Além da fila

Opinião
06/05/2005 16:02

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O Ministério da Saúde promoverá mudanças nos critérios de escolha dos pacientes que aguardam a oportunidade de serem submetidos ao transplante de fígado. Desde 1998, o critério tem sido o cronológico. Seu objetivo é evitar o favorecimento de uns em detrimento de outros. Agora, basicamente, a gravidade de cada caso passa a ser o fator determinante.

Como toda medida que envolve vidas humanas, esta também não está infensa a críticas e objeções. Até porque, na condição de médico, compartilho da tese de que se deva sempre dar preferência aos pacientes que apresentam maiores chances de recuperação. Mas não pretendo ocupar este espaço para aprofundar essa discussão. O que eu gostaria mesmo é de chamar a atenção para um fato que me parece essencial " nossa vocação histórica para empurrar os problemas com a barriga, na crença tola de que, mais à frente, encontraremos uma forma de superá-lo, por meio do famigerado jeitinho.

A tragédia é que, a bem da verdade, o jeitinho brasileiro explica em larga medida o nosso atraso em diversos campos. No campo da saúde, como em nenhum outro, prevenir é sempre melhor que remediar. Até porque nem sempre é possível remediar o irremediável. Todos nós sabemos que a hepatite B pode provocar nos pacientes complicações hepáticas graves, inclusive câncer, e a necessidade de transplante. Ora, parte expressiva dos problemas seria evitável a partir da adoção de uma medida simples: a vacinação. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, inclusive, um projeto neste sentido está pronto para ser votado em plenário.

É evidente que sua aprovação e conseqüente implantação trariam enormes benefícios para a população de baixa renda, que não tem recursos para adquirir a vacina em clínicas privadas. Não aceito o argumento de que a vacinação em massa custa caro, que o Poder Público não dispõe de recursos etc. Essa ladainha já não comove mais ninguém. Estudos mostram que um número expressivo de idosos deixou de ser internados todos os anos por conta de complicações decorrentes da gripe e pneumonia, em função da campanha anual de vacinação. Com isso, leitos hospitalares foram liberados para outros casos, o Poder Público economizou verbas e, o que é mais importante, inúmeras vidas foram preservadas.

Buscar recursos para implantar projetos dessa ordem não implica aumento de impostos e de taxas, nada disso. Implica maior eficiência gerencial, combate incessante à sonegação e à pirataria, por exemplo. Claro que não ignoro a importância de se discutir quais os critérios que devem nortear a política de transplantes no país. Mas lamento que, na área da saúde, nós continuemos correndo atrás do prejuízo.

*Milton Flávio é médico, professor de Urologia da Unesp e deputado estadual pelo PSDB.

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