Um Sopro de Liberdade

OPINIÃO - * Luiz Gonzaga Vieira
23/10/2003 16:55

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O diplomata francês Alexis de Tocqueville, ao analisar a então nascente democracia norte-americana, destacou como elemento fundamental do bom funcionamento do processo político a vida cívica das comunidades e a liberdade que existia nelas. Para ele, era nas cidades que "residia a força dos povos livres".

Disse ele: "As instituições comunais são para a liberdade aquilo que as escolas primárias são para a ciência; pois a colocam ao alcance do povo, fazendo-o usufruir do seu uso pacífico e habituar-se a servir-se dela. Sem instituições comunais uma nação até poderá ser livre, mas não terá o espírito da liberdade orientando seus passos e vigiando suas ações".

Menciono estas palavras porque certamente não há instituição que melhor represente o espírito democrático e materialize o Estado do que as Câmaras Municipais, assim como nenhum outro homem público ocupante de cargo eletivo personifica o governo de forma tão concreta como o vereador.

O governo estadual ou federal são abstrações, agrupamentos que mesmo tendo sido construídos pela história são unidades teóricas, delimitadas por fronteiras imaginárias, dirigidas por personagens distantes. Já os municípios têm uma realidade bem concreta e problemas objetivos, que podem ser visualizados concretamente em cada cidade.

E o vereador é justamente a parcela mais diretamente ligada ao cidadão. É ele o homem público que convive mais intimamente com os eleitores, que compartilha suas preocupações, anseios e necessidades, que primeiro responde às suas demandas, aquele com quem eles podem discutir a sua realidade.

Para que tenha força no Brasil justamente aquele "espírito de liberdade" do qual fala Tocqueville, é essencial a valorização dos vereadores, do político presente, do líder concreto - próximo de nossas casas e familiar às nossas aspirações.

Ao mesmo tempo em que o vereador é o elo visível entre a Sociedade Civil e o Estado, as Câmaras Municipais são as instituições que melhor personificam a democracia, não só por estarem ao alcance direto dos cidadãos, mas também porque ali o poder está distribuído entre as lideranças que brotaram da sociedade e nela mantém os mais fortes vínculos.

Ao decidir ingressar na vida pública, o vereador torna-se parte do Estado, mas conserva-se, mais do que qualquer outro ocupante de cargo eletivo, fortemente imerso na sociedade. A fronteira entre a esfera pública e a sociedade, para ele, não é uma muralha, mas um umbral pelo qual passa inúmeras vezes ao dia.

Boa parte dos cidadãos verá poucas vezes na vida um agente político com mandato, por mais ativo e presente que seja em qualquer governo, com tal dinamismo. As dimensões do país, as multiplicidades de tarefas a serem executadas e a centralização geográfica dos poderes tornam sua labuta singular e pluralista, pontual e universal. Com o vereador nos encontramos nas ruas. Deles somos vizinhos e colegas.

Só o vereador tem a capacidade de produzir em sua comunidade o "espírito de liberdade" que permite ao eleitor compreender a cidadania, não como alguma vaga palavra em um livro ou como um lugar-comum a ser repetido em um discurso, mas como a compreensão de que ao eleger um representante estabelecemos uma relação de direitos e deveres mútuos.

Esta compreensão também é necessária para superar algumas noções equivocadas que temos, uma visão de hierarquia fora de propósito, que faz com que as pessoas achem que um vereador é inferior a um deputado ou a um senador.

Os vereadores não são personagens menores da República, não são a patente mais baixa de um exército - da mesma forma que uma pedra que mantém o alicerce de uma casa não é inferior a uma telha. Ambas apenas estão em posições diferentes na estrutura do prédio, mas esta, na verdade, depende mais da pedra na sua base do que da telha em seu teto.

Assim, parabenizo os parlamentares, nas pessoas dos quais homenageio a todos estes artífices da democracia que são os vereadores. Que sempre possamos contar com seu árduo trabalho - este verdadeiro sopro do espírito da liberdade que oxigena nossa sociedade e melhora nosso país.

* Luiz Gonzaga Vieira (PSDB) é deputado estadual e cumpre seu segundo mandato junto a Assembléia Legislativa de São Paulo, onde é presidente da Comissão de Finanças e Orçamento.

Discurso realizado em sessão solene alusiva ao Dia do Vereador.

alesp