Opinião - Valores invertidos


02/03/2010 16:03

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"Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva". Essa frase de uma das obras de Adorno & Horkheimer é um retrato fiel de nosso tempo. O influente filósofo do século 20, o alemão Theodor Adorno (1903-1969), lutava contra o que ele chamava de "indústria cultural", uma denominação muito conhecida em nossos dias.

A indústria cultural impossibilita a formação de indivíduos autônomos e capazes de julgar e de decidir conscientemente. Hoje o que rege a sociedade é a lei do mercado, que interfere de forma a manipulá-lo. O mercado nos vê como objetos, que não precisam mais se dar ao trabalho de pensar; é só escolher a imensidão de possibilidades que nos oferecem.

Infelizmente, são esses mesmos indivíduos, que impossibilitados de refletir sobre a realidade atual, criticam ferozmente os políticos e a política, e vêm deles as frases prontas como: "político é tudo ladrão" e "sempre dá tudo em pizza". Esse falso recorte é produzido, geralmente, por alguns formadores de opinião, que por sua vez divulgam informações imprecisas e sem uma análise mais profunda dos assuntos políticos de nosso país. É esse mesmo grupo que vende nos noticiários uma pseudocultura que banaliza e fabrica pessoas em escala, com gostos e opiniões muito parecidos.

Infelizmente, sei que nosso país ainda não é uma referência em educação e cultura, mas mesmo assim temos a escolha de ver pelos olhos de outros um recorte da realidade ou então ver por meio de nossos próprios olhos. Onde estão nossos literatos, atores, cantores, compositores e cronistas de espírito inovador e crítico? Nego-me a acreditar que eles existiram apenas nos momentos de morte da democracia, como na ditadura militar, acredito que eles estejam a nossa volta, sufocados e escondidos atrás de uma industria massiva e que valoriza o igual e superficial.

Em pleno carnaval, Brasília foi cenário de uma das piores fases políticas e apenas um seleto grupo foi às ruas de nossa capital mostrar a insatisfação com a situação vigente; e as outras pessoas, onde estariam? A maioria acompanhou o carnaval de casa ou pessoalmente, consumindo e gastando aos montes. Enquanto muitos dançavam o "rebolation" " música que virou febre no começo deste ano ", pouquíssimos preocuparam-se de forma efetiva com o futuro de nossa política.

Voltando a Adorno, a "cultura verdadeira é aquela implicitamente crítica, e o espírito que se esquece disso vinga-se de si mesmo através dos críticos que ele próprio cria. Crítica é um elemento inalienável da cultura em si mesma contraditória, e, com toda a sua inveracidade, a crítica ainda é tão verdadeira quanto a cultura é inveraz". É exatamente essa postura crítica frente à realidade que tem faltado nos dias atuais. A indústria tem construído uma população extremamente insatisfeita e que alienada torna-se ainda mais consumista, e isso nós podemos combater.

Todos nós temos escolhas a fazer; podemos acompanhar de forma mais ativa na política nacional, ler livros que vão além das auto-ajudas que vendem milhões, ouvir músicas que não estão nas paradas de sucesso mais populares e pensar em como ajudar o próximo e a salvar o nosso meio ambiente. Às vezes temos que fugir da caverna em que vivemos para ver que há muito além das sombras que nos fazem ou nos propomos a ver.

*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e presidente estadual do partido. Também participa das comissões de Defesa dos Direitos do Consumidor e de Economia e Planejamento.

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