OPINIÃO - A verdadeira liderança em João Paulo II


05/04/2005 16:21

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O sentimento de que a perda ocasionada pela morte de João Paulo II foi imensa não só para os católicos como para toda a humanidade é certamente uma constante nestes dias de luto. Há, contudo, um aspecto que parece paradoxal para a maior parte das análises feitas sobre o assunto. Certamente a figura ao mesmo tempo terna e enérgica do papa fará falta ao mundo não só pela força da sua autoridade como pela profundidade da sua mensagem.

João Paulo II ousou desafiar a noção de que "O meio é a mensagem", utilizando meios modernos de comunicação de massa para difundir, em uma linguagem igualmente atual, a tradicional mensagem católica. Um dos aspectos que mais tem motivado ressalvas da mídia e dos analistas à figura do papa é, a meu ver, justamente um de seus maiores méritos: não transigir em questões de princípios. Como pedra angular da Igreja o papa teve a coragem de ser um líder na acepção mais elevada da palavra, não se curvando às pressões, ameaças ou efêmeras tendências da opinião pública, mas sim sendo o porta-voz e o intérprete dos antigos princípios das quais a Igreja Católica é depositária.

Quando se elogia a postura radical do papa contra a guerra e em defesa dos direitos humanos e se critica a postura moral considerada conservadora que Sua Santidade defendia, não se percebe que um aspecto é indissolúvel do outro. Ao emprestar sua autoridade, prestígio e empenho na luta pela paz e na condenação das guerras, o papa não buscava "fazer média" ou criar uma imagem favorável, mas sim aplicar a mensagem de amor trazida por Cristo. Por inúmeras vezes pessoas de origens diversas foram a público elogiar o papa por alguma atitude ou pronunciamento, para algumas semanas depois criticá-lo também de forma pública. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando João Paulo II criticou a Guerra do Iraque, recebendo entusiástico apoio de alguns setores políticos, os quais dias depois o criticaram com veemência por um pronunciamento sobre aspectos morais que eles julgaram "antiquado". O papa mostrou sobretudo uma trajetória de coerência, baseada na Doutrina da Igreja. Lutou ativamente contra a perseguição religiosa, a visão materialista e a extinção da liberdade de consciência no leste europeu comunista; mas também lutou contra o materialismo consumista, o individualismo e a falta de solidariedade do capitalismo.

Buscou trazer a Igreja para os firmes trilhos da devoção espiritual, enquanto incentivou o diálogo com diversas religiões, tanto cristãs como não cristãs, reafirmando a crença em Deus. Assim, não é possível separar nas ações do papa apenas aquelas que nos agradam e descartar ou esconder aquilo que contradiz nossas impressões e opiniões. Elas formam um todo que apontam para um exemplo de conduta ao mesmo tempo católica, cristã, humanitária e também política. Política não no sentido que usualmente damos ao termo, mas no sentido do papel da verdadeira liderança que está firmemente alicerçada em fundamentos e princípios que não se movem conforme a ocasião, mas se mantém firme mesmo quando enfrentam tempestades.

Certamente cada um preferirá guardar do papa aquela parte que lhe é mais cara, mas quem desejar realmente honrar sua memória e seguir seu exemplo tem de buscar esta integridade ética e esta orientação com base em princípios, esta inspiração espiritual, capaz de enfrentar os mais terríveis inimigos sem armas, sem perder a serenidade, nem transigir nas questões que são fundamentais.

Nesta era de pesquisas de opinião pública, estamos tão acostumados com líderes cuja principal meta é agradar aos eleitores que já é difícil para nós compreendermos um líder no sentido estrito, que não defende esta ou aquela idéia porque isto agradará o público que o ouve, mas sim porque estas idéias fazem parte de um conjunto de valores éticos e morais superior. É esta inspirada ética do papa, que alguns acham equivocadamente tratar-se de "intransigência" ou "intolerância", a qual lhe garantirá um lugar tanto na história como no coração dos homens. É esta dimensão que o faz ao mesmo tempo tão valioso para os católicos quanto torna sua mensagem universal e capaz de ser compreendidas pelos homens de todas as crenças e culturas.A dissociação da ação do papa em fatias das quais se elogia aquilo que se concorda e se descarta aquilo que contradiz nossos desejos " conduta que em grande parte vem sendo a tônica das análises da imprensa " não deixa de ser uma afronta ao legado de Sua Santidade, porque este só pode ser compreendido em seu sentido mais profundo na medida que é visto na sua integridade e em conjunto com o exemplo e a conduta deixados ao mundo pelo Sumo Pontífice.

*José Carlos Stangarlini (PSDB) é advogado e Milita em órgãos ligados à Igreja Católica, como o Núcleo de Fé e Política da Renovação Carismática Católica do Estado de São Paulo e a Associação Kyrios ""Encontro com Cristo".

alesp