10 ANOS DE ABERTURA DA VALA DE PERUS - OPINIÃO

Renato Simões*
21/12/2000 17:45

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Como marco da abertura da vala clandestina no cemitério municipal D. Bosco, em Perus, na cidade de São Paulo, no dia 4 de setembro de 1990, a Comissão de Direitos Humanos realizou uma importante audiência pública na Assembléia Legislativa para lembrar este triste e marcante acontecimento para a história do Brasil. Com isso, contribuímos para lembrar a triste truculência da ditadura militar, que serviu para a ocultação dos cadáveres de militantes políticos da resistência democrática àquele período.

Dez anos depois, os familiares dos mortos e desaparecidos políticos cobram do Governo de Mário Covas uma decisão a respeito do futuro da identificação dessas ossadas. Não basta resolver apenas alguns casos, o desfecho deste triste fato tem que ser total e não parcial. Como é do conhecimento público, 1.049 ossadas foram retiradas da vala comum de Perus e levadas à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde o Departamento de Medicina Legal daquela universidade conduziu durante esses anos o trabalho de identificação.

Evidentemente que, nos últimos anos, o desgaste e o descrédito do técnico responsável por aquele trabalho, legista Fortunato Badan Palhares, levou à paralisação dos trabalhos de identificação. Naquelas ossadas há ainda alguns militantes políticos a serem identificados. Ano após ano, os familiares desses mortos e desaparecidos, assim como toda a sociedade civil e democrática deste País, exigem providências enérgicas do Governo do Estado, que é o responsável por essas ossadas.

A Secretaria de Segurança Pública, que é responsável pela guarda legal dessas ossadas, tem, nos últimos anos, postergado uma decisão. Ontem, a ausência do Secretário Adjunto da Segurança Pública, Mário Papaterra Limonge, que é o responsável pela definição da Secretaria sobre esse caso, causou uma frustração muito grande aos familiares. Mesmo assim o representante da Secretaria, Fábio Bonini, assessor do secretário, disse que existe a disposição da Secretaria de retirar, imediatamente, aquelas ossadas da Unicamp e transferi-las para o Instituto Médico Legal de São Paulo, órgão subordinado à Secretaria de Segurança. Não entendemos por que o Governo do Estado demorou um ano e meio para tomar essa decisão. Em fevereiro do ano passado estivemos na Secretaria de Segurança Pública, vários Parlamentares, familiares, reitor da Universidade Estadual de Campinas e Secretaria de Justiça. Naquela oportunidade, Marco Vinicio Petrelluzzi, Secretário de Segurança, já havia dito que, se a Universidade de São Paulo - que vinha negociando há meses um convênio com o Secretaria para a transferência das ossadas - não se dispusesse a ultimar os termos desse convênio em 30 dias, o IML ficaria encarregado desse trabalho. E os familiares - que já haviam vetado, nos anos 80, o IML pela participação de médicos legistas da ditadura naquela instituição - há um ano e meio concordaram com essa proposta, desde que a Secretaria assegurasse a presença de um perito independente e internacional para acompanhamento dos trabalhos em nome dos familiares. Portanto, há um ano e meio a resposta dos familiares já estava dada ao secretário. Mesmo assim vem a Secretaria, nas vésperas da celebração dos 10 anos de abertura daquela vala, reiterar uma proposta que já fora aceita tanto tempo atrás.

Queremos que os 10 anos de abertura da Vala de Perus resgatem aquele período trágico da nossa história, recoloque para a sociedade brasileira os desafios da democratização e o repúdio à ditadura. Eles serão lembrados no próximo dia quatro, às 19 horas, na Câmara Municipal de São Paulo, em ato promovido por inúmeras entidades, entre as quais a Comissão de Direitos Humanos desta Casa, para que relembremos a memória e atualizemos a cobrança ao governador de São Paulo, ele próprio vítima da ditadura militar, que, até agora, não vem honrando os compromissos que assumira com a limpeza desse passado, através da reparação moral das vítimas daquele período.

RENATO SIMÕES

Deputado estadual (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e relator da CPI estadual do narcotráfico.

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