Um voto a favor do funcionalismo estadual

OPINIÃO - Romeu Tuma*
17/06/2003 16:05

Compartilhar:


Ao votar o Projeto de Lei Complementar nº 9, a Assembléia Legislativa está definindo como será o futuro de milhares de servidores públicos de São Paulo. O PL 9 institui a contribuição previdenciária mensal de 5% sobre a remuneração do funcionalismo estadual, para custeio de aposentadorias, elevando o desconto sobre os salários para 11% (6% já são descontados para pagamento de pensões).

De minha parte, entrei na luta para impedir que a medida constituísse um bilhete vermelho para milhares de cidadãos, milhares de brasileiros que aqui vivem e que aqui construíram as suas vidas, sempre acreditando que um governo legalmente constituído jamais iria lhes usurpar um direito adquirido.

O governo do Estado argumenta que é preciso estancar um rombo de R$ 7,5 bilhões da seguridade. Enquanto isso, nós só queremos saber onde foi parar o dinheiro arrecadado com as privatizações do Banespa e da Eletropaulo e com as concessões de nossas rodovias. É fato que o governo está querendo aumentar o bolo de sua arrecadação para fugir das malhas da Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita o gasto com o funcionalismo em 60% da receita líquida do governo. O objetivo deste projeto é desviar para o Tesouro estadual todos os recursos oriundos da elevação da alíquota de desconto dos servidores públicos - de 6% para 11%.

Causa estranheza o fato de o projeto não mencionar o Ipesp (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo). Em vez de criar um fundo de previdência, o governo simplesmente canaliza recursos para o Tesouro, ou seja, ele cria mais um imposto, ferindo assim o princípio da igualdade, uma vez que a nova forma de arrecadação só vai recair sobre os servidores públicos.

Durante o processo, tentamos corrigir esse "equívoco" com a apresentação de uma emenda que previa a destinação desses recursos para o Ipesp. Porém, o relator da matéria recusou a inclusão da emenda, alegando que o tema não era pertinente neste momento.

Diante de tanta incoerência, afirmar que votar a favor ou contra a aprovação do PL 9 é se posicionar contra este ou aquele partido ou contra ou a favor do governo, nada mais é do que uma demonstração evidente de uma visão míope da real situação. Ninguém pode tratar a matéria com tanta pequenez. A lei retroage para beneficiar o criminoso e, neste caso, querem retroagir, lamentavelmente, para prejudicar o trabalhador, ferindo de morte o tal do direito adquirido ou deixando-o apenas como cláusula pétrea para aqueles que andam à margem da sociedade.

Votar a favor deste PL é votar contra o funcionalismo público, transferindo-lhe a culpa pelo rombo da previdência social, que todos nós sabemos não foi ele quem causou. É importante que a opinião pública não se esqueça da Jorgina, do Lalau, dos anões do orçamento, do João de Deus, do Silveirinha, dos grandes devedores da Previdência e de tantos outros que causaram esta monstruosa dívida. Não podemos nos esquecer que o Proer, só para socorrer um banco, acabou dando a uma instituição privada quase o dobro do valor do déficit da seguridade de nosso Estado.

É muito mais fácil cobrar do funcionalismo. Afinal, quem trabalha arduamente todos os dias não tem tempo para pensar em safadezas. Penalizar os previamente rotulados parece tarefa mais fácil, até porque eles não têm a quem recorrer, uma vez que o próprio governo virou-lhe as costas. Os servidores públicos não têm os benefícios do FGTS, seus descontos são na folha de pagamento e eles se encontram num beco sem saída.

Querer macular os servidores públicos por causa de alguns poucos maus funcionários é uma leviandade. Quem nunca estudou numa escola pública, ou foi atendido num hospital público, ou pela polícia, ou pelos bombeiros? São essas pessoas abnegadas os tais dos servidores públicos. Dá para acreditar que eles sejam os vilões que o governo quer incriminar? Quem dedicou sua vida inteira servindo a população no funcionalismo público, quem tem um pai que faz o mesmo há meio século, quem tem uma mãe que durante 35 anos formou cidadãos como professora teria vergonha de se olhar no espelho se tomasse outra posição.

Não voto contra ou a favor do governo, como se tentou polemizar na condução dos debates. Voto de acordo com a minha consciência e a minha coerência. Voto pela dignidade, pela ética, pela justiça. Não há governo no mundo que possa perseguir o legislador, em sã consciência, por votar a favor de algo que lhe pareça mais correto, mais justo, até porque ambos, governo e legislador, devem, cada um no âmbito de sua competência constitucional, governar ou legislar para todos os cidadãos, aprovando o que é bom e reprovando o que é ruim, sem perder de vista que o mandato é do eleitor e não do eleito, e principalmente que o interesse público tem que estar acima de quaisquer outros.

Quero repartir com todos um ensinamento que utilizo na minha vida, tanto pessoal como profissional, como um princípio que faz parte daqueles que norteiam minha atuação: é melhor perder em pé do que ganhar deitado.

*Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PPS-SP) e presidente da Comissão de Segurança Pública na Assembléia Legislativa de São Paulo

alesp