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13 DE DEZEMBRO DE 2013

079ª SESSÃO SOLENE PARA ENTREGA DO PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS

 

Presidente: ADRIANO DIOGO

 

RESUMO

 

1 - ADRIANO DIOGO

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades presentes. Informa que o presidente Samuel Moreira convocara a presente sessão solene, a requerimento do deputado Adriano Diogo, na direção dos trabalhos, com a finalidade de efetuar a entrega do "17º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos e Lembrar os 45 anos do Ato Institucional nº 5".

 

2 - FERNANDA AZEVEDO

texto a respeito do Ato Institucional nº 5 (AI-5).

 

3 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia apresentação musical, executada pelos músicos Carmen Nakasu de Souza, Atílio Rocha e Rodrigo Garcia Lopes. Anuncia a exibição de vídeo sobre o AI-5.

 

4 - LUIGI GIULIANI

Padre, agradece ao deputado Adriano Diogo pela cerimônia da entrega do Prêmio Santo Dias. Faz relato da vida do líder operário Santo Dias da Silva. Discorre sobre os acontecimentos que culminaram na morte do líder sindical, em 30 de outubro de 1979.

 

5 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia apresentação de número musical, com a música "Ave Maria", executado pelos músicos Carmen Nakasu de Souza, Atílio Rocha e Rodrigo Garcia Lopes. Anuncia leitura de manifesto a favor da desmilitarização da Policia Militar", realizado pelos cineastas Luciana Burlamaqui, Beatriz Seigner e Sérgio Roizenblit. Solicita a entrega do manifesto à ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci.

 

6 - ELEONORA MENICUCCI

Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, condena a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Discorre sobre a importância da criação da Comissão da Verdade. Condena o Regime Militar dentro do contexto institucional brasileiro. Defende a importância do respeito aos Direitos Humanos. Exalta a importância dos que combateram a Ditadura Militar. Agradece a todos os presentes e em especial ao deputado Adriano Diogo.

 

7 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia retrospectiva e leitura de biografia dos homenageados nesta solenidade.

 

8 - ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO

Representando o jornal "O São Paulo", cumprimenta os presentes. Lembra sua trajetória como padre e jornalista durante o período da Ditadura Militar no Brasil. Destaca a censura prévia realizada aos meios de comunicação na época. Defende a instituição de uma imprensa livre, que não esteja submetida aos interesses do capital. Considera que a tortura continua presente nos dias de hoje, através da desigualdade social.

 

9 - ARMANDO SARTORI

Representando o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, do jornal "Movimento", explica que está representando Raimundo Rodrigues Pereira, ex-diretor editorial do jornal "Movimento". Destaca o papel cumprido pela publicação durante a Ditadura Militar no Brasil. Enfatiza a importância das organizações clandestinas durante o período.

 

10 - MARCO ESCRIVÃO

Representando Vanderley Caixe (in memoriam), editor do jornal "O Berro", de Ribeirão Preto, esclarece que fez pesquisa a respeito da história da militância de esquerda no interior paulista. Anuncia exibição de vídeos sobre a criação do jornal "O Berro". Destaca a atuação de Vanderley Caxe e de Áurea Moretti na diretoria da publicação.

 

11 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia a exibição de vídeo sobre a atuação de Madre Maurina Borges da Silveira (in memoriam).

 

12 - ÁUREA MORETTI PIRES

Descreve a atuação da Madre Maurina Borges da Silveira durante o período da Ditadura Militar no Brasil. Discorre sobre a militância política na cidade de Ribeirão Preto.

 

13 - MANUEL BORGES DA SILVEIRA

Frei, irmão da Madre Maurina Borges da Silveira, lembra a tortura sofrida por sua irmã, a freira Maurina Borges da Silveira, durante o período da Ditadura Militar brasileira. Lembra a atuação dos jornais "Grita Povo" e "Versus" durante o período da Ditadura Militar no Brasil.

 

14 - EMANUEL GIUSEPPE GALLO INGRAO

Representando o Grupo de Denúncias das adoções irregulares de crianças na cidade de Itaquaquecetuba. Denuncia a adoção ilegal de crianças de famílias pobres no município de Itaquaquecetuba. Cobra averiguação do caso pelas autoridades responsáveis.

 

15 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia a apresentação de número musical, com a música "Bachianas", executado pelos músicos Carmen Nakasu de Souza, Atílio Rocha e Rodrigo Garcia Lopes. Lamenta a repressão de jornalistas nas manifestações de 2013 pela Polícia Militar. Anuncia a exibição de vídeo sobre as manifestações de junho de 2013 no País.

 

16 - SÉRGIO SILVA

Fotógrafo, lembra que há seis meses perdeu a visão atingido por uma bala de borracha da Tropa de Choque da Polícia Militar, quando cobria manifestação no centro de São Paulo. Manifesta-se contrário à violência dos aparatos de repressão do Estado. Combate o uso de "armas menos letais" pela Polícia Militar. Faz entrega de camiseta ao deputado Adriano Diogo com os dizeres "Chega de bala de borracha".

 

17 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Lê o nome de todos os jornalistas atingidos pelas chamadas "armas não letais", nas manifestações de junho de 2013.

 

18 - TATIANA FARAH

Jornalista, afirma que a violência policial não atinge apenas a imprensa mas também toda a sociedade.

 

19 - PAULO MALDOS

Secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, discorre sobre a militância contra a Ditadura Militar no Brasil.

 

20 - IDIBAL PIVETTA

Advogado de presos políticos e fundador do Teatro União e Olho Vivo, saúda a vida e a luta de Dom Paulo Evaristo Arns contra a Ditadura Militar brasileira.

 

21 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia a apresentação de número musical, com a música "Jesus Alegria dos Homens", executado pelos músicos Carmen Nakasu de Souza, Atílio Rocha e Rodrigo Garcia Lopes. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão.

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão o Sr. Adriano Diogo.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Estamos dando início à 17ª edição do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, que terá como tema “45 anos do Ato Institucional nº 5”.

  Esta 17ª edição está revestida de um caráter especial. Os 45 anos do AI-5 serão demarcados nesta sessão solene pela violenta agressão à imprensa, da resistência da ditadura aos tempos atuais, com o posicionamento dos cineastas em relação à violência contra a população e o sequestro e as adoções ilegais de crianças em Itaquaquecetuba.

  Esta cerimônia conta com a presença da ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres do Brasil, Eleonora Menicucci, que, além de ministra, é um das pessoas da resistência, da tortura e da sobrevivência ao regime militar; do advogado Idibal Pivetta e teatrólogo César Vieira; de Dom Angélico Sândalo Bernardino, da resistência no jornal “O São Paulo”, do “Grita Povo” e do “Povo de Ribeirão”; do Armando Sartori, representando o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, do jornal “Movimento”; do padre Luigi Giuliani, que é testemunha da morte e da tentativa de sequestro do corpo de Santo Dias mesmo depois de sua morte; e de Valdemar Rossi, companheiro de tantas lutas, operário e metalúrgico como Santo Dias.

  Passo a palavra à Sra. Fernanda Azevedo, que, da tribuna, lerá um texto de introdução sobre o Ato Institucional nº 5.

 

A SRA. FERNANDA AZEVEDO - Boa noite a todos e a todas. Antes de ler o texto sobre o AI-5, gostaria de ler quatro linhas de um poema de um poeta russo, Lermontov, em homenagem a outro poeta russo, Maiakovski. Leio isso em homenagem a todos os lutadores e lutadoras de ontem, de hoje e de sempre que estão aqui.

A seus pés brilha mais o azul da corrente

No céu, são de ouro os raios do Sol

Mas ele, rebelde, procura a tempestade

Porque só na tempestade se encontra a calma”

Lermontov

 

“Quarenta e cinco anos depois, o AI-5 foi mesmo revogado? Em 13 de dezembro de 1968, a ditadura militar, iniciada em 1964, promove o endurecimento da repressão judicial e extrajudicial. Para justificar legalmente as violências, o governo editou o AI-5, que se sobrepôs às constituições federal e estaduais centralizando enormes poderes nas mãos do presidente da República. A partir da entrada em vigor do AI-5, o presidente da República foi investido da prerrogativa de decretar o recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores, bem como de decretar a intervenção nos estados e municípios, nomeando os interventores, de suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e de caçar mandatos eletivos, entre outros poderes.

O AI-5 também suspendeu a garantia do habeas corpus nos casos de crimes políticos e contra a segurança nacional. O mais impressionante é que o próprio ato estabeleceu expressamente que as medidas nele previstas não poderiam ser objeto de qualquer apreciação judicial, ou seja, as penalidades previstas para a perseguição política dos opositores da ditadura não poderiam ser questionadas perante o Poder Judiciário, reforçando o total arbítrio da ditadura.

Na exposição de motivos do AI-5, que menciona a necessidade de combater aquilo que designa como “processos subversivos e de guerra revolucionária”, desponta nitidamente a influência da doutrina da segurança nacional. Somente em 13 de outubro de 1978 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 11, revogando todos os atos institucionais e complementares naquilo que contrariasse a Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com base neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial. Essa emenda entrou em vigor apenas em 1º de janeiro de 1979.

Apesar da revogação legal do AI-5, constata-se que, transcorridos 45 anos da sua edição, ainda está disseminada na sociedade brasileira a prática sistemática de violações de direitos humanos. Somente o avanço da luta por memória, verdade e justiça em relação às graves violações de direitos ocorridas ontem e hoje poderá de fato revogar práticas inspiradas no AI-5.”

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - O Sr. Rodrigo Garcia Lopes, o Sr. Atílio Rocha e a Sra. Carmem Nakasu de Souza, filha da sobrevivente Dra. Elzira, farão uma apresentação musical.

 

* * *

 

- É feita a apresentação musical.

 

* * *

 

  O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT -  Viva Garcia Lorca!

  Apresentaremos um vídeo sobre o Ato Institucional nº 5, uma síntese feita pelos jornalistas da TV Assembleia, Jorge Machado e Simone, com 12 minutos.

 

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- É feita a apresentação de vídeo.

 

                                                             * * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO  - PT - Cuba, muito obrigado. Foi um excelente trabalho. Convido o padre Luigi Giuliani para nos explicar como foi o dia da morte do Santo Dias. Eles queriam, inclusive, sequestrar o cadáver dele. O padre Luigi Giuliani fará uma retrospectiva do dia da morte e da tentativa de sequestro do Santo Dias.

 

O SR. LUIGI GIULIANI - Como diz o papa Francesco, boa noite a todos e todas! Que Deus nos abençoe e abençoe o papa! Quero agradecer rapidamente ao presidente Adriano Diogo por todas as iniciativas que, há muitos anos, estão sendo feitas nesta Casa.

Gostaria de agradecer a presença de todos os que estão aqui não para passear, mas para ver, julgar e agir. Saúdo o Sr. Waldemar Rossi, a Pastoral Operária, todos os operários daquele e de todos os tempos e, por último, o Dom Angélico, que sempre lutou para que os direitos humanos fossem respeitados. Lembramos ainda de Dom Paulo Evaristo Arns.

Temos muitas coisas para dizer a respeito de Santo Dias. Ele sempre foi um cristão. Nascido na periferia, foi expulso da terra no interior. Veio aqui para fazer uma vida um pouco melhor. Foi em diversas fábricas. Era expulso quando começava a organizar os operários. Nas bases, que era na minha paróquia, na Vila Remo, muita gente se debruçou no estudo do Concílio Ecumênico. Foi um cara que, realmente, juntou fé e política. Junto com ele, muitos e muitos outros.

  Depois, entrou na Pastoral Operária, na oposição sindical. Logicamente, essa vivência na fé, nesse lugar muito delicado, nessa luta dos operários, nas greves, levou-o até a morte.

  Dia 30 de outubro de 1979. Não ia às greves, mas ia sempre para defender os que estavam na greve. Soube que havia pessoas que foram presas e levadas para o DOPS. Saí de ônibus, da Capela do Socorro, e fui ao DOPS para defender esses operários, até uma freira belga, Cecília, e tantos outros que estavam presos.

  Quis falar com o delegado de polícia. Subi para o segundo ou terceiro andar do DOPS. Conversamos. Em certo ponto, o delegado falou que 90% dos operários e dos pobres eram vagabundos. Dia 30 de outubro de 1979, pela manhã. Noventa por cento dos pobres eram vagabundos. Então, eu disse para ele: “Vagabunda é a mulher do ex-governador”. Eu não explico por quê. Para mim, essa mulher era vagabunda. Se alguém quiser, depois explicarei. “Espero que o senhor seja sincero, mas você é um péssimo brasileiro. Noventa por cento da população brasileira é pobre. Portanto, 90% do Brasil é vagabundo... Não acredito nisso, não, mas, se você acha certo, da próxima vez diga assim: noventa por cento dos pobres são vagabundos, mas também a mulher do ex-governador é vagabunda, porque o padre me explicou.”

  Saí, fui para a Cúria. Trabalhava junto com Dom Paulo Evaristo, e falei dessas prisões etc. Aí, estava nos Direitos Humanos. Recebo um telefonema da Capela do Socorro: “O Padre Luiz está?” Está. “Tem um padre no Socorro que quer falar com ele.” “Padre Luiz, não têm só operários e pessoas presas, tem gente também ferida, entre os quais Santo Dias. O que vamos fazer?” Vocês vão ao DOPS e eu vou ver o que está acontecendo.

  Fui ao DOPS. Lá, disse que queria falar com o chefe do DOPS. Como se chamava? Romeu Tuma. “Soubemos que tem gente ferida. Queremos saber como foi ferida, onde está.” “Não houve nada.” Ou não sabia, ou mentia, provavelmente. “Queremos saber. Não vamos sair daqui.”

  Ele saiu. Depois de uma meia hora, voltou e disse: “Lamentavelmente, tenho que dizer a vocês que Santo Dias morreu.” Comecei a gritar no DOPS. Santo Dias não morreu; foi assassinado por vocês! Quero saber quem o assassinou; quais são as consequências que terá esse assassinato...”

  Fui de carro até Santo Amaro, onde estava o corpo. O nosso pessoal já estava lá, controlando para que o corpo de Santo Dias não fosse levado - não sei se vocês entendem porque eu falo meio enrolado e depressa. Bem, Ana, a esposa, disse-me: “Tem um negócio que só você pode fazer. Avisar os filhos que Santo Dias foi assassinado.”

  Agora, há três frases de que me lembro. Três dias antes de ser assassinado, Santo Dias disse: “Se eu morrer pela justiça, morro contente.” Precisávamos de um caixão, e fomos ao Hospital das Clínicas com Ana Dias para ver os caixões. Disseram: “Ana, pode escolher qualquer um, que as comunidades pagam.” Não tinha televisão, não tinha propaganda, Ana Dias não era candidata, nada! Ela disse: “Meu marido sempre foi operário, foi morto como operário e quero que seja sepultado como operário.” Portanto, pegamos o caixão mais baratinho, mais fraquinho.

  A terceira frase, que serve muito para nós. Disse a Dom Paulo: “Amanhã, haverá um grande grupo lá, daquele tempo. O que vou dizer para eles?” Diga o seguinte: “Nunca se esqueçam do sangue dos mártires.” Não esqueçam vocês! Tentarei também não esquecer. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Luciana Burlamaqui e os demais cineastas, artistas e ativistas se unem na campanha pela desmilitarização das polícias. A Luciana vai fazer a leitura do manifesto dos artistas, cineastas e músicos pela desmilitarização da polícia. Com a palavra Luciana Burlamaqui.

 

A SRA. LUCIANA BURLAMAQUI - Boa noite. Eu gostaria de agradecer ao deputado Adriano Diogo por essa oportunidade de manifestarmos nossa opinião e nosso incômodo, como cineastas e artistas, com o que está acontecendo no Brasil hoje. Gostaria de apresentar Sérgio Roizenblit, cineasta, que é vice-presidente da Associação Paulista de Cineastas; e Beatriz Seigner, que também é cineasta. Com ela, iniciamos esse manifesto em 28 de novembro, numa audiência da Comissão da Verdade sobre a desmilitarização das polícias, em que estava presente o antropólogo Luiz Eduardo Soares. A Beatriz dará, rapidamente, um informe em relação a essa causa, para que vocês possam conhecer também outros movimentos que estão empenhados nisso.

 

A SRA. BEATRIZ SEIGNER - Só gostaria de avisar que, na próxima terça-feira, às 18 horas e 30 minutos, haverá uma aula pública no vão do Masp, com o Luiz Eduardo Soares, sobre essa tema da desmilitarização, para quem quiser saber mais.

 

A SRA. LUCIANA BURLAMAQUI - Pegando um gancho com o Fórum Mundial de Direitos Humanos, que aconteceu em Brasília, esse manifesto que estamos fazendo se une a outros manifestos muito importantes, como o das Mães de Maio. A Débora recebeu ontem, em Brasília, o prêmio de enfrentamento à violência. A própria presidente Dilma Rousseff reconheceu que a tortura continua existindo no Brasil e se empenhará em solucionar a violência policial. Queremos nos unir aos manifestos e homenagear as Mães de Maio por essa luta.

"Através desta carta, manifestamos nosso apoio à desmilitarização das polícias no Brasil.

 

A SRA. BEATRIZ SEIGNER - Durante as manifestações de junho, ficou evidenciado, nacionalmente, o despreparo das mesmas em lidar com o processo democrático e reivindicações populares, respeitando a vida, a integridade física e os direitos humanos dos brasileiros. A quantidade de vídeos e fotos que mostraram os abusos de poder das polícias, em ações de guerra desproporcionais contra os manifestantes, em falsos flagrantes, em ferimentos graves e em mortes, revelou o que a população das periferias das grandes cidades está cansada de denunciar muito tempo.

 

O SR. SÉRGIO ROIZENBLIT - Já é bem conhecido o histórico de mortes e chacinas cometidas pela Polícia Militar há mais de 25 anos, dentro do regime democrático, citando, como alguns exemplos, o caso Amarildo; a chacina da Candelária; o caso da Favela Naval, em Diadema; o Massacre do Carandiru; a Chacina do Vigário Geral; os crimes de maio de 2006...

 

A SRA. LUCIANA BURLAMAQUI - E o recente caso do estudante de 17 anos Douglas Rodrigues, baleado no peito por um PM na zona norte de São Paulo, que chegou a perguntar ao policial: “Por que o senhor atirou em mim?”. Entre muitos outros milhares de mortes contabilizadas em autos policiais como supostas resistências seguidas de morte, que tornaram a polícia brasileira uma das mais violentas do mundo.

 

A SRA. BEATRIZ SEIGNER - De acordo com o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, pelo menos cinco pessoas são vítimas da intervenção policial no Brasil todos os dias. Em 2012, quase 2.000 pessoas foram mortas por policiais em serviço. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revela que 70% da população não confia nas polícias.

 

O SR. SÉRGIO ROIZENBLIT - Organizações internacionais de direitos humanos já condenaram a atuação da polícia no Brasil, como a Anistia Internacional, que, em seu relatório anual de 2012, ressaltou a violência e o abuso policial como um dos problemas crônicos do país.

 

A SRA. BEATRIZ SEIGNER - No mesmo ano, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a extinção da Polícia Militar no Brasil, acusada de violações e execuções sumárias.

 

A SRA. LUCIANA BURLAMAQUI - A polícia militarizada é um resquício da ditadura. Em tempos de Comissão da Verdade, criada para investigar crimes dessa época e restaurar a memória de suas vítimas com dignidade, é uma contradição insustentável virar as costas para o presente e negar a urgência de uma reforma policial profunda, inevitável e à altura de um regime verdadeiramente democrático que respeite a vida de todos os cidadãos brasileiros.

Sendo assim, além da desmilitarização, reivindicamos uma reforma policial que prepare o seu efetivo para combater o crime com mais uso da inteligência do que da violência e com a meta primordial de diminuir radicalmante a letalidade nas operações policiais.

 

O SR. SÉRGIO ROIZENBLIT - Esperamos que o governo federal e os representantes de todas as esferas executivas e legislativas tomem as medidas cabíveis para que o nosso País saia do ranking de um dos maiores violadores dos direitos humanos do mundo e interrompa imediatamente a continuidade do extermínio da nossa juventude pobre e negra, que pelas estatísticas é a maior vítima da violência policial.

 

A SRA. LUCIANA BURLAMAQUI - Violência e vingança não podem ser validadas com instrumentos legítimos do Estado brasileiro para a garantia de qualquer direito humano. Assim, reivindicamos uma política de Segurança Pública brasileira que respeite o maior bem da humanidade, a vida.”

 

A SRA. BEATRIZ SEIGNER - Assinam este manifesto Luciana Burlamaqui, cineasta e jornalista de São Paulo; Beatriz Seigner, cineasta de São Paulo; Tata Amaral, cineasta de São Paulo; Flavia Castro, cineasta do Rio de Janeiro; Vincent Carelli, cineasta de Pernambuco; Beto Brant, cineasta de São Paulo; Marcelo Yuka, músico do Rio de Janeiro; Marcus Viana, músico de Minas Gerais; Zé Celso Martinez Corrêa, ator e dramaturgo de São Paulo; Joel Pizzini, cineasta do Rio de Janeiro; Daniela Capelato, cineasta de São Paulo; Silvio Tendler; Marcelo Lordello; Marco Dutra; Maeve Jinkings; Marcelo Pedroso; Dulce Maia de Souza; Daniela Broitman; Clarissa Campolina; Max Eluard; Paula Pripas; Andrea Pasquini; André Fraciolli; Rogério Correa; Clarissa Knoll; Gustavo Pizzi; Karine Teles; André Meirelles Collazzi; Marcelo Machado; Ícaro C. Martins; Roberto Gervitz; Helena Ignez; Rodolfo Nanni; Rossana Flogia; Hermano Penna; Patrícia Moran; Mauro Baptista Vedia; Ester Fér; Daniel Santiago; Henri Arraes Gervaiseau; Eduardo Kishimoto; Davi do Nascimento; Diana Almeida; Julia Murat; Katia Coelho; Lis Kogan; Daniel Caetano; Sérgio Roizemblit; Ivo Branco; Adriana Paiva; Rubens Rewald; Aaron Fernandes; Ana Petta e muitos outros.

São mais ou menos 90 cineastas e artistas que estão apoiando, existe uma petição pública aberta que já teve adesão de mais de 130 ativistas. Esperamos que isso cresça. Queríamos dar este testemunho de que estamos juntos. É isso. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Queria que vocês entregassem o manifesto à ministra Eleonora Menicucci, a quem concedo a palavra.

 

A SRA. ELEONORA MENICUCCI - Boa noite a todas e a todos. Eu combinei com o Adriano que falaria rapidamente depois da leitura do manifesto e do recebimento dele. Ele chegará às mãos do ministro da Justiça e da presidenta.

Eu estava com a presidenta no Fórum de Direitos Humanos quando ela se manifestou. Deputado Adriano Diogo, em seu nome e em nome de Dom Angélico, quero cumprimentar todos e dizer que é uma honra e uma emoção muito grande estar com vocês, hoje, na celebração dos direitos humanos e nos 45 anos desse lamentável Ato Institucional que manchou com sangue de homens, mulheres e crianças a história da nossa democracia.

Quero dedicar a minha vinda à Amelinha e ao Ivan, companheiros inquebrantáveis na luta contra a ditadura e pelo aparecimento de desaparecidos e mortos políticos na ditadura e na abertura da Comissão Nacional da Verdade do nosso País. Muito obrigada a vocês dois pelo trabalho incansável que vêm desenvolvendo. (Palmas.)

Estar no 17º Prêmio do Santo Dias é para mim uma emoção muito grande. Participei e acompanhei toda história do assassinato do Santo Dias aqui em São Paulo. Estive hoje à tarde na Comissão da Verdade estadual para depor mais uma vez, denunciando o assassinato do Luiz Eduardo Merlino, que assisti “in loco” na tortura, no DOI-CODI.

Como cidadã e mulher que luta pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres no nosso País, tenho muita honra de servir o Governo da primeira mulher que foi ex-presa política - comigo e com a Amelinha -, que foi torturada e presa por tanto tempo, como tantas outras. Ela sabe da dor da tortura. Ela traz as marcas da tortura, coisa que fez com que apenas ela tivesse a coragem de abrir a Comissão da Verdade neste País.

A existência da Comissão da Verdade desdobrou e incentivou a existência de várias Comissões da Verdade. Isso serve para mostrar para a sociedade brasileira que nós resistimos e não esqueceremos jamais, inclusive para toda a geração que vive hoje, a geração dos meus filhos e netos, de vocês, que não viveram aquele período.

Ainda bem que estamos aqui para contar que aquilo existiu e para não deixarmos esquecer. Não se passa a borracha na história, sobretudo quando há homens guerreiros e mulheres guerreiras, seja qual for a frente em que estejam, como eu e a presidenta Dilma, que estamos no Governo hoje - ela eleita e eu, convidada.

Jamais compactuaremos - como ela disse no Fórum de Direitos Humanos - com nenhuma forma de tortura contra qualquer pessoa neste País. Tolerância zero com a tortura em nosso País.

Este manifesto será entregue, mas não é de responsabilidade única do governo federal. A Polícia Militar é dos governos estaduais. Quem matou o Amarildo não foi o governo federal. Quem mata na periferia e nas ruas de São Paulo também não é o governo federal, mas o governo federal sabe de sua responsabilidade.

Atuaremos e estamos atuando. Não é minha pasta, atuo contra as mortes de mulheres e contra o tráfico de mulheres e crianças com fins de exploração sexual. O Brasil tem uma complexidade, como todos nós sabemos. É muito bom estar falando para vocês de um lugar onde tenho a liberdade de falar sobre a conduta ética, de decência, que move tanto a presidenta Dilma como eu, em todas as nossas ações.

Para terminar, nobre deputado Adriano Diogo, quero dizer que V. Exa. tem sido um baluarte no resgate da memória, da justiça e da verdade. Dizer que o Santo Dias foi assassinado pela ditadura, como tantos outros, em hipótese nenhuma nos tira a responsabilidade de dizer que também não aceitamos conviver com os assassinatos de pessoas anônimas que ocorrem hoje em todos os estados do País.

É bom que lembremos que os direitos humanos são inalienáveis: o direito ao trabalho, o direito à escola, o direito aos serviços de saúde, o direito à cultura. Também há o direito às diferenças, sejam elas de cor da pele, de raça, de etnia, de orientação sexual, de classe social ou de geração - a população idosa é muito discriminada hoje em nosso País.

Termino dizendo: é necessário que, cada vez mais, toda a sociedade brasileira se abrace, una-se - em todas as frentes - para dizer não à violência, não à impunidade de qualquer agressor. Além disso, devemos dizer sim a uma sociedade livre, igualitária, sem preconceitos, sem discriminação, na qual você possa se colocar no lugar do outro ou da outra e o respeitar, conversar e dialogar.

Foi por essa sociedade que nós, quando jovens, preferimos a luta e a dor da tortura aos anos dourados de toda juventude global desse país, ou de qualquer outro país. E foi bom ter sobrevivido porque, mais do que a obrigação, tínhamos, como jovens conscientes, a responsabilidade de fazermos o que fizemos, para que hoje pudéssemos estar aqui.

Quero deixar, em meu nome e em nome da presidenta Dilma, um enorme e fraterno abraço de compromisso com os Direitos Humanos do nosso País. Estejam certos e certas de que este compromisso não é da boca para fora.

Quando eu estava do lado da sociedade civil, também pensava de outra forma, mas os tempos são diferentes. Precisamos aprofundar cada vez mais a relação entre governo, sociedade civil e movimentos sociais, para que juntos possamos avançar nesta democracia que custamos a conquistar. Temos avançado muito nesses últimos onze anos de governo democrático, sem dúvida nenhuma, mas ainda temos muito a fazer; muitos desafios.

Muito obrigada a todos e a todas. Muito obrigada, deputado Adriano Diogo, pela oportunidade de estar aqui com vocês. Um grande abraço a todos e a todas.

 

  O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Obrigado, ministra. Luciana, continue conosco. Muito obrigado a todos os cineastas e a todos os artistas. Vamos continuar juntos.

  Agora, vamos falar sobre aqueles que resistiram. Quando tudo estava muito difícil, quando tínhamos tantas pessoas mortas, quando tudo estava censurado, de repente apareceu e começou a brotar, em todos os cantos do País, a imprensa de resistência, a imprensa alternativa. Cito “O São Paulo”, “Diário de Notícias de Ribeirão Preto”, “Jornal Movimento”, “Opinião”, “Versus”, “Lampião”, entre tantos outros. Vamos fazer uma breve retrospectiva desses jornais e dessa imprensa, por meio dos personagens.

Dom Angélico, que vai ser o primeiro a falar, começou no “Diário de Notícias de Ribeirão Preto”, quando Vanderley Caixe, Madre Maurina, Áurea Moretti e outros companheiros começaram a ser torturados e presos. Dom Angélico, com sua trajetória de Ribeirão Preto para São Paulo, fará uso da palavra enquanto fazemos a retrospectiva da vida dessas pessoas e de seus currículos, para que nossa cerimônia não se alongue em demasia. Tem a palavra o Dom Angélico Sândalo Bernardino.

 

O SR. ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO - Minha saudação aos meus irmãos e irmãs aqui presentes. Minha homenagem à Mesa presidida pelo meu irmão e amigo Diogo. Não posso deixar de dar um abraço no Waldemar Rossi - amigo e irmão da Pastoral Operária, que foi preso e torturado - e na Sra. Ministra, por meio de quem transmito um beijo também à presidente da República.

Meus amigos, sou um dos homenageados neste Prêmio Santo Dias. Mas quero devolver o presente e a homenagem à família do Santo Dias e a todas as famílias que tiveram membros mortos, torturados e presos durante a ditadura militar. Quero depositar esta homenagem que me é feita nas mãos de todos quantos estão pelas ruas, organizadamente, reivindicando melhores condições de vida para o povo brasileiro. É um povo que está acordando e precisamos nos alegrar com aquele grito que usávamos no passado, cujos ecos estou ouvindo hoje.  “O povo unido jamais será vencido”. Vocês estão perfeitamente lembrados. Quero realmente prestar homenagem a todas essas pessoas.

Tratando-se de imprensa, naquele tempo de ditadura militar estive à frente do “Diário de Notícias de Ribeirão Preto”, que foi censurado e que teve muitas edições confiscadas. Estive à frente do jornal da Arquidiocese de São Paulo, “O São Paulo”, que também sofreu censura prévia. Em 26 de julho de 1976, o ministro da Justiça de então mandou que todas as matérias a serem publicadas no jornal “O São Paulo” fossem enviadas previamente à sede da Superintendência da Polícia Federal, na Rua Xavier de Toledo, 280, 3º andar, aqui em São Paulo. Esta censura prévia vergonhosa da ditadura militar permaneceu até o dia 18 de junho de 1978, quando um tal de Richard - é significativo o nome norte-americano deste cidadão - mandou a notícia de que a censura estava sendo supressa.

Meus amigos, eu estaria traindo minha profunda convicção se não dissesse algumas coisas. A ditadura militar esteve a serviço do capitalismo liberal, selvagem, que privilegia a concentração de todos os bens nas mãos de poucos com a exploração de uma multidão. É isso que precisamos denunciar. Ela esteve a serviço desse capitalismo liderado pelos Estados Unidos. A CIA esteve muito presente aqui. Hoje há denúncias e tudo isso vai se esclarecendo.

Todos aqueles que estivemos contra esse sistema opressor, que faz com que as multidões de miseráveis, de pobres e de espoliados vão crescendo, sofreram repressão da ditadura militar, de todo o aparato bélico e policiesco que pesou sobre o povo. Ainda hoje é assim. Nem toda a imprensa é livre. A grande imprensa ainda continua a serviço do capital, dos interesses das grandes indústrias, do deslavado comércio sem limites e da exploração da classe trabalhadora.

Santo Dias foi um trabalhador que se ergueu, como tantos outros em São Paulo, contra o sindicalismo pelego e entreguista. Foi sacrificado por isso.

Estive no Instituto Médico Legal com Dom Paulo Evaristo. Entre as muitas banquetas de corpos nus que lá estavam, um corpo nu era o do Santo Dias. Vi o peito do trabalhador varado pela bala da Polícia Militar a serviço da repressão, do sistema capitalista que se servia da ditadura militar. Essa ditadura do capitalismo ainda continua.

A ministra acabou de dizer: tortura não é somente aquela que contemplamos no passado e que contemplamos em delegacias, com pobres sendo alvejados. Isso é tortura, é uma barbaridade. Barbaridade é que dezenas, centenas, milhares de trabalhadores não têm trabalho. É tortura para um cidadão consciente receber um salário mínimo miserável. É tortura um velho ser aposentado receber uma aposentadoria miserável enquanto um ministro do Supremo Tribunal Federal ou deputados são aposentados com mais de trinta mil reais. Ora, isso é tortura. É tortura vermos, no cotidiano da vida, trabalhadores nos morros e nas favelas sem habitação digna. É tortura vermos em São Paulo favelas pegando fogo. É por acaso? Não sou ingênuo. Há alguma mão por trás disto, colocando fogo. Muitas vezes as favelas estão em um terreno muito bom para a volúpia das construtoras, e assim por diante.

Eu poderia falar sobre outras espécies de tortura de jovens e de crianças, com uma educação deplorável e que precisa mudar. A tortura precisa cessar.

Não quero me delongar. Para que palavras não sejam ditas ao ar, digo, nesta Casa Legislativa, que sou um velho de 80 anos, ou um jovem de juventude prolongada, como querem também. Já estou cansado de tanta hipocrisia e mentiras. O Minhocão, aqui em São Paulo, leva o nome de quem? Poderiam me ajudar? De Costa e Silva, um presidente ditador. Aos historiadores dou a sugestão de que, aqueles que não são eleitos pelo povo, que são golpistas, levem o título de ditador presidente da República. Não é legítimo colocarmos um ditador, um usurpador do poder, em igualdade a um presidente eleito pelo voto do povo. Vamos realmente sanar.

Foram políticos que deram essa homenagem àquele que foi o responsável pelo Ato Institucional nº 5 - Costa e Silva. Minha sugestão é que o Minhocão, se quiserem conservar a homenagem a ele, tenha uma das mãos com o nome dele, mas que pelo menos a outra mão tenha o nome de Santo Dias. Por que também não colocamos na Rodovia Castello Branco, que foi o primeiro ditador presidente da ditadura militar, o nome de Alexandre Vannucchi, que morreu sob a ditadura militar? Uma mão fica para o ditador, a outra mão fica para aquele que foi vítima da ditadura militar. Assim falaremos menos palavras e teremos mais ações a partir deste Legislativo.

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Grande Dom Angélico. Acho que esta Casa está com dificuldades de receber Raimundo Pereira e os grandes jornalistas da resistência, então o “Movimento” será representado por Armando Sartori.

 

O SR. ARMANDO SARTORI - Boa noite. Confesso que me sinto aquém de representar o Raimundo de forma digna. Sinto-me também até constrangido a dar este depoimento depois das pessoas que me antecederam.

Quero dizer o seguinte. Se o Raimundo estivesse aqui ele estaria triplamente satisfeito. Em primeiro lugar pelo próprio prêmio, pelo próprio evento que estamos participando. Em segundo lugar porque o evento está relacionado com uma pessoa de quem ele gostava muito - Santo Dias. Em terceiro lugar porque ele, estando aqui, reveria um bocado de pessoas de quem ele gosta muito.

Minha carreira de jornalista começou no jornal “Movimento”. Eu trabalhei do primeiro número ao último dia no jornal. Comecei como revisor e, quando o jornal fechou, eu era secretário de redação. Durante um período, eu fui encarregado de organizar o material que era enviado à censura e, depois, receber o material que voltava de lá.

O que eu posso dizer é que, durante esses três anos de vigência da censura no jornal, do ponto de vista da produção de texto, a redação era obrigada a produzir o dobro do texto que voltava liberado da censura. Isso quer dizer que metade do que era produzido era proibido de ser publicado.

Com relação às imagens - fotografias, ilustrações e charges -, eu acredito que o veto era muito mais profundo - algo próximo dos 70 por cento.

Isso dá uma ideia das dificuldades por que passamos durante esse período. Apesar disso, o jornal cumpriu um papel bastante relevante e o Raimundo, na direção do jornal, evidentemente, teve um papel também muito importante nesse trabalho.

Eu gostaria de lembrar que existiram, durante esse período, outras formas de trabalho de imprensa que sofreram com a repressão da ditadura, mas que sofreram de uma forma diferente. Eu falo da imprensa das organizações clandestinas que, pela própria natureza da repressão da época, não podia nem circular dado que as organizações eram proibidas de existir. Não era nem uma questão de censura, mas esse tipo de imprensa teve tanto ou mais importância como a imprensa representada pelo “Movimento” e outras publicações.

Era só isso que eu tinha a dizer.

 

O SR. PRESIDENTE – ADRIANO DIOGO - PT - Muito obrigado.

Vocês veem como nós estamos tentando conduzir esse ato com seriedade. Algumas dependências da Assembleia Legislativa, às vezes, são transformadas em casas de shows e eventos.

Eu lamento profundamente que, em um momento tão sério, tão importante da vida nacional, esteja ocorrendo um show aqui no fundo. Eu lamento que a Assembleia Legislativa tenha as suas dependências transformadas em casas de show, prejudicando a nossa sessão solene. Lamento. É um tremendo desrespeito. Mas vamos prosseguir, porque é assim que se faz a resistência.

Ainda na linha da imprensa da resistência, eu queria falar um pouco de Ribeirão, um dos lugares onde houve uma repressão terrível e sanguinária. Um jovem chamado Vanderley Caixe, que depois virou advogado, fazia um pequeno jornal chamado “O Berro”.

Nós temos três vítimas desse processo: o Vanderley, que já morreu, e mais duas mulheres, a Madre Maurina e a Áurea Moretti, sobrevivente.

Eu queria pedir para o Escrivão falar um pouco sobre esse jornal e sobre o Vanderley Caixe, para que possamos homenagear a Madre Maurina e a Áurea Moretti.

Gostaria de um breve depoimento, Escrivão. Você que é um menino de Ribeirão, pesquisador junto com o Pedro. Gostaria que você falasse um pouco daquele momento de Ribeirão e daquela repressão terrível.

 

O SR. MARCO ESCRIVÃO - Boa-noite.

Eu peço desculpas, pois venho aqui às pressas. O Pedro, que foi convidado, é um pesquisador e está fazendo sua tese de mestrado sobre a militância da Áurea Moretti, que está aqui presente.

Nós somos do interior de São Paulo, onde essa história de militância é muito forte, apesar de pouco conhecida na região.

Eu e o Pedro compomos um projeto chamado “Memórias da Resistência”, que começa com um cortador de cana que encontra, em 2007, documentos do DOPS no meio de uma fazenda e, depois, a gente descobre que essa fazenda pertence a um ex-delegado do DOPS, Tácito Pinheiro Machado.

Depois disso, nós passamos a pesquisar o que havia nesses documentos. A partir dessa pesquisa, feita em 2011, nós, jovens cineastas e pesquisadores de histórias, descobrimos a história das FALNs, do Vanderley Caixe, da Áurea Moretti e do jornal “O Berro”.

As FALNs, pelo o que conseguimos perceber e entender, eram as Forças Armadas de Libertação Nacional, sediadas em Ribeirão Preto.

É de suma importância esclarecer e perceber que a militância não acontece só nos grandes centros, ela está em todos os lugares. Nós tivemos muita militância e muita força também no interior.

As Forças Armadas de Libertação Nacional tiveram o seu início em 1966 com a criação do jornal “O Berro”, um jornal que o Vanderley Caixe iniciou na faculdade de Direito de Ribeirão Preto, junto com a Áurea Moretti e tantos outros.

Esse jornal começou trazendo resistência à ditadura militar, mas no momento em que houve o recrudescimento dessa ditadura, quando começou-se a perceber que essa resistência era pouca e que precisávamos fazer uma luta “um pouco mais forte” - nas palavras da Áurea -, esse jornal passou a ser muito importante para organizar aquilo que viria a ser uma militância armada no interior de São Paulo, que viria a formar as FALNs.

Apesar de ser historiador e estudar tudo isso a fundo, trouxe aqui alguns vídeos, para que vocês possam ouvir as próprias pessoas que participaram da feitura desse jornal e dessa militância, falando um pouco sobre toda essa memória.

Gostaria que passassem, por favor, o vídeo “O Berro”, que vai contar, brevemente, o que era o jornal “O Berro”. Depois, teremos um vídeo sobre a Áurea Moretti, em que ela conta um pouquinho sobre a militância e como é ser uma mulher na militância - uma questão a ser mais bem trabalhada, ainda. Em seguida, teremos uma homenagem que fizemos ao Vanderley Caixe, logo após o seu falecimento.

 

* * *

 

- É feita a apresentação de um vídeo.

 

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O SR. MARCO ESCRIVÃO - Falando do jornal “O Berro”, quero destacar que Vanderley Caixe foi um lutador tão incansável que, quando saiu da prisão, foi convidado a dirigir o primeiro centro de Direitos Humanos na Paraíba e uma militância junto aos camponeses. Quando ele retornou para o estado de São Paulo, atuou junto ao MST.

Ele era tão incansável que, depois, resgatou o jornal “O Berro”, por meio de publicação on-line. Disparava uma lista, segundo ele, de mais de 50 mil e-mails - não tenho o número preciso, mas era uma lista enorme. Em tempos de maior possibilidade, saía quase diariamente alguma publicação do jornal “O Berro”. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Dessa história de Ribeirão Preto, da resistência, temos a memória de uma pessoa barbaramente torturada, cuja história ainda não foi contada: madre Maurina. Peço para que passem aquele pequeno documentário sobre ela.

 

* * *

 

- É feita a apresentação de um vídeo.

 

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O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Obrigado. (Palmas.)

Passo a palavra para Áurea Moretti - uma sobrevivente, uma das pessoas que mais foram torturadas no Brasil. Em seguida, terá a palavra o frei, irmão da madre Maurina.

 

  A SRA. ÁUREA MORETTI PIRES - A madre Maurina salvou a minha vida. Padre querido presente, Dom Felício, eu falo sobre a minha vida, e sobre a vida de muitos companheiros, porque ela autorizava Mário Lorenzato que guardasse o material da juventude católica, da qual ele fazia parte. E, depois, Mário foi recrutado por nós e passou também a guardar, no porão do Lar Santana, materiais e várias publicações que fazíamos. O jornal “O Berro” era legal e Vanderlei assinava o jornal. É por isso que o jornal continuava circulando.

As coisas mais pesadas eram outras publicações, como vocês sabem, e eram informações extras; e tinha também alguns aparelhos mimeógrafos - era o que tínhamos na época -, tudo no porão do Lar Santana. Na verdade, ela não sabia disso. Como tínhamos o trabalho de recolher alimentos, roupas e remédios, ela, às vezes,  até colaborava com alguma coisa, mas sempre pensando que era aquele grupo de estudantes, que era de católicos, sem pensar que estava tendo problemas por causa da luta armada. Ao mesmo tempo Mário não falou nada, ou tentou mudar aquela situação.

  O que aconteceu é que nós começamos com o jornal “O Berro” em toda a região; depois, devagar, fomos entendendo e aderindo à luta armada - que não é isso -, mas entendendo que o único modo de tentar derrubar tudo aquilo era tendo uma resistência mais forte, e armada também. Rompemos com o Partido Comunista Brasileiro, PCB, porque eu nunca acreditei que numa ditadura pudesse derrotar um governo militar através do voto, quando não existiam eleições.

  Ficou, assim, uma coisa bem mais pesada do que era. Continuávamos com todo o movimento estudantil, com as passeatas cada vez maiores, e muitas vezes a Igreja Católica ajudou de outro modo. Primeiro: padres comunistas, Celso Ibson de Syllos e Irineu de Moraes, em 1964, que, juntos, organizaram o pessoal da área rural para a formação de sindicato. Aí veio o golpe e o padre Celso foi preso; Irineu de Moraes fugiu para o mato.

  Tudo isso teve uma sequência. Uma coisa que faz parte da história de Ribeirão Preto é a Praça da Catedral, cheia de estudantes para sair à passeata. Isso já era um meio da gente ter um pouco de proteção, pensando que a polícia não iria invadir a igreja e tal. Algumas vezes em que algum policial entrou naquela igreja, padre Angélico, não sei se o senhor sabe, mas havia aquelas senhoras de idade que rezavam o rosário, e quando elas viam um policial batendo nos estudantes, começavam a bater e falar “Ó seus excomungados, saiam daqui!”

  Sempre tivemos uma atuação com a Igreja. Mas, a partir da nossa queda, em outubro de 69, quando estava tudo preparado para sequestrar um usineiro da região - uma ação bem pesada -, começou a perseguição policial. Nisso tudo, prenderam a irmã Maurina. Ela não sabia, mas depois soube que Mário estava foragido. Ela então chamou os seus dois caseiros para arrombar o porão. Tudo que eles acharam, jogaram num buraco que queimava lixos. Depois, a polícia, indo de lugar em lugar, onde cada um de nós vivia ou trabalhava, acabou chegando ao Lar Santana, e prendeu a irmã Maurina. Primeiro, prendeu os dois caseiros, que foram para o pau-de-arara e tomaram choque elétrico. Eles contaram que a irmã tinha dito para queimar o material. Isso que estou falando é bem certo.

  A partir daí, a irmã Maurina é que foi violentamente torturada, com pau-de-arara e com espancamentos. Vocês já ouviram falar em Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS? Ele foi a Ribeirão especialmente para torturar a freira. Ele sempre dizia que queria ter sido padre. Além de tudo, ainda se tripudiava. Chegou a um ponto que eles estavam prendendo todo mundo. A Igreja Católica, em Ribeirão, nunca apoiou a ditadura. Nunca. O “Diário de Notícias” do padre Angélico era muito nítido e limpo contra a ditadura, e eles então estavam perseguindo padres, catequista, todo mundo. Tudo que era da Igreja entrou como se fosse “terrorista”. E aí, prendendo a irmã, ela foi violentamente torturada.

Sou testemunha de um militar de Pirassununga que se chamava Cirilo, que devia ser nome de guerra, porque ninguém localiza esse Cirilo. Ele tentava abraçá-la, falava que sentia falta da mulher dele, que precisava de carinho e a agarrava, assim como a mim e à Nanci.  Alguns soldadinhos que iam à missa do Lar Santana ficavam horrorizados, porque esse militar trazia a irmã Maurina para a sala e fechava a porta. Então eles iam lá e abriam a porta, ficavam atrapalhando.

Há algumas suspeitas. Assédio houve, como houve com todas nós. A Maurina depois foi pedida em sequestro, não queria ir, mas foi obrigada. Falaram que ela iria, nem que fosse preciso amarrá-la e jogá-la dentro do avião. Ela foi para o México.

Houve um período em que a igreja excomungou os dois delegados, que eram Dr. Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano. Eles eram os de Ribeirão, porque todos os outros tinham nomes falsos. Eles tinham avisado a minha irmã que eu tinha morrido, para ela preparar o velório que em um ou dois dias o meu corpo seria entregue. Falaram para a família do Vanderley que iriam levá-lo para o Mato Grosso. Mario Bugliani nem pensar, porque era camponês, então nem precisava avisar a ninguém. Ele era sempre maltratado.

Com a excomunhão, que foi feita pelo padre Angélico e por Dom Felício, foi tudo suspenso, parou. Entenderam que eles estavam em uma cidade do interior, onde as pessoas se conhecem e se respeitam. Que lá não era São Paulo nem Rio, onde se pode matar e fazer o diabo que ninguém fala nada. O pessoal já estava revoltado com os que eles prenderam em 64. E aí eles não tiveram mais como, padre Angélico. E hoje é o primeiro dia da minha vida em que tenho a oportunidade de falar para o padre Angélico: muito obrigada. (Palmas.)

Nunca mais eles conseguiram nada, eles tiveram que ir acalmando. Foram ao jornal, defenderam os dois delegados, mas não adiantou nada, porque Dom Felício e a Igreja não retiraram a excomunhão. Era isso mesmo que eu queria colocar, além de agradecer ao padre. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Muito obrigado, dona Áurea. O irmão da madre Maurina, frei Manuel, veio aqui para falar. Ele tem o hábito de falar em público. Vamos projetar um pouco a vida e o currículo da madre Maurina. O que vem é uma das coisas mais trágicas da história dessa irmã. O frei Manuel veio de Minas Gerais falar brevemente, com todo o seu equilíbrio, sobre a família Borges da Silveira. É um dominicano.

 

O SR. MANUEL BORGES DA SILVEIRA - Em nome do Adriano quero agradecer a todos os presentes à Mesa e a todos os companheiros aqui. Realmente é muito difícil dizermos tudo. A minha consideração talvez fique um pouco piedosa, por ser fala de padre, mas a vocação da Maurina, que se complementou com essa prisão, realmente a fez assumir a situação.

Não aceito que ela tenha sido presa como inocente, porque aí então os outros seriam culpados, mas ela assumiu a situação como verdadeira irmã. Não é à toa que ela tem o nome de madre. A madre dentro da vida religiosa é a superiora, mas quer dizer também mãe. Ela não foi tão torturada como as outras que estavam com ela na cela, mas ela realmente assumiu essa presença.

As outras voltavam com ferimentos para a cela, muitas vezes não podiam nem mexer na cama, e a madre Maurina as tratava com todo o cuidado. Sem água, apenas para beber, apenas uns trapos para passar na ferida. Realmente para ela foi algo muito importante para consagrar a sua vida, assumindo aquela situação nova, nunca pensada. Mesmo diante do grande torturador Fleury ela manteve essa coragem. Ela era realmente de uma teimosia muito grande.

O delegado, em dado momento, dizia: “Por que você não chama o seu Deus durante a sua tortura para vir te defender? Por que você não me olha nos olhos?” E ela, firme, olhou nos olhos de Fleury e disse: “O que estou sofrendo aqui, eu assumo ligada a todas as outras que sofreram muito mais, e vocês irão pagar por isso. Não adianta chamar o meu Deus. Deus está aqui e vocês irão pagar por isso futuramente.” Ele volta a perguntar: “E você me conhece?” Ela responde: “Eu conheço você pela reportagem da ‘Veja’, quando você prendeu os frades dominicanos.” Nesse momento, então, ele deu um murro na mesa e saiu. Os presentes então disseram: “Olhe, ele correrá atrás depois para se vingar.”

Não aconteceu e para mim foi uma vitória da Maurina frente a este grande torturador.

Quando ela voltou do México, teve de se apresentar ao tribunal e a Dom Luciano, grande bispo auxiliar de São Paulo, que disse: “Maurina, eles vão te dar a palavra e ao final você aproveita para dizer alguma coisa.” Ela, com a sua bíblia debaixo do braço, disse que perdoava todo mundo. Que todo sofrimento que passara era uma pequena gota d’água no grande oceano do sofrimento da humanidade assumido por Jesus Cristo na cruz e agradeceu a mesa do tribunal.

A sua vocação como irmã se complementou nisso: oferecer a sua vida e essa presença no meio das outras. Dizia-se que uma pessoa que iria tentar o suicídio não o fez por causa da presença da Maurina - fico muito emocionado.

Agradeço a todos.

Que Deus nos ilumine a todos. (Palmas.)

 

  O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Ainda na linha dos jornais que resistiram à ditadura, temos o “Grita Povo”, que é do pessoal de São Miguel: do Douglas, do Carlos Sabeli, de Dom Angélico. Queria passar direto nessas duas homenagens ao “Grita Povo” e ao “Versus”. Companheiros do “Versus”, eu me comprometo a fazer uma sessão especial sobre o trabalho de vocês, da convergência do jornal “Versus”, mas eu preciso encerrar esta sessão às 22 horas. Peço que vocês entendam, porque a cerimônia está muito longa e eu tenho de abreviar para concluir.

  O próximo ponto da homenagem é um caso absurdo do Alto Tietê, da adoção irregular de 48 crianças que foram retiradas de suas famílias. Estão aqui o Emanuel Giuseppe, o Adão e todas as mães e crianças que tiveram seus filhos sequestrados. Desde que o deputado José Cândido era vivo eles tentam resgatar essas crianças que foram tiradas à revelia de suas famílias.

Quero pedir para o Emanuel Giuseppe fazer uso da palavra - peço que seja breve em razão do tempo em que as crianças estão aqui - para que as pessoas tivessem ideia do que foi esse sequestro não autorizado.

 

O SR. EMANUEL GIUSEPPE - Boa-noite a todos. Cumprimento a Mesa na pessoa do nobre deputado Adriano Diogo pela coragem de apoiar este movimento que vem gritando as flores da justiça desde 2007.

Eu, Emanuel Giuseppe Gallo Ingrao, membro da Comissão de Direitos Humanos da cidade de Itaquaquecetuba, juntamente com os conselheiros tutelares da cidade, recebi diversas famílias no conselho tutelar denunciando que seus filhos lhes foram tirados de diversas formas e situações.

Peço, neste momento, um minuto de silêncio em memória das vítimas das adoções ilegais e também de Nelson Mandela, que morreu pelos Direitos Humanos.

Nós, de Itaquaquecetuba, e todos que sofreram na ditadura, sonhamos com um país livre, democrático que respeitasse os Direitos Humanos, que respeitasse o direito à família.

Os filhos destas mães lhes foram tirados de forma absurda com a ajuda da polícia e outros serviços do sistema. Isto acontece por falta de uma formação digna, num país que vive das cinzas da ditadura. Não fizeram trabalho de rede, não restauraram o direito às famílias. Nunca vimos o Poder Público e o Judiciário auxiliarem essas famílias. Vejo as famílias cada vez mais estruturadas. Visita de assistentes sociais e representantes do Judiciário. Parece o período da ditadura. Dizem a elas para não acreditarem, não terem esperança. E eu digo a elas: a esperança é a última que morre.

Vocês não deram seus filhos, vocês assinaram papéis em branco. Isso é vergonhoso para um país que se diz democrático.

Nós temos a Edilene, que se diz sã, que assinava papéis em branco.

Que tipo de serviço de rede é esse que obrigava as pessoas a assinarem papel em branco dizendo que ela era louca - ela uma pessoa normal. Tiraram-lhe os quatro filhos. Hoje, dois estão com ela. E sofre a saudade das outras filhas, de quem não tem notícias. Os seus familiares entraram com pedido de guarda, mas foi negado. Foram dadas a famílias estranhas.

Acho isso estranho.

Só por que são famílias pobres?! Se fossem ricas, seriam tratadas diferentes? Teriam desembargadores, advogados nobres?! Só a OAB de Itaquá, só os movimentos de Direitos Humanos e a porta da Igreja Católica para defenderem essas famílias. E nós militantes dos Direitos Humanos.

Os nobres, na pessoa do saudoso deputado José Cândido, na pessoa do deputado Adriano Diogo e de outras pessoas do tribunal popular, tiveram coragem de denunciar porque a vontade da Justiça da cidade mais rica e do estado mais rico do País - o estado de São Paulo - é colocar tudo debaixo do tapete. Isso é vergonhoso. Está na hora de mudamos essa situação. Aí eu clamo à ministra das mulheres que cobre do ministro da Justiça, que cobre da ministra Maria do Rosário, que disse que iria a Itaquaquecetuba ouvir essas famílias.

Gostaria que a Dona Rosa e o Sr. José, a Marli e a Edilene ficassem de pé para as pessoas verem se eles são loucos, doentes. O Sr. José é pai de nove filhos. O filho recém-nascido lhe foi tirado porque estava com lactose. Diziam que ele não teria condições de criar o filho.

Ele não iria inventar essa história.

A Marli tem cinco filhos, se não erro na conta. Um deles, o recém-nascido, é a chave de todo o processo da adoção. Se devolver essa criança, quebra toda a estrutura. Como não há vontade política neste País, os pobres não têm vez, as pessoas que denunciam não prestam.

Aprendi desde criança que a verdade deve ser dita doa a quem doer. Chega de demagogia como disse o grande profeta Dom Angélico.

Em nome de todas as famílias que foram vítimas, eu clamo por justiça e agradeço o Prêmio Santo Dias. (Palmas.)

 

            O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Obrigado, Emanuel. A ministra se retirou. O Paulo Maldos veio lá de Brasília. Embora o voo tenha atrasado duas horas, o companheiro Paulo Maldos veio num ato espontâneo.

            O companheiro Paulo Maldos, além de companheiro militante, é da Secretaria Especial da Presidência da República e companheiro da área de Direitos Humanos. Ele fez questão de vir e vai acompanhar a cerimônia até o fim. Obrigado, Emanuel.

            Vamos ouvir as Bachianas para recuperarmos um pouco o fôlego depois de tanta coisa triste.

                                                                       * * *

- É feita apresentação musical.

                                                                       * * *

 

            O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Obrigado, Carmen. Uma das coisas mais covardes e mais cruéis que ocorreram nas manifestações de junho foi os jornalistas serem reprimidos pela Tropa de Choque da forma mais cruel. Todos identificados como jornalistas, como cinegrafistas, como fotógrafos. Foram cruelmente atingidos. Por quê? Porque estavam no exercício de sua função, de sua profissão e tentando documentar para que as agressões não fossem piores.

            Há aqui um grupo de jornalistas relacionado pela Lúcia Rodrigues: Sérgio Silva, Adriano Lima, Alexandre Silva, Bruno Ribeiro, César Lucchesi, Fernando Borges, Gabriela Beló, Jô Miyaki, João Francisco Neto, Gisele Brito, a própria Lúcia Marlene Bergamo, Pedro Ribeiro Nogueira, Nelson Antoine, Sérgio Mata, Tatiana Farah, Vagner Magalhães e Vinícius Segalla.

            Mas para sintetizar e expressar bem o que foi essa barbárie, virá o Sérgio Silva, fotógrafo que perdeu a vista há exatos seis meses, atingido por uma bala de borracha da Tropa de Choque da PM quando cobria manifestação no centro de São Paulo.

            Eu queria que o Sérgio Silva viesse à tribuna, e que os senhores Waldemar Rossi, o Neto, o Mancha, o Zebelovsky, acompanhassem-no nessa manifestação de repúdio absurdo como se fossem os jornalistas cobrindo uma guerra que fossem os primeiros alvejados covardemente pela Tropa de Choque da Polícia Militar.

Tem a palavra o Sr. Sérgio Silva. Antes, porém, faremos a apresentação de um vídeo - de dois minutos de duração - para ilustrar.

 

* * *

 

- É feita a exibição de vídeo.

 

                                                              * * *

 

  O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - A Marlene Bergamo está aí? (Pausa.) Já foi a Marleninha? Ah, está a Tatiana Farah. Que bom que você está aí. Tatiana Farah, do Globo; Lúcia, vem para cá também.

 

O SR. SÉRGIO SILVA - Boa noite a todos e todas. Obrigado pelo convite. Quero falar bem rapidamente. O vídeo que foi mostrado aqui ilustra um pouco o que foram as manifestações de junho. Acho que é algo que o Ministério Público acabou solicitando na época em junho para que fossem criadas as leis de contenção ao uso das armas menos letais. E é um processo que, seis meses depois, ainda está parado. O Governo do Estado de São Paulo ainda não deu nenhuma resposta à sociedade, finge-se de surdo, mudo e cego. Na verdade quem acabou saindo cego desse ato em junho fui eu.

Digo eu, no caso, mas acredito que eu estava trabalhando ali representando, não só a imprensa, mas todo o cidadão que se encontra no direito de expressar a sua indignação de contestar o que está certo, o que está errado. Infelizmente, nós nos deparamos com governantes que ainda mantém uma postura de coibir as pessoas de se manifestarem. E ainda incentivam seu aparato, que é a Polícia Militar, de cometer atos de violência.

Diversos colegas sofreram fisicamente agressões. E em nome deles, de todos os colegas de imprensa, que passaram pelo mesmo um pouco daquilo que eu passei, eu quero pedir uma salva de palmas a todos eles. (Palmas.)

Depois que eu fui atingido deixei de ser apenas uma pessoa que fala o que pensa. Agora sou uma pessoa que expressa de verdade o que está sentindo.

Hoje estou numa campanha para que as armas menos letais não sejam mais comercializadas, que elas não sejam mais vendidas como armas menos letais, porque elas são letais. Elas cegam e até matam. Há relatos de morte por essas armas. Tem empresas no Brasil lucrando com isso. Tem políticos apoiando e defendendo leis que protegem essas armas.

Portanto, essas armas têm que ser banidas das ruas. Manifestar-se é um direito do cidadão. Faz parte da democracia.

Sabemos que o Brasil é um país que vem de uma democracia de 25 anos. Trata-se, portanto, de uma democracia que ainda está engatinhando. Mas acho que esse ato deveria ser pensado por todos os nossos representantes no poder, ou seja, de enfrentar isso e deixar que as pessoas se manifestem pacificamente.

Tenho aqui uma camisa que eu trouxe para o Adriano Diogo para simbolizar o ato dessa campanha - você pode recebê-la por gentileza? (Palmas.)

Só para encerrar minha fala, e deixar os outros companheiros também expressarem a opinião deles: bala de borracha cega, mas não cala. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - As pessoas não têm ideia do número de jornalistas atingidos, com os quais tenho um compromisso e, em que pese o horário já avançado, vou fazer o que me pediram e ler o nome de todos os jornalistas atingidos pelos chamados armamentos não letais.

Companheiro Sérgio Silva, companheiro Pedro Ribeiro Nogueira, companheiro Adriano Lima, jornalista Alexandre Silva, jornalista Bruno Ribeiro, César Lucchesi, Fernando Borges, Gabriela Biló, Jô Miyagui, José Francisco Neto, Gisele Brito, Lúcia Rodrigues, Marlene Bergamo, Nelson Antoine, Sérgio Mata, Tatiana Farah, Vagner Magalhães, Vinícius Segalla, Marina Pagno, Camila Pereira, Gioras Xeres de Paiva, Gabriela Alves, Marcos Henrique Miquelin, Flávio Botelho, Francis Juliano, Thiago Araújo, Almir Lopes, Evilásio Júnior, Tahiane Stochero, Shirley Barroso, Caco Barcelos, Paulo Araújo, Alessandro Costa, Izinha Toscano, Júlio Molica, Alex Falcão, Gustavo Oliveira, Luiz Roberto Lima, Yan Boechat, Guilherme Kastner, Marcela Lopes, Fábio Braga, Pablo Jacó, Mauro Donato, Rubens Nóbrega, Cláudia Carvalho, Marcos Oliveira, Aline Moraes, Josivan Antero, Francine Spinassé, Lumi Zúnica, Miguel Schincariol, Tércio Teixeira, Rodrigo Machado, Ernesto Carriço, Marcos Paula, Carlos Wrede, Aline Pacheco, Flávio Pannunzio, Rita Lisauskas, Alex Mineiro, Davidson Teixeira, Luiz Paulo Montes, Marcelo Min, Mônica Pulga, Pedro Vedova, Tancredo Fortunato, Marco Mota, Arthur Paganini, João Vitor Alves, Lucas Simões, Nelson Pombo Júnior, André Coelho e vários outros que não estão entre os presentes, mas que formam uma lista tão extensa quanto esta.

São jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas, companheiros em geral, radialistas, que foram atingidos, feridos e machucados em seu corpo, alma e dignidade pela covardia da Tropa de Choque da Polícia Militar.

Muito Obrigado. (Palmas.)

Concedo a palavra à senhora Tatiana Farah.

 

A SRA. TATIANA FARAH - Os jornalistas estão sendo lembrados, mas não somos melhores do que ninguém que tenha sido agredido durante as manifestações. Muitas pessoas saíram mais feridas do que nós, eu queria lembrar isso para não parecer que é só contra a imprensa. Não é só contra a imprensa. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Dois companheiros farão uma breve saudação, o Paulo Maldos e o Idibal Pivetta. O Paulo, inclusive, veio de moto de Brasília, fez questão de vir. Está acontecendo tudo por lá, mas o Paulo veio para o Prêmio e para os 45. Tem a palavra o Sr. Paulo Maldos.

 

O SR. PAULO MALDOS - Serei extremamente breve, apenas para agradecer ao Adriano e à Assembleia de São Paulo por terem construído esta sessão que honra a nossa memória e que é um desafio para pensarmos sobre o passado e nos inspirarmos para o presente e o futuro.

Ele me convidou, a princípio, para fazer uma breve fala sobre Vanderley Caixe, com quem eu convivi na Paraíba quando trabalhava com camponeses. Ele era membro e coordenador do Centro de Direitos Humanos da Diocese.

Dom José Maria Pires era nosso arcebispo e o Vanderley Caixe, para mim, era o símbolo de uma geração de militantes que combateram a ditadura e, logo depois de passarem pelo cárcere e pela tortura, dedicaram-se a continuar contribuindo com os trabalhadores, com o povo brasileiro.

São vários exemplos de dignidade que saíram da prisão e foram contribuir com o fortalecimento dos trabalhadores, com as lutas do povo, com a formação política, com a transformação da memória.

Estão aqui o César, a Amelinha e tantos outros que talvez não tiveram a oportunidade de  vir, mas que saíram do extremo sofrimento pelo qual passaram para continuar contribuindo com a luta do nosso povo e, até hoje, são exemplos para nós dessa luta. Também está aqui o Ivan Seixas, que acompanho desde a época em que esteve preso em Taubaté e até hoje está conosco ajudando a pensar nessa memória que nos inspira a continuar lutando.

Queria agradecer ao Adriano Diogo e a todos os presentes. Sessões como esta nos ajudam, nos alimentam para continuarmos a luta definitiva do povo brasileiro. Obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Antes do Idibal falar, gostaria de dizer que, nessas cerimônias das chamadas premiações, haveria um tempo enorme para distribuição de certificados e diplomas. Tenho participado de muitas premiações, parece coisa de festa do Oscar. Aqui somos militantes, combatentes, resistentes, e todas as pessoas que aqui vieram e foram homenageadas vão receber a lembrança dessa cerimônia, de uma cerimônia de luta e de resistência, mas não vou fazer nenhuma analogia com festa do Oscar, nada disso. Todos vão receber, mesmo porque o adiantado da hora não permite. Então, quero que Idibal Pivetta, César Vieira, faça sua última fala em nome da liberdade.

 

O SR. IDIBAL PIVETTA - Companheiros, companheiras, companheiro Adriano Diogo, companheiro de luta, companheiro de cela - estivemos detidos, ele por dois anos e eu por 90 dias -, companheiro e nosso mentor, companheiro Angélico Sândalo, companheiros da Mesa; é tarde da noite, mas não podemos deixar de lembrar uma pessoa que felizmente está viva e tenho certeza de que é o mentor - foi e será sempre - de todos aqueles que lutam pela justiça social e pela liberdade. Refiro-me a uma pessoa que nos idos de 1970, quando trabalhávamos com pastorais progressistas da Igreja, nos dizia sempre em suas conversas: “Melhor morrer de pé do que viver ajoelhado”. Essa pessoa está viva e merece sempre o reconhecimento de todos, porque graças a homens e pessoas como ele é que podemos ter hoje um Brasil muito incipiente a caminho da sua libertação.

Queria saudar também o companheiro representante da Presidência da República, companheiro Maldos. A Presidência da República se fazer presente tem um significado imenso. Não vamos saudar Dom Paulo Evaristo Arns como se tivesse morrido, porque ele está muito vivo, mas vamos saudá-lo, não com um minuto de silêncio, mas com um minuto de cumprimentos, de palmas para homenagear esse grande homem do Brasil.

Por favor, todos de pé para aplaudi-lo por um minuto. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Valdemar, venha fazer a foto final, venha conosco aqui. Carmen! Vamos ouvir a música de encerramento que a Carmen preparou com tanto carinho.

 

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- É feita a apresentação de “Deu Alegria dos Homens” (Palmas.)

 

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O PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Carmen, filha da resistência, obrigado, e a vocês também os músicos. Amanhã, às 11 horas, haverá a abertura da exposição “Advogados que lutaram na resistência”, no antigo prédio do DOPS, Memorial da Resistência.  Muito, muito obrigado por tudo. Vocês são anjos. Muito obrigado, boa noite a todos. (Palmas.)

A sessão está encerrada.

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 30 minutos.

 

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