LIÇÕES DA ARGENTINA - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
09/01/2002 14:04

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O processo eleitoral brasileiro está de tal forma contaminando as análises sobre a crise Argentina, que corremos o sério risco de perder a oportunidade de dimensionar corretamente os erros do país vizinho.

De um lado, os defensores de FHC, Malan e Cia. apressam-se em dizer que algo semelhante poderia ter ocorrido por aqui em 99, caso não houvesse a "brilhante" intervenção da equipe econômica que culminou com a desvalorização do real. Tentam vender a imagem de que a estabilidade econômica, por si só, é uma prova cabal e definitiva do sucesso do modelo econômico brasileiro. A partir daí, procuram estabelecer uma analogia pela qual a vitória de um candidato oposicionista poderia nos levar a uma espécie de efeito "Orloff" - vivenciando amanhã o que a Argentina vive hoje.

Alguns outros, de forma açodada e simplista, atribuem a crise dos nossos vizinhos à simples aplicação do modelo neoliberal, abrindo brechas para a desconsideração de aspectos importantes como a estabilização, o ajuste fiscal e o equacionamento do setor público da economia.

Ambos posicionamentos são enganosos, demagógicos e simplificam o debate. É óbvio que a estabilidade do real deve ser saudada e que a adoção do câmbio flutuante foi uma medida acertada. Não se deve esquecer, no entanto, que ela foi adotada de forma tardia e que a política ortodoxa do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, apoiada por Fernando Henrique, só foi alterada no segundo mandato de FHC, após sérias turbulências econômicas, o que trouxe ônus pesadíssimos à economia brasileira, entre os quais o crescimento monstruoso da nossa dívida externa. A desgraça alheia não deve ofuscar o fato de não termos um modelo de desenvolvimento sustentado: somos altamente dependentes do capital externo e as desigualdades sociais e regionais vêm se aprofundando nos últimos anos.

Da mesma forma, não se pode ficar no reducionismo de parcelas da oposição que simplesmente falam do neoliberalismo como o bode expiatório para tudo. Trata-se de uma forma cifrada de desqualificar as necessidades de se adaptar ao processo de inserção global da economia e de reformar o estado, adequando-o a essa nova realidade. Esse comportamento fragiliza seus protagonistas, na medida em passa uma idéia de ser contrário, sem apresentar alternativas.

O caso da Argentina é grave e ainda sem nenhuma estabilidade a vista. Ainda há dúvidas sobre a eficácia das medidas econômicas e permanece tensa a situação política e institucional. De qualquer forma, desde já ela nos deixa alguns ensinamentos:

Em primeiro lugar, é fundamental que tenhamos consciência da nossa responsabilidade por sermos solidários, amigos e co-responsáveis por uma solução equilibrada da crise Argentina. Isso é fundamental para a nossa estratégia de desenvolvimento, que passa pela construção e fortalecimento do Mercosul, no qual a Argentina é um parceiro fundamental e imprescindível;

Em segundo, a nossa conformação política, institucional e econômica é bastante diversa, o que nos dá a certeza de que não corremos o risco de reeditar a instabilidade da Argentina, independentemente do resultado das próximas eleições, por mais que cassandras digam que a vitória oposicionista possa desestabilizar o país;

Em terceiro, embora não se possa simplificar e atribuir o fracasso da economia ao neoliberalismo, pura e simplesmente, é inegável que a Argentina viveu a mais fiel e profunda experiência neoliberal, preconizada pelos organismos internacionais e pelo governo de Washington, os mesmos que estão agora abandonando o país à própria sorte.

Em resumo, a principal lição que fica é a de que devemos ter cautela redobrada em relação a esses modelos ortodoxos e a melhor forma de prevenção é a manutenção da estabilidade econômica associada a uma política autônoma de desenvolvimento sustentado.

Arnaldo Jardim, engenheiro civil, é deputado estadual e presidente estadual do PPS, foi secretário da Habitação (1993) e relator Geral do Fórum SP Séc. XXI.

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