, verdadeira branca - as modelos negras são bem-vindas. Quem aqui não conhece uma modelo que teve que ir para Nova Iorque, Europa para conseguir algum sucesso?

Hoje quero usar um tema diferente. Acho que para se fazer política não precisa fazer um discurso político. Quando vejo uma menina negra vestida assumidamente ela está fazendo um discurso político, só que é um discurso visual, que tem um alcance superior ao meu, ao do político convencional, porque lentamente está mudando corações e mentes.

Fico muito alegre quando vejo meninos e meninas brancos da classe média nos copiando. As vestimentas, os bonés, as roupas já copiam, mas estou falando copiando a nossa estética, ou seja, o reverso da medalha começa a acontecer. Já é assim na culinária, na música neste País, que são negras e estão à disposição, como disse o Sr. Arruda. Tudo aquilo que a população negra produziu é de todos, da feijoada ao samba.

Quando alguém vai a Nova Iorque ou qualquer outra cidade importante pede um prato brasileiro, o prato servido é a feijoada. Pergunto se os meus ancestrais eram ou não sábios? Um povo aprisionado conseguia criar. Para o português, só as partes nobres do porco importavam, o lombo, o pernil, tinha que cozinha ou assar. Mas o negro via jogar fora a orelha, o rabo, o pé do porco para que os urubus comessem. Os negros falavam: Por que nhonhô? Não dá para assar, para fritar, mas dá para fazer diferente. Coloco sal e deixo  no sol, depois disso curtido, coloco no feijão.

O único prato internacional brasileiro conhecido em todo mundo é a feijoada. Então digo, o povo aprisionado consegue ter essa criatividade, acho que nós para fazermos justiça a Zumbi e aos nossos ancestrais, temos que usar essa criatividade. Essa beleza que vi aqui, na Imigrantes, esse coral de mulheres cantando, temos que resgatar com criatividade e é com ela que temos que dar respostas.

Zumbi era um líder estratégico. Hoje, muitos de nós somos operacionais. Conseguimos fazer eventos importantes, conseguimos realizar tarefas, táticas operacionais. Zumbi era um estrategista - estrategista de tentar controlar o futuro. O futuro começa daqui  a  alguns dias. Estamos rompendo o milênio. Penso que o Terceiro Milênio chegou. O negro, como diz uma companheira chamada Sueli Carneiro e que muitas pessoas aqui a conhecem, somos a bola da vez. Só espero que estejamos à altura de honrar aquilo que os nossos ancestrais fizeram, mesmo aprisionados.

Tenho dito sempre, quando Presidente do Conselho, que as áreas estratégicas estavam nas mãos de mulheres: área de trabalho, educação e comunicação. Não tenho medo de trabalhar com mulheres e muito menos de ser dirigido por elas. Como professor, noto que mais mulheres negras está ascendendo a determinados postos do que os homens, mas, apesar disso, a mulher negra continua numa posição inferior. Até em homenagem à única filha que tenho, quero dizer que o futuro nosso passa, Deputada Theodosina Ribeiro e Mãe Silvia de Oxalá, pela capacidade da mulher negra.

Espero que nós, homens, tenhamos a humildade e a sabedoria de não ter medo de aproveitar a criatividade e o esforço de vocês.

Quero agradecer por esta oportunidade e quero oferecer este discurso um pouco emocionado às mulheres negras do meu País e especialmente aqui presentes.

Muito obrigado. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Quero, também, citar as pessoas presentes: nosso amigo Vereador José Luiz de Souza Neto, Vereador à Câmara Municipal de Ferraz de Vasconcelos, Sr. Oswaldo Cândido, Presidente da Secretaria Regional do Movimento Negro do PDT, Sr. Miguel Crispim Ladeira, do Aristocrata Clube, Sr. Jader Nicolau Júnior.

Vamos ouvir o nosso Cônsul de Cabo Verde, Sr. Agnaldo Rocha.

 

O SR. AGNALDO ROCHA - Sr. Deputado Nelson Salomé, meu amigo ilustre, membros da mesa e a todos os presentes que estão aqui, meus cordiais cumprimentos. É com muita honra que mais um ano estou aqui para representar meu país, Cabo Verde, e lembrar-lhes algumas coisas que me parecem importantes.

Poucos sabem que a história do relacionamento Brasil-Cabo Verde foi, durante muito tempo, escamoteada. Poucos sabem que Pedro Álvares Cabral esteve em Cabo Verde pouco antes de chegar ao Brasil; esteve na Ilha de São Nicolau. Poucos sabem, ou pretendem não saber, que toda a história da escravatura para o Brasil também transitou em Cabo Verde, porque foi na Ilha de São Tiago, na então chamada cidade da Ribeira Grande e na Ilha de Goré, que fica em frente ao Senegal, que os negros eram entrepostados, eram cristianizados, e que os animais e plantas também eram adaptados, antes de fazerem a travessia do Atlântico, para chegarem nomeadamente no Brasil.

Os negros que transitaram por Cabo Verde, também chegaram na América Central e na América do Norte, tanto é que na Ilha de Curaçao fala-se o mesmo dialeto que na única ilha de Cabo Verde, que serviu de entrepostagem para os escravos. Nessa ilha, não dizemos "falar", mas dizemos "papear". Daí que, em Curaçao, também se diz papeamento.

Fiz esta breve introdução para dizer a vocês que Cabo Verde é um país com as mesmas características étnicas, com a mesma estrutura social que o Brasil. Não há praticamente nenhuma diferença na composição da população caboverdiana e da população brasileira e que aprendemos também com Zumbi a criar os nossos líderes africanos da independência, onde temos lugar de destaque para Agostinho neto, de Angola, e para Amílcar Cabral, de Cabo Verde, Guiné, sem esquecer também Eduardo Monblanc.

Foram mais de 500 anos de colonialismo e de escravatura que sofremos, nós de Angola, Guiné, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe. Mas, finalmente, há exatamente 25 anos, esses países, após muito sacrifício - e podem acreditar, com muito sacrifício mesmo - 25 anos apenas, conseguiram chegar à independência. E, com essa independência, soubemos, uns mais depressa,  outros mais devagar, por causa de circunstâncias, como disse o nosso amigo e irmão de Angola, que Angola continua vivendo a guerra, que não é uma guerra angolana. É preciso estarmos certos de que não se trata de uma guerra de Angola, é uma guerra para Angola. Não vou me imiscuir em assuntos de outros países, mas não gostaria que vocês levassem a imagem de é uma guerra de Angola. Não é uma guerra de Angola, é uma guerra para o monopólio das imensas riquezas que ela tem. É uma guerra fratricida, mas armada não com armas de Angola, porque Angola não fabrica armas. Angola também não fabrica generais de guerra, como Cabo Verde nunca fabricou isso também.

Era isto que eu queria dizer-lhes e também um pouquinho da minha experiência em Cabo Verde, quando olhávamos para o Brasil como irmão mais velho - e até hoje, gostaria de lhes dizer, olhamos para o Brasil realmente como irmão mais velho. Não é diferente a Angola, não é diferente o Moçambique.

Acreditamos que com uma cooperação, com diálogo franco, na base da igualdade, na base do respeito mútuo, temos uma caminho enorme a percorrer. Por isto, acreditamos e damos apoio à chamada comunidade dos povos de língua oficial portuguesa, que são sete países, que representam mais ou menos 200 milhões de pessoas, mas que, infelizmente, devido aos estágios de formação e de informação, ainda não tomamos a consciência da força que isto representa.

Como disse há pouco, em Cabo Verde a nossa sociedade é bem misturada, mas tenho quase a certeza de que demos um passo adiante, apesar de ter apenas 25 anos, porque cuidamos daquilo que nos parece fundamental; cuidamos seriamente, mas seriamente mesmo da educação em Cabo Verde. Por isto, tive a honra e o privilégio de estar com o Dr. José Vicente e posso dizer à turma dele - aprendi a expressão aqui, no Brasil, nesse seminário na semana passada, onde foi realçada a necessidade da educação, a necessidade da formação - que não estou dizendo nada de novo, mas que não é possível construir um país em cima de analfabetos.

Recebemos alguns países da África, há 25 anos, com 99% de analfabetos. Como é que a sociedade, as regras internacionais, alguém pode ter a coragem de apontar para esses países e dizer: esse país não tem condições de desenvolvimento?

Ora, com 99% de analfabetos não é possível construir um país. Não estou falando somente dos países de língua portuguesa, estou falando dos países irmãos, mas pego o caso do Zaire, do Congo Belga.

Morei vinte e poucos anos na Bélgica e para saber de onde eu vinha, o que eu era e o que eu queria, tive de pagar um pouco caro pela independência de Cabo Verde. Aprendi, por exemplo, que o Congo Belga, ao tempo da independência, tinha 17 pessoas com formação superior. Dessas 17 pessoas, uma dúzia, com o devido respeito, estima e consideração, eram eclesiásticos, eram padres. Como um país pode se desenvolver assim?! Estou fazendo essas considerações para chamar a atenção pela situação. Acho que isso foi feito com muita propriedade pela Afrobras. Temos de cuidar com muita carinho e com prioridade zero, não é nem prioridade número um, é prioridade zero, da alfabetização e formação de um povo.

Quando estudei em Cabo Verde, numa tentativa de nos alienar, os manuais da minha escola diziam que os negros da Guiné eram negros que lavavam a cara com café. Estudei isso nos manuais escolares. Agora, por favor, pensem no que isso quer dizer. Há toda uma carga de informações falsas, há toda uma carga de influência negativa numa frase dessas.

Aprendi também que não era negro, que eu era mulato e como mulato eu serviria perfeitamente à administração colonial porque era um perfeito “go between” entre o branco comandante e o negro escravo. Só aprendi que era negro quando tinha praticamente 19 anos, na Bélgica, porque aí, sim, vi que branco é branco e negro é negro. Vi isso com os meus colegas da universidade. Éramos 120 brasileiros e inúmeros refugiados e aprendemos com Dom Hélder que nos dava o prazer de todos os anos visitar a universidade que também era católica, em Lovaina, na Bélgica.

Aprendemos na Bélgica e na Holanda que, na melhor das hipóteses, as pessoas que se dizem brancas são mediterrâneas, porque a noção de branco tem uma conotação muito séria, significa a pureza da raça. O branco não é mestiço e nós somos. Se olharmos para esta platéia, veremos que a esmagadora maioria é mestiça. Não utilizem a expressão de meio misturado, como por exemplo no Haiti, para camuflar a condição de negro, porque branco é branco e negro é negro.

Quero dizer que aprendi também a não cultivar a diferença pela cor, mas pela qualidade. Por isso eu digo que temos de tomar muito cuidado, não nos enganemos. Ninguém chega a uma cadeira no Parlamento se não estudar. Se chegar, terá sido um acidente que a própria história vai limpar em poucos meses.

Meu sonho é ver as crianças brancas e negras, de todos os horizontes, de mãos dadas construindo um futuro maravilhoso. Como dizia o poeta caboverdiano: “Todas essas crianças terão de ser, cedo ou tarde, pétalas da mesma flor.” (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - A Presidência deseja anunciar a presença do Sr. João Ferreira, radialista da Rádio Globo. Muito obrigado pela presença. Em seguida, passaremos a palavra ao Dr. José Vicente, Delegado de Polícia, Presidente da Afrobras, e faço isso com uma alegria muito grande por ver um patrício administrando uma entidade voltada para a educação, preocupação que tenho tido desde o primeiro dia que vim para esta Casa.

Venho de uma cidade pequena, onde, felizmente, não tem favela, onde brancos e negros têm as mesmas dificuldades, como subempregos e habitação, mas também têm as mesmas oportunidades.

Tenho dito sempre que só a educação fará a integração da população negra à sociedade, e acabamos de ouvir numa palestra maravilhosa do Prof. Hélio, que tem uma vivência nacional e internacional muito grande que, como nós, viveu o racismo, a discriminação e o preconceito. Tenho certeza de que o Prof. Hélio na medida em que avançou na vida, deixou para trás essas outras coisas.

Endosso plenamente aquilo que disse da mulher. Eu também disse isso já no meu primeiro mandato quando ajudei organizar essa Semana da Consciência Negra. O que ele disse das mulheres não é só uma qualidade, mas uma conquista. Naquela semana em que estivemos no Pacaembu comemorando a Semana da Consciência Negra, infelizmente os nossos jovens cuidaram mais da batucada, o que não deixa de ser importante porque isso está no nosso sangue e as meninas produzidas, quase todas eram universitárias. É por isso que elas têm ocupado um lugar de destaque na nossa sociedade. Acho que é um exemplo para que os homens acordem e sigam esse caminho.

Estávamos falando da Afrobras porque temos tido exemplos dignificantes do Banco de Boston, que adotou 21 meninos e meninas e está custeando todo o seu ensino, do ensino fundamental até a faculdade. Esse trabalho está sendo feito muito bem pelo José Vicente. Com certeza ele colocará os nossos jovens nos bancos universitários. Num país quase 50% de negros, nem 2% chegam aos bancos universitários. Não tem como, um país que quer sair do subdesenvolvimento, não cuidar desses 50% da sua gente. Assim, nunca chegaremos a um futuro risonho, onde a cidadania possa ser exercitada.

É com prazer que ouviremos o nosso Presidente José Vicente.

 

O SR. JOSÉ VICENTE - Exmo. Sr. Deputado Nelson Salomé, digno e combativo parlamentar desta Casa de Leis, na pessoa de V. Exa., que com extraordinária competência preside os trabalhos desta profícua e oportuna sessão solene, rendo as homenagens de respeito e consideração dos conselheiros da Afrobrás, Sociedade Afro-brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, ao Parlamento Paulista e, da mesma forma, na pessoa de V. Exa. saúdo e cumprimento as demais autoridades e personalidade que se encontram nesta tribuna e também neste recinto.

Peço vênia a V. Exa. para transmitir uma saudação muito especial ao Professor Dr. Álvaro Lazzarini. Faço isso com muita emoção porque, além de ter a honra e a felicidade de privar de sua amizade, foi nos idos dos meus bancos escolares que muito do que aprendi e do que pratico hoje pude ter a possibilidade de conviver. Assim sendo, Professor, muito obrigado pelos ensinamentos, muito obrigado pela presença. Não tinha dúvida que o senhor estaria conosco hoje porque a causa que o senhor defende é a causa porque todos nós brigamos.

Minha benção Mãe Silvia. Que Oxalá continue protegendo a senhora e a nós todos.

Sr. Deputado, senhoras e senhores, é quase impossível não relacionar a reunião desta noite com um último inventário do que foi e tem sido a luta da comunidade afrodescendente ao longo das décadas que se passaram e mesmo do milênio que se encerra.

Assim, é impossível desconhecer e reverenciar as lutas e feitos de todas aquelas figuras vultuosas do passado e mesmo do presente contemporâneo, muitas delas presente entre nós, e mesmo esse recinto cujo vigor, destemor e sentido de justiça permite-nos, inclusive, com segurança ocupar este espaço institucional e com tranqüilidade fazer uso desta tribuna, o que não era possível até pouco tempo atrás.

Da negação do direito e da vida ao reconhecimento do valor e das glórias dessa parcela de brasileiros, chegamos à legitimação e ao referendamento político do estado de exclusão sustentado pela produção e determinação de políticas públicas específicas estampadas quer em princípios constitucionais, quer em planos políticos partidários ou de governos como é o caso do Plano Nacional e Estadual de Direitos Humanos onde, dentre outras, são elencadas medidas significativas de políticas públicas de inserção sócio econômica da população afrodescendente. É certo que a maioria delas ainda permanece em repouso tão somente como declaração de carta de boa intenção. Mas é inegável reconhecer o avanço, fruto, como dissemos, da contribuição dos grandes vultos que nos antecederam e mesmo heróis anônimos que, a seu modo mas com igual fibra, deram o melhor de si para que chegássemos onde estamos.

Agora, nesse último Dia Nacional da Consciência Negra do milênio a reflexão que nos perpassa se resume em uma pergunta: o que fazer?

Afora a necessidade premente de reunirmos lideranças em torno de uma homogênea unidade de linguagem e pensamento, soa-nos como impostergável a produção de um projeto mínimo de ação propositiva e executiva que contenha em seu bojo estratégias de curto, médio e longo prazo como contribuição comunitária e efetivação das políticas públicas determinadas em reconhecimento legal, político e social da indispensável inserção sócio econômica e cultural do ato descendente como medida de direito e de justiça.

Da nossa parte não abrimos mão de acreditar no papel da educação no seu sentido amplo como um instrumento inabalável de transformação social, capacitação moral, intelectual e instrumental e reserva natural contra a intolerância racial manifestada pela discriminação e racismo. Devemos educar pais e filhos, professores e alunos e a sociedade em geral sobre o valor da pessoa humana e o respeito à sua diversidade e sua dignidade como manifestação de grandeza de espírito e progresso da sociedade.

O Exmo. Cônsul Agnaldo Silva em sua fala dizia da necessidade da educação. V. Exa. citou os dados estatísticos que todos sabemos e conhecemos. Mas o Sr. Cônsul talvez não achou interessante fazer constar um dado que dá bem a distância do que falamos e do que pretendemos. Pasmem os senhores, o maior contingente de alunos universitários negros do nosso País é exatamente do país de Cabo Verde que consiste aproximadamente em 900 alunos.

Assim devemos voltar nossas baterias para a democratização do acesso à educação de todos os níveis para os afrodescendentes. Devemos estar vigilantes e atuantes na produção da didática escolar e fundamentalmente se posicionar frontalmente contra a produção dos meios de comunicação social que não cumprem os mandamentos legais garantidores do respeito e dignidade, da honra e representação da universalidade social brasileira.

Precisamos trabalhar para garantir as conquistas sociais alcançadas como o direito à cidadania, entender o mercado de consumo e empresarial como ferramentas para atingir essa cidadania.

Sr. Presidente, ao fim desse inventário precisamos estar atentos que pertencemos a uma geração que tem pressa e sede de justiça, razão pela qual precisamos estar unidos, fortes e capacitados para contribuir, no novo milênio, na construção objetiva de um Brasil justo que os afrodescendentes precisam e de que todos os brasileiros necessitam.

O legado de Zumbi é um legado de luta, resistência, vitória e de amor a todos os próximos de todas as cores. Por isso destino algum desviará nosso caminho, o caminho da nossa Nação porque Zumbi dos Palmares certamente, neste momento, e sempre vive e viverá o meio de nós.

Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - NELSON SALOMÉ - PL - Antes de encerrar a sessão quero dizer da nossa satisfação de mais uma vez presidir esta sessão onde se comemora o Dia da Consciência Negra. Mas gostaria de mudar isso. Gostaria que, nessa virada de milênio, não  se falasse mais em Dia da Consciência Negra, que não reuníssemos mais no dívida a 20 de novembro para falarmos de preconceito, discriminação e racismo mas para falarmos das nossas conquistas, do nosso sucesso. Está mais do que demonstrado que o negro é forte, inteligente, é belo e que tem todas as qualidade humanas para viver com dignidade, igualdade com todas as outras raças. Temos certeza que na hora em nossos direitos forem legalmente respeitados estaremos retribuindo com nossos deveres e sendo úteis à nossa sociedade. E não seremos mais um fardo a dar preocupação na nossa sociedade.

Ontem vimos pela televisão um teste feito com três jovens negros com o mesmo carro e com três jovens brancos. Como estavam decentemente trajados passaram por quase todas as barreiras. Na terceira barreira parou um dos carros e qual foi? Não é preciso falar, foi o do negro e que deixaram depois ir à frente porque não tinham nada contrário.

Vejam bem, vivemos ainda discriminados.

Fala-se tanto em Zumbi, mas somente uma vez por ano. Vamos ter consciência de que Zumbi foi um guerreiro, não um bandido nem um desordeiro; um homem com muita sede, não de vingança, mas de liberdade, igualdade e oportunidade. É isto que deveremos encarnar em cada um de nós, e lembrarmos nos 365 dias do ano. (Palmas.) Só assim, com certeza, conseguiremos aquilo que merecemos e tudo aquilo que um cidadão deseja. Se não temos tanta gente nas escolas, temos pelo menos muitos eleitores. Não digo que sejamos obrigados a votar num negro, mas temos negros suficientes em qualidade e quantidade para serem votados e ser representados em todas as entidades e em todos os poderes, quer municipais, estaduais ou federais. É preciso que tenhamos essa consciência.

Temos uma nova Assembléia porque, hoje, felizmente, temos quatro Deputados negros - nunca tivemos mais do que quatro. Poderíamos ser muito mais, desde que os negros tenham consciência disso. Mesmo que tenha outro Deputado, seja a raça que for, desde que seja bom deve ser votado, mas que também não esqueçam  de votar naqueles indivíduos da sua raça que podem ser representantes em qualquer dessas entidades.

A democracia é uma doutrina com muitos adjetivos, mas um país nunca será democrático se os direitos e os deveres do povo não forem respeitados. Já dissemos que temos 50% de negros, a maioria abaixo da linha de pobreza. Como este País vai sair da situação que está? É preciso a conscientização, por parte dos governos, da real situação da nossa vida.

Hoje o Presidente da República teve o bom senso de colocar uma mulher no Supremo Tribunal Federal, por que também não colocar o negro, que nunca foi colocado no Supremo Tribunal Federal? Temos tantos negros à altura de representar a nossa comunidade! (Palmas.) Nesse seminário da Afrobrás, do qual participamos com bastante alegria, foi citado o nome, por exemplo do professor Adevaldo Brito, professor e jurista da melhor espécie, e temos tantos outros com capacidade de representar a nossa raça.

Quero cumprimentar mais uma vez a Afrobrás, porque jamais tivemos uma Mesa com tantos representantes importantes, como tivemos lá, ocasião em que estavam presentes o Prefeito negro da nossa Capital, um ex-Governador negro, Deputados estaduais e federais negros, e diversas autoridades negras que nos encheram de alegria e de esperança para que essa nossa juventude tenha como exemplo e esperança que eles poderão fazer igual ou mais do que nós, porque as oportunidades de estudar hoje são maiores.

Antes de encerrar, quero agradecer, em nome do Dr. Álvaro Lazzarini, todas as autoridades presentes.

Gostaria que o senhor levasse ao Exmo. Dr. Márcio Martins Bonilha nossa gratidão por sua representação. Em nome da Mãe Silvia de Oxalá, Deputada Theodosina Rosário Ribeiro, todas as senhoras que fazem o brilho desta festa, os Deputados Paulo, de Angola; Deputado Zuza Abdul Massih, demais deputados e os senhores.

Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la esta Presidência agradece as autoridades e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Cumprimento o Sr. Presidente da Casa que tornou possível a realização desta sessão, inclusive o Cerimonial que se esmerou na realização da mesma.

Convido a todos para um coquetel no Hall Monumental.

Está encerrada a sessão.

 

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-           Encerra-se a sessão às 22 horas e 16 minutos.

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