Sardinha de quinta categoria

OPINIÃO - Romeu Tuma*
04/06/2003 18:48

Compartilhar:


Ao defender as reformas que o governo brasileiro pretende imprimir à economia do país, o ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, compara o Brasil com a Noruega, país europeu que está entre os detentores dos melhores índices de qualidade de vida em todo o mundo. Em evento realizado na Assembléia Legislativa, o homem-forte do "Lula-presidente" disse que os brasileiros poderiam aceitar a elevação da idade mínima para aposentadoria, conforme vem sendo estudado para a Reforma da Previdência, já que, na Noruega, os homens se aposentam com mais de 80 anos.

Mais uma vez a equipe de nosso presidente se equivoca. Faz uma comparação completamente descabida para justificar o injustificável. Talvez, ao defender as mudanças na Previdência, que na verdade vão contra tudo o que o "Lula-candidato" pregava, o ministro Dirceu deveria lembrar de algumas outras questões quando compara o Brasil com o que há de melhor no primeiro mundo. Enquanto os nobres noruegueses aposentados se alimentam com salmão de primeira, em quantas refeições por dia forem possíveis, os pobres aposentados brasileiros mal comem; e quando o fazem precisam se contentar com uma sardinha de quinta. Está aí a campanha "Fome Zero" para não me desmentir.

Sabemos que o Brasil precisa (e nós apoiamos) das reformas, tanto da Previdência, como política e administrativa. Mas não podemos aceitar que as convicções do passado não tão distante daqueles que hoje comandam o país sejam jogadas por terra. Lula foi eleito com base em promessas de mudanças. Mas o que assistimos hoje é uma reprodução fiel da política adotada por Fernando Henrique Cardoso e sua equipe ao longo dos últimos oito anos.

Os discursos de outrora tanto destoam da prática atual que até o vice-presidente José Alencar, que tem uma história de vida mais ligada aos setores conservadores, se apresenta muito à esquerda dos próprios petistas. Ele não cansa de criticar os rumos que a política econômica de Lula vem tomando, o que causa constrangimentos diários ao presidente e a seus seguidores.

Em vez de ficar comparando o Brasil com a Noruega, o governo deve encontrar meios efetivos de combater a sonegação no país, a fim de evitar a penalização do funcionário público que comprovadamente não sonega e é sempre quem paga por tudo. Nossos governantes precisam parar de crucificar o funcionalismo. Vale lembrar que o desfalque da Previdência foi ocasionado pelo calote que inúmeras empresas (muitas delas, de grande porte) deram ao setor. Não sejamos hipócritas: há tantos anos ouvimos falar do rombo na Previdência, mas ninguém cobrou os devedores. Esperamos que os congressistas, antes de tomar decisões de forma rápida e precipitada para agradar grupos de eleitores, identifiquem e apresentem formas de cobrar os grandes devedores. Sem contar que o temor implantado no funcionalismo deverá provocar um acúmulo de pedidos de aposentadorias, o que pode levar o já combalido sistema previdenciário à falência completa.

Pelo andar da carruagem, podemos antever que os pobres brasileiros estão cada vez mais longe do salmão norueguês. Pior: muitos deverão ficar felizes se conseguirem ao menos tirar uma lasquinha de qualquer sardinha de quinta que lhe oferecerem.

*Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual e presidente da Comissão de Segurança Pública na Assembléia Legislativa de São Paulo.

alesp