TIRO AO ALVO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
03/08/2001 16:01

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Eis o Brasil dos brasileiros: apesar das ausências de governo e políticas públicas, amplia-se a produtividade e a fronteira agrícola; setores de tecnologia buscam, com tenacidade, novos caminhos; trabalhadores se atualizam e fazem novas parcerias com o setor produtivo; as instituições começam a se depurar; a população demonstra a consciência de sua cidadania ao racionalizar gastos e economizar energia.

Eis o Brasil de FHC: os escândalos se multiplicam, o dólar bate recordes históricos, os juros disparam, o crescimento econômico é cerceado pelo fantasma do apagão, o desemprego é brutal, a desigualdade social se aprofunda e o déficit da nossa balança de pagamentos se agiganta. E FHC se apequena.

Ao invés de seguir seu próprio conselho e ouvir a voz rouca das ruas, resgatando os compromissos com o crescimento econômico, desenvolvimento sustentável, justiça social, rigor e ética no trato da coisa pública, o presidente e seu governo buscam minar o vetor oposicionista mais consistente. Chafurdam-se no lamaçal que construíram e tentam desqualificar a candidatura de Ciro Gomes.

Não é para menos. A candidatura de Ciro é a única capaz de gestar uma hegemonia para fazer frente ao status quo, a partir de um projeto econômico e social muito bem delineado. Trata-se de uma proposta com viabilidade eleitoral e com musculatura suficiente para garantir a governabilidade.

A candidatura de Ciro Gomes interpreta e vocaliza este Brasil, não por ouvir dizer ou pela leitura de relatórios, mas a partir de uma jornada diuturna realizada ao longo dos últimos anos e que transformou o candidato num profundo investigador e conhecedor da realidade nacional.

O Planalto sabe disso. Imobilizado pela disputa que está deteriorando a base aliada, o governo tem-se dedicado nos últimos dias a tentar escolher qual oposição quer enfrentar.

Ninguém tem coragem de afirmar explicitamente, mas nas entrelinhas o escolhido de FHC é o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.

Faz sentido. O PT continua com muitas dificuldades para lidar com suas contradições internas, além de aprofundar uma tendência isolacionista refletida na perspectiva cada vez mais real de diminuir o leque partidário de sustentação de sua candidatura. Embora o PT tenha avançado ao destacar a necessidade de manter as conquistas obtidas pelo programa de estabilidade econômica e flexibilizado o discurso em relação à inserção do Brasil no mundo globalizado, persistem sérias dúvidas da sociedade quanto à proximidade existente entre a intenção e o gesto. Essa mudança de discurso aparenta ser mais formal do que real. Afinal, ao mesmo tempo que anuncia um programa mais moderado, o partido mostra crescente dificuldade de fazer composições políticas e de ouvir os diversos setores da sociedade.

Quanto às candidaturas oposicionistas de Itamar Franco e Anthony Garotinho, o Planalto crê no desgaste natural de candidaturas noviças e que ainda não passaram por nenhum teste de sedimentação. No caso de Itamar, a aposta é na dificuldade do PMDB de lançar uma candidatura própria e de construir um programa de unidade para um futuro governo. Em relação à Garotinho, aposta-se em eventuais tropeços éticos em sua conduta administrativa.

A percepção do governo em relação à candidatura Ciro é diferente. Tem noção exata do seu potencial, sobretudo quando chegar o momento de se fazer comparações quanto à conduta ética, credibilidade e experiência administrativa dos candidatos.

Nesse campo, Ciro é soberano. Fez administrações exemplares na cidade de Fortaleza, no governo do Ceará e consta em seu curriculum uma passagem breve, porém bem sucedida, pelo Ministério da Fazenda, todas elas aprovadas tanto no aspecto ético como no da competência administrativa.

Ciente do "perigo", FHC tem instruído sua equipe econômica a alimentar escribas com o objetivo de macular a passagem de Ciro pelo Ministério da Fazenda. Inútil! Ciro assumiu a pasta com inflação acima dos 3% e na sua saída ela beirava a 0%. Em sua gestão conquistou-se um superávit fiscal da ordem de 1,7% do PIB e a taxa de desemprego esteve em 4,3% na média, a menor taxa dos últimos 30 anos. Note-se ainda que, à época, a indústria operava na sua plena capacidade e mesmo assim houve a necessidade de zerar alíquotas de importação para evitar o desabastecimento. Essa medida, foi tomada por toda a equipe econômica, incluindo-se o atual ministro Pedro Malan, então Presidente do Banco Central. Havia, no entanto, a convicção de que seriam medidas conjunturais e de emergência, que deveriam ser complementadas por reformas estruturais.

Aí, Fernando Henrique foi eleito e ao invés de tomar as medidas necessárias para sustentar a economia, capitulou diante de sua obsessão em trabalhar, desde cedo, pela reeleição. Essa negligência solapou os fundamentais da nossa economia, o que nos coloca numa situação em que uma simples gripe do sistema financeiro internacional pode se transformar numa pneumonia.

Vale lembrar, por sua relevância histórica, o artigo de Ciro Gomes "A Governabilidade e o Tempo para as Reformas" (25/1/1995), que explicita e fundamenta o afastamento político de Ciro em relação ao governo.

De qualquer forma, essa ofensiva do planalto serve para alertar a oposição em relação à 2002, num quadro sucessório que se apresenta fragmentado graças ao falecimento da hegemonia que havia sido construída em torno de FHC. Ela morreu de morte morrida e de morte matada. De morte morrida, devido às disputas internas e ao esgotamento do modelo econômico. De morte matada, graças à mobilização cidadã que anseia uma nova ordem econômica e uma proposta de desenvolvimento com inclusão social.

Sem conseguir apresentar-se como alternativa, o poder constituído tenta relegar quaisquer críticas e propostas a uma condição de factóide e aventureirismo, próprios de um período pré-eleitoral. Trata-se de uma postura que cai bem em reacionários, mas que deveria envergonhar aqueles que se autoproclamam sociais democratas.

Para evitar esse joguinho medíocre que tenta inibir a sociedade e o seu desejo de mudança, as oposições necessitam fundamentar suas propostas, fixar objetivos e constituir alianças programáticas em torno das necessidades sentidas e demonstradas pelos brasileiros, num processo maduro de construção de uma nova hegemonia, que não será obra de inspiração divina, mas que vem sendo vivenciado em diversos momentos da vida brasileira: nas eleições municipais de 2000; nas entidades não-governamentais; na reprovação ao governo FHC; nas intenções de votos aos candidatos oposicionistas; nas lutas cotidianas; no clamor popular pelo afastamento de ACM e no esgarçamento da aliança governista.

Não bastasse sua competência e trajetória absolutamente retilínea, Ciro Gomes tem cumprido o seu papel e explicitado um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Resumidamente, esse projeto defende uma inserção internacional não subordinada e contém objetivos estratégicos muito bem definidos: fazer crescer a economia; criar instituições centrais que permitam enfrentar a miséria incrementando a distribuição de renda; resgatar a soberania nacional; moralizar a vida republicana brasileira. Objetivos estratégicos que remetem a quatro grandes blocos de tarefas:

· Iniciar uma dinâmica de elevação do nível doméstico de poupança, por meio de um novo modelo tributário e de um novo modelo para financiamento da previdência;

· Redesenhar a economia política brasileira, por meio da recuperação da capacidade de coordenação estratégica entre o Estado e os empreendedores nacionais, com a introdução de mecanismos modernos de planejamento estratégico para: emular as instituições de financiamento; criar programas de assistência pública ou mista para contribuir na superação do atraso tecnológico nas cadeias produtivas indicadas como prioritárias; desenvolver políticas públicas e/ou mistas de apoio aos problemas de escala de nossa economia;

· Ampliar a participação dos salários na renda nacional e institucionalizar políticas centrais de distribuição de renda, lançando mão de instrumentos como a elevação gradual do poder de compra do salário mínimo; novo contrato social para o trabalho; reforma agrária e reforma na educação pública;

· Incrementar instituições políticas que previnam a corrupção, dêem transparência à vida pública e criem mecanismos de controle social sobre as estruturas representativas e as burocracias. Aí incluem-se instrumentos como o financiamento público das campanhas, reforma eleitoral, plebiscitos e referendos.

· Formar base política parlamentar democrática e plural que faça, no 1.º semestre de 2003, as reformas estruturais do Estado.

Quem acompanha com atenção o processo longo de amadurecimento deste projeto de Ciro para ganhar as eleições e governar, de fato, o país, não se surpreende quando o atual governo o elege como inimigo a ser retirado do páreo antes mesmo que ele comece.

Isso não deve nos afastar do caminho para a transformação do Brasil numa nação onde crescimento haverá de ser sinônimo de diminuição das desigualdades. Sabemos tratar-se de uma trilha repleta de circunstâncias, com variações imponderáveis de natureza macroeconômica e que pedem análise cotidiana. Porém, não devemos negociar princípios ou atenuar convicções para obter o poder a qualquer custo. A ação de Ciro, do PPS e de seus aliados atuais e futuros continuará sendo a de buscar a unidade das oposições e, acima de tudo, das mulheres e homens de bem que acreditam num jeito honesto de se fazer política. Só assim poderemos fazer do Brasil uma grande nação, com a consciência que de que isto não será obra de um único homem ou partido, mas da cidadania brasileira!

*Arnaldo Jardim é deputado estadual pelo PPS.

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