http://www.al.sp.gov.br/web/images/LogoDTT.gif

 

 

26 DE MAIO DE 2014

023ª SESSÃO SOLENE EM “HOMENAGEM AO PADRE ANCHIETA, FUNDADOR DA CIDADE DE SÃO PAULO, RECENTEMENTE CANONIZADO PELO PAPA FRANCISCO”

 

Presidente: ADRIANO DIOGO

 

RESUMO

 

1 - ADRIANO DIOGO

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades presentes. Informa que o presidente Samuel Moreira convocara a presente sessão solene, a requerimento deputado Adriano Diogo, na direção dos trabalhos, para "Homenagear o Padre José de Anchieta, Fundador da Cidade de São Paulo e Recentemente Canonizado pelo Papa Francisco". Faz histórico sobre o padre José de Anchieta: nascido em Tenerife, devoto da Virgem Maria, estudou Filosofia em Coimbra e integrou a Companhia de Jesus. Lembra que tinha 12 irmãos, entre eles dois sacerdotes. Cita o interesse por vir ao Brasil em razão do clima, onde chegou em 1553, na esquadra de Dom Duarte da Costa. Acrescenta que viveu no meio dos índios e aprendeu a língua tupi. Adita que foi reitor do Colégio de São Vicente, participou da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e contribuiu para a expulsão dos franceses. Lembra que foi fundador da Santa Casa do Rio de Janeiro, atuou na Bahia, em Pernambuco e no Espírito Santo, onde morreu. Convida o público a ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro". Anuncia a apresentação do Coral Schola Cantorum. Dá conhecimento de mensagens alusivas à efeméride, encaminhadas por várias autoridades.

 

2 - CARLOS ALBERTO CONTIERE

Padre, fala em nome dos jesuítas do Brasil, destaca a importância de São José de Anchieta, que era "um homem da cidade e para a cidade". Ressalta a fortaleza de seu espírito. Informa que ao escrever aos amigos portugueses, citava sua absorção com os desafios, que mostravam a força de Deus. Lembra a citação de São Paulo "quando sou fraco é que sou forte". Recorda a perseguição do Marques de Pombal contra a Companhia de Jesus. Lembra que Anchieta entregou sua vida à doutrina cristã, que era homem de cultura, que utilizou o teatro, poema e música na catequização em São Paulo de Piratininga.

 

3 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Anuncia a apresentação do Coral Schola Cantorum.

 

4 - ODILO PEDRO SCHERER

Arcebispo Metropolitano de São Paulo, lembra que Anchieta, que atuou nos primórdios de São Paulo, nunca mais retornou à Europa e dedicou a sua vida pela evangelização dos índios. Recorda a primeira missa, celebrada em São Paulo, quando da sua fundação. Ressalta o trabalho desenvolvido pelo sacerdote no Litoral brasileiro, para resolver tensões entre portugueses e indígenas e mesmo entre as várias tribos. Recorda a Confederação dos Tamoios e os poemas escritos na areia. Louva o aprendizado da cultura indígena e a elaboração da gramática da língua tupi. Destaca a canonização pelo papa Francisco, por corresponder aos anseios dos religiosos brasileiros. Combate a visão preconceituosa sobre a atuação dos religiosos. Destaca o pioneirismo de Anchieta como educador, pacificador, antropólogo, naturalista e mesmo meteorologista, ao descrever as chuvas torrenciais de verão no Anhangabaú. Anuncia apresentação do Coral Schola Cantorum.

 

5 - PRESIDENTE ADRIANO DIOGO

Louva a história de José de Anchieta. Enfatiza a conjuntura da época, durante o período dos bandeirantes. Informa que a força expansionista era medida pela quantidade de aprisionados. Destaca que o reconhecimento com a canonização repõe o capítulo da História de um período pouco estudado do genocídio indígena. Lembra o trabalho dos jesuítas nas regiões das fronteiras e dos Sete Povos das Missões. Afirma pioneiras as propostas das reduções jesuítas. Finda com a oração oficial de São José de Anchieta. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão.

 

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão o Sr. Deputado Adriano Diogo.

 

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

Com base nos termos da XIV Consolidação do Regimento Interno, e com a aquiescência dos líderes de bancadas presentes em plenário, está dispensada a leitura da Ata.

Nomeando as autoridades, passo a composição da Mesa.

Inicialmente, convido para compor a Mesa, para dar inícios aos nossos trabalhos, Vossa Eminência Reverendíssima, cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo. (Palmas.)

Em seguida convido, ainda para compor a Mesa, o padre Carlos Alberto Contieri, diretor do Pateo do Collegio. (Palmas.)

Ainda quero convidar para compor a Mesa, o padre Mario Andrighetto, pároco da Paróquia de São Sebastião, da Congregação dos Combonianos de São Daniel Comboni. (Palmas.)

E ainda, da mesma congregação de São Daniel Comboni, a querida irmã Elide Sorio. (Palmas.)

Minhas senhoras e meus senhores, essa sessão solene foi convocada pelo presidente efetivo dessa Casa, atendendo à solicitação desse deputado, com a finalidade de homenagear o padre José de Anchieta, fundador da cidade de São Paulo e, recentemente, canonizado pelo papa Francisco.

Um dos primeiros missionários católicos a chegar ao Brasil, o padre José de Anchieta ficou conhecido pelo seu admirável trabalho de catequese dos índios brasileiros.

Nascido em Tenerife, em 1533, uma das ilhas Canárias, filho de João Lopes de Anchieta, um revolucionário, que tomou parte na Revolta dos Comuneros contra o imperador Carlos V da Espanha e um grande devoto da Virgem Maria. Sua mãe chamava-se Mência Diaz de Clavijo y Llarena, natural das Ilhas Canárias, filha de judeus convertidos.

Anchieta viveu com os pais até os 14 anos. Depois, mudou-se para Coimbra, Portugal, onde foi estudar Filosofia, no Colégio das Artes até os seus 18 anos, quando iniciou na Companhia de Jesus.

Da família de 12 irmãos, Anchieta teve, além dele, mais dois sacerdotes, o padre Pedro Nuñes e o padre Melchior.

Entre os jesuítas, sua primeira atividade foi ajudar na celebração de missas, chegava a efetuar mais de dez missas por dia, trabalhando acima de 16 horas. Porém, tanta dedicação, causou-lhe alguns problemas de saúde, que se agravaram e se transformaram em constantes dores nas juntas e nos ossos do corpo, principalmente na coluna.

Imaginando que as dores eram provas divinas, o padre Anchieta dedicava-se ainda mais ao trabalho. O resultado foram dores por lesões permanentes, que o acompanharam por toda a vida. Por essas dores, ele se interessou em embarcar para o Brasil, devido ao fato de ser um clima mais ameno que o da Europa.

José de Anchieta chegou ao Brasil em 1553, junto com outros padres que se opunham à contrarreforma religiosa na Europa, e tinham em mente a ideia de catequizar os habitantes das novas terras descobertas.

José de Anchieta veio na esquadra de Dom Duarte da Costa, segundo governador-geral do Brasil. Junto com eles vieram mais seis padres jesuítas, todos doentes. Iniciando os trabalhos evangélicos na Capitania de São Vicente.

Anchieta não encontrou a cura para seus males e dores, mas se dedicou a catequizar os índios brasileiros e para isso foi viver no meio deles.

Aprende com o padre Azpilcueta as primeiras palavras do abanheenga, língua geral dos índios tupis e guaranis, aprendendo seus idiomas, costumes e lendas.

Ele foi o primeiro a perceber que existia uma raiz comum dos diversos idiomas indígenas falados em nossa terra.

José de Anchieta foi quem consagrou o termo “tupi” para designar essa raiz comum entre os idiomas indígenas.

A 12 léguas dali, no dia 25 de janeiro, ele formou o Terceiro Colégio Regular do Brasil, dia em que foi realizada a primeira missa da fundação, sendo celebrada a conversão de São Paulo e por esse motivo o lugar foi consagrado ao apóstolo desse nome.

Retornando a Piratininga, foi nomeado reitor do Colégio São Vicente e elevado, em 1578, à dignidade de provençal, superior no Brasil, depois da morte do padre Manoel da Nóbrega.

Chamados pelos gentios de “paieguassu” – “amarra-mãos” – e de santo pelos portugueses, o sacerdote apresentava-se desarmado diante dos índios menos amigos e obtinha triunfos extraordinários.

Transferido para o atual estado do Rio de Janeiro, participou ativamente da fundação da cidade e foi de importante atuação na expulsão dos invasores franceses calvinistas, que ali pretendiam instalar uma colônia.

Fundou a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro em 1582.

Desenvolveu sua atividade missionária também na Bahia, em Pernambuco e finalmente mudou-se para o Espírito Santo, em 1587, onde passou a se dedicar à organização de várias aldeias indígenas, até que morreu em Reritiba, hoje, Anchieta.

Foi beatificado no dia 22 de junho de 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado no dia 3 de abril de 2014 pelo papa Francisco.

Viva José de Anchieta! (Palmas.)

Convido a todos para que de pé ouçamos o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

- É reproduzido o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Agradeço a presença do Coral Schola Cantorum, cujo regente é o maestro Felipe Bernardo e os convido a interpretar a primeira música do programa previsto para hoje, para essa cerimônia “Ad Majorem Dei Gloriam” – “Para maior glória de Deus”.

Queria pedir para o coral se organizar na posição para apresentar essa belíssima música.

Comunico aos senhores presentes que essa sessão está sendo transmitida ao vivo pela TV WEB e será transmitida pela TV Assembleia no dia 31 de maio às 21 horas, pela NET no canal 07, pela TV Vivo no canal 66 analógico e 185 digital. Pela TV Digital aberta, canal 61.2.

Vamos lá.

 

* * *

 

- É feita a apresentação do coral.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Registro ainda as pessoas que foram convidadas e enviaram cumprimentos pelos convites enviados para a cerimônia.

Prefeito Fernando Haddad; o chefe da Casa Militar do Estado de São Paulo, coronel PM José Roberto Rodrigues de Oliveira; o vice-almirante Liseo Zampronio; o comandante do 8º Distrito Naval; o Sr. Vereador José Américo Dias, presidente da Câmara Municipal de São Paulo.

Ainda estão presentes, o Sr. Nei Cardoso, representando o Sr. Deputado Antonio Salim Curiati; padre Ricardo Cardoso, secretário pessoal do arcebispo de São Paulo; Rafael Alberto, secretário de Comunicação da Arquidiocese de São Paulo; padre Jaime Crowe, da Comunidade São Patrício, padre irlandês da Comunidade de São Patrício e o índio xavante Bruno Tserebutuwe, aluno do curso de Serviço Social da PUC.

Em seguida, passo a palavra ao padre Contieri, aqui representando os jesuítas brasileiros.

 

O SR. CARLOS ALBERTO CONTIERI - Boa noite a todos.

O fato de nós sermos acolhidos nesta Casa, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, para uma homenagem a São José de Anchieta, significa a importância do Padre Anchieta para nosso estado, para nossa cidade, e para todo o Brasil.

O Padre Anchieta certamente é um homem da cidade e um homem para a cidade, como nós somos da cidade e aqui vivemos.

Um homem que estando na vila, se preocupou, sobretudo, com as pessoas, é o ícone da resistência, em primeiro lugar da resistência pessoal. Porque quando foi enviado para o Brasil não se tinha mais esperança de que ele pudesse ser curado dos seus males, mas estando aqui, se ele não foi curado dos males do corpo, ele teve a fortaleza do espírito.

Porque ao escrever aos seus amigos de Coimbra, companheiros do seu noviciado durante os dois anos em que estudou na cidade de Coimbra, ele dizia que nestas terras, como ele não tinha os mimos de Portugal e os trabalhos e desafios aqui eram tantos, que ele nem mais se lembrava do mau que lhe acometia e que às vezes o impedia de caminhar.

Na doença, na sua fragilidade, ele experimenta a força de Deus, como São Paulo mesmo vai dizer, “Quando sou fraco é que sou forte”.

É um homem da cidade, no sentido de que as pessoas estão no centro da sua preocupação, as pessoas a quem ele é chamado a servir de modo especial, os indígenas.

A eles, Anchieta juntamente com os primeiros jesuítas que aqui estiveram, até a supressão e a expulsão da Companhia de todo o Brasil e do Reino de Portugal, em 1759, se opuseram terminantemente à escravização dos índios, um dos fatores da perseguição desencadeada pelo Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus, e um dos fatores, entre tantos outros, da expulsão da Companhia de Jesus do Brasil.

Infelizmente, a nossa história conta outra história, por interesse que nos escapam as mãos.

Mas José de Anchieta é o homem da cidade. O homem que tem a preocupação com as pessoas, que entregou a sua vida de maneira incansável para que as pessoas pudessem conhecer aquilo que pudesse fazer com que elas chegassem à plenitude da felicidade. E para o século XVI, eles tinham a certeza de que a plenitude da felicidade estava no encontro com o senhor da vida, nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso esse esforço de poder transmitir a doutrina cristã.

Mas, ainda sendo um homem da cidade, Anchieta é um homem da cultura, na medida em que ele, para evangelizar os indígenas, para evangelizar os colonos, para ensinar os indígenas e os colonos, ele vai dispor do teatro, do poema, da música, enfim, de todos os recursos para que a boa notícia do evangelho pudesse chegar facilmente aos ouvidos e ao coração das pessoas.

José de Anchieta é um homem da cidade, um homem para a cidade, é um homem para nós. Por isso a importância de estarmos aqui nesta Casa na qual muitas questões referentes ao nosso estado são decididas. Pois no centro dessa Casa, deve estar o bem comum, no centro dessa Casa deveria estar uma preocupação inexorável com as pessoas, com o bem das pessoas, com a boa qualidade das pessoas.

E como Anchieta esteve aqui em São Paulo, na origem do Colégio de São Paulo de Piratininga, hoje o Páteo do Colégio, fundado em 1554, ele também é o ícone da resistência da boa educação ou da promoção da boa educação. Nessa Casa onde se decide muito da vida das pessoas que compõem o nosso estado, Anchieta também, oxalá, ele seja o padroeiro para que a gente se preocupe em oferecer à nossa população uma boa educação, utilizando-se de todos os recursos para que, conhecendo, as pessoas possam colocar, como ele, a serviço dos outros os seus dons, as suas aptidões e aquilo mesmo que aprendeu.

Eu queria terminar dizendo exatamente isso, é importante que nós estejamos aqui. É importante que nós estejamos aqui prestando uma homenagem a São José de Anchieta e reconhecendo a sua importância para nós, mas nós faremos jus a esta memória, nós faremos jus a esta homenagem, na medida em que o nosso povo tiver cada vez mais, a partir daqui, a sua vida reconhecida na sua dignidade, a sua cultura promovida, a sua insistência defendida por leis que buscam efetivamente não defender grupos nem interesses particulares, mas defender o bem comum e o interesse e a vida do nosso povo.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Antes de ouvirmos a palavra de Dom Odilo, o coral irá apresentar mais uma belíssima canção que é o “Sonho da Virgem”.

Coral Schola Cantorum. Queria pedir para que o coral tomasse o posicionamento.

 

* * *

 

- É feita a apresentação do coral.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Então, agora finalmente nós vamos ouvir a palavra da nossa Eminência Reverendíssima cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo.

Com a palavra, Dom Odilo.

 

O SR. ODILO PEDRO SCHERER - Boa noite a todos e todas.

Quero saudar de maneira especial o deputado Adriano Diogo pela condução desta sessão em homenagem a José de Anchieta, também quero saudar os demais presentes à Mesa, todos os que vieram prestigiar este momento em que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo presta homenagem a alguém que é muito significativo na formação do estado de São Paulo nos seus inícios, não só da cidade de São Paulo, mas do próprio estado de São Paulo.

São José de Anchieta, já se falou dos seus dados biográficos, naturalmente muitos outros poderiam ser acrescentados, porém esse momento todo especial que nós vivemos, depois da sua canonização pelo papa Francisco, é um grande brasileiro, embora não tenha nascido no Brasil.

Nasceu nas Canárias, que era um território, continua a ser território, da Espanha. Mas veio ao Brasil com 19 anos de idade e aqui passou toda a vida, nunca mais retornou à Espanha ou a Portugal, ou a que fosse.

Mas aqui, deu a sua vida, entregou a sua vida por aquilo que estava começando a ser o Brasil. O Brasil ainda como Brasil praticamente não existia, havia um começo de Brasil, havia as Capitanias hereditárias, havia alguns inícios de fundação, de presença de europeus e havia os povos indígenas, os povos originários que já estavam aqui há muito tempo e que, de uma hora para a outra, estavam se vendo, de alguma forma, invadidos por gente que eles nunca tinham visto e que vinham ao mesmo espaço, ao mesmo território, que eles estavam ocupando.

Entre eles vieram os missionários também desde o início, os missionários jesuítas, em meados do século XVI. São José de Anchieta veio para o Brasil em 1553, em dezembro de 1553, depois de uma longa viagem de navio para atravessar o oceano, passou algumas semanas, talvez alguns meses, em Salvador, depois com o padre Nóbrega e outros, foi enviado a São Paulo, que não existia ainda, mas para o Planalto de Piratininga, com o fim de fundar uma missão dos jesuítas, entre os indígenas, que ali havia e que eram bastante numerosos, muitos deles já recuando diante da chegada dos portugueses no litoral, mesmo no Vale do Paraíba, no Vale do Anchieta e por isso havia uma certa concentração de indígenas no Planalto do Piratininga.

Foi ali, que em 25 de janeiro, como já foi referido, foi celebrada a primeira missa naquilo que veio a se tornar a missão batizada com o nome do apóstolo São Paulo, uma vez que a primeira missa foi celebrada no dia 25 de janeiro, festa da conversão de São Paulo. Por isso a cidade de São Paulo comemora nesta mesma data, 25 de janeiro, a data de sua fundação, do início de sua existência como cidade.

Cidade que hoje é essa imensa metrópole, e que iniciou com uma pequena capela, um pequeno colégio e, naturalmente, umas poucas choupanas dos indígenas que foram se agrupando ao redor da capela e do colégio e assim nasceu a cidade de São Paulo.

Anchieta ainda não era padre, naquela ocasião. Anchieta veio ao Brasil com 19 anos. Apenas tinha iniciado os estudos para ser padre em Coimbra. Veio apenas como jovem noviço ao Brasil e aqui, pouco a pouco, concluiu os estudos vindo a ser ordenado sacerdote em 1566 ou 1567, em Salvador na Bahia.

Anchieta trabalhou novamente em São Paulo, mas, sobretudo, no litoral, onde vários núcleos da missão já estavam organizados, e onde estavam presentes os padres jesuítas no meio dos indígenas do litoral.

Anchieta depois foi importante naquelas tensões que havia entre portugueses e indígenas, entre os próprios indígenas e na Confederação dos Tamoios junto com o padre Manoel da Nóbrega, foi importantíssimo para a negociação da paz entre as partes naquele período da Confederação dos Tamoios. Anchieta permaneceu como refém voluntário entre os indígenas, no litoral norte de São Paulo, altura de Ubatuba, onde ele escreveu o poema “A Virgem Maria” nas areias da praia de Peruíbe e onde, portanto, por quase meio ano, ele permaneceu como refém dos indígenas, enquanto Nóbrega e os companheiros negociavam a paz entre as partes.

Depois, Anchieta percorreu, enquanto provincial, como já foi referido, todo o litoral, várias vezes. Conta a história que duas vezes por ano, ele visitava todas as missões que os jesuítas já possuíam, desde São Paulo até o nordeste fundando novas missões. E nas missões sempre havia um colégio, uma escola que fazia parte justamente do trabalho missionário a alfabetização, o ensino, aprendizado e é claro, ele próprio também aprendia, foi aprendendo a cultura dos indígenas, aprendendo a língua dos indígenas, vindo a ser o primeiro que redigiu uma gramática da língua Tupi e também o vocabulário na língua Tupi, portanto, interessado que estava em aprender a língua para melhor se comunicar com os indígenas e também poder ajudá-los a aprender na própria língua as coisas da fé, do evangelho, que Anchieta lhes transmitia junto com os outros missionários.

O papa Francisco proclamando santo São José de Anchieta realizou um anseio da comunidade católica no Brasil, que há muito vinha sido acalentado. Anseio de ver reconhecidos os méritos e a santidade deste homem que entregou a sua vida como missionário, como homem de Deus aos povos que aqui viviam e realizou uma obra admirável de evangelização, de educação, de pacificação.

Mas eu queria também recordar alguns outros aspectos de São José de Anchieta que certamente são relevantes naquele início da história do Brasil e que, talvez hoje, mereceriam serem melhores destacados e eventualmente com uma nova pesquisa histórica, mais objetiva e desvestida de preconceitos. Preconceitos que, ao longo das perseguições à Companhia de Jesus, a expulsão dos jesuítas por obra do Marquês de Pombal, em seguida, por todo um período de versões muito distorcidas da história, foram sendo passados e que hoje ainda continuam a ser ensinados nos colégios, nas universidades.

Preconceitos históricos cristalizados e que precisam ser questionados para repor a verdade histórica em relação a Anchieta e outros mais que de alguma forma recebem a pecha de terem perseguido indígenas, matado indígenas, escravizado indígenas, quando tudo pelo contrário eles fizerem, protegendo os indígenas, defendendo-os contra a escravização dos projetos colonizadores e ajudando-os a preservar a sua cultura, em vez de destruir a sua cultura.

Portanto, seria muito justo, que hoje se fizesse de fato, uma revisão das versões oficiais da história que foram sendo passadas por regimes autoritários, que traduziram para a história preconceitos que são injustificados contra pessoas que aqui fizeram um enorme bem ao Brasil no seu início.

Anchieta pode ser considerado, não só um missionário grande como ele foi, um homem santo, dedicado, com imensa caridade, que doou a sua vida ao Brasil, aos povos que aqui viviam, também aos africanos, que vinham sendo trazidos como escravos, a quem ele também serviu com imensa caridade, mas como educador.

Sem dúvida, o primeiro educador do Brasil, que dedicou a sua vida, e como fazia parte do carisma da Companhia de Jesus, os jesuítas.

Educar.

Anchieta foi um exímio educador. E para melhor educar, ele se deixou educar em primeiro lugar. Aprendendo a cultura dos povos que aqui viviam. E nessa cultura, educando e comunicando valores que ele trazia da fé cristã.

Anchieta foi um pacificador. Um homem que procurou promover a paz entre as partes em luta.

Evidentemente que as partes em luta não foram só indígenas e portugueses, mas os próprios indígenas entre si também, como é conhecido, havia também tensões e guerras entres os próprios indígenas.

Mas depois também, com a invasão francesa no Rio de Janeiro, com o projeto de fundar a França Antártica, Anchieta foi importante para a pacificação da região do Rio de Janeiro, onde havia tensões não só entre portugueses e franceses, mas também tensões entre os indígenas, causadas pelos franceses que jogavam os indígenas contra outros indígenas e contra os portugueses.

Anchieta foi importante para resolver essas tensões naquela ocasião. Anchieta como um pacificador, portanto, junto com seus outros companheiros.

Por outro lado, nos escritos de Anchieta, nos seus relatórios frequentes aos seus superiores na Companhia de Jesus, nós vemos enormes, numerosos dados, de interesse muito atual, para conhecer o que era o Brasil daquela época no século XVI.

Anchieta foi certamente o primeiro antropólogo destas terras, que se interessou não só por fazer contatos com os povos que aqui viviam, mas em conhecer e por escrito os elementos da sua cultura.

Os relatos de Anchieta, portanto, aos seus superiores na Companhia de Jesus trazem elementos muito valiosos para conhecer a cultura, a vida, o jeito dos povos que aqui viviam, e, portanto, esses dados estão à disposição, nos seus escritos, nos arquivos onde estão guardados ou naquilo que já foi publicado. Mas seria muito estimulante fazer estudos e pesquisas para, a partir dos relatos de Anchieta, ter um conhecimento daquilo que era os povos originários que viviam, sobretudo, no litoral do Brasil.

Anchieta foi um naturalista, e certamente o primeiro naturalista do Brasil. Nós conhecemos as cartas de Pero Vaz de Caminha, algumas poucas coisas, que Pero Vaz de Caminha observou que passaram para a história, porém, os relatos de Anchieta são muito, muito preciosos sobre a fauna, a flora, a geografia, até a meteorologia das terras do Brasil.

Numa das cartas que escreve sobre São Paulo, sobre a missão de Piratininga, São Paulo de Piratininga, descreve as chuvas torrenciais do verão que nós também conhecemos nos dias atuais e dizendo isso, escreve que, de um momento para outro, “O córrego do Anhangabaú transborda e se torna um rio caudaloso”.

Quem hoje conhece o córrego do Anhangabaú?

Ninguém mais o conhece, porque está coberto de asfalto. Anchieta conheceu e com as chuvas torrenciais enchiam e transbordavam o córrego do Anhangabaú, que hoje faz parte também da nossa cidade.

Anchieta observava a natureza e descrevia a natureza em muitos pormenores; a fauna, a flora, de muitas formas, descrevia, portanto, aquilo que existia na Mata Atlântica, coisas que talvez, ao longo da história, já não existam mais, desapareceram por causa da depredação que foi feita, mas que Anchieta observou e descreveu.

Enfim, Anchieta, sem dúvida, pode ser considerado um primeiro despertador, integrador da consciência nacional.

O Brasil ainda não existia como consciência nacional no século XVI, aqui chegaram os portugueses e repartiram essa terra em sesmarias e depois em Capitanias hereditárias e cada capitão, cada dono dessas glebas estava relacionado, não com o governo central do Brasil, antes de tudo, mas estava relacionado com a coroa de Portugal. Não havia uma unidade nacional, não havia consciência de Brasil, essa consciência foi despertada pelos missionários que integravam os povos, que visitavam os povos de norte a sul, de sul a norte e criavam a percepção, a consciência, a autoconsciência de um Brasil criança que estava começando a despertar, começando a ter consciência de si mesmo.

Por isso mesmo, o trabalho dos missionários, entre eles também Anchieta, foi um trabalho importante para que se despertasse para uma consciência de união, uma consciência de terra, que aqui tinha um sentido que não era fragmentário, mas que tinha uma unidade, uma consciência que se formava pouco a pouco.

Isso tanto mais, também no estado de São Paulo. Atuou não só na cidade de São Paulo, mas principalmente até, diria, no litoral todo de São Paulo, na Capitania de São Vicente, assim era na época. A Capitania de São Vicente abrangia todo o litoral de São Paulo praticamente e várias eram as postações missionárias ao longo de todo o litoral do estado, hoje, de São Paulo, aquela época não existia.

E também entrando para o interior, contato, portanto, com os povos indígenas aqui desse vasto sertão que se abria para além do planalto. Criou-se pouco a pouco a consciência de que isso formava uma unidade, aquilo que veio a ser pouco a pouco o que hoje é o estado de São Paulo e, claro, o imenso território do Brasil que não tinha uma consciência unitária.

Creio que a homenagem prestada a Anchieta nesse momento, após a sua canonização, uma homenagem a um santo, mas que poderia bem ser a ocasião para resgatar a homenagem a um grande brasileiro, alguém que ajudou enormemente o Brasil a ser aquilo que ele veio a ser e que algumas injustiças da história pudessem ser resgatadas, em relação a Anchieta e a outros tantos que deram a vida a esse país e, depois, de maneira truculenta, aqui foram perseguidos e expulsos quando eles na verdade, só estavam querendo o bem dos povos que aqui estavam e se opunham à exploração, à escravização daqueles que eles procuravam proteger.

Eu agradeço a oportunidade de dizer essas palavras nesse espaço do estado de São Paulo, para que elas possam também ter a sua repercussão na consciência do nosso mesmo estado.

Obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Bom, ainda o último canto do coral da Schola Cantorum, o “Sonho da Virgem”.

Quero ressaltar que o coral é regido pelo maestro Felipe Bernard.

Perdão, a última é Sei Grande Dio. O “Sonho da Virgem” foi a anterior, quero pedir desculpas.

“Sei Grande Dio”.

 

* * *

 

- É feita a apresentação da música.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - ADRIANO DIOGO - PT - Realmente muito bonito.

Nós estamos indo para a fase final, de encerramento da nossa cerimônia e a história dos jesuítas no Brasil e na América, a história de José de Anchieta, além de toda essa beleza de detalhes que Dom Odilo nos trouxe, tem que ser lembrada numa conjuntura, onde no Brasil e pela historiografia oficial, sempre foi difundido que era o período dos bandeirantes, dos conquistadores, das riquezas e, principalmente, a força expansionista dos bandeirantes era medida pela quantidade de índios aprisionados e até se media, pelos bandeirantes mais ferozes, mais agressivos, pelo número de orelhas que eram cortadas de seus prisioneiros. Uma história oficial terrível.

E acho que essa canonização, esse reconhecimento mundial pela Igreja Católica, de uma pessoa, de um missionário como José de Anchieta, repõe um capítulo da história do Brasil muito pouco contado e conhecido de nós, os brasileiros.

Essa história do genocídio indígena do povo brasileiro é uma coisa muito desconhecida da historiografia oficial. E, principalmente, a história dos jesuítas na região de fronteira dos povos das missões onde foi construída uma verdadeira civilização.

Estava ouvindo esse coral magnífico, o grau de civilidade e o grau de evolução de uma proposta que foi feita nas reduções jesuíticas. Essa é a história do povo brasileiro.

Essa iniciativa do papa Francisco, também um jesuíta, em trazer a figura de José de Anchieta, que já era tido e reconhecido como um santo, na sua canonização, repõe para o povo brasileiro uma história cuja página havia sido virada, sem que a história tivesse sido contada.

Então nesse folder, que pode até conter algumas imprecisões na história, tem uma oração final, que eu peço para que seja projetada na tela, para que juntos pudéssemos fazer a leitura, acompanhada dessa oração oficial de São José de Anchieta.

E, Dom Odilo, todos nós vamos fazer, acompanhados, essa leitura. Peço que todos em pé façamos a leitura oficial dessa oração.

“São José de Anchieta, poeta da Virgem Maria, intercede por nós hoje e sempre.

Dá-nos disponibilidade de servir a Jesus como tu o serviste, nos mais pobres e necessitados.

Protege-nos de todos os males do corpo e da alma e se for da vontade de Deus, alcança-nos a graça que agora te pedimos.

São José de Anchieta, rogai por nós!

Pai Nosso, Ave Maria, Glória”.

Esgotado o objeto da presente sessão, a Presidência agradece às autoridades, aos funcionários dos Serviços de Som, da Taquigrafia, de Atas, ao Cerimonial, à Secretaria-Geral Parlamentar, à Imprensa da Casa, à TV Legislativa, às Assessorias Policiais Civil e Militar, bem como a todos que com as suas presenças colaboraram para o êxito desta sessão.

A sessão está encerrada, muito obrigado.

Está encerrada a sessão.

 

* * *

 

- Encerra-se a sessão às 21 horas.

 

* * *