09 DE DEZEMBRO DE 2002

58ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DO SERVIÇO DE ENSINO VOCACIONAL

 

Presidência: EDNA MACEDO

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 09/12/2002 - Sessão 58ª S. SOLENE Publ. DOE:

Presidente: EDNA MACEDO

COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DO SERVIÇO DE ENSINO VOCACIONAL

001 - EDNA MACEDO

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades. Anuncia que a sessão foi convocada pela Presidência da Casa, atendendo à solicitação do

Deputado Sidney Beraldo, para comemorar os 40 anos do Serviço de Ensino Vocacional. Convida todos para, de pé, ouvirem o Hino Nacional Brasileiro.

 

002 - OLGA BECHARA

Professora e doutora em Psicologia Escolar, recorda os primórdios do ensino vocacional, abrangendo o fim da década de 50 e os anos 60.

 

003 - ANGELA RABELO DE BARROS TAMBERLINI

Professora e mestra em Educação, afirma que o ensino vocacional se constitui numa visão de mundo engajada, onde o homem é sujeito de seu mundo e ator responsável.

 

004 - ESMÉRIA ROVAI

Professora e doutora em Educação, propõe que se ponha em prática a própria filosofia do ensino vocacional, pela reflexão sobre o significado dessa experiência na história da educação brasileira.

 

005 - MOACIR SILVA

Professor e doutor em Educação, ressalta que, dentre suas experiências profissionais, a que mais lhe marcou foi ter sido um dos atores do projeto de dos ginásios vocacionais.

 

006 - NILTON BALZAM

Professor Doutor, livre docente da Unicamp, afirma que o ensino vocacional formou uma geração de professores cuja excelência até hoje não viu alcançada. Prega a necessidade do ensino integrado e da participação escolar na comunidade.

 

007 - JOSÉ CARLOS CAIO MAGRI

Narra seu depoimento sobre a experiência que viveu como pai de ex-aluno do ginásio vocacional.

 

008 - MARIA LÚCIA MONTES

Professora Doutora, professora da Faculdade de Filosofia da USP, presta homenagem à memória da Professora Maria Nilde Masselani, pioneira do ensino vocacional.

 

009 - CECÍLIA GUARANÁ

Professora e ex-diretora do Ginásio Vocacional João XXIII, de Americana, afirma que o ensino vocacional foi um marco na educação estadual e nacional, uma experiência educacional vivida intensamente por todos aqueles que dela participaram. Homenageia a Professora Maria Nilde Masselani e outros que estiveram envolvidos com o projeto.

 

010 - Presidente EDNA MACEDO

Justifica a ausência do Deputado Sidney Beraldo, que no momento encontra-se com o Governador. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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 - É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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Esta Presidência passa a nomear as autoridades presentes: Profª Cecília Guaraná, Profª Dra. Olga Bechara, Sr. Nelson Freire, foi Presidente da Federação de Pais e Mestres dos Ginásios Vocacionais, Profª Dra. Esméria Rovai, senhores Deputados, minhas senhoras e meus senhores. Esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Walter Feldman, atendendo solicitação do Deputado Sidney Beraldo, com a finalidade de comemorar os 40 anos do Serviço de Ensino Vocacional. Convido todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro pelo Coral da Polícia Militar.

 

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- É executado o Hino Nacional Brasileiro.

 

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A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Esta Presidência agradece ao Coral da Polícia Militar, na pessoa do 1º Sargento Músico Milton Lorenzano de Carvalho. Esta Presidência registra a presença do Sr. José Carlos Caio Magri, pai do aluno José Carlos Magri Filho, do Ginásio Vocacional Cândido Portinari, de Batatais, bem como da Profª Angela Rabelo Maciel de Barros Tamberlini, do Prof. Dr. Moacir Silva, do Prof. Nilton Bauzan e da Profª Dra. Maria Lúcia Montes. Agradecemos a presença de todos.

Tem a palavra a Profª Olga Bechara, doutora em psicologia escolar pela USP, foi supervisora de orientação pedagógica dos ginásios vocacionais João XXIII de Americana e Oswaldo Cruz de São Paulo, membro da equipe técnica do Serviço de Ensino Vocacional.

 

A SRA. OLGA BECHARA - Sra. Presidente, autoridades presentes, senhoras e senhores, meus queridos colegas, é com muito prazer que nós nos reunimos após 40 anos, para alguns, 30 anos.

Fui incumbida de falar da pré-história dos ginásios vocacionais, como participante dessa pré-história. A maioria já ouviu contar essa história, só que ouvimos na década de 60. Acontece que a visão histórica, passados mais 30 anos, é outra. Eram os idos de 55 e 56, quando três pessoas encontraram-se no Instituto de Educação Narciso Peroni, de Socorrro.

É interessante fazermos uma rememoração histórica desse período, era pós-guerra, o desenvolvimento industrial no Brasil se fazia. Na educação pouca coisa mudava, era aquilo que vinha desde a década de 30, diretrizes e bases. Ia e vinha, não era aprovado nada. Os professores com grande satisfação. Víamos muita gente querendo fazer alguma coisa, e fazendo sozinha.

Em Socorro, em 1957, por acaso, encontraram-se três pessoas. Eu, por remoção, no começo do ano, em meados do ano, por ingresso, a Maria Nilde, e no fim do ano, por remoção, a Dra. Lígia Furquincci.

Como as diretrizes e bases não passavam, no ano seguinte apareceu uma tal portaria do Departamento de Educação. Estava na direção o Prof. Luis Contier, permitindo classes experimentais. Era uma classe que, nas escolas, de acordo com a Lei Capanema, podia ser instalada.

Em 1958 fomos elaborando planos para em 1959 instalar essas classes experimentais em Socorro. As classes experimentais foram instaladas paralelas às demais. Seguiam mais ou menos o programa oficial, só que tentamos desenvolver paralelamente o estudo do meio e fazer uma integração das matérias, como eram chamadas, e passamos a designar disciplinas.

A história estudava a pré-história. Os alunos construíam a antiga economia doméstica e trabalhos manuais. Não chamava nem economia doméstica, alguma coisa onde eles pudessem viver aquilo que era tão longe e tão abstrato. Por quê? Porque estávamos pensando na linha do trabalho e porque também foi muito inspirado pelo estágio que a diretora, Dona Lígia, tinha feito em Sevre, também uma escola do pós-guerra francesa. Além de trabalhar em grupo, socializar os alunos, fazer os alunos participantes, diferente daquele método tradicional, colocava o aluno mais presente à realidade do trabalho e do social.

Em 1958, Carvalho Pinto assume o governo do Estado. Começou aquele trabalho agrícola com a liderança do Plínio Arruda Sampaio, com o empréstimo para o pequeno agricultor, e com os meninos no estudo do meio para conhecer as pequenas propriedades agrícolas muito primitivas. Descobertas por eles, foram fazer a divulgação desse empréstimo para melhorar a assistência do agrônomo à sua produção, que era muito primitiva. O homem plantava feijão para ir à cidade trocar por pão e carne, e com isso iam descobrindo a realidade de Socorro e participavam de um programa que o governo do Estado fazia para os pequenos agricultores. Ao mesmo tempo começaram os planos diretores, e Socorro, como estância climática e mineral, recebeu a assistência do Prof. Aguiar Pupo. Havia a presença do Dr. Anhaia Melo, do Dr. Lauro para o plano diretor. Os meninos foram à Câmara, foram assistir, e depois foram convidados a ir para a escola, montaram um debate para a participação desses meninos para o planejamento, e com isso as classes experimentais foram se tornando conhecidas.

Houve também para Socorro outro fato. O jornal “O Estado de São Paulo” publicou naquela sua página 3, nas suas colunas, uma crítica às escolas experimentais. Por quê? Porque em outras escolas do Estado, no ano seguinte, foram instaladas as escolas experimentais. Isto porque o Queiroz Filho, como Secretário da Educação, estava muito assustado com o resultado das escolas.

No vestibular para a Universidade de São Paulo, não era a Fuvest, aqueles vestibulares separados, de 6969 candidatos para 2407 vagas, só tinham sido aprovados 1662 candidatos, porque não era classificatório, e sim eliminatório o vestibular. Então, as escolas não estavam lá grande coisa, porque os meninos acabavam o antigo colegial e não passavam na universidade.

Ele procurou promover a expansão, ao mesmo tempo que vinha aquele artigo contra o próprio Secretário da Educação, Queiroz Filho. Ampliou para Jundiaí, que a Maria Cândida está presente e do qual participou. Campinas tinha também a suas classes experimentais. Com esse artigo no “O Estado de São Paulo”, criticando classes experimentais, fomos até o jornal, onde atendidos pelo então secretário Cláudio Abramo, conseguimos que outro artigo fosse colocado. A Escola Experimental de Socorro estava reconhecida, porque nesse artigo, de modo especial, citava-se a Escola Experimental de Socorro. Com isto, três professores da Faculdade de Educação daquela época, Prof. Quirino Ribeiro, Prof. Mascaro e o Prof. Nélson, que naquele tempo era monitor, foram conhecer Socorro.

No ano seguinte, Queiroz Filho deixou a Secretaria de Educação, e foi para a Secretaria de Educação Luciano de Carvalho. Luciano de Carvalho estando na Inglaterra e lá conhecendo a Escola Compreensiva Inglesa, também uma escola do pós-guerra que recebia crianças, não só os lordes, mas de outras classes sociais e já com a preocupação de iniciá-los para um trabalho, e um trabalho diferente. Por quê? Porque a automação já estava entrando na Europa mais do que aqui. Não digo a informatização, mas os cérebros eletrônicos, a energia nuclear, estavam penetrando nas diferentes nações, nas diferentes indústrias e estados.

Na Inglaterra ficou muito encantado com a escola compreensiva, e numa reunião em São Paulo ele disse que precisava organizar um grupo para mudar esse ensino em São Paulo. Embora a Lei Capanema ainda existisse, e fosse nacional, um grupo das mulheres do Movimento da Regimentação Feminina que tinha estado lá, depois da discussão do Estado, falaram: “Para que formar um grupo se existe uma escola que já faz algo diferente e parece responder algumas das suas preocupações?”

Aí o Dr. Luciano de Carvalho vai até Socorro para conhecer a escola do trabalho. Foi recebido pela equipe de professores de Socorro, pela Maria Nilde, que era coordenadora pedagógica e pela dona Lígia, diretora. Viu os trabalhos dos alunos e com eles conversou.

Veio à São Paulo. Ele estava pretendendo fazer a reforma do ensino industrial, que era um ensino totalmente paralelo e na Constituição dizia claro que “os pobres fazem a escola industrial, os outros o ginásio e o colégio para irem à universidade”. Ele queria fazer a reforma do ensino industrial. Com a portaria das classes experimentais encontrou uma brecha para incluir uma nova escola, que se chamou Ginásio Vocacional, nesta reforma do ensino industrial. Aprovada a Lei do Ensino Industrial, criou-se o Serviço do Ensino Vocacional, ligado diretamente ao Secretário da Educação.

No ano de 1961 começamos a planejar esses ginásios vocacionais, continuando a experimental de Socorro, Jundiaí e Campinas, mas de modo especial de Socorro. Os professores que no 2º semestre de 1961 faziam o seu curso teórico em São Paulo, na Escola Caetano de Campos, esses professores iam estagiar em Socorro e também para ver como estava o ensino nas particulares de São Paulo. Porque o Padre Foch, também francês, havia estimulado as escolas, como as escolas São Luiz, Pio XII, não vou lembrar todas, que tinham também as suas classes experimentais. Alguns professores foram ver esse trabalho dessas escolas e classes diferentes, com o aluno participando da aprendizagem e da realidade de trabalho e mais ainda da realidade social, formando aquele com participação política e cidadã.

Terminada essa primeira turma, no fim do ano foram escolhidas as equipes de professores para os três primeiros ginásios vocacionais, São Paulo - Oswaldo Aranha, Americana - João XXIII e Batatias - Cândido Portinari. Planejamos o currículo e muitos de vocês foram os produtos desses cursos. No ano seguinte Rio Claro e Barretos, e dois anos depois São Caetano. E, o noturno do Oswaldo Aranha, que seria uma experiência com alunos que obrigatoriamente trabalhassem. O colégio vocacional no último ano, no derradeiro ano, os ginásios vocacionais em 1968 e 1969. Tenho dito. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Tem a palavra a Profa. Angela Rabelo Maciel de Barros Tamberlini, mestre em Educação pela USP.

 

A SRA. ANGELA RABELO MACIEL DE BARROS TAMBERLINI - Sra. Presidente, autoridades, minhas senhoras e meus senhores, bom dia a todos!

Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui presente. Agradeço aos nobres Deputados: Walter Feldman e Sidney Beraldo que nos cederam esse espaço, e agradeço à Deputada Edna Macedo aqui presente. Agradeço sobretudo à imensa família vocacional, na qual hoje já me sinto perfeitamente integrada.

O vocacional foi objeto da minha pesquisa de mestrado, e foi um projeto de ensino extremamente rico, fértil e interessante que motivou a minha pesquisa e fez com que me dedicasse a esse tema com toda satisfação. Acredito que revisitar esse projeto hoje trará uma grande contribuição na hora de pensarmos num novo Brasil que agora vai se desenhar.

Gostaria ainda de transmitir aqui as congratulações das professoras da USP que não puderam estar presentes, em função de outros compromissos. A Profa. Carmem Silvia Vidigal Moraes e a Profa. Sonia Maria Portela Crupa também são entusiastas dos vocacionais, organizamos outros eventos nas universidades sobre o tema, e no momento só não estão aqui porque uma não está no Brasil e a outra está coordenando um outro evento.

Antes ainda de começar a minha fala, gostaria de homenagear a fantástica figura da Profa. Maria Nilde Masselani, com quem tive o imenso prazer de conviver, uma pessoa que se dedicou a vida toda à nobre causa da educação e à luta política por transformações sociais, para a construção de um mundo mais justo e que morreu trabalhando pelos seus ideais. Ela é um exemplo para todos nós aqui.

Agora gostaria de dizer que é muito oportuno esse tema do vocacional, pois é o encontro com o passado, pensando no futuro. Revisitar a história é muito importante para nós, já que vivemos hoje um momento de avaliação do presente, como dizem alguns pensadores, onde essa idéia de que o mundo é um presente contínuo ou pior ainda, a idéia de fim da história, parece querer imperar. Nós que não acreditamos no fim da história e acreditamos na possibilidade de um futuro, estamos aqui com muita garra e alegria recuperando a memória do projeto de ensino vocacional.

O vocacional, muito mais que um projeto pedagógico, constituiu uma visão de mundo temporal e engajada, que aposta na perspectiva histórica de um universo dinâmico, onde o homem seja sujeito de seu mundo e ator responsável. Para os idealizadores e a equipe vocacional, a educação ultrapassa o sistema escolar e permite uma re-elaboração contínua da visão de mundo.

A ação, o engajamento e a crença na idéia de que o mundo é transformável animava esse projeto de educação que pretendia formar o homem por inteiro, formar a razão, a emoção, as atitudes e os valores. Era um projeto que se voltava para a transformação do mundo, que interagia com a comunidade e procurava sempre ter presentes as idéias do público, da construção coletiva e de um mundo sem iniqüidades. A história, a sua dinâmica eram referência central no projeto vocacional, também pretendia formar a consciência crítica e visava a inserção social com vistas à transformação. Concebendo que a educação resulta do ambiente total, ele se valia da interação com a comunidade, pois acreditava-se que não há dicotomia entre escola e vida.

Procedia a uma abordagem dialética da história, ministrando um conhecimento que seria instrumento da compreensão do mundo, objetivando transformá-lo. A história era central nesse projeto, que tinha um currículo integrado, e o eixo integrador desse currículo era exatamente a história. Tinha uma inspiração forte nas idéias da época, os anos 60, um período rico cultural e politicamente. Tinha ações de políticos generosos, todos aqui sabem, quanta grandeza havia nos projetos dos anos 60.

O vocacional interagia com as várias concepções da época e tinha vínculos profundos com as idéias do existencialismo cristão de Emanuel Monier, negando o individualismo de hoje, tão presente nas formulações ditas neo-liberais e afirmando a necessidade das estruturas coletivas comunitárias. O homem é histórico, mas também tem a essência e ultrapassa-se a si mesmo. Desta forma o vocacional aliava a profunda importância atribuída à história, com a idéia de transcendência e luta por valores.

Desenvolvia o aspecto individual e social, formava para a cidadania, pregava a defesa do bem comum, o interesse coletivo e ação conjunta no espaço público. Reunia a pluralidade de visões, combatendo o preconceito e promovendo uma interação múltipla entre os seus agentes. Com toda essa idéia de interação com a história, de considerar a realidade circundante da escola, procurando interferir, melhorar o nível da comunidade, aprimorar não só o conhecimento e a formação dos seus alunos, mas a comunidade onde estavam inseridos. Com isso a escola tem uma carga de atualidade permanente, defendendo os valores universais, sempre projetava uma idéia de construção de um futuro melhor.

Esse projeto nos serve como exemplo para que reflitamos e busque contribuições, no sentido de recuperar a noção de solidariedade, coletividade e espaço público que hoje estão se perdendo com os modelos sócio-econômicos que nos são impostos, e que estão tornando o nosso tecido social cada vez mais esgarçado. Urge que recuperemos a nossa vida social, que a matriz da vida social não mais repouse apenas na idéia de mercado, que tenhamos esses valores humanistas e essenciais de valorização do homem da vida e de conhecimento, da ação social e política para que possamos recuperar o espaço público e todos os valores que estão se perdendo nos projetos hoje em curso.

Gostaria de dizer, mais uma vez salientando a idéia da importância da história, o vocacional está vivo para nos trazer contribuições riquíssimas, que não temos tempo para explicitar e comentar mais aqui. Porém, só vou lembrar para encerrar, uma frase do pensador Kalmm Heinn, que dizia: “Toda atividade progressista se nutre da consciência da possibilidade”. E, dentro do projeto vocacional, essa idéia de progresso e de interação contínua com a história, de criação permanente e de um projeto que permanentemente se reavaliava, está presente. Ele tem grandes contribuições para nos dar e as suas sementes estão presentes até hoje.

Muito obrigada a todos!

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Tem a palavra a professora, Doutora em Educação pela PUC, Sra. Esméria Rovai que foi coordenadora do serviço de audiovisual do ensino vocacional.

 

A SRA. ESMÉRIA ROVAI - Sra. Presidente, autoridades presentes, é com imenso prazer que encontro todos vocês. Tivemos a iniciativa junto com um grupo de estar realizando esse encontro e em nome da comissão organizadora gostaria de contar para vocês que quando a gente imaginou esse encontro de comemoração dos 40 anos do Ensino Vocacional, queríamos algo mais que só um encontro social. A gente queria não só rever vocês, a gente queria não só esse reencontro para nos abraçarmos, matar as saudades, queríamos também por em prática a própria filosofia que o vocacional inspirou, a experiência dos ginásios vocacionais. Seria fazer desse momento um momento de reflexão sobre o significado dessa experiência na história da educação brasileira e o significado dela no presente. Seguir a filosofia do ensino vocacional de fazermos pessoas atuantes no contexto onde nos inserimos, no sentido de entendermos a realidade e ajudarmos a sua transformação. Quarenta anos depois do ensino vocacional, a que assistimos foi uma educação pública que, se avançou em termos quantitativos, temos certeza também que retrocedeu e muito em termos qualitativos. Tenho aqui nos jornais dessa semana, da “Folha de São Paulo: “Exame mostra queda de nota na 4ª série”; “Recuperação exige que aluno saiba estudar”. Se pegar esse eixo aqui, já posso falar da proposta do ensino vocacional que é o objeto da minha tese de doutorado, que foi reconstituir a pedagogia do ensino vocacional. Graças à bela orientação da Dra. Maria Lúcia Montes, e resgato aqui também a influência da Profª Maria Nilde na escolha desse objeto, para que eu me dedicasse ao estudo vocacional, que fiz com o maior prazer. Acho que como muitos de vocês, eu me fiz no vocacional. As outras escolas me deram o diploma, mas quem me formou como educadora pensante, reflexiva, crítica, foi o vocacional. Foi lá que aprendi, revi e transformei minha visão de mundo, visão de professora e visão de educação. Se pegar esse eixo aqui, “recuperação exige que aluno saiba estudar”, vou ler só o início: “Se o aluno chegou ao fim do ano e descobriu que vai ficar de recuperação, a recomendação dos educadores não é só estudar, ele vai ter de aprender e aprender. Na visão dos especialistas, esse é um dos grandes males do desempenho escolar. Os alunos que vão mal, geralmente não tem método para absorver conhecimento”. A maioria de vocês aqui foram alunos de vocacional e sabem, pois tenho testemunhos registrados na minha tese, que o vocacional foi uma experiência pedagógica que ensinou o aluno a estudar, a aprender, desenvolveu nos alunos métodos de aprendizagem, métodos de estudo. Então, o que diria essa reportagem aqui, mostra que 40 anos depois a escola ainda não descobriu que ensinar o aluno a aprender, ensinar o aluno a estudar faz parte do projeto pedagógico da escola. Não é uma iniciativa que depende só do aluno ou só de um ou outro professor, é uma iniciativa que envolve a proposta, o projeto pedagógico da escola, envolve o coletivo. Pensava iniciar a minha fala, mas já vi que segui totalmente um caminho diferente, mas não tem importância, todos os caminhos são válidos, com a seguinte indagação, que aliás, até por sugestão de um aluno. Vamos fazer uma aula plataforma. Gostaria realmente de fazer uma aula plataforma aqui com vocês, acho que daria uma ótima dinâmica, mas realmente estamos num espaço que não nos permite fazer isso, por circunstâncias do próprio cerimonial, mas faria uma grande questão que poderia estar norteando o nosso pensamento hoje. É o vocacional uma idéia do passado ou era um futuro que ainda não chegou para a educação brasileira?

Diria que, retomando o eixo da Profª Ângela, que fala da história e da importância da história e do eixo que realmente o vocacional perseguiu, através do uso da disciplina ou da área dos estudos sociais para construir o projeto de estudo e investigação da realidade, como a Profª Olga fala: “a realidade, naquela época estava em objeto de busca à compreensão da realidade, do trabalho e da vida social”.

O que você vê hoje, em termos de discurso pedagógico? Que deve se estudar a realidade, mas infelizmente, o que a gente percebe é que na prática a escola está muito ainda distante de compreender o que é esse estudo da realidade.

Acho que fazer essa volta ao passado, para relembrar a experiência, sim, mas se pensarmos as suas teses, estão aí presentes. Não vejo uma idéia que seja presente no discurso teórico da educação brasileira que não tenha feito parte de alguma dimensão do ensino vocacional. Concorda comigo, Profª Maria Lúcia?

Então, a história é muito importante, porque percebo ainda muita resistência em educadores e acadêmicos de um modo geral, de entender que o vocacional é um passado morto e enterrado, mas não vejo o vocacional como um passado morto e enterrado, vejo como um futuro que ainda não chegou para a educação brasileira.

Gostaria de ressaltar dois aspectos, já que o tempo é curto e não dá para desenvolver tudo que venho estudando e venho desenvolvendo no meu trabalho ou que desenvolvi na minha tese, reconstituindo a pedagogia do vocacional.

O que a gente vê, depois de extinta a experiência do ensino vocacional, todas as teses que foram surgindo foram revelando a atualidade daquela proposta pedagógica ou em outras palavras, a vanguarda das suas idéias. Acho que por isso o vocacional não foi compreendido na época e só poderia mesmo ter sido extinto. Se vocês começarem a observar, nos anos 70 surge a idéia de uma pedagogia crítica e reflexiva. O vocacional foi uma pedagogia crítica e reflexiva.

Em 1970, meados dos anos 70, surge a idéia da inter-disciplinalidade. Era preciso fazer do ensino um projeto mais integrado, no sentido de levar o aluno ao conhecimento integrado da realidade. O vocacional já tinha posto em prática a experiência de um currículo integrado. E assim vai, se vocês começarem a perseguir toda a evolução histórica do ensino vocacional se extinguiu.

Gostaria de chamar a atenção para dois aspectos. Um deles destacaria o fato do vocacional ter sido criado em função desta idéia de um conhecimento da realidade do mundo do trabalho, por isso foi chamado ginásio vocacional, que tão bem a Maria Nilde conduziu no sentido de levar o aluno a uma auto descoberta das suas aptidões. E chamaria atenção para o momento atual, como uma reflexão no sentido de que o discurso que está aí seria o atendimento de uma clientela diversificada. Você pega uma pedagogia diferenciada do Felipe, é uma pedagogia que tem que dar atendimento às diferenças individuais, você não pode fazer isso a não ser através de um currículo, de uma organização curricular rica e diversificada, não só em termos de conteúdo, não só em termos de disciplinas, mas também em termos de estratégias e atividades que levam o aluno a experimentar-se nas várias áreas do conhecimento para ele poder se encontrar e se identificar. Esse discurso que está aí, de uma pedagogia diferenciada, pede uma organização curricular diversificada e a escola está encontrando enormes dificuldades na mudança da sua organização curricular. Pede um currículo mais flexível, também encontra-se muita dificuldade na implantação de currículos, de uma participação curricular mais flexível.

Pede-se uma avaliação processual, vocacional, já pôs em prática a avaliação contínua, a avaliação processual, usando como principal instrumento hoje indicado por autores reconhecidos como, por exemplo, Antonio Zabala, de que a observação é um dos principais instrumentos para se acompanhar o progresso do aluno. O vocacional tinha a ficha de observação do aluno, através dos pais, da qual os professores faziam a sua observação, e sobre a orientação vocacional acompanhava-se o desenvolvimento do aluno. A idéia de uma progressão continuada que está aí tem razão de ser, ela é fundamental, a progressão do aluno é extremamente importante, tem fundamentos. Mas está lutando para encontrar caminhos para implantar uma avaliação processual e contínua.

Temos nesse momento que retomar essa experiência, para mostrar a esses professores, tenho muito convivência com professores da rede pública, e uma grande reclamação que ouço deles é: “vocês são todos teóricos, não conhecem a realidade da escola, falar é fácil, vem aqui implantar”. Mostro e digo que já vivi uma experiência que implantou e pôs em prática e deu certo, funcionou. Então temos que mostrar. Acho que é o momento de expandirmos.

A década de 90 foi uma década que produziu praticamente três teses no vocacional. Outras estão saindo. Tem aqui um rapaz aqui chamado Daniel. Está fazendo uma tese para o vocacional, em fevereiro deve estar defendendo uma tese. Tenho aqui uma professora de Campinas, Sandra Júlia, que não é do vocacional, e está interessada e me procurou, para fazer uma tese sobre o estudo meio, descobriu que no vocacional se fazia estudo meio e falou: “Esméria, fiquei encantada com a idéia do estudo meio!” Por que o vocacional está despertando tanto interesse? É um momento para pararmos e pensarmos isto. Por quê?

Porque a atualidade das suas idéias está aí. É isso que gostaria de estar ressaltando no meu trabalho, antes de contar o que foi a minha tese, no sentido de que vocês todos já conhecem. Muito obrigado pela atenção, e até daqui a pouco para matarmos a saudade e nos abraçarmos e tudo mais, tá bom? Um abraço.

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Tem a palavra o Sr. Moacir Silva, professor, doutor em educação pela PUC, foi orientador educacional do Ginásio Vocacional João XXIII de Americana.

 

O SR. MOACIR SILVA - Sra. Presidente, inicialmente uma retificação. Fui orientador pedagógico. Juntamente com a Profa. Cecília Guaraná, fazíamos duplas, um acompanhava a 5ª e 6ª Séries, o outro a 7ª e 8ª Séries.

A minha tese foi sobre a formação continuada de professores, centrada na escola, porque lá era o lugar onde não só ensinávamos, mas muito aprendíamos. Ratifico que os agradecimentos e os mais de 30 anos de experiência no ensino como professor, diretor, supervisor e delegado de ensino possibilitaram-me a compreensão dos diferentes momentos e das profundas transformações pelas quais tem passado a educação brasileira. Dentre essas experiências, a que mais me marcou como educador foi a de ter sido um dos atores na construção do projeto de renovação educacional que foi a dos ginásios vocacionais.

No momento em que nos deparamos com vários movimentos de formação continuada de professores, quase todos emanados dos órgãos centrais da administração superior, muitos desvinculados da realidade da escola, e sem considerar a voz e a participação dos educadores nas decisões das políticas de formação, trazemos à discussão e à reflexão uma experiência de construção coletiva compartilhada em que professores e orientadores se sentiram envolvidos e engajados de forma política, social, ética, e pedagógica.

O processo coletivo do exercício constante da atuação do professor inventivo, criativo, reflexivo, e ainda da integração dos conteúdos da inter-disciplinalidade e da aprendizagem significativa, não fragmentada, da construção do conhecimento, tão apregoados hoje nas diretrizes nacionais para o currículo do ensino médio, já eram parte integrantes do projeto do ensino vocacional.

Demonstramos que muitas das idéias que atualmente se apresentam como de vanguarda nos estudos de Antonio Nova, Donald, entre outros, já eram por nós trabalhadas na década de 60. Recordo que no exame de qualificação, o Prof. Nilton Balzam, aqui presente, fez parte como examinador e quando apresentei mais de 300 folhas, apresentando a teoria dos portugueses, falando sobre o professor reflexivo, ele disse: “Tudo isso que você coloca em nota de rodapé, pois eles não souberam a experiência que foi o Ginásio Vocacional”.

Um trabalho em que todos os professores, pais e alunos cresceram como cidadãos participantes ativos de uma escola que cumpriu o seu papel de agente transformador da comunidade. O que nos leva a inferir que estávamos no século XXI e não sabíamos. Igualmente, no exame de qualificação, o Prof. Nilton disse: “A mais séria, criativa e avançada experiência vocacional já realizado no Brasil”.

Quanto à formação do professor centrada na escola, no vocacional, iniciava-se com o processo de seleção, com o treinamento. Depois tínhamos os momentos significativos que todos passamos. O conselho pedagógico, a organização curricular, o processo de avaliação como prática da reflexão, não vou detalhar cada um deles, porque nós vivenciamos esta diferenças todas. O conselho pedagógico semanal, que na entrevista a Profª Cecília Guaraná disse: “Sagrados porque eram realizados semanalmente e onde discutíamos as grandes teorias e as propostas a que o projeto educacional deveria dar continuidade”.

Então, não vou me alongar. Da tese resultou um pequeno livro, uma síntese, para encerrar gostaria de manifestar a nossa eterna gratidão e a nossa saudade da Maria Nilde, a Maria da Glória Pimentel, a Iara, que foi a diretora e orientadora pedagógica de Barretos, a Elisabeth Chinaglia, a Oguita de Americana, a Mabel e outros que fogem à minha memória, pelo companheirismo e a soma de ideais que foram compartilhados conosco pela garra e pelas lutas, e por essa significativa aventura chamada Ginásios Vocacionais. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Esta Presidência concede a palavra ao Prof. Dr. Nilton Balzam, livre docente da Unicamp. Foi Supervisor de Área de Estudos Sociais dos Ginásios Vocacionais João XXIII, de Americana, e Oswaldo Aranha, de São Paulo, membro da equipe técnica do serviço de ensino vocacional.

 

O SR. NILTON BALZAM - Sra. Presidente, prezados colegas, é um prazer imenso estar aqui, imenso mesmo porque se trata de recordar e trazer para o dia de hoje uma experiência que marcou a todos nós e que está completando 40 anos. Começaria minha palavra lembrando alguma coisa que foi dita pela Esméria e pelo Moacir, nesse instante.

Há uma série de autores hoje, acho que a maioria de vocês estão familiarizados ou já ouviram falar: Antonio Nova, Donald e outros. Os alunos da pós-graduação estão lendo muito esses livros, são livros de boa qualidade, não nego que são livros de boa qualidade, mas não tive paciência para ler nenhum deles. Fico só na leitura dinâmica, simplesmente porque constato que o que eles estão escrevendo hoje, parece novidade, já fizemos há 40 anos, ou seja, fui ator do que eles estão escrevendo. Os nossos alunos estão aprendendo isso através da transmissão, estão repetindo, nós fomos atores, já fizemos àquilo, é velho demais o que estão escrevendo hoje, sem menosprezo, sem dizer que se trata de material de boa qualidade.

O segundo ponto é o seguinte: depois desses 32 anos do fim do vocacional, dediquei-me ao ensino superior, dedique-me è educação integralmente. Fiz doutorado, pós-doutorado, trabalhei em ensino e pesquisa no Brasil todo e até no exterior. O que me marcou a vida como profissional da educação foram os anos do vocacional, principalmente trabalhando como professor de ginásio vocacional de Americana.

O maior choque da minha vida profissional, foi quando saí do vocacional, ginásio e fui trabalhar na USP. Tive a impressão que no fim dos anos 60 e 69 tinha saído do século XXI e voltado para a Idade Média. Foi um choque tremendo, o maior choque da minha vida, sair do ginásio e ir para a USP. A USP é a escola em que estudei e fiz toda a minha carreira também.

Acho que gostaria de ser um educador e procuro ser até hoje. Acho que o que eu tenho de educador, devo ao vocacional. Estou consciente de que o vocacional formou professores. Estava conversando com a Profa. Maria Cândido agora há pouco sobre isso. Será que o vocacional foi mais útil para nós ou para os nossos alunos? Acho que o vocacional formou uma geração de excelentes professores. Olha o paradoxo, uma coisa interessante! O vocacional não tinha como objetivo formar professores e formou professores excelentes. Não vi nenhum curso de licenciatura em nenhuma das três universidades estaduais que trabalhei.

A Unicamp, Unesp e USP, e nem nas duas PUCs e nem no Brasil que tenho trabalhado, no exterior que acompanhei cursos de formação de professores, algo de tão excelente qualidade de formação de professores, quanto foi o vocacional. Formou uma geração toda de excelentes professores que estão militando até hoje.

Bom, colocaria quatro pontos que gostaria de destacar. Recordo muito aquilo que foi dito pela Esméria.

Primeiro lugar, chamo a atenção de vocês para o seguinte: em 1965, no meado do ano, uma professora de estudos sociais de Americana, não sei se ela está aqui, a Odete Dib João, apresentou o seguinte trabalho com os alunos de 4ª série ginasial, hoje é a 8ª série, uma frase em francês, dizia assim: “Durante toda a minha vida, vi apenas guerra, morte e doença”, autor medieval.

O que os alunos tinham que fazer com essa frase, durante 21 anos, era se virarem, desculpe a expressão, na biblioteca, entrevistas, conversas e estudos, traçar uma panorâmica do que esse autor estava dizendo com isso. Ou seja, a partir dessa frase, eles tinham que estudar a peste negra, a sociedade medieval e o feudalismo, fizeram esse trabalho.

Por que estou chamando a atenção de vocês? Parece incrível que isso foi feito numa 4ª série ginasial, porque desde a 1ª série acostumávamos o aluno a aprender a estudar, ele tinha estudo dirigido na 1ª e 2ª séries, estudo supervisionado sobre orientação dos professores na 3ª série e estudo livre na 4ª série, e era abandonado para se livrar sozinho. Bem, onde quero chegar?

Hoje, essa questão do aprender ou aprender que a Esméria se referiu é mais importante do que há 40 anos atrás, porque a sociedade progride tanto tão rapidamente que qualquer curso que se faça, química, engenharia elétrica, medicina, pedagogia, história, o conhecimento vai ser superado em meses, o conhecimento se duplica no mundo a cada seis anos, e têm campos como a biologia molecular, a neurofisiologia, que duplicam a cada sete ou oito meses, quer dizer, a pessoa tem que estar atualizada e saber adquirir essa independência intelectual.

Ora, o quê acontece com as nossas universidades? Tenho um dado aqui: 22,5% dos estudantes que estão concluindo a universidade hoje, uma das melhores do Estado, não adquiriram experiência intelectual, declaram isso, “não sei fazer uma pesquisa bibliográfica, não sei juntar os dados e escrever um trabalho”. 22,5%, coisa que fazíamos em nível ginasial.

Outra questão que coloco, essa independência intelectual, esse caminhar sozinho ficou perdido. Fazíamos há 40 anos atrás o que hoje é muito mais importante do que há 40 anos atrás.

Outra constatação que tiro aqui: 48% dos estudantes que entrevistei numa universidade do norte do Brasil, terminando o curso superior dos mais variados cursos, 28% declaram o seguinte: “só estudo para provas”! Veja que diferença com relação ao que fazíamos. Uma avaliação global não usava esses termos somativos, aformativos, nada dessas bobagens, mais se fazia isso e nós fazíamos, essa é a verdade, e os nossos alunos eram avaliados através de provas que eles faziam com consulta.

Hoje, uma professora de direito me conta um fato que é de sentar, estarrecedor, professora de direito do 4º ano, os alunos perguntam a ela nas vésperas da prova: ”Professora, na sua prova vão cair questões de pegadinhas? Reparem bem, se eles estão perguntando, na sua prova vão cair questões para pegar no pé? De rodapé de livro? De algibeira? Se eles estão perguntando isso, é porque na escola, na faculdade de direito, prevalece esse sistema, o que é lamentável! Vejam que houve o retrocesso que observo em nível universitário, e não só em nível de 1º ensino fundamental e médio.

Há uma farsa nessa questão de estudo e pesquisa também. 83% dos estudantes universitários numa universidade onde fiz pesquisa há pouco tempo, sobre contrato e assessoria, 83% declaram que têm acesso à internet, usam a internet para pesquisa e usam a internet para comunicação com os professores. Só que o que eles entregam para os professores são cópias de trabalho da internet, uma versão moderna da cópia xerox, que ainda é bastante recente e moderna, e uma versão antiga daquelas cópias de livro para entregar ao professor. Acho que estamos dentro de uma farsa em relação àquilo que fizemos há 40 anos atrás.

O segundo aspecto é a integração. Há uma grande expectativa dos estudantes, estou falando mais da universidade, porque trabalho na universidade e estou desligado do ensino fundamental e médio há muito tempo, há uma grande expectativa dos estudantes e professores, em torno da integração, transversalidade, transdisciplinalidade. No entanto, essa integração não acontece, ou acontece raramente.

Agora, as faculdades de medicina de Londrina, Marília, Unicamp e outras, estão fazendo um trabalho muito interessante de integração, desde o começo do curso para o projeto, é um trabalho muito interessante. Há o que começa nas faculdades de medicina e ainda não se difundiu para as outras. Lembro-me que no vocacional, nos anos 60, nossos alunos leram o poema de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina”. Assistiram e ouviram a audição musical, o disco, prepararam-se para vir à São Paulo, assistiram a peça e a discutiram com os atores que atuaram nela aqui em São Paulo. Voltaram para o ginásio, escreveram a síntese desse trabalho, trabalharam. Tudo isso dentro de um tema geral. A média de vida de um brasileiro era naquele tempo de 55 anos de idade, só. Dentro disso, trabalharam com funções, matemática e outras disciplinas.

A minha pergunta é o seguinte: em quantos cursos de direito hoje, os alunos foram levados pelos professores à assistirem “Cidade de Deus”, por exemplo e discutirem isso em sala de aula? Em quantos cursos de medicina, os alunos assistiram o Patch Adams? Eu levei os alunos de medicina para assistirem Patch Adams, eles disseram que foi a melhor aula de medicina da vida deles, não a minha aula, o filme foi a melhor aula de medicina a que eles assistiram. Chamo a atenção deles para isso, quão longe, quanto longe estávamos desses trabalhos que hoje parece que se ensaia e não se faz nada. Por que não se consegue a integração no ensino superior? Fala-se e fala-se e não se consegue.

Porque os professores têm que ter uma cultura geral para dominar os vários assuntos e fazer essa integração, eu, professor, você, professora, tem que ter algo dentro de si, essa capacidade de integração do conhecimento, enxergar a realidade como totalidade e a maioria não tem isso. Outra, por que no vocacional começamos planejando o ensino vocacional em função de quem serão os nossos alunos, o que faremos ao longo de quatro anos, o que queremos com essa escola, estudando a vida dos alunos? Quando fui trabalhar em Americana, sabia até o número de horas que dormiam as crianças para quais ia lecionar a 1ª série. Olga lembra disso. Sabíamos o que eles liam em casa, o que assistiam na televisão. Isto é planejamento, não se faz isso em escola nenhuma, nem em faculdade, a profundidade do planejamento, a filosofia do planejamento foi deixada de lado.

O terceiro ponto, estou terminando, é a questão da participação comunitária. Lembro-me que os nossos alunos na 4ª série ginasial, hoje 8ª série, tinham já, chamava-se ação comunitária, ou seja, vocês já aprenderam bastante, a escola e o Estado já deram muito e agora o que vocês vão fornecer à sociedade? Os nossos alunos da 8ª série iam alfabetizar crianças e adultos nos bairros periféricos da cidades onde havia ginásios vocacionais.

No ginásio de Americana, havia uma estação de rádio local e havia um posto meteorológico. O posto meteorológico foi construído pelos alunos de acordo com os padrões da meteorologia, e diariamente eles informavam ao jornal e à rádio da cidade sobre a temperatura, o vento e a umidade. Era transmitida para toda Americana.

Vejam a distância enorme que estamos tendo hoje da juventude. Voltando para a universidade, pergunto para eles, aos alunos universitários do último ano dos cursos de Medicina, Veterinária, Agronomia, Arquitetura e etc., que participação vocês têm na comunidade, ONGs, partido político, associação de comunidade de base, etc.? Resposta: Vocês vão se estarrecer! 66%, dois terços, não têm participação alguma, de nenhum tipo, fora da sala de aula, nada. Ou seja, a vida universitária se resume em entrar às 8:00 e sair ao meio-dia, ou entrar às 7:00 e sair às 23:00 horas. É um atraso muito grande em relação àquilo que fizemos.

Finalmente, a questão do projeto. Faz-se um projeto, tenho esse exemplo da medicina que me parece bastante bom. Quando há projeto na universidade, o aluno gama, fica apaixonado.

Projeto, o que quero dizer, é o seguinte: em curso de engenharia mecânica por exemplo, os alunos trabalharam na elaboração de um projeto, uma caldeira, elaboraram a caldeira junto com o professor e até o fim do projeto avaliaram essa caldeira construída. Isso poderia ser em história também, construção de um arquivo historiográfico de um determinado período, isso é projeto. No vocacional tínhamos projetos executados o tempo todo, e quase chegamos a organizar o nosso estudo através de projetos, como é na faculdade de medicina de Toronto, por exemplo, que é o espaço mais avançado do Brasil.

Lembra! Das 12:30 às 13:30 horas, impreterivelmente os bancos da nossa escola funcionavam como banco, caixa, talão de cheque, e tudo mais. Havia um modelo de governo estadual implantado dentro do ginásio vocacional, seguindo todos os trâmites de votação, disputa etc, repetindo um governo.

Bem, tomei por referência muitos pontos que me parecem fundamentais. Vejo, como conclusão, uma defasagem muito grande entre aquilo que se faz em nível universitário hoje e aquilo que se fez num ginásio com estudantes de 11 a 15 anos, 35, 37, 40 anos atrás, a defasagem é muito grande.

Durante esse período de 40 anos a coisa mudou muito. Podemos ignorar que houve anos e anos de chumbo e ditadura militar, isso é inegável e prejudicou muito, mas o que chama mais atenção é o seguinte: aquele tempo do vocacional, os cursos mais procurados para os vestibulares na USP, na Unicamp não havia ainda, mas na PUC de São Paulo, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, eram física, ciências sociais Porque o Brasil queria se descobrir nos anos 60, o Brasil estava à procura de si mesmo, havia a bossa nova, Chico Buarque aqui no Teatro Record, era uma explosão de Brasil.

Ciências Sociais era um dos cursos mais procurados. Hoje, pasmem senhores, curso mais procurado da USP é Publicidade e Propaganda, é o curso mais procurado da PUC de Campinas e PUC de São Paulo. Publicidade e Propaganda direciona, fecha a cabeça, orienta para o consumismo. Ciências sociais abrem perspectiva, direcionam, abrem para o mundo. Isso para mim é um dado fundamental.

Acho que estamos diante de uma falência completa do ensino fundamental e médio, reprovávamos pouquíssimos alunos no vocacional, reprovávamos poucos, mas esses poucos eram reprovados, aprendiam e agradeciam por isso. Tínhamos recuperação que era uma dependência séria.

Hoje, existe a farsa da recuperação de final de ano, é uma verdadeira farsa. A promoção automática é uma aberração que está acontecendo, não leva a nada, é uma mentira e nada que se compare com aquilo que se chamava de estudo, progresso real, desenvolvimento da inteligência, do pensamento crítico, etc.

Passaram-se os anos, a juventude é outra, temos uma revolução no século XXI, aparece uma cultura dos “yuppies” dos anos 80, com a cabeça dos anos 90, ligada a “tecno music” e, daí para frente, ligada a mentalidade de shopping center, ligada a imagem. O ontem para eles já é velho, é o hoje que interessa. Mudou, mas caberia a educação, a universidade e ao ensino fundamental e médio, há um papel fundamental. Acredito nesse papel da educação fundamental, ela não está cumprindo absolutamente, não está cumprindo de jeito nenhum. A quantidade ganhou espaço, a qualidade foi para o limbo e essa que é a verdade, nossos alunos estão mal preparados, saem da universidade sem preparo nenhum, angustiados pelo problema do desemprego do mercado de trabalho. Uma universidade hoje, pior ainda, uma universidade que a maioria chama de operacional, dirigida ao mercado, é o mercado que está dando as normas e não a universidade. Isso é extremamente grave.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Esta Presidência concede a palavra ao Sr. José Carlos Caio Magri, pai do aluno José Carlos Caio Magri Filho, do Ginásio Vocacional Cândido Portinari, de Batatais.

 

O SR. JOSÉ CARLOS CAIO MAGRI - Sra. Presidente, bom dia! Meu filho chama-se Caio Magri, ex-aluno do Ginásio Vocacional Cândido Portinari de Batatais. Fui convidado para dar um depoimento de experiência de pais naquela ocasião, quando os nossos filhos entraram para um colégio que era uma verdadeira renovação do ensino.

Recordo que na primeira noite, quando fomos apresentados no colégio, quando cada mãe dos alunos antigos entregou uma rosa às mães e aos pais dos novos alunos, dando boas-vindas, logo percebi que os nossos filhos estavam indo para um colégio completamente diferente. Esse aspecto foi mudando com a primeira reunião nossa. Naquela avaliação feita, nós que viemos do colégio tradicional, onde as notas eram coloridas, notas vermelhas, azuis, de repente estávamos no meio de uma avaliação onde não havia notas, havia um gráfico de aproveitamento, onde verificávamos que até a personalidade dos alunos era medida de uma forma absolutamente coerente. Isso nos deixou, realmente, muito contentes. Depois dessa experiência, tivemos o famoso estudo do meio, que para os pais foi uma experiência fabulosa! Por quê? Porque passamos a ser questionados pelos nossos filhos, filhos de 12, 13 anos, porque existiam aquelas diferenças muito grandes na sociedade, naquele meio em que vivíamos. Era um colégio do interior, Batatais, uma zona rural, não foram poucas vezes que verificaram, chegaram a ver de madrugada, nesse estudo do meio, aqueles caminhões saindo com homens para a roça, com mulheres e com crianças e vinha a pergunta. Por que as crianças? Nós não tínhamos como responder.

Isso continuou e ficamos apaixonados pelo vocacional. Quando as nuvens escuras começaram a abaixar, viemos à São Paulo, morávamos no interior, com meia dúzia de pais e encontramos com outros pais, foi até uma reunião meio secreta para tentar reverter, tentar espantar aquela nuvem escura e não conseguimos. O Secretário da Educação na ocasião, homem íntegro, mas pressionado pelo regime militar, não conseguimos nada. Voltamos e naquela noite o meu filho me fez uma pergunta. Por que vão fechar o colégio, por que vão fechar as janelas e acabar com a esperança?

Não soube responder, simplesmente me retirei e escrevi uma história que acabou virando um conto, ficou na gaveta durante 30 e tantos anos, foi depois entregue por ele a uma editora, gostou, publicou. Gostaria de ter dois minutos, ler apenas as minhas notas explicativas. o que na realidade é aquilo que sempre senti com relação ao vocacional.

“Esta é uma história singela, uma pequena homenagem aos homens e as mulheres que um dia sonharam com a renovação de um ensino que viesse ajudar os jovens educando a participar do processo da renovação do amanhã.

Desses sonhos foram surgindo as sementes que acabariam germinando com o nascimento dos ginásios vocacionais. Era um trabalho sério, exigia de todos os educadores, professores e auxiliares uma total disponibilidade para o sacrifício, além de uma grande parcela de idealismo. Dispostos a provar que seria possível uma caminhada, São Paulo, Americana, Rio Claro, Barretos, Batatais foram as cidades escolhidas para esse início. Sabemos que não foi fácil o começo, mas eles acreditaram, e, não obstante as dificuldades, criaram uma nova dimensão para a educação pública, aberta sem exceção aos jovens de todas as classes sociais, credos ou cores. Um ensino que viesse acordar a consciência dentro deles, preparando-os para enfrentar o amanhã com a maior certeza de que eles próprios enfrentaram o ontem. Era o tempo das nuvens escuras, e num dia desceram para trancar as portas e fechar as janelas, levando junto as esperanças.

Os guerreiros e os seus amigos não haviam gostado do ensino proposto. Não gostaram da idéia de que os jovens poderiam descobrir que nem sempre a verdadeira história é aquela encontrada nos livros e que eles próprios poderiam encontrá-la. Isso os assustou. O tempo novo tinha como sua base mestra integrar a escola, aluno e comunidade, através das constantes presenças dos jovens dos mais diferentes núcleos da sociedade.

A descoberta naquele encontro contava histórias que os livro não contavam, e isso os assustava ainda mais. Desacostumados a questionamentos, não se contentaram a passar as trancas nas portas, passavam a perseguir aqueles que se atreviam a contestá-los, e não foram poucos os que acabaram nos porões da ditadura militar.

Esqueciam eles, porém, que os pensamentos, as palavras, o espírito e as idéias jamais foram sujeitos às trancas ou cadeados, e que mais cedo ou mais tarde o sol voltaria a brilhar. Então, a verdadeira história seria contada à luz do dia, sem medo e sem sonegações. Nessa nossa pequena homenagem não poderia deixar de destacar uma personagem que marcou de forma indelével, a história do ensino vocacional.

Presa nos porões escuros da ditadura, foi como tantos outros, perseguida sem razões, jamais calaram a sua voz. A educadora Maria Nilde Masselani era assim, uma escola que ajudou a nascer e fornecer e não transacionava com a verdade. A última vez que a vi foi na formatura da turma de 69 do Ginásio Vocacional Cândido Portinari de Batatais, a derradeira aconteceu sob a sua coordenação.

Na solenidade representando os pais dos alunos, fui convidado a saudar os jovens formandos, quando a vi sentada atrás daquela mesa comprida, enfeitada de flores, espremida entre as autoridades civis e militares, sabia que estavam ali para apagar as luzes e levar as chaves, não resisti à tentação de repetir as palavras do poeta morto pelo nazismo alemão: “quero fazer hoje um poema, onde cada verso respire um tempo novo”. Tudo aconteceu há muitos anos. Mas, como dizem os contadores de história, assim toca o coração, jamais envelhece.

Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Tem a palavra a Profª Dra. Maria Lúcia Montes, Profa. da Faculdade de Filosofia da USP.

 

A SRA. MARIA LÚCIA MONTES - Sra. Presidente, para que a emoção que encharca a memória não turve as palavras, decidi escrever algumas linhas. Para mim é uma coisa extremamente importante e queria agradecer a vocês a oportunidade de estar aqui participando desse momento de reflexão sobre o vocacional, num momento que para vários de nós é também um momento doloroso, pois estamos perto de comemorar mais um ano que a Professora Maria Nilde Masselani nos deixou.

Acho que pensar sobre o vocacional é também prestar a nossa homenagem à Profa. Maria Nilde, e prestar a nossa homenagem a Professora Maria Nilde é refletir não apenas sobre o vocacional, mas sobre uma vida inteira de luta e trabalho incansável dedicado à educação nesse país.

Sinto-me à vontade para dizer isso, porque ao contrário de vocês, não sou alguém que vem dos tempos heróicos do vocacional, conheci inclusive a Maria Nilde, as experiências dos vocacionais, quando já haviam passado, quando os governos militares já haviam decretado o fim compulsório da experiência dos vocacionais.

Estranhamente, os vocacionais entraram na minha vida, em nome da Profa. Maria Nilde, em Londres, quando um menino de 17 anos, entrou pela minha casa adentro, vinha recomendado por um amigo comum e ele dizia: “Não dá para ficar naquele país, a repressão está péssima, a escola não presta, não tem nada para fazer lá. Resolvi vir embora para cá, pois resolvi estudar música”.

Perguntei: o que estava acontecendo no Brasil? Esse menino me contou, quero dizer a vocês que morava em Londres e nessa época tinha colegas que eram professores nas universidades de Londres, alguns com quem tinha me encontrado e perguntado exatamente sobre o que havia acontecido depois do famigerado Ato Institucional nº 5, e eles, como sociólogos e cientistas políticos que eram, me contavam a respeito do que se havia convertido o Brasil nesse recrudescimento de repressão dos governos militares. Falaram sobre as suas causas estruturais, do conflito entre o legislativo e o executivo, a partir do momento em que o Congresso havia sido fechado e depois do discurso Márcio Moreira Alves, falavam sobre o novo modelo econômico que estava sendo implantado, falavam na necessidade de controlar a hegemonia de um pensamento de esquerda, o que prevalecia entre a inteligência apesar do golpe militar, etc., mas ninguém me falava do cotidiano, o que era viver sobre repressão.

 Estava fora do Brasil desde 1965, não tinha muita noção do era essa vida cotidiana no Brasil após o AI-5. Esse menino de 17 de repente me contava, só ouvi Gilberto Gil e Caetano pois encontrei por acaso, não sabia quem eram, encontrei por acaso numa festa em Londres, eles me contavam o cotidiano, o que era a vida no Brasil nessa época, e esse menino de 17 anos que de repente começou a me contar o que tinham sido exatamente as peripécias que haviam resultado no fechamento do vocacional, a luta dos pais em defesa da escola. Esse esforço absoluto de todo mundo para tentar salvar os documentos das experiências que se realizavam no espaço dos ginásios vocacionais, da fúria repressiva da polícia quando invadiu os ginásios, com o autoritarismo que era próprio da época. Não só terminou com a experiência, mais inclusive levou a prisão vários dos seus responsáveis e sobretudo a Profa. Maria Nilde.

Quero dizer que as pessoas, os professores, os sociólogos e os cientistas políticos com quem conversava na Inglaterra são personagens hoje conhecidos na história do Brasil. Um deles é o Presidente da República que hoje deixa o cargo, Prof. Fernando Henrique Cardoso, o outro é o Ministro da Cultura, Prof. Francisco Corrêa Weffort, o outro era um professor que se tornou depois Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Prof. Carlos Estevão Martins.

Esse menino de 17 anos me contava de um Brasil, que o Presidente da República e o Ministro da Cultura, etc. não me contavam, porque cientistas estavam acostumados a pensar nas causas estruturais, mas lidar com aquilo, contar como os grandes problemas sociais se refletiam na vida cotidiana. Isso era uma coisa que os cientistas e os meus colegas da universidade não se preocupavam em fazer. Aquele menino de 17 anos me ensinou a ver em Londres o Brasil dos anos de chumbo, na sua experiência de menino que tinha sido tirado do vocacional, pois acabou a escola. E, ele então pegou o seu violão e foi para Londres e passou alguns meses na minha casa, onde sem qualquer controle de fora ou de dentro, sem qualquer imposição, ele pegava o violão e estudava o dia inteiro, enquanto eu ia à Biblioteca do Museu Britânico terminar o meu trabalho. Não me cansava de perguntar a esse menino, mas que idade mesmo você tem. Ele dia: 17 anos.

Aquilo era um absurdo para mim, como era possível que alguém com 17 anos tivesse essa compreensão do que era o País nos anos de chumbo, sob a violência da repressão, as suas causas sociais, as suas causas econômicas, as suas causas políticas, os seus efeitos na vida cotidiana, na filigrana do sentimento dos projetos e das esperanças das pessoas. Isso, esse menino de 17 anos me contava. Foi aí que ouvi pela primeira vez falar dos ginásios vocacionais e do nome da Profa. Maria Nilde. A Profa. Maria Nilde, que conheci muito tempo depois, não tanto tempo depois, quando voltei para o Brasil e fui trabalhar com ela na Re 9, no escritório da Praça da Sé, onde os projetos dos vocacionais, compulsoriamente destruído pela ditadura, continuaram graças à persistência, a coragem e ao trabalho dessa educadora que nunca deixou de pôr em prática aqueles ideais que foram características da sua vida inteira.

Na Re 9 ela trabalhava fora das estruturas oficiais, depois do fechamento do vocacional, os projetos de intervenção do vocacional passavam pelos movimentos comunitários, pelos sindicatos, pelos clubes de mães, as associações de moradores ou cursos de formação de professores para além da rede escolar. Esses foram os meus anos de convívio de colaboração e partilha, não da experiência do vocacional, mas do que continuou para além dos vocacionais, acho que tem tudo a ver com a realidade de estarmos refletindo hoje o que foi a experiência dos vocacionais, porque a experiência acabou pela força da repressão, não o que ela significou, pois teve uma continuidade num período no qual tive o privilégio de poder participar e ser colaboradora.

Quantos anos? Dez ou quinze anos, não sei, enquanto as minhas obrigações na USP me permitiram, trabalhei nesses projetos com a Profa. Maria Nilde e algumas poucas pessoas do vocacional que tinha podido permanecer ligada à esses projetos.

Nesse tempo que conheci Maria Nilde, a mestra sempre pronta a nos confrontar com novos desafios, Nilde, a companheira de trabalho que, com a sua inalterável simplicidade, era a encarnação viva da solidariedade e de um espírito profundo de compaixão. Poucas vezes encontrei noutros seres humanos.

Quantas vezes nos perdemos por ruas de terra, em bairros para além, acabavam os mapas, muito além da estrada do M'Boi Mirim ou Sapopemba. Muito além da última vila conhecida de Osasco ou Santo Amaro, do último bairro de Ribeirão Preto, em busca da casa paroquial, onde se reunia um grupo de mães ou de trabalhadores bóias frias da cana, para traçar com eles um plano de ação, através do qual iríamos desenvolver um projeto pedagógico sob medida para necessidade daquela comunidade, tal como se fazia em cada ginásio vocacional. Cada projeto de Re 9 tinha também esta característica. Uma coisa que poucos de vocês puderam acompanhar de perto e algo de que fui testemunha involuntária, foi um episódio que envolveu a professora Maria Nilde quando foi nomeada Secretária Municipal de Educação na cidade de Rio Claro, onde nos anos 60 havia funcionado uma unidade dos ginásios vocacionais.

Na época, estava por acaso na cidade dando um curso de formação para os professores da rede e pude presenciar a parte final do drama que envolveu todo o tipo de oscilação e fertilização política, conflitos de política local.

O fato da Profa. Maria Nilde ter enfrentado poderosos interesses escusos na rede pública de educação de Rio Claro trouxe uma campanha nos jornais feita de uma maneira feroz contra a Secretaria, as ameaças, as intervenções da maçonaria. Teve de tudo neste episódio da Profa. Maria Nilde como Secretária, o que resultou na sua demissão. Assisti ao que aconteceu, no dia seguinte com relação à reação dos professores, funcionários, os pais dos alunos.

Queria contar isso para vocês. Remexendo vários papéis encontrei um texto que escrevi na ocasião e que acho que é uma espécie de ícone, de símbolo, espírito dos vocacionais, que permaneceu através da obra da Profa. Maria Nilde e dos que tiveram o privilégio de com ela colaborar, muito além da experiência dos vocacionais.

Esse texto escrevi no calor da hora para explicar o que estava para além do caso Maria Nilde, e foi o que aconteceu quando a Secretária foi demitida. Na verdade todo mundo pensava em tudo, em todos os interesses possíveis e imagináveis, políticos, partidários, privados etc., menos na educação. Leio o texto:

“O que testemunhei emocionada foi a corajosa reação de professores e funcionários administrativos que trabalharam com a equipe da Profa. Maria Nilde Masselani e que, fazendo das tripas coração, procuravam arrancar, no desespero em que foram deixados na súbita ruptura de um processo que se engajaram de corpo e alma, ânimo e coragem para prosseguir com o trabalho iniciado.

Muitos deles haviam encontrado na proposta da Secretária, talvez pela primeira vez na sua vida, um sentido para as tarefas que são chamados para desempenhar como educadores, apostando que através do seu trabalho criariam as condições que permitiriam executá-las com eficiência e ao mesmo tempo com o sentimento de realização profissional e pessoal, garantindo pela satisfação moral do cumprimento do dever ao assumirem o compromisso social e político que nos cabe com o nosso tempo e com o futuro, através das nossas gerações, cuja formação constitui o nosso trabalho.

Estes choravam aberta, franca e sinceramente pela frustração de tantas esperanças ao desfilarem pelo jardim público e pela principal avenida de comércio da cidade, realizando o enterro simbólico do prefeito, que com a sua decisão, doravante por essas perdas seria responsabilizado. No entanto, na faixa que carregavam pela pequena passeata, podia se ler a determinação de sua coragem para prosseguir com uma luta que apenas se iniciava.

Os poderosos podem matar uma, duas, três rosas, mas não conseguiriam deter a primavera, diziam aos passantes. Enquanto que juntamente com as crianças e seus pais que acompanhavam a manifestação, eles distribuíam flores pela cidade.

Ao final fui abordada por um senhor idoso, pernambucano, residente há 30 anos em Rio Claro, que atravessando a praça se detivera a ouvir o discurso que a ex-Secretária improvisava do alto do coreto, durante o ato público.

Esquecido de si, ele se deixara ficar ali, fascinado, escutando, a ponto de esquecer o objetivo que levara a sair de casa e depois me disse: "Nunca vi na minha vida mulher tão corajosa! Outra pessoa no lugar dela, tinha ido com uma outra pessoa para proteger, ela não, subiu sozinha e de lá de cima rasgou o verbo, falou tudo e falou bem. Mostrou todos os podres desses políticos, toda a vergonha que está aí, a gente sabe, mas ela tem a coragem de dizer para todo mundo ouvir. Muito homem não teria a coragem que ela teve, eu mesmo fico quase com vergonha de ser homem, perto de uma mulher assim. e Erundina fala essas coisa, só sinto que todo mundo em Rio Claro não tenha escutado. Você imagina uma estação de rádio transmitindo isso lá para o Servisão, Vila Paulista, para todo aquele povo pobre que não tem nada, para ouvir e saber das coisas, por toda essa sujeira que os homens fazem e depois vão lá enganar os pobres na hora da eleição? Diga para ela se ela for candidata para qualquer coisa, voto nela, ela pode contar com o meu voto e com toda essa gente pobre de Rio Claro, se ela se candidatasse ganhava na certa!"

Expliquei que a Profa. não tinha nada a ver com política e eleição, o seu compromisso maior era com a educação, ela queria uma escola melhor, onde todas as crianças, independentemente de serem pobres ou ricas, brancas ou negras, doentes ou vendendo saúde pudessem ter as mesmas oportunidades de estudar e aprender, para que cada uma delas, algum dia, pudesse ser alguém na vida e um bom cidadão desse país.

Ele em resposta: "É. Essa é a vocação dela, não dá para fugir, sei que em qualquer lugar ela irá continuar. Quem nasceu para padre, pode dar volta, mas acaba na igreja".

O que esse senhor assim reconhecia era a força da convicção e da dignidade da pessoa pública, destituída das suas funções por um antro de covardia e desespero político e ao mesmo tempo o poder de carisma da educadora. A graça dos que através da palavra podem explicar o simples no próprio registro da sua experiência e na sua linguagem simples as verdades mais complexas, como só é capaz de fazer o verdadeiro professor. Esse é o poder subversivo do educador. E, encontro na Profa. Maria Nilde Masselani uma das pessoas mais dignas e completas expressões, e foi este espírito que foi transmitido para o vocacional.

Pela tristeza dos professores e funcionários, a consternação dos pais, a admiração do passante anônimo e a esperança de todos, de que por alguma forma, dar continuidade ao trabalho iniciado na Secretaria de Educação de Rio Claro, é possível avaliar que a Profa. não perdeu um posto e uma batalha, mas antes conquistou uma significativa vitória ao deixar plantada nos corações e nas mentes dos que com ela trabalharam a semente de uma esperança e o começo de uma experiência na construção de um novo futuro para a educação nesse país.

Este é um pedaço de uma história do vocacional para além do vocacional que mostra como é que essa proposta, na verdade, não se resumiu numa experiência pedagógica que temos que pensar no passado, ver se está lá, se é aproveitável para o presente e para o futuro. Acho que tudo que foi dito pelas pessoas, na universidade e no ensino secundário, avaliam hoje a situação da educação, acho que concordo em gênero, número e grau, pois sou professora na universidade, trabalhei 30 anos na USP, em várias profissões.

E, quando podia escapava sempre, corria para a Nilde e ia fazer outras coisas na vida, no mundo e na comunidade. Isso a universidade simplesmente não sabe que faz parte das suas funções, voltar para a compreensão, o trabalho, a colaboração e para a ampliação da perspectiva do pessoal que trabalha no ensino fundamental, 1º e 2º grau. Isso a universidade não sabe.

Concordo com o pessoal que diz que o que fazemos na universidade não se compara com o que vi e aprendi, quando orientei a tese da Esméria, quando conversei com a Angela e quando acompanhei o trabalho da Profa. Maria Nilde, mostrava a última encarnação da versão do Projeto Vocacional, não mais na escola, mas dentro dos sindicatos, trabalhando com operários desempregados, através da CUT, fazendo um projeto de recuperação, requalificação dessas pessoas para o trabalho, não para serem peças de uma engrenagem, mas para serem pessoas que têm o mesmo tipo de consciência crítica que foi formado nos vocacionais, também para um trabalhador fora da escola. O vocacional é uma coisa que está muito além da verdade, daquilo que foi a experiência pedagógica restrita. Acho que na verdade, ontem como hoje, na minha historinha de Rio Claro, na época do vocacional, como agora, é um legado que recebemos, nós que tivemos o privilégio de conviver com a experiência dos vocacionais e com a Maria Nilde. Acho que da Nilde em especial, minha amiga, ficou o exemplo, ficou a sua coragem e ficou a clara e luminosa inspiração da sua vida e do seu trabalho. Acho que para cada um de nós que teve o privilégio de participar do vocacional, ou como eu, de conviver com a Nilde para além do vocacional, continuando o espírito do vocacional, a melhor homenagem que podemos prestar a ela e ao espírito do vocacional que hoje aqui se renova, é dar prosseguimento a esse trabalho que nunca parou na verdade.

Não devemos permitir, para lembrar a tese da Esméria, que as cinzas do esquecimento encubram a brasa viva do ideal da educadora que se transformou no projeto dos vocacionais e que foi o que de melhor ela legou a todos nós, e que participamos direta ou indiretamente da experiência dos vocacionais.

Diante da premência da situação da educação, da crise que enfrentamos hoje na educação no Brasil, seria o caso de pensarmos na nossa experiência, no nosso saber, afinal de contas estamos ficando velhinhos.

Faz 40 anos que o vocacional surgiu. Aprendemos que a velhice nesse caso é um bem que temos, é uma experiência acumulada. Não devíamos deixar perder essa oportunidade de estarmos reunidos aqui, para pensar se não teríamos condição de propor uma fundação vocacional para estar ajudando a repensar, refletir e interferir, como sempre foi o propósito do vocacional e da proposta pedagógica que orientou nos destinos da escola pública, nos desafios imensos que a educação pública nos coloca hoje.

Acho que se quiséssemos, efetivamente, fazer desse momento um momento de reflexão, e não só de apenas de reflexão, mas de ação, porque isso foi sempre a característica da proposta pedagógica dos vocacionais, não devíamos deixar passar essa oportunidade sem estar pensando na possibilidade de propor uma fundação vocacional de reflexão, apoio, pesquisa e trabalho, junto com a necessária proposta do ensino público neste país. Esta seria, talvez, a melhor prova de render a devida homenagem ao vocacional dos 40 anos do passado, re-atualizando aquilo que nos foi negado como experiência, conhecimento e como obrigação moral diante dos desafios do nosso tempo.

Não acabou o vocacional, ele está aqui, mas ele está aqui porque ele está em cada um de nós. Trata-se de podermos pôr em ação o que foi resultado dessa experiência. Acho que não tem nada de mais atual.

Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Tem a palavra a Profª Cecília Guaraná. Ela foi diretora do ginásio vocacional João XXIII, de Americana, e membro da equipe técnica do serviço de ensino vocacional.

 

A SRA. CECÍLIA GUARANÁ - Sra. Presidente, autoridades, minhas senhoras e meus senhores, quero cumprimentar e agradecer a todos, à Deputada Edna Macedo e ao Deputado Sidney Beraldo que permitiram que fizéssemos essa comemoração aqui na Assembléia Legislativa. Quero cumprimentar a todos os companheiros e companheiras presentes. Estamos vendo aqui que temos grande número de alunos que participaram do nosso trabalho. Não me refiro apenas aos professores e orientadores.

Quero dizer que senti muita emoção quando recebi o convite da comissão organizadora para representar aqui os pioneiros, o pessoal da primeira leva que esteve presente no vocacional. Temos alguns colegas aqui. Mas aceitei com emoção e felicidade o convite para comemorarmos esses 40 anos de vida e início de um trabalho, de um trabalho que praticamente permanece em cada um de nós até hoje.

O vocacional foi um marco por tudo que já ouvimos, foi um marco na educação estadual e nacional, uma experiência educacional sólida, consistente, vivida consciente e intensamente por todos aqueles que dela participaram, sejam alunos, pais, professores da equipe de coordenação e funcionários.

Digo isso porque o trabalho foi construído por todos nós, tendo à frente a Profa. Maria Nilde Masselani no serviço de ensino vocacional, sediado em São Paulo - Brooklin, com uma equipe de supervisores que foi saindo do trabalho das salas de aula, de alguns chamados desde o início, e que acompanhavam de perto o trabalho que vinha sido realizado nas unidades escolares.

Começamos o trabalho em três cidades diferentes. Houve uma pesquisa que antecedeu para que a realidade fosse conhecida e fosse estudada pela equipe de professores que fosse trabalhar nesse local. Então, começamos em São Paulo, Capital, cidade cosmopolita, Americana, cidade industrial, em 1962, Batatais, uma cidade agrícola com características diferentes para que a experiência pedagógica pudesse ser trabalhada e comparada. No ano seguinte abrimos em Barretos e Rio Claro, e posteriormente foi aberto em 1968 o ensino vocacional com características diferentes, funcionando não em período integral para os alunos, mas em meio período e com algumas características novas. Em São Caetano, quando também nessa ocasião se instalou o 2º grau, bem como o Oswaldo Aranha em São Paulo, e o curso noturno em algumas unidades. Foi uma experiência muito importante, acompanhada de perto pela Profa. Maria Nilde, pelos supervisores que visitavam as escolas, promoviam intercâmbios, trocas, visitas, estudos. Funcionava como uma verdadeira rede de intercomunicação.

Isso tudo ocorreu desde o início, quando começou a funcionar em 1962. Após seis meses de formação e de treinamento para os professores, ficou até o fim de 1969, quando foi fechado pelo ímpeto da ditadura militar incompetente. Fechou levando alguns à prisão, à perseguições. Eles queriam fechar o vocacional, queriam encerrar a experiência, mas não conseguiram. Eles fecharam a experiência oficial.

Em 1969 as pessoas saíram, houve uma verdadeira diáspora. Os professores voltaram para suas escolas onde eram efetivos, e cada um no seu canto realizou o trabalho em profundidade, vivendo essa experiência de uma forma mais discreta pelo momento, pois era impossível tomar outro tipo de ação, porém vivenciando tudo aquilo que eles tinham vivido e feito no ginásio vocacional. Ninguém podia trabalhar numa escola de forma diferente. Tinham que realizar aquilo que já estava no seu sangue, no seu espírito.

Um dos motivos maiores do fechamento do vocacional foi a questão do estudo do meio, foi o conhecimento da realidade, que era proibido naquela ocasião, em que os alunos saíam para conhecer o que estava acontecendo no mundo e no Brasil, conforme as séries. A 1ª série seria na comunidade, no Estado, no País e no mundo, e traziam para a sala de aula para estudar, aprofundar e entender, ver as causa e as conseqüências de tudo aquilo que estava acontecendo.

Eles quiseram fechar o vocacional, mas não conseguiram, porque o vocacional permanece vivo até hoje, como estamos vendo. Essa interrupção oficial foi provisória, o sangue do vocacional corria nas nossas veias e cada um foi e trabalhou intensamente. Houve reunião de alguns grupos, professores se juntaram em algumas escolas, conversando e tendo o intercâmbio também com a Profa. Maria Nilde, e conseguimos continuar trabalhando e trazer firme, viva a chama. Na medida que vamos encontrando os alunos que por nós passaram, vemos que para eles, às vezes, foi mais forte o que pensamos, as conseqüências desse trabalho.

Estamos vivendo um período, Maria Lúcia e os outros já falaram, um período muito triste para a educação. Há um desânimo total, um descrédito, os professores, toda a conseqüência do que está acontecendo, são mal formados e responsabilizados pelos problemas da educação de hoje. Então, há um desânimo, uma falta de autoconfiança. Precisamos pensar, sugestão da Maria Lúcia, fazer essa fundação.

Acho que estamos vivendo um momento de esperança nova, em que possamos nos reunir, fazer propostas, para que nessa nova esperança de Brasil algumas coisas possam acontecer e que se volte a valorizar, devidamente, consigamos formar bem e valorizar devidamente os professores, para que volte a cada um desses educadores aquele entusiasmo que acontece quando as pessoas estão diante dos alunos nas suas salas de aula. Quando na escola inteira acontece há uma verdadeira efervescência, uma verdadeira revolução. Temos que lutar para que isso possa acontecer.

Gostaria de lembrar, e pedir licença, para ler um trecho do Eclesiastes, um livro da sabedoria que pertence à Bíblia, para lembrar o momento que estamos vivendo. "Tudo tem o seu tempo, há o momento oportuno para cada coisa debaixo do céu. Tempo de nascer, tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de destruir e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de lamentar e tempo de dançar, tempo de espalhar e tempo de ajuntar, tempo de abraçar e de afastar os abraços, tempo de procurar e tempo de perder, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo do amor e tempo do ódio, tempo da guerra e tempo da paz”. Passamos por muitos desses tempos, tempo da felicidade, tempo da alegria, tempo do sofrimento, tempo da tristeza, e hoje é o tempo de comemorarmos tudo isso. Estamos comemorando aqui.

Infelizmente, nem todos puderam estar presentes aqui, uns por não poderem se locomover, outros por não já não estarem entre nós, como a Profa. Maria Nilde. Gostaria nesse momento de fazer uma homenagem à Profa. Maria Nilde Masselani. É tempo de homenagear, vamos começar homenageando a Profa. Maria Nilde. Queremos fazer uma homenagem pedindo um minuto de silêncio. Não é isso que queremos, isso já foi feito. Mas, queremos considerá-la viva hoje, viva pelo resultado dos seus trabalhos, por tudo que ela fez e por tudo que ela nos ajudou a fazer. O seu trabalho ultrapassa o trabalho da Maria Nilde, ultrapassa o tempo e se eterniza, porque não se apaga aquilo que de fato existiu, ninguém consegue apagar, pode não ser lembrado, mas a realidade existe e existiu, e vamos relembrá-la.

Esta é a homenagem que queremos prestar a essa incansável batalhadora que sempre esteve à testa, idealizadora do ginásio vocacional. Tinha uma visão distante, enxergava longe e a equipe que estava com ela precisava correr para acompanhá-la, mas ela, mesmo enxergando longe, deu espaço para que todos nós pudéssemos crescer e com ela construímos os ginásios vocacionais, com a participação de funcionários, professores, alunos. Construímos isso que foi dito e que foi lembrado pelos nossos companheiros.

Maria Nilde morreu logo após defender brilhantemente a sua tese de doutoramento, relacionada com o vocacional. Ela nunca parou de trabalhar, mesmo durante a preparação e nas vésperas da sua tese, em dezembro, dia 08. No mês anterior ela tinha participado conosco num programa de formação de professores, de formação de trabalhadores como Maria Lúcia lembrou, que é o saber do trabalhador. Então, ela até o fim continuou trabalhando.

Queria destacar duas experiências, dois trabalhos realizados pela Maria Nilde no fim. O Projeto Programa Integral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, ligada à CUT, um trabalho interessantíssimo para os trabalhadores, e também queria lembrar o trabalho que ela vinha colaborando conosco no Centro de Educação, Estudos e Pesquisa - CEEP, em que participava também, em que ela participou para organizar esse ensino supletivo profissionalizante para trabalhadores. Um trabalho planejado com sindicatos e realizado em escolas públicas da Rede Paula Souza. Com isso se conseguiu que os trabalhadores tivessem o direito de concluir os seus estudos em escola pública, um ensino de qualidade. Com essas duas experiências gostaria que cada um nesse momento pensasse um pouquinho no trabalho que foi feito.

Gostaríamos de saudar a Maria Nilde com uma grande salva de palmas. (Palmas.)

Queria também lembrar os outros professores que não estão conosco, já se foram. Tenho uma listinha grande, tenho alguns nomes que vou dizer, professores e alunos que eram mais jovens. Gostaria de lembrar de Maria da Glória Beraldo Pimentel, Aberta Iagle, Dirce Rocha de Almeida, Jorge Andrade, Dóris Mendes Trindade, Iara Bolus - diretora de Barretos, Ari Rocha Mirando, achamos que ele desapareceu pela repressão, um jovem que nem 21 anos tinha quando ele ingressou conosco em Batatais e desapareceu, professor de Práticas Agrícolas, o Feracioli, Luis Arotim, do teatro, Vacarini, Elza Nadae, Elizabeth Guedes Chinali, diretora de Barretos, José Carlos, professor de artes plásticas de Barretos, Frei Airton Dominicano, Mabel Oliveira e Silva, Primo Melaré, Carmem Duenhas, Olga Martins, e uma série de outros.

O que vou pedir para vocês é que pensemos um minuto nos nomes de pessoas, sejam alunos, funcionários que passaram por nós e faleceram. Não estão conosco hoje. Vamos falar ao mesmo tempo o nome deles, falar bem alto e depois vamos aplaudi-los. Cada um pensa e vamos dizer ao mesmo tempo. Todos esses nomes, mesmo que não lembramos agora que estão no nosso coração. Vamos pedir para esses uma salva de palmas. (Palmas.)

Para encerrar gostaria de convidá-los a participar do coquetel de confraternização, na Sala dos Espelhos. Infelizmente, como não houve na preparação a possibilidade de incluir fala de alunos, e o protocolo da Assembléia é rígido, não será possível ouvi-los. Queremos ouvir os alunos na hora do coquetel. Estou vendo aqui uma aluna nossa de Americana que fez um trabalho brilhante, Cristina, trabalhou e estudou em Americana. Jornalista, fez aquilo que o Nilton Balzam falou: fez o trabalho, ação comunitária como alfabetizadora e com a equipe dela, em Americana, na periferia. Depois como jornalista foi fazer um trabalho no Nordeste, e lá encontrou tanto analfabetismo, tanta miséria, e ficou quatro anos trabalhando na divisa da Bahia, no sertão do nordeste. O seu trabalho coincidiu com a vinda do Paulo Freire ao Brasil, o Paulo Freire pode acompanhá-la de perto e mais de uma vez pôde estar presente no trabalho de alfabetização que ela fazia. Gostaria de pedir, acredito que esses que já foram merecem, uma homenagem singela. (Palmas.)

O que podemos fazer agora é que façamos essa homenagem a todos os presentes que participaram da experiência ou que estão aqui para conhecer melhor a solidariedade ao pessoal do vocacional.

Pediria uma salva de palmas a todos nós. (Palmas)

 

A SRA. PRESIDENTE - EDNA MACEDO - PTB - Gostaria de informar aos presentes que esta Sessão Solene foi convocada a pedido do nobre Deputado Sidney Beraldo. Infelizmente, S. Exa. não pôde estar presente em virtude de uma convocação do Sr. Governador, exatamente neste horário, e ele esteve que atender ao Exmo. Sr. Governador. Portanto, estou aqui para colaborar com o meu nobre colega, procurando eventualmente substituí-lo neste momento.

Eu queria dizer, depois de tudo que ouvi aqui, de todos esses discursos, que aprendi muito. Gostaria de dizer a todos os senhores e senhoras, educadores, que infelizmente no nosso país a educação está, como diz o Boris Casoy, uma vergonha. Lembro que tive que fazer admissão para o ginásio, fiz o primário e para passar para o ginásio tive que fazer admissão sobre aquela época.

Hoje, vejo o meu filho formado engenheiro e mal sabe escrever. Porque, hoje, os professores quando vão dar nota numa prova, vão fazer uma avaliação, eles não corrigem e não estão preocupados em corrigir o erro na hora de escrever.

O Prof. Nilton Balzam, falou aqui muito bem. Não estão preocupados com nada, os próprios alunos não têm incentivo também nenhum dentro das escolas. Assistimos todas as semanas ao “Show do Milhão”, e vemos a vergonha que os universitários têm mostrado. Se perguntarmos a algum universitário qual é o rio da integração nacional ninguém sabe dizer, onde nasce o Rio São Francisco ninguém sabe dizer. É uma coisa que infelizmente nos deixa tristes e deprimidos, porque num País onde tudo acontece o Governo não tem olhos para a educação, no sentido de formar com dignidade.

Termino aqui dizendo para todos: não deixe o sonho de vocês morrerem! Lutem, lutem, porque tudo é possível àqueles que crêem.

Muito obrigada, Deus abençoe a todos, parabéns a todos vocês! (Palmas.)

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 12 horas e 53 minutos.

 

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