Um Brasil sem racismo é possível

OPINIÃO - Maria Lúcia Prandi *
19/11/2002 19:09

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A questão racial no Brasil ainda é uma chaga aberta. Existe em nosso país um enorme abismo entre as parcelas negra, que é de aproximadamente 72 milhões de pessoas, e branca da população brasileira. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), critério adotado pela ONU para medir a qualidade de vida das nações, aponta o Brasil como um país dividido.

Enquanto a população branca isoladamente estaria classificada na 49ª posição entre os países do mundo, a população afrodescendente tem um IDH equivalente à 108ª colocação nesse ranking. Esta brutal diferença aponta a premente necessidade de ações governamentais para impulsionar políticas compensatórias afirmativas, capazes de apontar para a eliminação do fosso racial e social ainda existente.

Ao contrário das políticas antidiscriminação de caráter punitivo, como a Lei Federal de Combate ao Racismo, que são aplicadas para penalizar quem comete o ato discriminatório, as ações afirmativas visam prevenir esta prática. Estas ações afirmativas passam pela adoção de cotas, mas vão muito além. Passam, por exemplo, pela educação, com a revisão dos livros didáticos, que devem valorizar o papel do negro na formação de nosso país; e pela transmissão de uma imagem positiva dos afrodescendentes por meio da publicidade e dos meios de comunicação.

É raro vermos nas novelas, consideradas símbolo da excelência da televisão brasileira, negros em papel de destaque, com sucesso profissional e boa qualidade de vida. Normalmente, os atores negros ficam condicionados a papéis de escravos, empregados domésticos e delinqüentes. Ao mesmo tempo que contribui para manter uma imagem estigmatizada do negro, esta prática também limita o mercado de trabalho desse grupo de atores.

Em minha atuação política, tenho lutado e proposto ações afirmativas para desencadear mudanças. Como secretária de Educação de Santos, entre 1989 e 1992, criei o programa Capoeira nas Escolas, que oferecia uma prática esportiva e difundia a cultura negra. Como vereadora e primeira mulher a presidir a Câmara Municipal de Santos, transformei em lei a criação do Conselho da Comunidade Negra e resgatei a importância do Dia de Quintino de Lacerda, em 13 de maio.

Na Assembléia Legislativa, defendo a instalação, na Baixada Santista, de uma delegacia especializada no combate à discriminação racial. Sou também autora do Projeto de Lei 631/97, que obriga o governo estadual a apresentar etnias distintas nas publicidades oficiais, já que é notório que o mercado publicitário tende a privilegiar a participação de brancos. Em outra proposta, reivindico que os currículos dos cursos de magistério da rede pública estadual contenham temática específica referente ao preconceito racial. Nada mais eficiente e eficaz que a prática educacional para combater a perpetuação do racismo.

Nos motiva muito saber que, por onde passou durante a campanha eleitoral vitoriosa, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva afirmou e reafirmou que será impossível construirmos uma nação verdadeiramente democrática e justa se não resgatarmos a imensa dívida social, que há 500 anos faz da população negra vítima estrutural da violência, do racismo e da injustiça.

O compromisso assumido por Lula, de trabalhar arduamente para reparar as desigualdades raciais e sociais, vem ao encontro dos anseios e das lutas do movimento negro e de outras parcelas da sociedade que, sensíveis à questão, não aceitam mais essa perversa realidade.

Não pode haver neutralidade quando o assunto é o racismo. Dizer-se neutro é trabalhar a favor da manutenção da desigualdade racial. Nossa luta é por uma sociedade sem qualquer discriminação. Por uma sociedade justa, onde todos tenham as mesmas oportunidades. Somos todos chamados a construirmos uma nova nação. Um Brasil sem racismo é possível!

Maria Lúcia Prandi é deputada estadual pelo PT e presidente da Comissão Permanente de Educação da Assembléia Legislativa.

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