OPINIÃO: Dia Internacional da Mulher: vitórias e desafios

* Rosmary Corrêa
09/03/2004 16:35

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Muitas vezes ouço as pessoas, em especial as mulheres, afirmando que não há muita coisa a comemorar no Dia Internacional da Mulher. Não poderia de forma alguma concordar com esta afirmação: por maiores que sejam os desafios que as mulheres ainda têm de enfrentar, não se pode desprezar os inúmeros resultados que vem sendo obtidos pela luta e pelo esforço.

Não é possível dizer que não há nada a comemorar quando, há um século, em apenas dois países, Austrália e Nova Zelândia as mulheres podiam votar. Este ano fará apenas 70 anos que as mulheres brasileiras ganharam o direito ao voto. Além disto, hoje a sociedade não acha mais estranho ou inusitado que uma mulher se candidate a qualquer cargo público no país. Este é um enorme passo em termos de mudança cultural, que normalmente é lenta e gradual, pois garante à mulher que se candidate e seja julgada em função de suas qualidades e méritos, não por seu gênero.

É evidente que o número de mulheres ocupando cargos públicos é ainda pequeno. Nós mulheres ainda estamos sub-representadas em relação ao nosso peso demográfico, mas a tendência aponta claramente para uma ampliação da participação da mulher na política. Em outras palavras, o desafio de ampliar a participação da mulher na política persiste como uma importante meta, mas já se conseguiu um avanço significativo.

Também no mundo do trabalho há grandes avanços. A porcentagem das mulheres na força de trabalho já se aproxima da proporção de mulheres na população. Um número crescente já ocupa postos de chefia e direção nas empresas e a desigualdade de salários entre homens e mulheres vem decrescendo.

O trabalho feminino no começo da Revolução Industrial era sinônimo de mão de obra mais barata e mais submissa à disciplina fabril. Ainda falta muito para que a bandeira de "salário igual para trabalho igual", levantada desde o início do século passado pelos movimento de mulheres, se torne de fato uma realidade, mas certamente as pessoas já não vêem o trabalho feminino com aquela mesma perspectiva de que ele pode ser mal remunerado.

A proporção de mulheres que recebem educação formal cresce em todos os níveis, da alfabetização à universidade. Até a década de 80 no Brasil, a quantidade de mulheres analfabetas ainda era assustadoramente maior que a de homens; as mulheres com formação universitária - com exceção de algumas poucas carreiras tidas como femininas - era ínfimo. Hoje não há grande desproporção entre o número de homens e de mulheres alfabetizados e as mulheres já ocupam a maior parte das vagas do ensino superior.

Certamente estender a universalização do ensino também ao gênero feminino é ainda um desafio, em especial nas regiões mais atrasadas onde ainda imperam preconceitos e uma cultura machista e entre as populações com maior idade. Contudo para as gerações mais novas, que estão entrando nas escolas, praticamente já não existe mais uma distinção significativa de gênero na proporção das crianças que se matriculam no ensino fundamental.

Do ponto de vista institucional, o novo Código Civil consagrou no texto da lei o que a realidade social já havia conquistado, sepultando a visão arcaica que colocava a mulher como cidadão de segunda classe, mantida sob a tutela do pai ou do marido. Este reconhecimento demonstra o avanço cultural da sociedade, a despeito da sobrevivência de alguns preconceitos, mesmo que atenuados.

A persistência da violência contra a mulher - e a impunidade deste tipo de violência - é muitas vezes apontada como uma das questões que impedem as comemorações do Dia Internacional da Mulher. Ainda que embasada nos fatos, esta objeção não é totalmente adequada: a violência contra a mulher sempre existiu; se agora ela transparece, não é tanto por ter aumentado, mas sim por ter sido compreendida pela sociedade como um crime - antes vista como uma questão doméstica na qual a esfera pública não deveria "meter a colher" - ou, ao menos, como um comportamento altamente repreensível.

De outro lado, também contribuiu para a elevação das estatísticas deste tipo de crime o fato de que um número cada vez maior de mulheres se recusa a calar perante as agressões e toma medidas para sua defesa, fato que também denota um avanço nas relações de gênero. Há 50 anos ou menos a maioria das pessoas consideraria normal que um marido espancasse a esposa, hoje na maioria dos ambientes esta ação já seria considerada infame.

Por maiores que sejam os desafios que ainda se deve enfrentar, não há como não saudar esta mudança cultural como uma vitória do nosso movimento. Movimento este que já não é mais só da população feminina, mas também de uma parcela crescente da população masculina, que a cada dia vem se somando à nossa luta. Homens que compreendem que as demandas da mulher pela cidadania plena não interessam apenas a elas, mas a toda sociedade; os direitos que as mulheres reivindicam não são um privilégio, mas uma questão de justiça. Esta crescente conscientização, mesmo aquém do necessário, aponta para que em breve se consiga ter uma política de gênero mais adequada.

* Rosmary Corrêa (PSDB) ou Delegada Rose, como é conhecida, é deputada estadual e membro da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo, em 1985, instalou da primeira Delegacia de Defesa da Mulher.

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