Opinião - A lição da água


31/03/2009 16:30

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A poetisa norte-americana Emily Dickinson (1830 " 1886) é autora de um epigrama que impressiona pela beleza dos versos e pela sutileza descritiva. Tomo a liberdade de reproduzir a obra em uma tradução livre: "A água se ensina pela sede / A terra, pelos mares navegados / A satisfação, pela aflição / A paz, pelas batalhas narradas / O amor, pelos vestígios da memória / O passaredo, pela neve".

Da carência nasce o entendimento. É um modo de aprender, um dos mais sofridos. Esses belos versos sintetizam mesmo a história da artista, que não publicou em vida. Sua grandeza só foi compreendida após a morte. Avisto um mundo de sede a se agigantar em nosso horizonte. E não é uma "sede" lírica, mas a sede concreta, aquela associada à vontade de beber.

Vivemos em um mundo que a cada dia se fragiliza pela destruição de suas nascentes de água doce, pelo aniquilamento dos rios, pela degradação de nossos lençóis freáticos. Nosso planeta é abundante em recursos hídricos, mas segundo dados disponíveis na Agência Nacional de Águas, do 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos existentes na Terra, só 2,5% é de água doce.

Esse precioso recurso, porém, não está disponível exclusivamente para consumo. Tira-se aí a parte das águas que está nas geleiras (68,9%), a água subterrânea (29,9%) e o 0,9% que constitui solos úmidos como pântanos e solo permanente congelado. Daqueles 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos, apenas 0,0066% é constituído de água doce encontrável em rios e lagos. Parece muito quando visto individualmente, pois são 93 mil quilômetros cúbicos, mas é uma ilusão ver esse recurso como vasto e, pior, como inesgotável.

O Brasil é privilegiado no sentido de ser o país com maior volume de fontes renováveis do planeta. Detemos 13,7% da água doce superficial da Terra. É um patrimônio a ser muito bem administrado, e não dissipado. Podemos de fato aprender pela carência, vendo acabar, uma a uma, nossas fontes de água potável. Seria uma tragédia, pelos danos morais e materiais.

Por isso mesmo apresentei o Projeto de Lei 212/2008. Nele, proponho a criação de uma "Campanha Permanente de Proteção aos Recursos Hídricos e Incentivo à Redução do Consumo de Água". A intenção é desenvolver ações de comunicação na mídia sobre o tema, além de incluir atividades educativas na rede pública de ensino. A proposta já passou por todas as três comissões de avaliação na Assembleia Legislativa de São Paulo e está pronta para a ordem do dia, o que me faz esperançoso de uma aprovação do texto ainda em 2009.

O tema do Dia Mundial da Água deste ano, celebrado em 22 de março, será a saúde, outro tópico pelo qual dedico grande atenção em minha vida parlamentar. A aprovação do Projeto de Lei 212/2008 poderia intensificar esse processo de tomada de consciência da importância da manutenção de nossos recursos hídricos.

Comecei esse texto com uma poesia, termino-o com outra. Dessa vez do poeta britânico Coleridge, autor de A balada do velho marinheiro, que narra a história de um náufrago em alto mar, limito-me aqui a um pequeno trecho da obra: "água, água para todo lado / e nem uma gota para beber". A degradação de nossas fontes naturais legará às gerações futuras veneno, ao invés de vida. Não deixemos que isso aconteça.



* Jonas Donizette (PSB) é deputado estadual e líder da bancada do PSB na Assembléia Legislativa de São Paulo

alesp