Opinião - Violência torna os cidadãos prisioneiros de seus próprios lares


18/02/2011 18:40

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Estudos recentes formulados pelo IBGE sobre violência apontam que grande parte dos lares brasileiros, cerca de 35,7%, possui grade em portas ou janelas.

Essa pesquisa demonstra uma triste face da realidade social: os brasileiros estão se tornando prisioneiros em seus próprios lares. Temerosos e acuados, abandonaram os espaços públicos e passaram a construir verdadeiras "fortalezas" visando à sua proteção pessoal.

É o individualismo assumindo a sua forma mais sombria, pois traz a ideia de que o cidadão necessita viver isolado, desconectado do restante da sociedade, como se dela não participasse, com deletérios efeitos para a democracia, porquanto afasta o indivíduo dos espaços públicos, da convivência coletiva e do verdadeiro sentido do bem-estar social.

Como então romper esse paradigma? A mera adoção de medidas emergenciais, como a promulgação de leis mais severas, isoladamente, não possui o condão de trazer a tão sonhada sensação de segurança, emergindo a necessidade de o cidadão sair do refúgio de seus lares e se convolar em artífice dos processos de transformação social.

As bases comunitárias e os Consegs são os maiores exemplos disso. A experiência do fortalecimento dos laços comunitários e da solidariedade entre os homens na resolução de conflitos demonstra a importância da comunidade na solução de suas necessidades e anseios, cabendo ao Estado agir como instrumento para agregar as forças vivas da sociedade. Não se trata de aguardar passivamente o resultado, mas de interferir nas diversas causas que o produz. Tal experimento em São Paulo reduziu o índice de homicídios no Estado: de 12.475 ocorrências, no ano de 2001, para 4.564, em 2009 (cf. informação da SSP-SP).

Ações estatais implementadas conjuntamente com a coletividade, movimentos sociais, ONGs etc. são a chave para esse novo desafio com que se depara a sociedade moderna e constituem a diretriz que deve pautar toda a atuação estatal, sem a qual não se estabelece um compromisso efetivo entre os agentes públicos e cidadãos na adoção de medidas que visem à prevenção do crime.

Postula-se, portanto, a participação ativa do cidadão, o dever de cooperação de todos na formulação de políticas públicas, pois somente essa solidariedade será capaz de reduzir a sensação de insegurança instalada no seio social e coibir a tendência isolacionista que, longe de garantir segurança, só contribui para disseminar a desarmonia, gênese da violência.

Nesse contexto, em contraponto ao florescimento da "indústria do medo", focada na segurança privada, alerta o sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra Tempos Líquidos, que o Estado necessita revigorar os vínculos humanos e a solidariedade social, deixando de encorajar os cidadãos à sobrevivência individual nessa sociedade de riscos, "ao estilo "cada um por si e Deus por todos" " num mundo incuravelmente fragmentado e atomizado, e, portanto, cada vez mais incerto e imprevisível".



*Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado e deputado estadual pelo PSDB. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas. Autor de várias obras jurídicas.

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