O legado tucano da Nova República

Opinião
25/04/2005 18:45

Compartilhar:


Há 20 anos o Brasil descobria que a vontade de retomar a democracia era mais forte que a inércia do autoritarismo, a ponto de sobreviver ao triste marco do falecimento do presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, mas legitimado pelo clamor das ruas. Ao mesmo tempo, iniciava-se o processo de afastamento das várias forças que haviam obtido aquela vitória, já que a principal meta da aliança havia sido atingida com a redemocratização do país. O momento da morte de Tancredo é também o instante no qual dos diferentes ramos desta aliança começam a brotar as novas forças políticas que passam a ter suas agendas próprias, ainda que a maior parte delas continue em conjunto por alguns anos.

Enquanto marco histórico a Nova República certamente deve ser celebrada como a vitória do povo e da liberdade contra o autoritarismo, do Estado de Direito contra o regime de exceção. Esta luta tem na morte de Tancredo seu momento culminante, pois demonstra que as sementes plantadas por ele eram fortes o suficiente para crescer e frutificar quando seu semeador não estava mais presente.

A luta que se inicia daí por diante é outra, travada agora no campo democrático, pelas urnas que podem ser ouvidas. É nesta luta que brota um sentido dúbio na Nova República, fruto de forças antagônicas e de diferentes visões da política. Trava-se a luta pela garantia dos direitos dos cidadãos quando a Constituinte é convocada e o então presidente diz que ela torna o Brasil ingovernável. Disputa-se também entre o peso das forças políticas que desde o início haviam lutado pela democracia e os "convertidos" à democracia tendo ainda as mãos sujas dos aplausos que haviam dado às ações da Ditadura. Uma das batalhas que simboliza esta dualidade está a que define quantos anos de mandato o presidente terá. Por todos os lados do país a disputa se expressa na diversidade de caminhos que se pretende seguir.

A culminância desta guerra na qual importa não só as idéias que se defende, mas também os métodos que se emprega para obter a vitória " como disse Gandhi, um fim jamais é superior aos meios utilizados para obtê-lo " é a fundação do PSDB em 1988. Esta separação é em grande parte o reconhecimento de que o legado de Tancredo não pode mais ser compartilhado entre forças tão distintas sem perder o seu sentido.

Fechou-se, assim, com o rompimento de setores históricos do PMDB, que deu origem ao PSDB, um ciclo iniciado quando um dos futuros integrantes da tropa tucana, Franco Montoro, lança as bases da grande articulação nacional das forças democráticas que resulta no lançamento da candidatura de Tancredo. Obtida a democracia, a grande questão que se coloca às forças vitoriosas do embate passa a ser, então, o que fazer com esta democracia.

O PSDB certamente pode se orgulhar de ter sempre lutado para que a democracia não fosse mera forma de chegar ao poder, mas um método para exercê-lo com ética, responsabilidade e preocupação social. Assim, o partido preferiu não compartilhar de um poder guiado por valores outros além destes elevados ideais e pôde assim, de cabeça erguida, assumir 10 anos depois de Tancredo a presidência da República para consolidar aquele legado. O PSDB que ajudou a semear a democracia foi, em um ato de justiça, o partido que pode colher as primeiras flores da maturidade democrática.

Contudo há uma questão que também preocupava Tancredo e que alcança, com o PSDB, a maturidade. Tancredo sabia que obtida a vitória da democracia seria preciso definir uma nova agenda, calcada não mais numa questão que a vitória das ruas tornava obsoleta, mas em uma agenda positiva na qual não bastava mais um brado ou uma palavra de ordem, eram necessários programas, propostas, ações concretas. O inimigo deixava de ser as forças do regime de exceção derrotado e passava a ser as forças do atraso, os entraves ao processo de desenvolvimento social, político e econômico do país, a estrutura arcaica do Estado brasileiro destinada a favorecer as elites, ao invés de buscar a felicidade dos cidadãos e a justiça social. É na definição desta outra agenda, até hoje ainda não suplantada, que deve ser buscada as razões da dualidade entre o bom e o mau legado da Nova República e na continuidade do PSDB enquanto legatário do projeto de Tancredo.

*Ricardo Trípoli é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa de São Paulo

alesp