A RELEITURA DA GANÂNCIA - OPINIÃO

Caldini Crespo*
30/08/2001 10:30

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As recentes denúncias da imprensa sobre o criativo processo deflagrado por setores da indústria de maquiar seus produtos, reduzindo as quantidades embaladas, mas preservando os preços apresentados ao consumidor, remetem-nos a um passado recente da história econômica do Brasil. Na segunda metade da década de 80, precisamente entre os anos de 1985 e 1986, os brasileiros viveram uma situação semelhante, do ponto de vista da falta de respeito ao direito do consumidor.

Ainda vivendo um período de euforia com o lançamento do Plano Cruzado, a população brasileira, castigada anos a fio com uma inflação desenfreada, que não garantia a manutenção do preço de um produto de um dia para o outro, viu-se às voltas com o congelamento total dos preços. Os salários não aumentavam, mas os preços dos produtos também não. No começo, apesar das muitas dúvidas e de um período de turbulência, houve uma espécie de mobilização da sociedade para tentar vencer o fantasma da inflação.

Meses após o seu lançamento, o Plano Cruzado começou a "fazer água". Os produtos que estavam com seu preço congelado por determinação do governo passaram a escassear nas gôndolas dos supermercados. Em seu lugar surgiam outros semelhantes, produzidos pela mesma fábrica, mas numa roupagem nova: novo nome, embalagem de outro modelo, outra cor. A principal diferença, entretanto, era o preço: sempre mais caro do que o similar desaparecido do mercado. Certamente a lembrança mais viva na cabeça das pessoas é a do completo desaparecimento da carne, principalmente a bovina, que só era encontrada no mercado negro surgido naquela época.

O final dessa sucessão de atos gananciosos de parte do empresariado, ao lado da demora do governo em fazer os ajustes necessários ao plano econômico que pretendia dar fim à escalada desenfreada dos preços, foi o recrudescimento da inflação que passou a atingir índices mensais ainda maiores do que os do período pré-plano.

Hoje, numa situação econômica diferente, onde não há congelamento ou monitoramento de preços, constatamos que alguns setores do empresariado estão fazendo uma releitura desse comportamento ganancioso. Assim como na década de 80, a imprensa tem feito o seu papel de fiscalizar e denunciar abusos.

Não basta, entretanto, que as autoridades ameacem a indústria. É preciso adotar ações punitivas concretas que atinjam a parte mais sensível do corpo do ser humano, ou seja, o bolso. À população também cabe uma reação forte e determinada de boicote às marcas e produtos maquiados. O direito dos fabricantes de alterar peso, quantidade e volume de seus produtos é tão inalienável quanto o direito dos consumidores de saberem exatamente o que, a que preço, e, principalmente, em que quantidade estão levando para casa. Será que não basta o "congelamento" dos salários e o constante aumento das tarifas públicas em índices sempre superiores aos da inflação?

*Caldini Crespo é deputado estadual pelo PFL

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