Guerra fiscal e o sacrifício paulista

Luiz Gonzaga Vieira *
10/10/2003 17:59

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Certamente preocupou a todos os que defendem o Estado de São Paulo as palavras do senador Aloízio Mercadante que, em entrevista recente, disse que a Reforma Tributária permitirá a construção de "um novo paradigma para o problema do desenvolvimento regional do país". Segundo ele, o texto acordado entre as lideranças do Senado "privilegiaria o desenvolvimento das regiões mais pobres".

Defendeu ainda o senador que "todo investimento que o país pode fazer tem de ser regionalizado". Propõe o parlamentar o estabelecimento de metas quantitativas de investimento para o Nordeste, Norte e Centro-Oeste, metas estas que "também deverão nortear a política de investimentos do BNDES".

A posição de destaque do Estado de São Paulo no contexto da economia nacional é algo incontestável. Mencionar o estado como a locomotiva do país tornou-se um lugar comum já há décadas. Sozinho São Paulo responde por mais de um terço do PIB.

Mas este não foi um ponto ao qual se chegou sem esforço. Não bastou a história para que São Paulo chegasse a esta posição e a mantivesse por mais de um século. Foram também necessários pesados investimentos em infra-estrutura, políticas industriais que souberam aproveitar as oportunidades e muito empenho.

São Paulo também é uma locomotiva porque tem "puxado" o restante do país, pois mantém boa parte da sua infra-estrutura funcionando com recursos próprios enquanto contribui para o desenvolvimento do restante do país. Mais alto PIB per capita e maior arrecadação per capita do país, São Paulo é, contudo, o último na listagem das despesas federais per capita.

Enquanto Brasília recebe cerca de R$ 4 mil/ano por cada cidadão em verbas federais, Roraima recebe 1.214, o Amapá recebe R$ 770, São Paulo recebe apenas R$ 139. Fica então evidente que São Paulo já dá significativa parcela de contribuição para o desenvolvimento nacional, talvez até mais do podia porque estes recursos arrecadados no estado e aplicados em outras regiões fazem muita falta, em especial em um momento de recessão e de necessidade de modernizar e investir.

A truculência na qual as unidades de federação foram jogadas à guerra fiscal pela imprevidência do governo federal certamente fará mais vítimas em São Paulo do que em qualquer outro estado. A concessão de incentivos fiscais generosos neutraliza em parte todos os investimentos em infra-estrutura, saneamento das finanças e modernização da máquina administrativa feitas por São Paulo.

Ao tomar esta atitude se premia a prodigalidade em detrimento da poupança, sinalização que sem dúvida é bastante perigosa. Ao mesmo tempo contribui para a deterioração de uma estrutura existente, porque é mais fácil a outros estados sem uma base industrial desenvolvida ceder vantagens, porque com isto se gera receita a médio prazo sem abrir mão de nada. Só os estados industrialmente desenvolvidos sofrem com isto, porque para competir nesta concorrência desleal tem de abrir mão de receita que já tem ou perdê-la por completo.

Certamente este tipo de espoliação, de política de terra arrasada não irá contribuir para o desenvolvimento de região alguma, porque estimula o desenvolvimento predatório e colocará os estados em pouco tempo numa situação de não ter recursos para atender às demandas sociais e de infra-estrutura que quaisquer transferências de indústrias irá gerar no futuro. Isto para não falar no rico mercado gerado para lobistas com as brechas da proposta de reforma tributária do governo federal.

Grande parte destes problemas se devem á sub-representação política de São Paulo. Com mais de um terço do PIB e de Um quinto da população, São Paulo tem 10% da representação na Câmara dos Deputados. Assim um governo que busque a maioria a qualquer custo terá muito mais facilidade em negociar com outras bancadas do que com a paulista.

A subrepresentação paulista torna-se ainda mais séria quando os próprios representantes do estado não colocam os interesses dos seus representados acima de diretrizes partidárias ou projetos políticos futuros. São Paulo tem poucos representantes para defendê-lo, se os que deviam defendê-lo somam-se à maioria artificial de outros estados se terá certamente uma fragilidade pela qual o estado pagará caro.

Assim as palavras vindas de um senador - cargo diretamente ligado à defesa dos interesses de cada estado no conjunto da Federação - paulista defendendo uma reforma que já está sangrando o estado antes mesmo de aprovada e postando-se como defensor dos demais estados é uma fonte de preocupação para todos que moram, trabalham, votam e, principalmente, pagam seus impostos nas terras paulistas.

*Luiz Gonzaga Vieira é deputado estadual (PSDB) e presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Assembléia Legislativa

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