O planeta pede água

OPINIÃO - Simão Pedro*
25/03/2003 17:59

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O alvorecer de 20 de março em Bagdá certamente ficará marcado como um dos mais tristes de todos os tempos. Não eram luzes que piscavam sobre a metrópole iraquiana para anunciar um novo dia. Eram clarões provocados por bombas, atiradas pelas tropas de Bush Jr. para marcar o início de uma era de incertezas. O bem-preparado esquema de divulgação montado pelo governo dos Estados Unidos mostra pela tevê um retrato da irresponsabilidade e da prepotência.

Mas essas cenas, exibidas como se fossem de outra ficção protagonizada por uma nova safra de Rambos, afetam a nós, que estamos tão distantes do local do conflito. No Fórum Social Pan-Amazônico, realizado em janeiro, em Belém do Pará, o economista egípcio Samir Amin fez uma gravíssima observação. Lembrou que Bush Jr. e seu poderoso grupo de interesses vivem em busca da dominação de fontes de energia. No caso do Iraque, disse Amin, a atração seria exercida pelos poços de petróleo. Ciente, porém, de que essas fontes vão acabar secando, o império representado pelo presidente norte-americano pode partir para uma preciosa alternativa: a água.

É bom frisar que o Brasil detém cerca de 15% da reserva mundial de água doce. Também vale a pena acentuar que, por uma estranha coincidência, orquestra-se há algum tempo no Brasil a idéia de que a água é mais uma mercadoria a ser comercializada pela iniciativa privada, e não um direito dos cidadãos.

Há, declaradamente ou não, uma campanha para convencer a população de que o fornecimento de água deve ficar nas mãos de grandes empresas. Impossível evitar o trocadilho: é insaciável a sede dos defensores dessa arma neoliberal, que é a privatização.

É preciso dar um basta à voracidade do capital. A natureza está acima da fome de lucros. Água é um bem público, cujo consumo exige consciência e educação. Obras de última hora não promovem milagres para evitar a escassez. Ao mesmo tempo em que deve fugir do conto simplista que prega a entrega do controle da água a grupos empresariais, o Estado deve atuar com firmeza na preservação das microbacias e da vegetação que as cerca.

"Água é vida", alertavam até recentemente os outdoors de uma das campanhas publicitárias promovidas pela Sabesp. Cada vez mais isso se torna evidente. Há hoje no mundo 1,2 bilhão de pessoas sem acesso a esse bem essencial à sobrevivência. A atividade agrícola, por sua vez, consome 2/3 da água de todo o planeta. Tais números nos remetem inevitavelmente ao questionamento do modelo econômico e à defesa intransigente da reforma agrária, acompanhada por modos mais inteligentes e conseqüentes de ocupação do solo.

Juntos com as telecomunicações e tantas outras fatias do patrimônio nacional, a fúria neoliberal, é bom ressaltar, apoderou-se das estâncias hidrominerais. O turismo e a procura por tratamento alternativo para vários problemas de saúde também caíram nas mãos de uns poucos privilegiados. Tudo isso merece uma revisão séria. Mas as iniciativas, felizmente, começam a florescer. A sociedade se organiza em torno do tema, realizando encontro como o Fórum Social das Águas e se agrupando em torno de comitês, como os 21 que defendem as bacias hidrográficas do Estado de São Paulo.

A água será o tema da Campanha da Fraternidade da CNBB em 2004. Agora estamos em pleno Ano Internacional da Água Doce, segundo o calendário da ONU - a mesma instituição que Bush Jr. desdenhou ao invadir o Iraque. Para um futuro breve, a Unesco prevê o surgimento de guerras motivadas pela disputa de rios entre países limítrofes. A advertência do economista egípcio citado no início deste artigo, portanto, merece reflexão. Pois, junto com tantos outros direitos sociais, o planeta pede água.

*Simão Pedro é deputado estadual pelo PT

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