De olho no miolo da picanha

OPINIÃO - *Vaz de Lima
22/10/2003 18:04

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Com a intenção de replicar a crítica por mim feita à proposta de Reforma Tributária apresentada pelo governo federal o deputado estadual do PT Mario Reali reuniu alguns dos lugares comuns da propaganda oficial sobre o assunto, chamando o emaranhado assim composto de "debate franco, sério, responsável e baseado em números reais".

Todos os grandes nomes da economia e do direito tributário do país estão apontando para um aumento da carga tributária por conta da reforma. A própria unificação do ICMS, tão saudada pelo parlamentar petista, irá resultar, ao menos para alguns setores, em um aumento significativo de impostos, resultado inevitável da redução do número de alíquotas. Entre os itens que terão sua carga tributária ampliada estão produtos até mesmo da cesta básica, demonstrando a insensibilidade do governo às questões sociais.

Também ignora fatos públicos e notórios, como a transformação da CPMF em tributo permanente e na ampliação das alíquotas. Não menciona também a negativa de correção para a tabela de isenção do imposto de renda e a manutenção de uma alíquota de 27,5% para o IR, que seria provisória mas que o PT vai tornando também permanente.

O próprio deputado petista se contradiz ao tentar defender a proposta governamental. Diz ele que o governo anterior ampliou a carga tributária, que teria "saltado" de 27,9 para 36%. Ao mesmo tempo em que recrimina o antecessor por este número, ele o acha justo pois diz: "esse era o índice quando Lula assumiu a presidência do Brasil e a proposta de Reforma Tributária se mantém neste limite". Deixa de mencionar o deputado que desde a posse o governo Lula já aumentou a carga tributária em quase 1%, portanto.

Se a política de tributos era inadequada, conforme diz o deputado, ela deveria ter sido alterada para baixo pelo PT. Se ela é necessária, como também diz o deputado, então a crítica feita por ele ao governo anterior não faz sentido. O que é um desafio à lógica é que a mesma carga tributária seja correta quando se trata do governo do PT ou escorchante se ela foi executada pelo adversário.

Para tentar conciliar argumentos tão divergentes o deputado invoca o argumento da "herança maldita" - expressão desprovida de sentido que os petistas dispensam-se de justificar. Nove meses depois de Lula assumir parece que esta desculpa está ficando muito surrada. Será que o PT passará quatro anos tentando justificar seus erros e tropeços com base no governo anterior?

A conduta do PSDB na oposição tem sido muito diversa daquela que o PT teve no Congresso e ainda tem na Assembléia Legislativa. Muitas vezes foi a seriedade e a coerência do PSDB que impediu o governo de passar vergonha vendo suas propostas serem derrubadas, a despeito de todas as insondáveis negociações de José Dirceu com a base aliada.

Alguns dos poucos pontos positivos da reforma, por sinal, foram uma conquista do PSDB, tal como o Supersimples, que desburocratizará o pagamento de tributos para pequenas e micro empresas e dará a estes setores alguns ganhos.

O governo não discutiu de forma suficiente as reformas tributária e previdenciária nem mesmo com seu próprio partido. Para chegar a esta conclusão basta ver todas as insatisfações na própria bancada petista e a necessidade de impor uma disciplina severa e repleta de ameaças, demissões e expulsões para manter a própria bancada governista na linha.

Os debates em torno do tema com a sociedade foram poucos, senão inexistentes. A todas as críticas feitas por entidades diversas o governo respondeu de forma similar a do deputado negando aumento da carga tributária e, na expressão do presidente, tentando salvar "o miolo da picanha", ou seja, garantir a perenização da CPMF e a DRU (Desvinculação de Receita da União).

Ainda assim o deputado afirma que "um dos grandes méritos que a proposta da reforma já apresenta foi o de colocar em torno da mesa de negociações os vários atores e interesses envolvidos". Por falar em miolo da picanha, a não ser que esta mesa seja aquela na qual semanalmente o presidente faz um churrasco, fica muito difícil imaginar em quais ocasiões se deram tais negociações a que o parlamentar se refere.

Enquanto o deputado ainda sonha que cabe à "sociedade civil organizada e seus representantes construir propostas" o Congresso Nacional está em vias da votação definitiva da proposta. O forte do governo não é o diálogo, mas o monólogo, a infindável arenga de que é preciso fazer a reforma para ajudar os pobres, enquanto se distribui gordas fatias do orçamento, inclusive verbas da saúde e da educação, aos bancos e aos programas de puro marketing como o Fome Zero.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do legislativo paulista.

alesp