LEI N. 16, DE 13 DE NOVEMBRO DE 1891

Organiza os municipios do Estado:

O Presidente do Estado de S. Paulo:
Faço saber que o Congresso do Estado decretou e eu promulgo a lei seguinte:

CAPITULO I

Do municipio e sua divisão

Artigo 1.º - O territorio do Estado é dividido em municipios e estes contituem a base da organização do Estado.
Artigo 2.º - Cada municipio é inteiramente autonomo e independente em tudo quanto se refere á sua vida economica e administrativa, respeitadas as leis federaes e do Estado, bem como os direitos dos outros municipios.
Artigo 3.º - E' de exclusiva attribuição do Congresso a creação e divisão dos municipios.
Artigo 4.º - Ficam mantidos, com os respectivos limites actuaes, os municipios ora existentes.
Artigo 5.º - Mediante reclamações dos actuase municipios, poderá o Congresso, depois de ouvidos os municipios limitrophes, alterar-lhes as divisas, comtanto que qualquer delles não fique reduzido a menos de cincoenta kilometros e dez mil habitantes.
Artigo 6.º - O municipios que fôr creado ou augmentado com territorio desmembrado de outro será responsavel por uma quota-parte das dividas e obrigações já contrahidas pelo municipio prejudicado.
Esta respondabilidade será determinada por arbitros, nomeados pelos municipios que forem partes, devendo o laudo ter consideraderação á importancia e o rendimento do territorio desmembrado a ser dado em processo que correrá perante a primeira auctoridade judiciaria da comarca a que pertencer o municipio creado ou augmentado.

CAPITULO II

Do Poder Municipal


Artigo 7.º - O poder legislativo municipal é exercido por uma camara eleita em cada municipio. Os seus membros terão denominação de vereadores.
Artigo 8.º - O numero de vereadores de cada municipio será fixado na proporção de um para dous mil habitantes, não podendo em caso algum ser inferior a seis, nem  superior a dezoito.
§ unico - Emquanto os municipios não procederem ao recenseamento de sua população, e para as primeiras camaras que terão de ser eleitas, o numero de vereadores será de dezeseis para a capital, de doze para as cidades de Santos e Campinas, de oito para outras cidades  e de seis para as villas.
Artigo 9.º - O mandato dos vereadores durará tres annos.
Artigo 10. - As camaras terão um presidente e um vice-presidente, que ellas mesmas elegerão annualmente dentre os seus membros.
Artigo 11. - As camaras só poderão funccionar com metade e mais um dos seus membros, e suas deliberações serão tomadas por maioria dos votos presentes, devendo as votações ser adiadas no caso de empate.
Artigo 12. - Poderão as camaras, por seus regimentos internos, impôr multas aos vereadores que, sem causa justificada, faltarem a duas sessões consecutivas.
Estas multas não excederão de dez mil réis, nas cidades, e, nas villas, de cinco mil réis por falta.
Artigo 13. - Os vereadores serão substituidos em suas faltas pelos immediatos em votos, não devendo em caso algum a convocação dos substitutos ser feita para o mesmo dia em que se verificar a falta.
Artigo 14. - Os supplementes sómente serão convocados quando, em consequencia de vagas ou faltas, não houver numero necessario para as sessões das camaras, mas em caso algum a convocação será feita para a msma sessão do dia em que se verificar a falta. Aos supplentes convocados, que não comparecerem, poderá ser imposta a mesma multa que fôr decretada para os vereadores.
Artigo 15. - No caso de vaga reconhecida pela camara, o presidente officiará á auctoridade competente, afim de proceder-se á eleição.
Quando houver recurso, aguardar-se-á a decisão deste.
§ unico - No caso do paragrapho unico do artigo 32, o presidente aguardará a expiração do decendio alli marcado.
Artigo 16. - A execução das deliberações das camaras compete ao vereador que fôr annualmente eleito pelas mesmas camaras.
Nos municipios onde convier que a execução seja distribuida por secções, poderão as camaras eleger mais de um executor.
Artigo 17. - Os vereadores a que se refere o artigo antecedente, terão a denominação de intendentes.
Artigo 18. - Os intendentes executarão e farão cumprir todas as deliberações e ordens das camaras na parte que lhes tocar, e trimensalmente, ou quando lhes fôr exigido, prestarão contas de sua gestão, perante as mesmas camaras, não podendo tomar parte nas votações relativas a actos seus.
Artigo 19. - As causas em que os municipios forem partes, serão processadas e julgadas perante as jurisdicções estabelecidas em lei, e na fórma por esta prescripta.
Artigo 20. - As camaras municipios não exercerão jurisdicção alguma contenciosa.
Artigo 21. - Incumbe ás camaras municipaes, pelos meios a que se refere o artigo 61, o dever de impedir o jogo das loterias no Estado, salvo em relação ás concedidas.

CAPITULO III

Das eleições municipaes

Artigo 22. - Os vereadores serão eleitos por suffragio directo e por maioria de votos. Serão considerandos supplentes os immediatos em votos aos eleitos.
Artigo 23. - Para as eleições municipaes poderão os municipios estabelecer o processo eleitoral que melhor lhes parecer, guardadas as prescripções da Constituição do Estado, garantida a liberdade do voto e assegurada a representação das minorias.
Artigo 24. - O processo eleitoral promulgado para as eleições do Estado servirá para as primeiras eleições municipaes, bem como para todas as outras nos municipios que não decretarem lei propria.
Artigo 25. - São eleitores municipaes, e elegiveis para os respectivos cargos, os cidadãos maiores de vinte e um annos, que, inscriptos em registro especial, não estejam comprehendidos nas exclusões do artigo 59 da Constituição e tenham pelo menos um anno de residencia no municipio.
Artigo 26. - Salvo disposições em contrario, decretada pela municipalidade, a qualificação dos eleitores municipaes  será feita nas mesmas épocas, pela mesma junta e segundo o mesmo processo da qualificação dos eleitores do Estado.
Artigo 27. - São incompativeis para os cargos de eleição municipal:
1.º - As auctoridades judiciarias, militares e policiaes ;
2.º - Os funccionarios publicos e os empregados que exerçam qualquer emprego publico retribuido, ainda que a retribuição consista só em custas;
3.º - Os aposentados;
4.º - Os empregados municipaes e os engenheiros e empreiteiros de obras municipaes, emquanto estas não estiverem concluidas e liquidadas as respectivas contas;
5.º - Os directores e gerentes ou empregados retribuidos de bancos, companhias ou emprezas que tenham contractos com a munucipalidade.
Artigo 28. - Perdem o logar para que houverem sido eleitos:
1.º - Os que mudarem de domicilio, presumindo-se salvo communicação em contrario, mudado o vereador que estiver ausente mais de tres mezes;
2.º - Os que perderem os direitos politicos ou que forem condemnados por crime de moeda falsa, falsidade, furto, por qualquer contravenção, ou por qualquer crime a que estiver imposta pena maior de um anno de prisão;
3.º - Os que deixarem de exercer o logar durante dous mezes seguidos, sem licença;
4.º -  Os que acceitarem emprego ou funcção incompativel com as funcções municipaes.
Artigo 29. - Não podem servir conjuctamento como vereadores os ascendentes e descendentes, sogro e genro, irmãos e cunhados durante o cunhadio, tio e sobrinho, e os socios da mesma firma commercial.
§ unico. - Dando-se, em uma eleição, qualquer destes impedimentos, tomará posse o que tiver maior numero de votos, considerado-se nulla a eleição do outro; no caso de empate, terá preferencia o vereador mais velho.
Artigo 30. - São reelegiveis os funccionarios municipaes.
Artigo 31. - O mandado das auctoridades municipaes eleitas poderá ser revogado a qualquer tempo, mediante proposta de um terço dos eleitores municipaes e approvação de dois terços.
§ unico. - O respectivo processo será o que fôr estabelecido pela lei eleitoral do Estado, ou por lei especial dos municipios.

CAPITULO IV

Das funcções e attribuições das municipalidades

Artigo 32. - Nas suas primeiras sessões as camaras municipaes, sob a presidencia do mais velho dos vereadores eleitos, farão o reconhecimento dos seus membros, organizarão a sua mesa provisoria, decretarão o seu regimento intermo, no qual será regulada a forma do reconhecimento de seus membros, serão estabelecidas regras para a eleição do seu presidente e vice-presidente, determinada a ordem de seus trabalhos, o numero de suas sessões ordinarias e extraordinarias, e, em geral, o modo do exercicio de suas attribuições.
§ unico - O cidadão que se julgar prejudicado por não ter sido reconhecido vereador, poderá recorrer, no termo de dez dias, para o Tribunal de Justiça.
Artigo 33. - Perante as camaras, prestarão os vereadores eleitos, e os supplentes que forem convocados, o compromisso de bem desempenhar as funcções dos respectivos cargos.
Os membros das primeiras camaras prestarão o compromisso perante a ultima intendencia, ou perante o presidente della, e na falta, perante o juiz de direito da comarca.
Artigo 34. - As camaras, uma vez constituidas, exercerão livremente todas as suas attribuições e deliberarão sobre todos os negocios do municipio por meio de leis, posturas ou provimentos, nos termos da Constituição do Estado e da presente lei ou de outras que forem decretadas pelo Congresso.
Artigo 35. - Compete ás camaras decretar as despesas e os impostos locaes.
Artigo 36. - Organizarão o serviço de escripturação, arrecadação, guarda e applicação da receita.
Artigo 37. - Os orçamentos da receita e despesas das camaras serão votados annualmente em época prefixada com antecedencia pelo menos de dous mezes da data em que deverem começar a vigorar e serão publicados pela imprensa, onde a houver ou por editaes na séde dos municipios.
Artigo 38. - A receita dos municipios constituir-se-á das seguintes verbas, cuja renda será exclusivamente municipal, salvo posterior deliberação do poder legislativo do Estado:
1.º -  Do producto da alienação, aforamento e locação dos moveis e immoveis pertencentes ao dominio privado das municipalidades, ficando comprehendidas, entre estes, as terras devolutas adjacentes ás povoações de mais de mil almas em raio de circulo de seis Kilometros, a partir da praça  central. Este perimetro será demarcado á custa dos municipios em cada uma das povoações do seu territoria com especificação da área dos baldios necessarios para logradouros publicos, os quaes serão inalienaveis;
2.º - Do imposto de industrias e profissões e de imposto predial, cuja taxas, lançamentos e arrecadação poderão as municipalidades regular como fôr mais conveniente:
3.º - Dos impostos sobre os productos do municipio que não se destinarem á exportação, e sobre o café de producção do municipio, ainda que destinado á exportação, comtanto que o imposto neste caso não exceda de quarenta réis por quinze Kilogrammas: em Santos poderá ser lançado sobre o café de producção do Estado, exportado por esse municipio, um imposto não excedente de um real por Kilogramma, que será arrecadado pela mesma repartição em que se processar o despacho de exportação;
4 .º - Das imposições que forem lançadas com consignação especial aos serviços de illuminação, agua, esgotos, abertura, calçamento e reparação de ruas e praças, estradas vicinaes, pontes e viaductos, hygiene e embellezamento das povoações, bem como á policia, assistencia e instrucção publica no municipio:
5.º - Dos direitos que lançarem sobre a localização de negociantes nos mercados, ruas, praças e outros sitios do dominio publico municipal, bem como sobre os negociantes ambulantes e vehiculos de qualquer especie, que fizerem o serviço de transporte dentro das povoações;
6.º - Das licenças para inhumações e das vendas de terrenos para sepultura, nos cemiterios municipaes;
7.º - Das tarifas para os matadouros, para os alinhamentos e aferições e para os depositos de inflamaveis;
8.º - Das taxas de concessões de licença para jogos, espetaculos e divertimentos publicos de qualquer natureza nas povoações, bem como para a construcção de andaimes e armação ou coretos, e para o deposito de materiaes nas ruas e praças;
9º. - Da importancia das multas cobradas nos municipios e impostas por infracções dos regulamentos municipaes ou em processo civeis e criminaes, ou outros que pelas leis devam reverter em favor das municipalidades;

10. - Do imposto sobre casas de leilão;
11. - Do imposto sobre seguro contra fogo;
12. - Do imposto sobre casas de modas;
13. - Do imposto addicional não excedente de 5%, que poderão lançar unicamente sobre os imposto directos que por esta lei não pertencerem ao municipio. Para este effeito consideram-se impostos directos os que, lançados nominativamente, cahirem immediata e periodicamente sobre pessoas determinadas ou sua propriedade.
Este imposto será arrecadado pelas repartições fiscaes do Estado, e de outras verbas eventuaes, que lhes advierem por titulo legitimo.
Artigo 39. - Não podem as municipalidades tributar:
1.º - Os productos da importação do extrangeiro ou nacionaes, em transito ou destinados ao consumo local;
2.º - Os productos destinados á exportação, em transito ou procedentes do municipio, salva a exepção restricta estabelecida no n. 3.º do artigo antecedente;
3.º - Os generos alimenticios de primeira necessidade, de producção do municipio e destinados ao consumo de seus habitantes.
Artigo 40. - Salvo o disposto nos artigos antecedentes não poderão tambem as municipalidades crear impostos que, sob o mesmo ou differente titulo, constituirem renda do Estado.
Artigo 41. - Os orçamentos ora vigente nos municipios, sómente poderão vigorar ou ser prorogados até seis mezes depois da promulgação desta lei; findo este praso reputar-se-ão revogados os impostos não comprehendidos no artigo 38.
Artigo 42. - A cobrança destes impostos será feita segundo o regulamento geral a que se refere o decreto n. 9870 de 22 de Fevereiro de 1888 e respectivas tabellas na parte referente ao Estado de S. Paulo, prevalecendo para o exercicio de 1891 os lançamentos já feitos pelos exactores, emquanto as municipalidades, que forem definitivamente se organizando, não alterarem o citado regulamento.
Artigo 43. - As camaras municipaes publicarão trimensalmente o balancete da sua receita e despesa, e, no principio de cada anno, o balanço das contas do anno findo.
§ unico. - Cada municipio tem o direito de obter, independente de despacho, informações e certidões sobre os negocios do seu municipio.
Artigo 44. - Poderão os municipios fazer operações de credito para as necessidades dos serviços e obras municipaes, bem como contrahir emprestimos, comtando que o serviço do pagamento dos juros e da amortização a que se obrigarem annualmente não consuma mais do que a quarta parte da renda municipal.
§ unico. - Dependerão de consentimento do Congresso os  emprestimos com estabelecimentos de credito que tenham a sua séde no estrangeiro.
Artigo 45. - E' da exclusiva competencia das camaras a administração e conservação dos bens municipaes, entre os quase se comprehendem tanto os proprios municipaes como os de uso commum dos moradores.
Artigo 46. - As camaras poderão adquirir bens para o municipio, acceitar doações, heranças e deliberar sobre a respectiva applicação.
Artigo 47. - Poderão as camaras deliberar a venda, aforamento, locação e troca dos bens do municipio, sem dependencia de licença ou approvação de qualquer outro poder, precedendo sempre pregão para estes actos quando se referirem a immoveis.
Artigo 48. - As municipalidades farão por sua conta todas as obras e serviços municipaes, abrindo concorrencia publica sempre que tiverem de fazer contractos por empreitada.
Artigo 49. - Nenhum contracto poderá ser feito pelas municipalidades com os funccionarios municipaes, nem com os membros das camaras que tiverem decretado ou tido a iniciativa das obras e serviços contractados, nem com os ascendentes, descendentes, collateraes até o 2.º gráu, ou socios das auctoridades referidas.
Artigo 50. - As camaras poderão decretar desapropriações por necessidade e utilidade do municipio, nos casos e pela fórma determinada em lei.
Artigo 51. - Para a construcção de estrada dentro do municipio, ou para a execução de obras municipaes que dependem de grandes capitaes, poderão as municipalidades conceder privilegios cujo praso nunca deverá exceder de vinte annos.
Artigo 52. - Duas ou mais camaras municipaes poderão celebrar entre si convenções sobre materia de interesse commum e associar-se para qualquer emprehendimento de utilidade reciproca, dependendo, porém nestes casos, as suas resoluções de approvação do Congresso.
Artigo 53. - As municipalidades deliberarão por si:
1.º - Sobre o alinhamento, limpeza, calçamento demolição e numeração das ruas e praças, construcção, conservação e reparo de cáes, jardins publicos, muros, calçadas, pontes, fontes, chafarizes, poços, lavanderias, viaductos: e em geral sobre todos os logradouros publicos e contrucções em beneficio commum dos habitantes, ou para decoração e ornamentos das povoações:
2.º - Sobre servidões, estradas e caminhos dentro do municipio;
3.º - Sobre pesos e medidas;
4.º - Sobre matadouros, talhos e açougues, feiras e mercados, local para venda, fabricação e deposito de fogos de artificio, de polvora e de todos os generos inflammaveis ou que possam prejudicar a saúde e o socego dos habitantes e sobre a qualidade dos generos de consumo sujeitos á deterioração;
5.º - Sobre o uso de armas nas povoações, prohibindo o daquellas que julgar perigosas;
6.º - Sobre tudo que interessar á hygiene do municipio, decretando todas as medidas e providencias, que, não contrariando a lei geral do Estado, forem a bem da salubridade do logar e da saúde e o socego dos habitantes, reclamando auxilio dos poderes do Estado nos casos extraordinarios e auxiliando as competentes auctoridade sanitarias, onde as houver.
7.º - Sobre abastecimento de aguas, serviço de esgotos e illuminação publica, sem prejuizo dos direitos firmados nos logares em que estes serviços sejam feitos por contractos com o Governo do Estado;
8.º - Sobre o serviço de extincção de incendios e de irrigação das ruas;
9.º - Sobre espectaculos, divertimentos publicos e jogos;
10. - Sobre a caça e a pesca;
11. - Sobre o serviço telephonico, que comece e acabe no municipio;
12. - Sobre vehiculos e serviço de transporte;
13. - Sobre hospitaes, serviço de socorro aos indigentes e creação e manutenção de estabelecimentos que se destinem a obras pias e de caridade;
14. - Sobre cemiterios e serviços de enterro, organizando os respectivos regulamentos, em que deixarão livre a todos os cultos a pratica dos ritos religiosos, desde que não offendam á moral publica e ás leis;
15. - Sobre tudo quanto diga respeito á policia e ao bem do municipio.
Artigo 54. - As camaras municipaes promoverão no municipio o desenvolvimento das artes, das industrias e da lavoura, por meio de medidas e auxilios geraes, que não envolvam. porém, privilegios.
Artigo 55. - Poderão os municipios crear agencias e emigração e alojamentos destinados a immigrantes europeus de americanos que queriam estabelecer-se em seu territorio, contractando a sua introdução directamente e garantindo-lhes auxilio e collocação.
Artigo 56. - As municipalidades poderão tomar resoluções sobre instrucção primaria profissional, creando escolas, museus e bibliothecas, adoptando os methodos e programmas que lhes parecerem mais convenientes, contractando ou nomeando livremente os professores e fixando seus vencimentos e vantagens.
§ 1.º - Poderão auxiliar os estabelecimentos particulares de ensino existentes no municipio.
§ 2.º - Deverão por meio de commissões especiaes, visitar as escolas do Estado, para o fim de prestarem ás auctoridades competentes informações que concorram para a prosperidade e desenvolvimento dellas.
Artigo 57. - Os municipios que tiverem organizado um systema regular de ensino primario, poderão dispensar as escolas do Estado representando nesse sentido ao Congresso, que neste caso podera conceder aos municipios uma subvenção proporcional ás despesas, que o Estado faria si tivesse as suas escolas então existentes; mantida em todo o caso a fiscalização por parte do Governo.
Artigo 58. - As municipalidades organizarão, conforme os regulamentos que expedirem, sua guarda e policia municipal, dirigida por auctoridade eleita pelas mesmas camaras.
Artigo 59. - As camaras municipaes poderão periodicamente levantar estatisticas do municipio e nomeadamente o recenseamento da população e o cadastro do territorio.
Artigo 60. - E' garantido ás camaras municipaes o direito de petição e representação em sua plenitude, quer perante os poderes do Estado, quer perante os poderes da União.
Artigo 61. - As camaras municipaes poderão por infracção de suas leis e posturas comminar penas de prisão até oito dias e de multa até 50$000.
Artigo 62. - As camaras não poderão dispensar em suas leis e posturas e provimentos, emquanto estiverem em vigor, assim como não poderão remettir dividas do municipio.
Artigo 63. - As camaras municipaes exercerão nas eleições do Estado ou da União, e sobre outros ramos do serviço pubico, as attribuições que por lei lhe forem confiadas.
Artigo 64. - As camaras municipaes poderão fazer nos municipios qualquer divisão para regularidade e melhoramento dos serviços municipaes.

CAPITULO V

Dos recursos contra as deliberações e actas das municipalidades


Artigo 65. - Os eleitores municipaes, mediante proposta de um terço e approvação de dous terços, poderão annullar as deliberações das auctoridades municipaes.
Artigo 66. - Para este effeito, será aquella proposta apresentada ao presidente da mesa eleitoral da primeira secção da séde do municipio e este dentro de cinco dias, fará a convocação publicando a proposta por edital e pela imprensa onde a houver. A reunião deverá realizar-se vinte dias depois da data da convocação.
§ unico. - Si no praso de trinta dias não tiver sido publicado o edital de convocação, esta poderá ser feita na fórma indicada, directamente por cinco eleitores do municipio.
Artigo 67. - Os eleitores se reunirão em tantas assembléas quantas forem as secções eleitoraes do municipio e funccionarão nos mesmos logares designados para as eleições municipaes perante as mesmas e mesas e segundo o mesmo processo para sua organização, chamada dos eleitores, recebimento das cedulas, apuração dos votos e redacção das actas.
Artigo 68. - A chamada dos eleitores será feita pelas listas da ultima qualificação concluida, e os livros para as assignaturas dos eleitores que comparecerem e para as actas serão os mesmos das eleições municipaes.
Artigo 69. - No dia, logar e hora da reunião o presidente da mesa eleitoral declarará aberta a assembléa e porá em discussão a proposta, dando a palavra aos municipios que apresentarem auctorização escripta da decima parte ou mais dos eleitores presentes. Só poderão esses falar sobre o objecto das deliberações durante meia hora e até duas vezes; a discussão não poderá durar mais de quatro horas e findo este praso o Presidente a encerrará e em seguida mandara começar a votação.
Artigo 70. - Cada eleitor votará em uma só cedula fechada, contendo escripto o seu voto expresso com uma das palavras sim ou não, conforme a opinião de cada um sobre a annullação ou não das deliberações sobre que são chamados a pronunciar-se.
Artigo 71. - Todo este processo será concluido no mesmo dia sem interrupção; a acta será assignada por todos os eleitores que quizerem e que estiverem presentes na occasião do encerramento, e será mandada publicar no dia seguinte, sendo uma cópia della remettida ao Presidente da mesa da primeira secção eleitoral do municipio.
Artigo 72. - As auctoridades municipiaes que tiverem tomado parte nas deliberações de cuja annullação se tratar, não poderão votar, mas poderão nomear fiscaes para as differentes secções, um para cada secção, dentre os eleitores que nella tiverem de votar. Estes fiscaes poderão fazer protestos e reclamações que serão incertos nas actas.
Artigo 73. - No terceiro dia depois da votação, o presidente da primeira secção eleitoral da séde do municipio com os presidentes das demais secções, reunidos em junta e constituidos em maioria procederão a apuração final de todos as actas recebidas requisitando as que faltarem e addiando neste caso a apuração por tres dias.
§ unico. - Na falta de comparecimento dos presidentes das mesas eleitoraes, de modo que a junta apuradora não possa funccionar com a maioria delles, será esta maioria preenchida com eleitores de qualquer das secções cujo presidente não tiver comparecido, um por secção, feita esta convocação pelos presidentes e mesarios presentes, que marcarão no mesmo acto novo dia para apuração até o terceiro dia seguinte.
Artigo 74. - Os mesarios das differentes secções que, sem causa justificada, não comparecerem no dia designado para a assembléa de que trata o artigo 69, assim como aquelles que não comparecerem aos trabalhos da apuração final, incorrerão nas mesmas penas impostas pela lei eleitoral em caso semelhantes.
Artigo 75. - A acta da apuração final será no dia seguinte mandada publicar por edital e pela imprensa onde houver e uma cópia della será remettida, para os demais effeitos, aos presidente da Camara Municipal.
Artigo 76. - Por vicios substanciaes que prejudiquem a verdade do pronunciamento do eleitorado e contra as deliberações da junta apuradora, poderão as auctoridades interessadas ou os eleitores do municipio, em numero de dez, interpôr os recursos permittidos em eguaes casos para as eleições municipaes sem suspensão das deliberações tomadas nas assembléas.
§ unico. - No caso de ser annullado o processo apurador em uma ou mais secções de modo a não ficar conhecido o resultado da consulta, será convocada a nova assembléa por iniciativa da auctoridade que tiver julgado o recurso.
Artigo 77. - Logo que fôr publicado o resultado final da votação, considerar-se-ão annulladas as deliberações municipaes, sujeitas á consulta, uma vez que dous terços pelo menos do eleitorado tenham votado pela annullação. Neste caso o presidente da Camara o publicará e fará cumprir.
Artigo 78. - Si nestas assembléas não comparecerem ou não votarem pela annullação proposta pelo menos dous terços dos eleitores do municipio se reputarão, para todos os effeitos, confirmadas as deliberações da auctoridade que se tratava de annullar, e sobre ellas não se poderá provocar nova consulra dentro do praso de um anno.
Artigo 79. - Das deliberações e actos das auctoridades municipaes, haverá recurso para o Congresso nos seguintes casos:
1.º - Quando violarem a Constituição do Estado e a Constituição Federal;
2.º - Quando offenderem direitos de outros municipios e estes reclamarem por intermedio de seus representantes;
3.º - Quando fôr exorbitante das attribuições do governo municipal.
Artigo 80. - Nos casos dos numeros 1.º e 3.º do artigo antecedente, o recurso poderá ser interposto pelos vereadores discordantes ou por qualquer municipe por meio de simples requerimento ou officio devidamente instruido e dirigido directamente ao Congresso.
Artigo 81. - O Congresso sempre que fôr possivel, ouvirá as auctoridades recorridas e decidirá os recursos na mesma sessão em que forem apresentados.
Artigo 82. - No intervallo das secções legislativas, o recurso em qualquer dos casos mencionados no artigo 79, será interposto pelo Presidente do Estado, o qual poderá suspender a execução das deliberações e actos recorridos e remetterá o recurso ao Congresso, logo que este comece a funccionar.

CAPITULO VI

Disposições Geraes

Artigo 83. - As camaras, á medida que forem eleitas, reverão todas as leis, regulamentos, provimentos e posturas existentes, revogando, reformando ou modificando-as, confórme exigirem os interesses e condições peculiares do municipio e examinarão toda a escripturação e contas relativas ao periodo findo, afim de providenciarem como de direito.
Artigo 84. - Os empregos municipaes são todos de livre e exclusiva creação das municipalidades, ás quaes compete nomear, demitir ou suspender os funccionarios e empregados, promover a sua responsabilidade civel ou criminal, marcar os respectivos vencimentos e regular os casos e condições de sua aposentadoria.
Artigo 85. - A's municipalidades para cobrança de seus impostos e multas, compete o processo executivo.
Artigo 86. - Os bens municipaes não são sujeitos á execução por dividas do municipio; havendo condemnação judiciaria, poderão ser embargadas para pagamentos e penhoradas as rendas que estiverem votadas em orçamento e quaesquer prestações que tenham de ser pagas aos cofres do municipio.
Artigo 87. - Todas as leis, tabellas de impostos e quaesquer resoluções municipaes com caracter obrigatorio, serão publicados por edital na séde do municipio e pela imprensa onde houver.
Artigo 88. - As auctoridades municipaes prestarão ao Presidente do Estado e ás Camaras legislativas as informações que lhes forem pedidas, sobre quaesquer assumptos relativos ao municipio.
Artigo 89. - As deliberações e representações das Camaras Municipaes dirigidas aos outros poderes constituidos do Estado ou da União, serão assignadas por toda a Camara; os papeis do expediente basta que o sejam pelos membros da mesa.
Artigo 90. - As Camaras Municipaes terão todos os livros, indispensaveis ao expediente do serviço municipal, além dos necessarios para o registo de suas leis, posturas, regulamentos, contractos e para todos os trabalhos de caracter eleitoral do municipio, bem como para o registo da presente lei e de outras que foram publicadas e que digam respeito a assumptos municipaes.
Artigo 91. - Os vereadores em geral, todas as auctoridades, funccionarios e empregados municipaes são responsaveis civil ou criminalmente por prevaricação, abuso ou omissão no desempenho de suas funcções.
§ 1.º - A responsabilidade poderá ser promovida, ou pelo Promotor publico, ou pela propria Camara, ou pelo prejudicado ou mesmo por qualquer municipe.
§ 2.º - O processo criminal será o de responsabilidade perante a auctoridade judiciaria competente e nelle será sempre ouvido o Promotor publico.
Artigo 92. - Os municipios poderão organizar o seu governo sob fórma diversa da estabelecida na presente lei, supprimindo e substituindo as auctoridades creadas e creando outras com attribuições differentes, respeitados os principios fundamentaes e os preceitos geraes consagrados na Constituição do Estado.
Artigo 93. - Ficam revogadas as disposições em contrario.

Mando, portanto, a todas as auctoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, quer a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella se contém.
O Secretario do Estado a faça publicar, imprimir, e correr.
São Paulo, treze de Novembro de mil oitocentos e noventa e um, terceiro da Republica dos Estados Unidos do Brasil.

AMERICO BRASILIENSE DE ALMEIDA MELLO
Carlos Augusto de Freitas Villalva.

Publicado na Secretaria do Governo do Estado de São Paulo, aos treze dias do mez de Novembro de mil oitocentos e noventa e um, - João de Souza Amaral Gurgel.