Senhora do engenho

Opinião
25/04/2005 16:09

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A ex-prefeita de São Paulo e pré-candidata do PT ao governo do Estado é, e sempre foi, uma senhora engenhosa. Não há como negar isso. Impulsionou sua carreira profissional, de sexóloga, participando de um programa diário na mais influente emissora de televisão do país. Muitos anos depois, já na condição de prefeita de uma das maiores metrópoles do mundo, valeu-se de um ilusionismo circense para driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Refiro-me ao "software do calote", instrumento por meio do qual deu uma bela banana aos fornecedores da prefeitura e deixou o pepino para seu sucessor.

Quem se deu ao trabalho de acompanhar o noticiário político do ano passado não ignora o quanto sua administração foi elogiada pelos próceres petistas e pelo próprio presidente da República, que por aqui andou " às custas do erário " pedindo apoio e voto à sua velha companheira de equívocos. Hoje, exceto os que faziam parte de seu núcleo de governo e alguns ex-secretários empenhados em limpar sua barra, poucos vêm a público para repetir o que não se cansavam de dizer durante a campanha eleitoral: que a administração Marta Suplicy era um "patrimônio" do jeito petista de governar.

É certo que uns e outros, até por instinto de sobrevivência política, resolveram sair do baú e exibir um sorriso meio cínico, meio tolo, após a publicação de pesquisa sobre os cem dias de gestão José Serra. Queriam o quê? Que o prefeito, sem dinheiro para pagar o custo da irresponsabilidade alheia e para fazer, de imediato, o que precisa ser feito, fosse incensado pelos cidadãos que de tudo carecem?

Nunca é demais lembrar que o projeto "Belezura" (lembram-se?) e também o que pretendia resgatar a auto-estima dos paulistanos, por meio de sessões de psicodrama, deram em nada além de boas fotos e imagens para jornais, revistas e tevês. Menos mal. Piores foram os CEUs, que criaram no imaginário das pessoas mais simples a ilusão de que há almoço de graça. Não há. Como bem sabem os milhares de alunos da rede municipal que estudam em escolas de lata. Não se nega o alcance social do bilhete único. O que se questiona, isto sim, é o improviso e a falta de transparência na sua implantação. Aliás, no quesito improvisação, a administração passada é imbatível. Quem não se recorda do CEU da Saúde, lançado em plena campanha eleitoral, com a pompa e a irresponsabilidade de sempre?

CEUs, bilhete único, projeto "Belezura" e dinâmicas de grupo, porém, são café pequeno perto do grande engenho da gestão de Marta Suplicy: a criação do "software do calote".

Dias atrás, o jornal O Estado de S. Paulo, em reportagem de página inteira, mostrou até que ponto pode chegar a desfaçatez dos muito engenhosos. Após o primeiro turno das eleições, em 13 de outubro de 2004, a equipe da prefeita resolveu criar às pressas um programa de computador " o tal "software do calote" " para livrar sua cabeça e colares da guilhotina da LRF. A partir de então, todo gasto que ultrapassasse um determinado limite não seria pago, ainda que os serviços (ou obras) tivessem sido realizados pelos credores.

Em 28 de outubro, quatro dias antes de passar o cargo para José Serra, a prefeita engenhosa cancelou R$ 578 milhões de empenhos. Ou seja: simplesmente deixou de reconhecer e de pagar despesas que ela própria autorizara. Pouco lhe importava a possibilidade de que sua medida " expressa num decreto ordinário " poderia quebrar empresas, gerar desemprego e arruinar famílias. Não haverá estranheza, se o instituto que a prefeita pretende inaugurar nos próximos dias, para difundir "suas idéias e obras", passar a comercializar o "software do calote". Para angariar fundos.

Que o presidente da República venha a público para dizer que Marta só perdeu as eleições porque "governou para os pobres", não causa estranheza. É apenas mais uma das inúmeras irrelevâncias que ele profere diariamente. Mas, num ponto ao menos, alguns líderes petistas têm razão: a administração Marta Suplicy é mesmo um patrimônio do partido.



*Milton Flávio (PSDB) é deputado estadual e professor de Medicina da Unesp

miltonflavio@al.sp.gov.br

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