Um parlamento que se anula

OPINIÃO - Emidio de Souza*
21/10/2003 19:00

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Desde 15 de março deste ano, data da posse dos atuais deputados estaduais, a maioria governista - especialmente o PSDB - não permite que nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) entre em funcionamento na Assembléia Legislativa de São Paulo, apesar de cinco poderem funcionar simultaneamente. Isso é muito ruim para a imagem do maior e mais importante parlamento estadual do Brasil, porque querem tapar o sol com a peneira para dar a impressão de que São Paulo não tem problemas para serem investigados.

Ao todo, há quase 30 pedidos de CPIs sobre os mais diversos temas e dos mais diversos partidos, inclusive do próprio partido do Governo do Estado. A bancada do PT, por exemplo, já tem seis pedidos de CPIs protocolados e outros a caminho, pois estão em fase de coleta das 32 assinaturas necessárias para solicitar oficialmente a instalação.

Há suspeitas de superfaturamento no trecho oeste do Rodoanel e, desde a legislatura passada, venho batalhando para instalar uma CPI. Sem entrar no mérito da importância da obra, não podemos aceitar que esse trecho tenha sido contratado por R$ 338 milhões e concluído por R$ 1,2 bilhão, ou seja, quatro vezes o valor inicial. Por mais relevante que seja a obra do ponto de vista econômico e social, não há nada que justifique tamanha discrepância no preço pago por todos nós. Mas o Governo do Estado e a bancada governista na Assembléia não querem nem ouvir falar do assunto.

A Febem vem ocupando cotidianamente espaços negativos na mídia nacional, seja pelas rebeliões constantes que ocorrem em suas unidades, pelas denúncias de maus tratos ou pelas mortes de um funcionário e de oito menores somente neste ano. Ao todo, foram registradas 57 rebeliões em 2003. Há pedido do deputado Antonio Mentor de CPI para investigar a falência do modelo da Febem em nosso Estado. O PSDB, no entanto, não enxerga dessa forma, ao não permitir a investigação pela Assembléia Legislativa.

Há duas solicitações de CPIs por parte do deputado Cândido Vaccarezza. Uma, para investigar o sucateamento de equipamentos, fechamento de agências, redução do quadro de funcionários e desvalorização de ações no mercado pela empresa norte-americana AES, controladora da Eletropaulo. Outra, para averiguar as relações comerciais entre a Sabesp e as concessionárias de distribuição de energia privatizadas. Os governistas de nossa Assembléia fazem de conta que esses problemas não existem.

O deputado Donisete Braga tem protocolada CPI para apurar as áreas contaminadas em nosso Estado, que já somam mais de 500, entre as quais as de Paulínia e Mauá, que tiveram repercussão internacional à época em que surgiram as denúncias. Já o deputado Ênio Tatto quer investigar o sucateamento da TV Cultura. Mas o PSDB não permite que se conheçam os culpados por essas situações nem se alguém prevaricou no exercício da função pública.

Outras assembléias legislativas do país têm CPIs funcionando a pleno vapor. No Rio de Janeiro está ocorrendo a do "Caso Silveirinha", que apura a evasão de recursos públicos para exterior em decorrência da ação de uma máfia de fiscais que atuava na Secretaria da Fazenda daquele Estado. No Paraná há a CPI do Banestado, que investiga remessa ilegal de dinheiro para o exterior. A própria Assembléia Legislativa paulista sediou, há poucos dias, sessão da CPI da Câmara Federal que apura a pirataria no Brasil.

Mas na hora de exercer uma de suas funções primordiais - investigar - nossa Assembléia Legislativa se anula como Parlamento quando se recusa a fazê-lo. Lamento profundamente essa situação na condição de 1º secretário da Mesa Diretora da Casa. Ao impedir a instalação de CPIs, a maioria governista não quer dar transparência a atos praticados pelo poder público e deixa no ar um clima de suspeição.

A recusa da maioria governista em instalar os pedidos de CPIs reforça a pecha que paira sobre a Assembléia Legislativa de que não tem autonomia, por ser mera extensão do Palácio dos Bandeirantes. Ao impedir que as CPIs comecem a funcionar, os tucanos paulistas reduzem a importância da Assembléia Legislativa no contexto de um estado democrático.

O que querem os tucanos com essa omissão, inclusive ferindo nossa Constituição, já que ela delega poderes aos deputados para investigar o governo? Esconder mazelas praticadas no seio do próprio governo ou demonstrar que está tudo bem e não há nada a ser investigado? Se for a primeira hipótese - a das mazelas - até é compreensível, mas não justificável, pois quem as pratica não quer mesmo saber de investigação. Se for a segunda, haja peneira para tapar tanto sol, porque a mídia mostra a realidade como ela é.

*Emidio de Souza é deputado estadual (PT) e 1º secretário da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

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