De advogado a criminoso: só um passo

OPINIÃO - Afanasio Jazadji*
10/06/2003 13:18

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O advogado Clóvis Sahione foi flagrado no Rio de Janeiro ao assumir atitude totalmente criminosa, no fim de maio: a poucos metros do juiz Lafredo Lisboa, na 3.ª Vara Criminal do Tribunal Regional Federal, ele determinou ao seu cliente Carlos Eduardo Pereira que alterasse a letra ao assinar um documento de tentativa de defesa contra as acusações de participação no escândalo das propinas de fiscais estaduais. O caso alcançou repercussão nacional, pois a ordem do advogado para o denunciado acabou sendo captada por microfones de rádios e TVs, e mais tarde reproduzida em programas jornalísticos.

Esse escândalo do Rio, que a cada dia aponta o envolvimento de um número maior de pessoas, com informações que chocam a opinião pública, trouxe à tona uma antiga discussão a respeito das restrições impostas aos advogados por um código de ética: segundo as normas que eles juraram seguir, não podem orientar seus clientes no sentido de cometer ato ilícito ou criminoso. Cada advogado tem a obrigação de honrar seu compromisso diante do cidadão que passa a defender em determinada causa, mas jamais trilhando caminhos semelhantes aos dos verdadeiros criminosos. Há um compromisso, acima de tudo, com a lei, com a verdade, com o País. Mentir ou falsear para o juiz é tentar enganar a sociedade.

Nos últimos dias, a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Estado do Rio, anunciou que promoveria uma reunião extraordinária do seu Tribunal de Ética para estudar a suspensão temporária do advogado Clóvis Sahione. O presidente da OAB nacional, Rubens Aprobatto Machado, manifestou preocupação com o rumo do episódio, que poderia prejudicar o conceito da profissão. De advogado a criminoso: só um passo.

O importante é não generalizar. Existem bons e maus advogados, assim como existem bons e maus médicos, engenheiros, economistas, jornalistas, professores, bancários, motoristas, policiais, dentistas, empresários, políticos. Partindo do princípio de que a maioria é correta, não devemos acreditar que o advogado Clóvis Sahione seja autêntico representante do estilo dos advogados de nosso País. Aliás, aquele advogado carioca tentou negar seu crime, no Rio, depois de a gravação ter comprovado sua ordem ao cliente. Ele disse que o fiscal Carlos Eduardo Pereira estava algemado e, assim, ao assinar documento, sua letra ficaria desvirtuada. O juiz Lafredo Lisboa, entretanto, encarregou-se de refutar essa tese, explicando que Sahione sabia que seu cliente assinaria sem as algemas.

Foi, de certo modo, a reedição do episódio Rubens Ricúpero. Em seus tempos de ministro da Fazenda, nos anos 90, Ricúpero foi traído pelo imprevisto de um microfone aberto num estúdio de TV antes de iniciar uma entrevista, o que o levou a emitir opiniões contrárias às suas versões oficiais. O ministro, envergonhado, pediu demissão. Agora, mais recentemente, aconteceu algo parecido com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que falou mal da política de juros altos do governo Lula porque acreditava estar sendo acompanhado só por políticos do PT num hotel de São Paulo e não por jornalistas diante de um telão com sua imagem e sua voz. Conclusão: são ótimas essas trapalhadas, é excelente contar com recursos da mídia para expor a sinceridade e a verdade. O caso do Rio tomou outro rumo graças a sua divulgação. Os advogados de bem, que constituem maioria e que respeitam as leis e o País, agradecem. É fundamental separar o joio do trigo.

*Afanásio Jazadji é advogado, radialista e deputado estadual pelo PFL

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