O JOVEM DA VIRADA DO MILÊNIO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
04/08/2000 09:58

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Às vezes me pego a pensar nessa juventude da virada do século.

Quem são seus ídolos? Quais são suas causas? Em que utopias acreditam? São anarquistas, capitalistas, socialistas, comunistas ou apenas consumistas? Acreditam em quê? Quais são seus sonhos? Quais os livros que lêem? Quais as músicas que ouvem? Riem de quê? Falam de quê? Choram por quem e por quê?

Quando faço essas perguntas, inevitavelmente volto no tempo e entabulo respostas que estão vivas num canto da memória.

Beatles, Caetano, Chico, Rolling Stones, Gil, Sartre, Gramsci, Rita Lee, Mutantes, Novos Baianos, Glauber Rocha, Godard, Antonioni, Vinicius, Drummond, Tom Jobim, "Movimento", "Em Tempo", "Pasquim", Henfil, João Bosco, Aldir Blanc, Gonzaguinha, Gonzagão, Jane Fonda, Joan Baez, Alceu Valença, Moraes Moreira, Edu Lobo, Nara Leão, Tuca, viaduto do Chá, PUC, Dr. Arnaldo, USP, Anhangabaú, Paulistano da Glória, 1... 2... Feijão com Arroz, cachaça, cerveja, violão, assembléias, sonhos e muita, mas muita esperança no coração.

Em vez da impressora, mimeógrafo. Não ouvíamos CD, mas vinil. Não tínhamos computador, mas a Lettera 32 era nossa inseparável companheira. Não havia Internet nem chat de bate-papo, mas como era gostoso conversar em torno de uma mesa de bar. Andávamos pela noite, dançávamos chorinho no IAB, comíamos pizza no Degas ou bisteca no Sujinho. Corríamos riscos. Discutíamos política. Lutávamos por democracia. Éramos felizes. A gente ria, chorava e se apaixonava. Tínhamos pouco dinheiro, mas muito entusiasmo e imaginação.

Hoje, a noite é um sobressalto. Vivemos num país livre, mas nossos filhos são prisioneiros da própria insegurança. Seus ídolos não são seus. Suas causas (que causas?) não oferecem perigo nenhum.

O shopping center é o hábitat preferido dessa juventude que nasceu depois que o muro caiu e que a cortina foi descerrada. Juventude da Internet, do ICQ e da risada digitada.

Epa! Espere um pouco. Estou lembrando de um tempo em que eu ouvia coisa muito parecida. Diziam: "Essa juventude está perdida, não quer saber de nada. Só pensa em protestar, deixar o cabelo comprido, andar de jeans e bolsa de couro e falar mal do governo do País". E aí eu me lembro da voz da Elis cantando: "Minha dor é perceber que apesar de tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais....".

Não! Não vou terminar esta reflexão assim. Recuso-me a aceitar o determinismo.

Nós temos uma diferença em relação a nossos pais. Vivemos num tempo diferente e é por isso que podemos entender que a juventude de hoje é também parte de outro universo, com outras lutas, outras causas, outros propósitos. Talvez não tão explícitas quanto nossas causas, mas prontas a aflorar do jeito deles, nas madrugadas do ICQ e nas home-pages da Web.

O fato é que não há juventude perdida. O que muda é o jeito de ela se encontrar.

*Arnaldo Jardim é deputado e presidente estadual do PPS e relator geral do Fórum São Paulo Século XXI; engenheiro, foi secretário de Estado da Habitação em 1993.

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