NOSSA LÍNGUA BRASILEIRA II - OPINIÃO

Dorival Braga
30/03/2001 17:50

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Este é um tema polêmico ao qual poucos têm dado ouvidos, mas que foi retomado no último dia 30/3, pelo deputado federal Aldo Rebelo, do PCdoB-SP, num dos principais telejornais do país, o Bom Dia Brasil, da Rede Globo. Há alguns meses escrevi um artigo de mesmo nome que, dada a importância do tema e a clareza do título, achei por bem retomar agora que volto a tratar do assunto, reproduzindo, inclusive, parte do meu artigo anterior.

Na entrevista dada por Rebelo, ele falou sobre o Projeto de Lei 1.676, de sua autoria, que está tramitando no Congresso Nacional e que propõe a proibição, por parte dos brasileiros, do uso de termos em outras línguas na comunicação oficial, na mídia escrita, radiofônica e televisiva, na publicidade e no comércio. O projeto prevê, inclusive, multa para quem utilizar os termos estrangeiros: 1.300 a 4.000 Ufirs para pessoa física e 4.000 a 13.000 Ufirs para pessoa jurídica, ou cerca de 1.300 a 14.000 reais. De acordo com o próprio Rebelo, o PL já foi aprovado pelas comissões de Educação e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Para ser transformado em lei, um projeto precisa passar pelas comissões, ser votado em plenário e, aprovado na Câmara, seguir para o Senado onde passa pelo mesmo processo. O deputado Rebelo procurou deixar claro, na entrevista, sua convicção da aprovação e sua crença de que, através da imposição de uma lei se conseguirá manter a pureza da nossa língua, sem interferência de estrangeirismos. Segundo ele, qualquer campanha para a manutenção da nossa língua deve ter como ponto de partida a lei.

O deputado defende a manutenção da língua portuguesa, falada no Brasil. E eu pergunto: Que língua é essa, afinal?

Não sou um especialista no assunto, mas tudo me faz crer que tal projeto é totalmente descabido. Claro que palavras estrangeiras têm sido utilizadas sem nenhum critério por muitos. Mas, de um modo geral, os estrangeirismos têm sido utilizados em campos restritos, como a computação, por exemplo. De qualquer forma, como lembrou matéria publicada na revista Veja do 30 de agosto do ano passado, de João Gabriel de Lima, sob o título "O bom senso está on sale" e outra exibida no Fantástico no mês seguinte, termos estrangeiros têm sido incorporados ao nosso idioma desde que os portugueses decidiram que esta seria nossa língua oficial. Aliás, uma rápida incursão pelo idioma falado por nossos irmãos portugueses nos leva à conclusão de que esta nossa língua já é uma outra. Segundo os especialistas ouvidos pela revista, o projeto do deputado Rebelo mostra total ignorância do fenômeno lingüístico, já que um idioma evoluiria quando em contato com outros, e, como afirmou à Veja o professor John Robert Schmitz, americano naturalizado brasileiro que leciona lingüística aplicada na Universidade de Campinas, "só alguém que não entende nada do assunto pode achar que é possível bloquear esse intercâmbio".

Nossa língua portuguesa é mais brasileira que qualquer outra coisa e graças às intervenções de outras línguas e culturas se tornou essa que utilizamos no nosso dia a dia. O que seria de nosso churrasco bem brasileiro se não pudéssemos antes passar no açougue (palavra de origem árabe), convidar a galera (do italiano) para cantar um sambinha embalada ao som de um pandeiro (do espanhol), dançar arrastando a sandália (do turco), cumprimentar o sobrinho que passou no vestibular e, portanto, é calouro (do grego), comer aquela berinjela (persa) feita pela sogra, e terminar o dia tomando chá (chinês) de boldo com a esposa à luz do abajur (francês)?

Também acho que muitas expressões estrangeiras sobram no vocabulário de alguns. Mas o ridículo é de quem as usa fora de hora e de lugar.

A Argentina de Perón também já tentou brecar a entrada da língua inglesa em seus domínios, chegando a ponto de tentar fazer com que o famoso grupo norte-americano The Platers se apresentasse lá com o nome de Los Plateros, coisa que não conseguiu.

Na França já se tornou praticamente um hábito lutar contra o avanço do inglês sobre a língua de Robespierre. Lá, graças ao bairrismo e à natural bronca do francês em relação aos vizinhos ingleses, a língua tem resistido um pouco mais. Mas apenas isso.

Nosso povo merece ter sua cultura preservada não só porque a produz a cada instante, através da dança, música, artes plásticas, artesanato, em constante movimento, obedecendo à mesma dinâmica da língua, que se modifica a cada dia. Mas, principalmente, porque tem orgulho disso. O povo brasileiro se orgulha de sua cultura, sua tradição e sua história. Uma prova disso é o recorde de público alcançado pela Mostra do Redescobrimento, que deixou o Parque do Ibirapuera (tupi-guarani) para percorrer o país.

Por coincidência, logo após assistir à entrevista do deputado federal Aldo Rebelo, ouvi no rádio uma música, cantada pelo grupo Raízes de América, que fala que cada pedra e cada rua deste nosso país tem a marca dos sonhos dos imigrantes que para cá vieram. Seria impossível imaginar que a influência de todos não tivesse atingido também a nossa língua. Um país como o nosso, já tão mesclado, tem como coibir o uso de estrangeirismos sejam de que língua forem?

Acho que a preocupação do parlamentar em tentar resguardar nossa cultura é válida, mas há muitas coisas que podem ser feitas nesse sentido. Incentivar a cultura das ruas, dos bairros, das festas do interior daria muito mais resultado do que tentar infligir multas a quem resolver utilizar marketing para promover o check-up oferecido por algum plano de saúde, por exemplo, ou ainda, penalizar o viajante que, de posse do seu voucher resolve fazer o check-in antes de embarcar.

*Dorival Braga é cirurgião-dentista, deputado estadual pelo PTB e segundo secretário da Mesa da Assembléia Legislativa. Foi prefeito de Porto Ferreira por duas gestões.

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