A atualidade de um pensamento político: D. Pedro II e as eleições

Emanuel von Lauenstein Massarani
02/10/2002 15:17

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Os estadistas do Império sabiam ser necessária, embora difícil, a abolição da escravatura e como conseqüência dar aos ex-escravos direitos de cidadão, pois tanto na França quanto na Inglaterra, países dos mais avançados na época, estavam em vigência os mesmos critérios.

À medida que se desenrolavam as etapas abolicionistas, desenrolavam-se ao mesmo tempo reformas eleitorais alargando sua base: assim foi com a proibição do Tráfico de Escravos em 1850, a Lei do Ventre Livre em 1867, a Lei dos Sexagenários em 1885 e, finalmente, a Lei Áurea em 1888.

A primeira reforma eleitoral, de 1846, criou as eleições por Distritos - chamados então de círculos - com o restabelecimento das incompatibilidades, a restituição ao Senado do direito de verificação de poderes de seus membros, os recursos de qualificação aos Tribunais de Relação - primórdios da Justiça Eleitoral - e a qualificação dos elegíveis.

A segunda reforma data de 1855 e previa um deputado por Distrito com a eleição de seus suplentes. A propósito, o embaixador e historiador João Camillo de Oliveira Torres escreveu em seu livro "A Democracia Coroada" que: "... pela 1ª vez os presidentes de províncias, os seus secretários, os comandantes de armas, os generais em chefe, os inspetores gerais da fazenda pública, as autoridades policiais, os juízes de paz, municipais e de direito eram inelegíveis dentro do âmbito de suas atividades".

Finalmente, a última reforma eleitoral sob o Império, realizada em 1881, "... além de eleição direta para deputados - antes escolhidos por Colégio Eleitoral Censitário - regulamenta as imunidades, impõe penalidades rigorosas contra as fraudes - eleitorais, alarga o voto aos naturalizados, a católicos e libertos (leia-se: escravos livres)".

Estamos às vésperas das eleições de 6 de outubro de 2002 e acreditamos ser oportuno divulgar um documento pouco conhecido da história brasileira e escrito, em 1871, por D. Pedro II, no qual revela de forma franca, clara e praticamente completa, o pensamento político do monarca que dirigiu os destinos de nossa pátria de 1840 a 1889.

Modelo de correção, isenção, justiça, moralidade e filantropia, além de reservado e silencioso por temperamento e educação, Dom Pedro II, próximo de sua primeira viagem ao exterior, resolveu escrever, entre fins de abril e 3 de maio de 1871, à sua filha Isabel, uma série de recomendações a serem observadas durante o período em que assumiria a Regência do Império.

Conservadas pacientemente pelo Príncipe D. Pedro Gastão de Orleans e Bragança, decano da Família Imperial, essas recomendações foram reunidas em 1958, sob o título "Conselhos à Regente" e publicadas pela Livraria São José, com introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres. Dentro desses conselhos, achamos oportuno reproduzir na íntegra a carta introdutória e o capítulo referente às eleições, retirados da edição fac-similar do documento que nos foi oferecido pelo próprio neto da Princesa Isabel e bisneto de D. Pedro II.

Eis o texto, às vezes rabiscado e emendado pelo próprio Segundo Imperador do Brasil:

"Minha Filha

O sentimento inteligente do dever é nosso melhor guia; porem os conselhos de seu Pae poderão aproveitar-lhe.

O systema político do Brazil funda-se na opinião nacional, que, muitas vezes, não é manifestada pela opinião que se apregoa como publica. Cumpre ao imperador estudar constantemente aquella para obedecer-lhe. Dificilimo estudo, com effeito, por causa do modo, porque se fazem as eleições; mas, enquanto estas não lhe indicão seu procedimento político, já conseguirá muito, se puder attender com firmeza ao que exponho; sobre as principais questões, mormente no ponto de vista prático.

Para ajuizar bem d´ellas, segundo os casos ocorrentes, é indispensável que o imperador, mantendo-se livre de prevenções partidárias, e portanto não considerando também como excessos as aspirações naturaes e justas dos partidos, procure ouvir, mas com discreta reserva das opiniões próprias, às pessoas honestas e mais intelligentes de todos os partidos; e informar-se cabalmente de tudo o que se disser na imprensa de todo o Brazil, e na Camaras legislativas d´Assemblea - geral e provinciaes. Não é prudente provocar qualquer outro meio de informação, e cumpre aceital-o cautelosamente.

ELEIÇÕES

Instão alguns pelas directas, com maior ou menor franqueza; porem nada há mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá fazer essa mudança do systema das eleições, embora conservem os eleitores indirectos a par dos directos. Nada há comtudo immutavel entre os homens, e a constituição previu sabiamente a possilidade da reforma de algumas de suas disposições.

Alem d´isto sem bastante educação popular não haverá eleições como todos, e sobretudo o imperador, primeiro interessado em que ella seja legitimamente representada, devemos querer, e não convem arriscar uma reforma, para assim dizer definitiva, como a das eleições directas, à influencia tão deleteria da falta de sufficiente educação popular.

Por ora, não será mais preciso do que reformar as leis, de que tanto se tem abusado, por causa das eleições: a judiciaria, no sentido de distinguir a acção dos juizes da das autoridades policiaes, de abolir a prisão preventiva, isto é, antes da sentença do juiz, ou, ao menos diminuir o mais possível, sem prejuízo da punição dos crimes, os casos d´essa prisão, e duração d´ella, assegurando o castigo de quem tiver abusado; a da Guarda-nacional, estatuindo que esta só possa ser chamado a serviço em casos extraordinarios marcados na lei e por acto do poder legislativo, quando estejão abertas as Camaras, e na ausencia d´estas, por decreto do governo, que deverá ser sujeito à approvação daquellas, logo que estiverem abertas; a do recrutamento, conforme o systema do projecto, que se discute nas Camaras, e a eleitoral, não admitindo alteração da qualificação senão por sentença do juiz; estabelecendo garantias contra os falsos votantes e meios de sua efficaz punição, e regulando a votação de modo a que o partido em minoria nunca deixe de ter representantes na Camara dos Deputados.

Collocarei assim as reforma na ordem da conveniente precedencia de discussão: 1º Judiciaria, que já está no Senado, onde se melhorará; da Guarda-nacional; eleitoral visto que as proximas eleições só se farão em Novembro de 1872, e do recrutamento, que pode por uma lei ser suspenso, por maior prazo, antes e depois das proximas eleições.

A escolha de presidentes, que não sejão representantes da Nação, e não vão administrar as Provincias por pouco tempo, e para fins eleitoraes, assim como, pelo menos, a prompta demissão e privação, por algum tempo, de graças e favores para qualquer autoridade, que influir, valendo-se unicamente do prestigio de seu cargo, em favor de candidatos eleitoraes, também tem sido recomendação minha".

Obs.: Afim de facilitar a leitura introduzimos no texto de Dom Pedro II parágrafos inexistentes no original (EVLM)

Dom Pedro II

(1825-1891)

Nasce no palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, e é batizado como Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bebiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga.

Sétimo filho de Dom Pedro I e da imperatriz Leopoldina, herda o direito ao trono com a morte de seus irmãos mais velhos Miguel e João Carlos. Tem 5 anos quando o pai abdica. Fica no Brasil sob tutela de José Bonifácio de Andrada e Silva e, depois, do marquês de Itanhaém. É sagrado imperador aos 15 anos, em 18 de julho de 1841, um ano depois de ser declarado maior e começar a reinar.

Em 30 de maio de 1843 casa-se com a princesa napolitana Teresa Cristina Maria de Bourbon, filha de Francisco I, do Reino das Duas Sicílias. Tem quatro filhos, mas só dois sobrevivem: as princesas Isabel e Leopoldina.

No início de seu governo faz viagens diplomáticas às províncias mais conflituadas. Culto, protege artistas e escritores e mantém correspondência com cientistas de várias partes do mundo. Entre 1871 e 1887 faz três viagens ao exterior - sempre pagando suas próprias despesas -, e procura trazer para o Brasil várias inovações tecnológicas.

Com a proclamação da República, deixa o país e vai com a família para Portugal, em 17 de novembro de 1889. Dois anos depois, em 5 de dezembro, morre de pneumonia em Paris, aos 66 anos.

alesp