A LÓGICA DO BOLSO

Milton Flávio*
08/08/2001 12:00

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O bolso, como sabem médicos, curandeiros e leigos em geral, é a parte mais sensível do corpo humano. E o bolso vazio costuma afetar a saúde, particularmente a mental. Não por acaso, pessoas em situação financeira difícil criticam tudo e todos, maldizem as instituições e renegam a própria democracia, ávidas por uma solução mágica que as tire da situação de penúria em que se encontram. O problema é que não há, nunca houve e jamais haverá solução mágica. Isso é tão verdadeiro quanto a velha máxima do Conselheiro Acácio, segundo a qual amanhã será outro dia.

Pesquisa divulgada no início de agosto revela o que, a rigor, a intuição há tempos nos mostra: para a maioria dos latino-americanos, a democracia não é necessariamente o melhor sistema de governo. Chama a atenção o fato de que, em relação ao ano passado, ela caiu doze pontos percentuais na preferência dos entrevistados - um universo de dezoito mil pessoas, de dezessete países do continente. Metade dos entrevistados não se oporia a um novo regime militar. Apenas para 30% dos brasileiros, a democracia é "preferível" a outros sistemas de governo. É de doer, meu caro. Mas, antes de combater os sintomas com os velhos chavões de sempre, é preciso entender as causas da recaída autoritária.

Não há dúvidas de que dois fatores contribuem para isso. Em primeiro lugar, a recessão e o baixo crescimento econômico verificado na maior parte dos países. O desemprego e os salários achatados, evidentemente, causam apreensão. Afinal, todos precisamos garantir o sustento dos nossos dependentes e o próprio. Não importa muito saber que não é só o Brasil ou a Argentina que se encontram em situação econômico-financeira difícil, que o mundo está de pernas para o ar. Em segundo lugar, a concentração de renda, a desigualdade que amplia o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres. Pior do que ter pouco, incomoda saber que, proporcionalmente, uns poucos têm demais e cada vez mais, em detrimento da maioria. De nada adianta argumentar que esse é um processo complexo, impossível de ser revertido com uma simples e mágica penada. O ronco da fome é implacável.

Acrescente-se a esses dois fatores - dificuldade econômica e desigualdade social - a impressão generalizada, embora falsa, de que a corrupção floresce nas democracias e morre nas regimes de força. Está pronto o prato da descrença, que leva muitos a sonhar com o surgimento de um salvador da pátria, venha ele fardado ou não. Por óbvio, não se vai ocupar o tempo de ninguém discorrendo sobre os horrores da ditadura, nem sobre as vantagens inquestionáveis da democracia sobre qualquer outro sistema de governo. Só os muito tolos - ou muito aflitos - disso não sabem.

O que se pretende é apenas lembrar que ganharíamos todos nós, se todos agíssemos de forma mais responsável: fazendo críticas consistentes, apresentando propostas factíveis, deixando de lado promessas simplistas, abandonando o sensacionalismo barato e o denuncismo inconseqüente, trabalhando, enfim, para que a liberdade não seja novamente sepultada. Até porque sua ausência, como já se viu, não enche barrigas, nem elimina injustiças. Só vidas.



* Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB-SP e presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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