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CPI Consumidor (CPI - Financeiras - 2ª) - 14ª Legislatura


23/08/2001 - Dr. MARCO ANTONIO ZANELLATO, Procurador de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor - CAO

Aos vinte e três dias do mês de agosto do ano de dois mil e um, às dez horas, no Plenário "D Pedro I" da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, realizou-se a Segunda Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída com a finalidade de apurar, com base na competência concorrente contida no artigo 24, inciso V, da Constituição Federal e nos artigos 55 e 105 do Código de Defesa do Consumidor, graves práticas abusivas contra o consumidor, cometidas no fornecimento de serviços, nos moldes do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, tais como falhas bancárias em detrimento do cliente, contratos não cumpridos, falta de segurança na utilização dos cartões de crédito (clonagem e uso indevido e irregular do número do cartão), alterações contratuais indevidas, cobranças indevidas de valores e taxas diversas, cobrança de juros abusivos, negativação indevida de consumidores nos serviços de proteção ao crédito, serviços irregulares, envio de produtos ou serviços bancários ou creditícios sem prévia solicitação, por bancos, instituições de crédito financeiro, empresas de factoring, empresas varejistas, administradoras de cartão de crédito e empresas correlatas, práticas essas, inclusive, já detectadas, discriminadas e quantificadas pela Fundação PROCON/SP no seu Cadastro de Reclamações Fundamentadas, no período do ano 2000, bem como registros existentes em associações de defesa do consumidor e órgãos públicos, como o Ministério Público, Divisão de Crimes contra a Fazenda e o Poder Judiciário, convocada e presidida pelo Senhor Deputado Claury Alves da Silva, nos termos do artigo 36, §2º da X Consolidação do Regimento Interno. Presentes os Senhores Parlamentares, membros efetivos, Deputados Aldo Demarchi, Henrique Pacheco, Salvador Khuryieh, José Carlos Stangarlini, José Augusto, Geraldo Vinholi, Rodolfo Costa e Silva. Ausentes os Senhores Deputados José Rezende, Jorge Caruso e Faria Júnior (licenciado nos termos regimentais). Havendo número regimental, o Senhor Presidente deu por abertos os trabalhos, solicitando a leitura da Ata da Reunião anterior, a qual foi dispensada e dada por aprovada. Passou em seguida a ler ofício de lavra do Senhor Deputado Aldo Demarchi, relator desta CPI. Em seguida o Senhor Presidente convidou o Excelentíssimo Senhor Dr. MARCO ANTONIO ZANELLATO, Procurador de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor - CAO, para sentar a mesa de trabalho. Com a palavra, o senhor convidado, passou a discorrer sobre o tema objeto desta CPI. Declarou que a cobrança de juros acima de 12% caracteriza usura pecuniária, de acordo com nossa legislação pátria. Esclareceu que existe um projeto, que foi elaborado pelo professor Nelson Hungria, relacionando uma série de condutas que tipificariam crime. Que apesar da simples cobrança de juros acima de 12% ser crime, de acordo com nossa legislação vigente, lei de 1965 excluiu os bancos do cumprimento, posto que entendia-se à época que os bancos não poderiam ficar "engessados". Esta também foi a lógica da não auto-aplicável Constituição Federal de 1988, em relação aos juros praticados. Realmente não é possível fixar-se o limite de 12% aos bancos, mas existe a necessidade de fixação de algum parâmetro. Na França, onde existe forte preocupação social, editou-se o Código de Consumo em 1998, que reuniu todas as leis referentes a esta matéria. Através de seu art. 303, instituiu-se que a taxa que exceda mais de um terço da taxa efetiva média praticada ao longo do trimestre anterior por estabelecimentos similares, será considerada usurária. Esta taxa é fixada pela autoridade administrativa, que acompanha os mercados. Causa espécie a lei não adotar parâmetros aqui no Brasil. O discurso de que os bancos podem cobrar, baseados no risco e despesas, é um discurso falacioso. Os bancos têm que ter parâmetros. O Judiciário tem se mostrado sensível às questões individuais a ele apresentadas. O Código de Defesa do Consumidor permite a utilização desta ferramenta. O sistema bancário brasileiro protege a empresa. O Código de Defesa do Consumidor é voltado para a proteção da pessoa. O nosso sistema pressupõe a boa-fé, o agir de forma ética. Quando alguém contrata, pressupõe a boa-fé, bem como os deveres de: lealdade, o não-abuso, o não prejuízo, e a correspondência à expectativa da parte contrária. Os contratos bancários despertam no consumidor o interesse de tomar dinheiro emprestado, ante a expectativa de que possam honrar tais contratos. As informações referentes a estes contratos devem ser mais eficientes e completas. Este anseio vem ao encontro do Código de Defesa dos Consumidores de Serviços Bancários. Esclareceu que apesar da capitalização ter sido sempre proibida no Brasil, as instituições financeiras nunca deixaram de cobrar juros capitalizados. A piorar tal situação, a Medida Provisória 1963, reeditada em 27/4/2000, que introduziu um dispositivo no art. 5º (capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano) vem na contra-mão da legislação vigente. Caso esta Medida Provisória transforme-se em lei, estará afrontando o restante da legislação pátria. Na França, a empresa condenada por usura tem que publicar na imprensa a condenação, e o juiz pode interditar a empresa. Quanto aos cartões de crédito, afirmou que as administradoras dos mesmos declaram-se como não sendo instituições financeiras. Afirmou que já existem decisões em Tribunais Superiores, estabelecendo que as administradoras de cartões de crédito não podem cobrar valores superiores a 12% ao ano (posto que não são instituições financeiras). Os cartões de crédito possuem cláusula-mandato em seus contratos, através das quais as mesmas emprestam dinheiro em nome do cliente, no mercado. Foi feito um acordo entre as administradoras de cartões de crédito e o Ministério Público de São Paulo, onde as administradoras obrigam-se a repassar somente a taxa do empréstimo ao cliente final. Entretanto estas administradoras não têm demonstrado que a taxa é repassada da mesma forma como foi tomada. As empresas não estão provando sequer se os empréstimos estão sendo realizados. Os consumidores encontram-se cada vez mais endividados, cativos, posto que não conseguem livrar-se das dívidas. Na Europa existe grande preocupação com o super-endividamento das famílias. De acordo com o Código Civil Alemão, por exemplo, o contrato, que deve ser fruto do acordo de vontades, deve também se assentar na justiça, e o lucro deve estar harmonizado com a função social. No Brasil, apesar das leis permitirem que o consumidor se defenda, elas são insuficientes. O super-endividamento atinge as pessoas, e decreta sua morte civil. Em relação aos cadastros de consulta à idoneidade financeira, declarou que a conduta de tais empresas é contra os interesses dos consumidores e que a legislação é insuficiente neste campo, se comparadas, por exemplo, às leis americanas, que são muito mais detalhadas. O envio do nome do consumidor que está discutindo judicialmente a dívida para estes cadastros é ilegal. Falta poder de coação neste caso, posto que a simples aplicação de multa ao final deste tipo de processo torna-se insuficiente. Ainda, existe o descumprimento de liminar pelos cadastros, e neste caso deveriam existir institutos como o "content of court". Ainda em relação aos abusos cometidos, existe o envio do nome do avalista junto com o nome do devedor, em caso de atraso no pagamento de empréstimo tomado em bancos. Em resposta aos Senhores Parlamentares, afirmou que existe atualmente expropriação de bens de consumidores através da cobrança de juros. Que os empresários brasileiros deste setor não levam em consideração os valores sociais. Que captar no mercado a 1, 1,5% e emprestar a 150% a.a. é inaceitável. Que a lei deve cumprir seu papel social, e quem elabora as leis e quem as aplica deve ter isto sempre em mente. Que na Europa o super-endividamento gera custos ao Estado. Na França, existe Comissão que cuida do super-endividamento das famílias, e as pessoas super-endividadas são tratadas com respeito, e não como párias. Que o Código Civil Alemão protege o direito ao crédito ao consumidor, permite que o devedor se livre do vínculo, para que este possa realizar outros negócios, ao passo em no Brasil, quem deve perde o direito à personalidade. Narrou o caso de uma mãe que o procurou no Ministério Público, devedora de três mensalidades no Colégio do filho, que se encontrava impedida de contrair um empréstimo para saldar a dívida, posto que ficara sem "seu nome" (nome lançado em cadastro de proteção ao crédito). Que no Brasil necessitamos de leis de proteção ao crédito ao consumidor. Que o fundamento da ordem econômica constitucional é a livre iniciativa, e que esta deve ter em conta valores sociais. Que a simples interpretação do Código de Defesa do Consumidor combinado com a Constituição Federal permite ao juiz expurgar os juros capitalizados. Que as pessoas que têm acesso a bons advogados têm melhores condições de se livrarem dos juros extorsivos. Que muitos devedores acabam no caminho do crime. Que empresas do setor financeiro cada vez contratam menos pessoal, e auferem maiores lucros. Declarou que o Ministério Público vê com muito bons olhos o trabalho desenvolvido por esta Comissão Parlamentar de Inquérito, exaltando a importância do acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos por este Órgão Técnico. Sugeriu que esta Comissão Parlamentar de Inquérito convide o Excelentíssimo Senhor Ministro Dr. Ruy Rosado de Aguiar. Os Senhores Parlamentares agradeceram a presença do Senhor convidado, enaltecendo a importância daquele r. Órgão no desenvolvimento dos trabalhos desta CPI. Nada mais havendo a tratar, o Senhor presidente encerrou a reunião. Eu, Denise da Trindade de Carvalho, Agente Técnico Legislativo, secretariei a reunião e lavrei a ata, que vai assinada por Sua Excelência e por mim. O completo teor dos trabalhos da Reunião foi gravado pelo Serviço de Audiofonia da Casa e, uma vez concluída a transcrição taquigráfica, passará a fazer parte integrante desta ata, para todos os fins regimentais.

Aprovada em 12/9/2001.

a) Claury Alves da Silva - Presidente

a) Denise da Trindade de Carvalho - Secretária

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