Crônica de uma morte anunciada

OPINIÃO - Pedro Tobias*
13/11/2003 19:10

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Na semana passada o ministro Ricardo Berzoini decretou que os beneficiários da Previdência Social com mais de 90 anos haviam morrido todos de uma vez, salvo prova em contrário. A decisão apenas segue o padrão burocrático adotado pelo ministério, o mesmo padrão que obriga dezenas de milhares de aposentados a entrar com processos para requerer seus direitos de revisão do valor das aposentadorias já reconhecidos pela Justiça quando bastava uma consulta do próprio Ministério aos seus bancos de dados para verificar quem seriam os beneficiados.

Nos dois casos conta-se com a falta de informação, dificuldade de locomoção, dificuldade de reunir a documentação, enfim todos estes entraves que a inércia burocrática coloca a seu serviço, para gerar um superávit de caixa, mesmo que isto implique imenso sacrifício para as vítimas.

Ainda que muito tenha sido dito sobre o assunto, em especial sobre a humilhação dos idosos nos últimos dias, que incluiu até um pedido de desculpas feito na marra e de má vontade pelo próprio Berzoini, é preciso lembrar que o governo manteve a sua posição. Adiou-se o bloqueio dos pagamentos das aposentadorias para maiores de 90 anos, manteve-se a obrigatoriedade de comparecer a um posto para se recadastrar. Em outras palavras, apenas se está fazendo agora a prazo e fora das vistas do público e da imprensa o que se tentou fazer em poucos dias, mas o efeito sobre as vítimas é o mesmo. A única diferença entre o holocausto coletivo dos idosos e o extermínio gradual nas teias da burocracia é que o segundo se fará longe das câmaras de TV.

O aspecto mais cruel desta forma de fazer as coisas é que as maiores vítimas são os mais simples, os mais necessitados, os mais dependentes. Os fraudadores da previdência têm carro com motorista, bancas caras de advocacia, assistentes para preencher formulários e quem sabe até uma certa boa vontade da máquina burocrática. Para estes fraudadores é até simples provar que alguém morto está vivo e vice-versa porque a prova que se requer é produzida com papel e esta é a especialidade deles.

Conta-se aqui com o não-exercício da cidadania para privar os aposentados e pensionistas dos seus direitos, tanto em um caso como em outro. Tem-se a impressão que o governo gastou a sua cota de cidadania nos discursos, não sobrou nem um pouco para colocar na prática, mesmo quando ela diz respeito a Direitos Humanos fundamentais.

A atitude do ministro da Previdência feriu direitos legítimos dos cidadãos, com o agravante que se tratavam de pessoas bastante idosas. Ao contrário do que foi noticiado não houve um recuo, tirou-se da decisão apenas o ato mais ilegal e imoral nele contido, que era o corte no pagamento dos benefícios - que fatalmente seria derrubado na justiça -, mas manteve-se a decisão de considerar todos os aposentados com mais de 90 anos mortos até prova em contrário. A tática desumana e absurda terá triunfado se a retirada do "bode" da decisão for capaz de tirar dos holofotes este massacre que se comete contra os idosos.

*Pedro Tobias (PSDB) é deputado estadual e membro da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa.

alesp