Defender o interesse público

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
15/05/2003 17:00

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A fiscalização dos serviços públicos tornou-se uma das primeiras vítimas do descompasso entre o governo Federal e as agências reguladoras. E o consumidor foi pego desprevenido nesse tiroteio. Outro desdobramento dessa briga é o risco de afugentar os investimentos em infra-estrutura. Só no caso do setor elétrico, isso pode representar R$ 115 milhões a menos ao ano, caso os acionistas das empresas de energia sintam-se ameaçados pelas mudanças nas regras do jogo.

Durante um debate público em que estive presente, realizado no início deste mês na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com a participação de representantes de agências reguladoras, empresários e políticos, o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), José Mário Abdo, trouxe uma informação inquietante: as verbas da agência sofreram corte de quase 50% pelo governo Lula. Assim, os R$ 200 milhões previstos para a fiscalização das concessionárias de energia elétrica para este ano encolheram para R$ 110 milhões, comprometendo a qualidade do serviço prestado pela agência.

A fiscalização - uma das principais atribuições das agências reguladoras - precisa de estrutura para ser bem realizada. Nada apresenta risco maior de disseminar a ineficiência e ineficácia e até corrupção na administração pública que fiscais mal preparados e mal pagos. Tal fragilidade torna-se um verdadeiro buraco negro quando se tratam de serviços considerados estratégicos para o desenvolvimento do país, como é o caso do fornecimento de energia e de telefonia.

O governo tem colocado na conta das agências a responsabilidade pelo aumento das tarifas de serviços essenciais acima da taxa de inflação, que penaliza o consumidor. Dessa forma, os ministérios das Minas e Energia e das Comunicações têm solapado suas agências, a Aneel e a Anatel, em sua espinha dorsal: a autonomia, que garante a independência das agências em relação a pressões políticas e econômicas. É a autonomia que traz transparência, fundamental para a boa governança.

Isso não significa que as agências sejam perfeitas, longe disso. Há muito o que melhorar, a começar por sua estrutura jurídica, que precisa ser mais uniforme. Também é preciso qualificar seus quadros técnicos, para que sejam bem remunerados. E, acima de tudo, garantir sua total autonomia, para que fiquem livres das tais pressões que fizeram a festa do clientelismo de tempos passados.

Destacando este aspecto da autonomia financeira, não quero descartar a autonomia gerencial (com quadros funcionais adequados); autonomia tecnológica (com atualização sistemática do conhecimento do quadro técnico) e autonomia política (com a preservação de mandatos, independência política, quarentena etc.), que são indispensáveis.

Mais do que nunca, o Brasil precisa de infra-estrutura, não só para escoar as riquezas que produz, fruto de sua eficiência na produção, mas para garantir o crescimento da economia e o bem-estar da população.

No entanto, ao minar a autonomia das agências, o governo acaba por descartar um instrumento poderoso para o nosso desenvolvimento. Tanto pior para o Brasil. Afinal, quem tem coragem de investir na infra-estrutura se o País não tem marcos reguladores confiáveis? Se as regras do jogo podem mudar a qualquer hora? Pior: que confiança o cidadão pode ter de que o dinheiro de seus impostos será revertido em seu benefício e em favor do País?

As agências reguladoras são, na verdade, a pedra de toque da transparência administrativa, tão necessária para que a noção de cidadania saia dos discursos e entre na vida de cada brasileiro.

* Arnaldo Jardim é deputado Estadual, engenheiro civil e representante da Assembléia Legislativa no conselho consultivo da Agência Reguladora dos Transportes de SP - Artesp.

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