Um conceito equivocado de pobreza

OPINIÃO - Vaz de Lima *
21/10/2003 18:15

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Enxergar o mundo através de uma ideologia significa ver dele apenas aquilo que interessa. A função da realidade passa a ser, então, a de confirmar nossos conceitos e preconceitos, ao invés de demonstrar os problemas concretos a serem resolvidos. O PT consegue ser particularmente maniqueísta ao lidar com a realidade, dividindo o país entre "ricos" e "pobres".

A si próprios, é claro, guardam o papel de salvadores dos pobres e, assim, todas as suas ações já são, a princípio, legítimas. Quem as contesta está evidentemente no campo contrário, na defesa dos "ricos". Nem sequer importa muito se o conceito de riqueza ou pobreza é adequado, porque sua função não é ser um argumento ou um critério, é muito mais um forte apelo emocional a ser invocado para combater a razão - coisa de "rico".

Os pobres, o povo, os famintos e outros termos de forte apelo emocional estão ali apenas como anteparo à arbitrariedade do poder. Como a intenção não é esclarecer, mas confundir, então qualquer definição é válida.

A questão da reforma tributária oferece ótimo exemplo de como o conceito é torcido e distorcido para caber nas conveniências governamentais.A acirrada guerra fiscal e as punições planejadas para São Paulo são feitas em nome da diminuição das desigualdades regionais, na proteção e desenvolvimento dos estados mais pobres.

Todo o raciocínio aqui é falacioso, mas esclarece bastante ao leitor sobre o conceito de "riqueza" do PT. São Paulo é rico, sim, outros estados são mais pobres que ele em termos de desenvolvimento social, econômico e humano. Porém a riqueza de São Paulo não é uma dádiva, é fruto de um processo histórico e de políticas de desenvolvimento. Se hoje as finanças de São Paulo estão saneadas e o estado tem força é porque o povo paulista escolheu administradores que optaram por fortalecer o estado.

A força e a riqueza de São Paulo não vieram de alguma benesse na distribuição de verbas federais. Pelo contrário, São Paulo suporta, em nome da unidade e do pacto federativo, as sucessivas e crescentes sangrias da sua receita aqui arrecadada e transferida para outras unidades da federação.

Menos de 10% do que é aqui arrecadado em tributos federais retorna para o estado. Assim São Paulo não é o "rico" egoísta e aristocrático que quer preservar seus privilégios, tanto como o cidadão de classe média para cima também não é este monstro de crueldade que o PT pinta ao defender suas arbitrariedades. Caso, por exemplo, da justificativa petista ao arrocho fiscal praticado pela administração municipal de São Paulo, que em nome da justiça social pratica uma derrama contra a classe média para torrar milhões em propaganda e projetos faraônicos.

A segunda inconsistência com a qual o PT justifica sua injustiça tributária, assim como outras coisas, como a pequena participação paulista nos programas sociais do Governo Federal desde a posse de Lula, é a confusão entre estado rico e cidadãos ricos. O fato do PIB de São Paulo ser alto tem pouca relação com o fato das pessoas também o serem e portanto não precisarem da rede de proteção social do governo.

Há mais miséria na periferia de São Paulo do que na já legendária Guaribas adotada pelo PT como paradigma da pobreza. O Governo de São Paulo tem mantido seus próprios programas de promoção social, seus investimentos em saúde e educação, mas a responsabilidade social do Governo paulista não isenta o Governo Federal de também se preocupar com o problema.

Curioso que nesta visão equivocada da realidade, que confunde estado rico com população rica, o PT não cometa o mesmo equívoco em relação ao município de São Paulo, administrado pelo mesmo PT. Fazendo justiça neste caso, São Paulo receberá um volume de investimentos à altura da sua posição demográfica, econômica e social no contexto do país, mas até o acerto é gerado pelo motivo errado, estando mais relacionado com o fato da prefeitura ser petista do que com as reais necessidades dos paulistanos.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa de São Paulo e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do legislativo paulista.

alesp